Resumo: O trabalho apresentou estudo sobre os aspectos gerais do agravo de instrumento interposto contra as decisões de primeiro grau, sob a luz do código de processo civil de 2015. O objetivo do trabalho foi o debate e a reflexão sobre o agravo de instrumento contra as decisões de primeiro grau, sobretudo, no que tange a melhor interpretação a ser realizada sobre o art.1.015 do novo diploma legal, que elenca as hipóteses de cabimento desse recurso. O primeiro capítulo abordou os princípios gerais do direito processual civil relevantes para a compreensão do tema. Já o segundo capítulo teve como foco o regramento geral e peculiaridades do agravo de instrumento, enquanto que o capítulo derradeiro tratou das formas de interpretação do cabimento desse recurso. Para a elaboração desse estudo, foi utilizado o método dialético, visto que, através da pesquisa bibliográfica foi coletado opiniões e interpretações acerca tema. Considerando os princípios constitucionais e do direito processual civil, bem como diante de todo o sistema processual, concluiu-se que o art. 1.015 do código de processo civil deve ser interpretado de forma extensiva, permitindo ao operador do direito manejar o agravo de instrumento contra decisões semelhantes às expressamente elencadas, para que a prestação jurisdicional seja realmente efetiva. [1]
Palavras-Chaves: agravo de instrumento, taxatividade, interpretação extensiva, cabimento, princípios.
Abstract: The work presented study on the general aspects of the interlocutory appeal lodged against first-degree decisions in the light of the Code of Civil Procedure, 2015. The objective was to debate and reflection on the interlocutory appeal against decisions of first grade, especially regarding the best interpretation to be held on art.1.015 the new law, which lists the chances of the appropriateness of this feature. The first chapter dealt with the general principles of civil procedural law relevant to the understanding of the subject. The second chapter focused on the general rules and peculiarities of the interlocutory appeal, while the last chapter dealt with the forms of interpretation of the appropriateness of this feature. For the preparation of this study, we used the dialectical method, as through literature was collected opinions and interpretations theme. Considering the constitutional and civil procedural law principles, and before all the procedural system, it was concluded that art. 1,015 of the civil procedure code should be interpreted broadly, allowing the right of the operator to handle the interlocutory appeal against decisions similar to those expressly listed, that the jurisdictional provision to be truly effective.
Keywords: interlocutory appeal, exhaustive, broad interpretation, pertinence, principles.
Sumário: Introdução. 1.Princípios processuais e recursais. 1.1. Razoável duração do processo. 1.2. Primazia do julgamento de mérito. 1.3. Princípio do duplo grau de jurisdição. 1.4. Princípio da taxatividade. 1.5. Princípio da singularidade unicidade ou unirrecorribilidade. 1.6. Princípio da voluntariedade. 1.7. Princípio da fungibilidade recursal. 1.8. Princípio da proibição da reformatio in pejus. 1.9. Princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias. 2. Agravo de Instrumento. 2.1. Breve histórico legislativo. 2.2. Prazo e regularidade formal. 2.3. Formação do instrumento. 2.4. Formas de interposição e comprovação da interposição. 2.5. Procedimento. 3.Interpretações das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. 3.1. Interpretação restritiva. 3.2. Interpretação extensiva. 3.2.1. Decisões agraváveis decorrentes da interpretação extensiva do art. 1.015 do CPC. 3.3. Rol exemplificativo do art. 1.015 do CPC. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O código de processo civil de 2015 trouxe diversas inovações e alterações legislativas, com bastante relevância na esfera dos recursos.
O agravo de instrumento contra as decisões de primeiro grau também sofreu mudanças significativas e teve as hipóteses de cabimento elencadas no art. 1.015 do novo diploma legal. Nesse sentido, o presente estudo analisará os aspectos gerais do agravo de instrumento interposto contra as decisões de primeiro grau, sob a luz do código de processo civil de 2015.
O objetivo do trabalho foi o debate e a reflexão sobre o agravo de instrumento contra as decisões de primeiro grau, sobretudo, no que tange a melhor interpretação a ser realizada sobre o art.1.015 do novo diploma legal, que elenca as hipóteses de cabimento desse recurso. Para tanto, atentar-se-á não somente à vontade do legislador, mas também os princípios constitucionais do processo civil e a efetividade da prestação jurisdicional.
