De acordo com Guilherme Broto Follador, a decisão do Supremo Tribunal Federal é equivocada. “Esse erro está alicerçado, fundamentalmente, numa inadequada compreensão da finalidade da norma imunizante prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição Federal”
“A decisão do STF – Supremo Tribunal Federal favorável à incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na integralização com imóveis do capital de sociedades é equivocada; esse erro está alicerçado, fundamentalmente, numa inadequada compreensão da finalidade da norma imunizante prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição Federal”. A análise é do advogado tributarista Guilherme Broto Follador, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB Paraná e sócio do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados.
A Suprema Corte concluiu o julgamento do RE nº. 796.376, que fora admitido com repercussão geral. Segundo a leitura da maioria dos ministros, aplicar integralmente a imunidade, nesse caso, equivaleria a promover uma interpretação extensiva do dispositivo constitucional que a veicula (CF, art. 156, §2º, I), de modo tal que ele passaria a abranger não apenas as transmissões feitas com vistas à integralização do capital subscrito, mas também as voltadas a outras finalidades – como, no caso, a formação de reserva de capital. “Isso, segundo entendeu o STF, desvirtuaria o objetivo do constituinte, que seria o de fomentar a formação do capital social necessário para o desenvolvimento das atividades econômicas”, observa o advogado.
“Parece-nos, contudo, que o STF se equivocou quanto ao alvo da proteção constitucional, que não é dirigido à formação do capital das pessoas jurídicas, mas ao estímulo à utilização de imóveis como veículos de investimento no capital de pessoa jurídica”, pontua Follador. Para ele, a intenção do legislador constituinte não foi a de fomentar a constituição do capital social das pessoas jurídicas, mas sim a de encorajar a aplicação de imóveis em atividades econômicas, mediante a sua troca por participação societária. “Por isso, sob o prisma teleológico, o foco do exame deve estar no estímulo constitucional à conduta do investidor, de entregar imóveis em troca da aquisição de participação no capital social, e não na formação do capital social da pessoa jurídica adquirente. Consequentemente, deve importar menos a classificação contábil do investimento recebido, e mais a natureza dos bens recebidos pelo alienante como contrapartida desse investimento”, conclui.
O advogado considera a seguinte lógica: não houvesse essa imunidade, entregar imóveis para adquirir participação societária seria desvantajoso em comparação com a utilização de dinheiro, ou de bens móveis, para essa mesma finalidade. “A imunidade veio precisamente para negar a possibilidade de tributação nessas operações”. A Constituição de 1946 previa expressamente a possibilidade de tributação nesses casos, e a Emenda Constitucional nº 18/1965 foi a responsável por introduzir essa imunidade no ordenamento.
Follador frisa que é importante observar que a subscrição da participação societária e a sua integralização são atos inconfundíveis, ainda que, muitas vezes, ocorram simultaneamente. Não há relação necessária entre o valor nominal da participação subscrita e o valor pago pelo sócio para integralizá-la. Pelos mais variados motivos, uma sociedade pode optar por apenas conferir participação societária a quem se disponha a pagar, pelas quotas ou ações adquiridas, um valor superior ao seu valor nominal. Um dos casos mais comuns é aquele em que a sociedade precisa captar recursos junto a investidores, mas não deseja possibilitar que esse novo aporte implique a diluição das participações dos sócios mais antigos; para evitar que o aumento de capital abale a estrutura política da sociedade, ela emite quotas ou ações com ágio, de tal modo que, mesmo contribuindo com elevada importância para a formação do patrimônio próprio da sociedade, o investidor recebe um número reduzido de quotas ou ações, ressalta.
O fundamental, segundo ele, é observar que “quer quando adquire as ações ou quotas com ágio, quer quando as adquire pelo exato valor imputado ao bem que entregou à pessoa jurídica, o sócio não recebe da sociedade outra contrapartida senão as quotas ou ações inerentes à participação subscrita”. O ágio é apenas parte do preço de uma operação que o sócio ingressante faz, sem dúvida, “em realização de capital”, na exata dicção do dispositivo constitucional.
Além disso, de acordo com o advogado, o entendimento de que a imunidade somente se aplica na medida em que haja equivalência entre o valor do bem imóvel integralizado e o valor do capital subscrito é deveras perigoso, pois, ao tornar relevante o valor do bem imóvel entregue em troca das ações ou quotas, também pode encorajar o Fisco a, mesmo nos casos em que o valor atribuído pelas partes ao imóvel integralizado seja idêntico ao valor do capital subscrito, desprezar essa autoavaliação e arbitrar o valor do imóvel, para, assim, cobrar o ITBI sobre a diferença entre o valor do capital subscrito e aquilo que considerar ser equivalente ao “valor venal” do bem.
Resumindo, Follador observa que, com sua decisão, a Suprema Corte dá azo a uma situação de tremenda insegurança jurídica, além de ir, mais uma vez, de encontro à dimensão teleológica da imunidade em questão. Afinal, é mesmo de se duvidar que, diante desse novo quadro, alguma sociedade se arrisque a receber investimentos feitos mediante a entrega de imóveis, se acreditar estar presente o risco de, posteriormente, o Fisco vir a defender que o montante nominal ou das quotas adquiridas não correspondia ao “valor venal” do imóvel e, assim, acabar sofrendo alguma sorte de cobrança a título de ITBI.
“Torcemos, em razão disso, por uma mudança na orientação da Corte Suprema. Infelizmente, porém, parece-nos pouco provável que isso se verifique no curto prazo. Resta, por ora, aguardar a publicação do acórdão e a decisão a ser tomada nos embargos de declaração que, seguramente, sobrevirão”, finaliza o advogado.
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