Adjudicação Compulsória de Contratos de Promessa de Compra e Venda sem registro imobiliário: análise da validade das decisões judiciais proferidas nesse sentido a partir de um raciocínio hermenêutico relacionado à aparente antinomia entre os arts. 1.417 e 1.418, CC e a Súmula nº 239, STJ


Sabe-se que a fonte primária do direito é a lei, a norma jurídica, e só em um segundo plano, de forma secundária portanto, os princípios, costumes, a equidade e a jurisprudência, ou seja, somente quando houver lacuna no ordenamento jurídico (art. 4º da LICC).


Todavia, segundo as melhores técnicas de hermenêutica, a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas não deve ser feita a partir apenas de uma leitura gramatical e/ou literal das mesmas, mas sim levando em consideração ainda outros critérios, tais como: histórico, teleológico ou finalístico e sistemático.


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Então ao se interpretar dada norma jurídica, deve se observar quais as tendências dos tribunais do país (jurisprudência), quais os fins sociais em jogo, através da análise dos costumes, e quais os princípios que norteiam a atividade em comento.


E quando houver antinomia entre as fontes do direito, normalmente serão elas aparentes, pois o ordenamento jurídico é completo uma vez que se locupleta em todas as suas várias fontes do direito e suas formas de interpretação.


Isto posto temos o aparente conflito entre o disposto nos arts. 1.417 e 1.418 do CC e a Súmula nº 239 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, cujo teor segue adiante na íntegra para uma maior compreensão do tema:


“TÍTULO IX – Do Direito do Promitente Comprador


Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.


Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”


Sumula 239: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.


Fazendo-se uma análise mais criteriosa temos que as normas legais em comento deixam clara a necessidade do REGISTRO do instrumento de promessa de compra e venda no cartório imobiliário competente, para que o comprador adquira o DIREITO REAL e assim faça jus ao direito de aquisição do bem através da chamada “adjudicação compulsória”.


Verifique-se ainda que o “saite” do Superior Tribunal de Justiça – STJ não traz como referência legislativa, para fundamentar a edição da súmula nº 239, qualquer artigo do Código Civil, uma vez que a edição de tal súmula se deu no final de 2000, portanto bem antes do advento do novo Código Civil de 2002, com entrada em vigor apenas em 2003.


Ademais os artigos, acima transcritos, não possuíam correspondência no Código Civil de 1916, portanto tal matéria estaria sem regulamentação à época da edição da referida súmula, que tratou de suprir a lacuna então existente, dentro do raciocínio acima delineado.


Destarte, restaria a seguinte pergunta: estaria a Súmula nº 239 do STJ revogada com o novo regramento da matéria trazido pelo Código Civil, ou haveria possibilidade de se recepcionar tal entendimento a partir de um exercício hermenêutico.


Atrevo-me a dizer que a posição atual do STJ, em manter a plicação da dita súmula, me parece equivocada posto que contra legem o que é amplamente vedado no ordenamento jurídico pátrio, eivando inclusive de nulidade as decisões proferidas nesse sentido, s.m.j..


A questão merece ser repensada e rediscutida visando sempre uma maior segurança das relações jurídicas envolvidas, pois pior do que o caos jurídico causado pela mudança de entendimento até então vigente, sujeitando várias decisões já prolatadas, à alteração mediante sua reforma, será permitir que se continue fundamentando teses e mais teses sobre o manto de um entendimento equivocado, porque notadamente contra legem.



Informações Sobre o Autor

Thales Pontes Batista

Advogado, Especialista em Direito do Consumidor, Especialista em Direito Imobiliário, Registral e Notarial, Membro da Comissão de Defesa do Consumidor – OAB/CE


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Equipe Âmbito Jurídico

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