O primeiro capítulo abordará os princípios gerais do direito processual civil e da teoria geral dos recursos relevantes para a compreensão do tema. Já o segundo capítulo terá como foco o regramento geral e peculiaridades do agravo de instrumento, enquanto que o capítulo derradeiro tratará das formas de interpretação do cabimento desse recurso.
Por meio da pesquisa bibliográfica, do estudo dos princípios da teoria geral dos recursos e dos princípios constitucionais do direito processual civil poder-se-á verificar se as hipóteses de cabimento do agravo de instrumentos contra as decisões de primeiro grau são taxativas, não admitindo qualquer outra interpretação que aumente o uso de tal recurso. Também há possiblidade de concluir que tal norma apresenta um rol exemplificativo, permitindo o manejo de aludido recursos em outras hipóteses. Por fim, há ainda a hipótese de que a melhor interpretação seja intermediária, isto é, que as hipóteses de cabimento são taxativas, entretanto, é possível o uso do agravo de instrumento contra decisões de cunho semelhante àquelas previstas em lei.
A realização do trabalho ocorre em razão de que a interpretação literal das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento contra as decisões de primeiro grau não parece satisfazer a diversificada casuística que ocorre na tramitação dos processos judiciais. Dessa forma, a pesquisa é justificada para, através do estudo, verificar quais interpretações podem ser realizadas e qual delas atende não só os princípios constitucionais e do direito processual civil, mas também o anseio da sociedade para que a jurisdição possa realmente ser efetiva e célere.
1. Princípios processuais e recursais
Neste primeiro capítulo serão estudados alguns princípios gerais do direito processual civil e da teoria geral dos recursos. Tal análise tem por escopo dar suporte para as respostas que serão apresentadas para o problema proposto neste trabalho.
Desde já, adianta-se que o estudo dos princípios não tem por desiderato o esgotamento da matéria e sim uma abordagem objetiva que colaborará com a conclusão desse estudo.
1.1. Razoável duração do processo
O princípio da razoável duração do processo ou da celeridade processual já estava expresso no art. 5º, LXXVIII[2], da Constituição Federal e, portanto, é considerado direito fundamental. Essa norma foi consagrada pela Emenda Constitucional 45/2004. No entanto, tal princípio já estava previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecido como Pacto de San José da Costa Rica, no art. 8, 1[3], do qual a República Federativa do Brasil é signatária.
Em que pese bastante claro, o princípio estabelece ser direito do jurisdicionado a celeridade processual, isto é, as partes devem ter uma solução processual de seus litígios em tempo razoável e de maneira eficaz.
Nessa toada, o código de processo civil de 2015 também prevê, de forma expressa, o referido princípio, no seu art. 4º, in verbis: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa".
É importante destacar a expressão “atividade satisfativa”, do texto legal, que evidencia não ser suficiente a resposta estatal que apenas reconheça direito, mas que torne efetiva a prestação jurisdicional e o próprio direito das partes. Assim, leciona Cassio Scarpinella Bueno[4]:
“A expressão “atividade satisfativa” é digna de destaque para evidenciar que a atividade jurisdicional não se esgota com o reconhecimento (declaração) dos direitos, mas também com a sua concretização. Até porque, nos casos de título executivo extrajudicial, o que o exequente busca perante o Estado-juiz é a satisfação do seu direito e não o reconhecimento de que ele existe.”
Ressalta-se que a razoável duração do processo não significa a tramitação de processos demasiadamente rápidos, a ponto de se olvidar a observância de outros direitos fundamentais, como o respeito à ampla defesa e ao contraditório, por exemplo. Além disso, a duração do processo dependerá do caso a ser apreciado, pois, é cediço que causas complexas, com várias partes e vários objetos terão provavelmente duração maior do que causas mais simples. O importante é avaliar se o Estado Juiz e as partes efetivamente colaboram para que os trâmites processuais ocorram dentro da normalidade e de acordo com as normas processuais, para que assim o princípio da razoável duração do processo não seja violado.
A ideia de concretização do princípio da razoável duração do processo veio bastante acentuada no código de processo civil de 2015, com a previsão de concentrar a defesa em uma só peça, evitando incidentes e exceções que podem tumultuar o trâmite processual, além da criação do incidente de demandas repetitivas e da confirmação da assunção de competência, que visam à isonomia e à segurança jurídica dos julgamentos, mas também possibilitam mais celeridade na resolução de conflitos[5].
1.2. Primazia do julgamento de mérito
O princípio da primazia do julgamento de mérito decorre do princípio constitucional de acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal[6]. De acordo com esse princípio não basta o mero acesso formal à justiça, a solução do mérito do conflito e a realização do direito material é pressuposto do acesso à ordem jurídica justa, salvo vício insanável do processo.
Acerca do referido princípio, leciona Leonardo Carneiro da Cunha[7]:
“[…] as regras processuais que regem o processo civil brasileiro devem balizar-se pela preferência, pela precedência, pela prioridade, pelo primado da análise ou do julgamento do mérito. O juiz deve, sempre que possível, superar os vícios, estimulando, viabilizando e permitindo sua correção ou sanação, a fim de que possa efetivamente examinar o mérito e resolver o conflito posto pelas partes. O princípio da primazia do exame do mérito abrange a instrumentalidade das formas, estimulando a correção ou sanação de vícios, bem como o aproveitamento dos atos processuais, com a colaboração mútua das partes e do juiz para que se viabilize a apreciação do mérito.”
O princípio da primazia do julgamento de mérito está previsto também no art. 4º do código de processo civil, conforme aduz Alexandre Freitas Câmara[8]:
“Uma leitura mais atenta, porém, permite verificar ali a afirmação de que “[a]s partes têm o direito de obter [a] solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
Consolida-se, aí, um princípio fundamental: o de que se deve dar primazia à resolução do mérito (e à produção do resultado satisfativo do direito) sobre o reconhecimento de nulidades ou de outros obstáculos à produção do resultado normal do processo civil. Eis aí, portanto, o princípio da primazia da resolução do mérito.”
A referência e regras de aplicação de tal princípio estão espraiadas em diversos dispositivos do código de processo civil de 2015, v.g, os arts. 317[9], 352[10] e 932, parágrafo único[11]. No entanto, a verificação da aplicação do princípio da primazia do julgamento de mérito é explicita no art. 488 do aludido diploma legal, in verbis: “Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485”.
Acredita-se que se a norma for deveras aplicada, a chamada jurisprudência defensiva, que estabelece obstáculos ao julgamento de mérito, estará fadada à extinção e os jurisdicionados poderão efetivamente receber o bem da vida buscado através do direito processual civil.
1.3. Princípio do duplo grau de jurisdição
Há diversas discussões doutrinárias acerca do princípio do duplo grau de jurisdição. A primeira delas diz respeito ao próprio conceito. Nelson Nery Jr. entende que o duplo grau de jurisdição é concretizado com a revisão da decisão judicial prolatada, independentemente, se realizada por outro órgão de hierarquia superior ou pelo mesmo órgão[12].
Já, Daniel Amorim Assumpção Neves[13] defende que a existência do duplo grau de jurisdição pressupõe que a revisão da decisão judicial seja efetuada por órgão jurisdicional diverso e de hierarquia superior, visto que a mera revisão da decisão pelo mesmo órgão que a proferiu ou por órgão diverso, de mesma hierarquia, significa apenas a possibilidade de manejo de recurso, mas não a efetivação do duplo grau de jurisdição.
As opiniões acima expostas refletem correntes doutrinárias opostas, contudo, verifica-se consenso de que para que exista duplo grau de jurisdição faz-se mister, no mínimo, a possibilidade de revisão de decisão judicial emanada.
Outra discussão existente no meio doutrinário é identificar se o princípio do duplo grau de jurisdição é princípio constitucional ou infraconstitucional.
Humberto Teodoro Júnior[14] advoga ser um princípio constitucional implícito em razão da organização hierárquica do Poder Judiciário na Constituição Federal. No mesmo diapasão dissertam Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha[15]:
“Considerando que o princípio não precisa estar expressamente previsto para que esteja embutido no sistema normativo, pode-se concluir que a Constituição Federal, ao disciplinar o Poder Judiciário com uma organização hierarquizada, prevendo a existência de vários tribunais, tem nela inserido o princípio do duplo grau de jurisdição.”
Todavia, há outra corrente doutrinária que sustenta não ser o princípio ora em estudo um princípio constitucional, nem mesmo implícito. Isso porque a lei infraconstitucional poderia não prever a possiblidade de revisão da decisão por outro órgão hierarquicamente superior, como ocorre no caso do recurso inominado, previsto na Lei 9.099/95[16], que estabelece o julgamento do referido recurso por um colegiado de juízes de mesma hierarquia do juízo a quo. Nessa senda, defende Daniel Amorim Assumpção Neves[17]:
“Esse é o melhor entendimento, não se podendo entender que a mera previsão constitucional de diferentes tribunais seja suficiente para daí concluir pela previsão implícita do duplo grau de jurisdição. A existência de tais tribunais garante o sistema recursal, mas não consagra o duplo grau de jurisdição, não sendo correto se entender que, somente pela razão de existirem tribunais, toda e qualquer demanda deva ser reexaminada por um deles.”
Entende-se que o princípio do duplo grau de jurisdição é princípio constitucional implícito pelo argumento já exposto acima e pelo disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal, ao estabelecer que “ aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (Grifo nosso).
No entanto, adverte-se que esse princípio não é absoluto, sendo relativizado pela própria Constituição Federal, que atribui aos tribunais superiores competência originária para determinadas matérias, não prevendo a possibilidade de um segundo grau[18]. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o duplo grau de jurisdição é garantia constitucional, mas absoluta[19].
Ainda a lei infraconstitucional também pode relativizar o princípio do duplo grau de jurisdição, privilegiando a aplicação de outras normas, como ocorre no procedimento do Juizado Especial Cível, no qual prevalecem os princípios de acesso à justiça, oralidade e celeridade processual.
1.4. Princípio da taxatividade
Segundo o princípio da taxatividade, os recursos somente podem ser criados por lei federal. Isso porque o art. 22, I da Constituição Federal estabelece que compete privativamente à União legislar sobre direito processual. A criação de um recurso, obviamente, é matéria inerente à direito processual e consequentemente somente lei federal pode tratar desse assunto.
Frisa-se que os recursos não são os apenas previstos no código de processo civil, podendo haver outras leis federais que criem ou disciplinem recursos, como ocorre com a Lei 9.099/95, ao tratar do recurso inominado, já mencionado alhures.
Em decorrência da aplicação desse princípio não é possível que a doutrina, regimentos internos dos tribunais, a legislação estadual[20] ou a jurisprudência criem ou suprimam recursos, bem como estabeleçam requisitos diversos dos previstos em lei, como leciona José Miguel Garcia Medina: “Tendo em vista que os recursos devem ser criados por lei federal, não se deve permitir sua criação ou supressão por regimentos internos dos tribunais, ou que regimentos criem requisitos ou estabeleçam efeitos não previstos em lei federal para um determinado recurso”[21].
Também é proibida a criação de recurso pela vontade das partes, mesmo com a nova previsão do negócio jurídico processual, do art. 190[22] do código de processo civil de 2015, pois haveria violação frontal à Constituição Federal e ao princípio da taxatividade[23]. Até porque tal dispositivo legal permite tão somente a alteração de procedimento e não a criação de institutos processuais.
1.5. Princípio da singularidade, unicidade ou unirrecorribilidade
De acordo com o princípio da singularidade, unicidade ou unirrecorribilidade admite-se apena um recurso contra decisão impugnada, não sendo possível a interposição simultânea ou concomitante de outro recurso. Assim, também ensina Nelson Nery Jr.[24]:
“No sistema do CPC brasileiro vige o princípio da singularidade dos recursos, também denominado da uni-recorribilidade ou ainda de princípio da unicidade, segundo o qual, para cada ato judicial recorrível há um único recurso previsto no ordenamento, sendo vedada a interposição simultânea ou cumulativa de mais outro visando a impugnação do mesmo ato judicial.”
O indigitado princípio está implícito no sistema recursal brasileiro, sendo necessário identificar a natureza da decisão judicial para saber qual será o recurso cabível, por exemplo, contra sentença cabe apelação (art. 1009, caput, do CPC). Contra decisões interlocutórias, caberá agravo de instrumento (art. 1.015 do CPC), nas hipóteses previstas em lei, ou apelação, quando a decisão interlocutória não for impugnável por agravo de instrumento (art 1.009, §1º, do CPC). No código de processo civil de 1.939, o princípio ora em estudo estava previsto no art. 809[25].
O Supremo Tribuna também reconhece a existência do aludido princípio:
“SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE EMBARGOS DIVERGENTES PERANTE O C. STJ E RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA ESTA SUPREMA CORTE. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE RECURSAL.
1. O princípio da unirrecorribilidade recursal afasta a hipótese da interposição de mais de um recurso contra a mesma decisão judicial, salvo as hipóteses expressamente ressalvadas na lei – embargos de declaração (art. 538, CPC) e recursos especial e extraordinário (art. 541, CPC).
2. Deveras, opostos embargos de divergência perante o C. STJ, o prazo para interposição do recurso extraordinário restou sobrestado até o julgamento dos mesmos. Interposto o apelo extremo, antes do julgamento dos referidos embargos, caberia à parte ratificá-lo no prazo legal para sua interposição sob pena de ser considerado extemporâneo. Precedentes: AI 563.505-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 04.11.2005, e RE 355.497-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 25.04.2003 (…)” (AI 771.806/MR-AgR-Segundo, Primeira Turma, Min. Rel. Luiz Fux, DJe 2/4/12).
Imperioso mencionar que essa norma não impede a interposição de um único recurso para atacar mais de uma decisão. Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha exemplificam: “Se, por exemplo, o juiz profere uma decisão e, antes do término do prazo recursal, vem a proferir outra, pode a parte, num único recurso, impugnar ambas, desde que esse mesmo recurso seja adequado a combater as duas decisões[26]”. Nesse diapasão, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE.INTERPOSIÇÃO DE UM ÚNICO RECURSO PARA ATACAR DUAS DECISÕES DISTINTAS. POSSIBILIDADE.
1. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ.
2. O princípio da singularidade, também denominado da unicidade do recurso, ou unirrecorribilidade consagra a premissa de que, para cada decisão a ser atacada, há um único recurso próprio e adequado previsto no ordenamento jurídico.
3. O recorrente utilizou-se do recurso correto (respeito à forma) para impugnar as decisões interlocutórias, qual seja o agravo de instrumento.
4. O princípio da unirrecorribilidade não veda a interposição de um único recurso para impugnar mais de uma decisão. E não há, na legislação processual, qualquer impedimento a essa prática, não obstante seja incomum.
5. Recurso especial provido.” (REsp 1112599/TO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/08/2012, DJe 05/09/2012)
No entanto, há exceção à aplicação do referido princípio. Os recursos extraordinário e especial devem ser interpostos concomitantemente contra o mesmo acórdão, conforme súmula nº 126, do Superior Tribunal de Justiça[27].
No caso de sentença, que seja omissa, obscura, contraditória, o que apresente erro material, é cabível, além de apelação, o recurso de embargos de declaração, mas não podem ser manejados ao mesmo tempo. No caso, o recurso cabível é de embargos de declaração. Após o novo pronunciamento judicial caberá apelação. Por essas razões, não se vislumbra exceção ao princípio da singularidade à explicitada hipótese.
1.6. Princípio da voluntariedade
De acordo com esse princípio a existência de recurso depende do ato volitivo das partes, que manifestam a vontade de recorrer através do ato de interposição do recurso. Nessa toada, aduz Daniel Amorim Assumpção Neves:
“Dessa forma, de nada adiantará à parte noticiar que pretende recorrer se dentro do prazo legal deixar de interpor o recurso cabível, como por vezes ocorre na audiência, com o aviso da parte que pretende agravar de instrumento no prazo de 10 dias. Caso não recorra efetivamente nesse prazo a expressão de sua vontade de recorrer posteriormente de nada terá adiantado”[28].
Importante não olvidar que, logicamente, não se admitirá o recurso se houver fato impeditivo do recurso, como a renúncia ou desistência, visto que esses institutos representam a vontade contrária da parte.
Em razão da aplicação desse princípio, não se permite que o magistrado interponha recurso de ofício, mesmo que tenha se equivocado ao proferir a decisão judicial. Consequência disso, é que a remessa necessária (art. 496, caput, CPC[29]) não pode ser considerada recurso. Para tanto, dispensa-se por completo a vontade da parte. Ocorrendo as hipóteses previstas no art. 496, os autos serão encaminhados ao tribunal para reexame da decisão, mesmo que a parte prejudicada não se manifeste.
Por fim, salienta-se que o princípio ora apreciado reforça a ideia do princípio do dispositivo, na fase recursal (art. 2º, do CPC)[30].
1.7. Princípio da fungibilidade recursal
O princípio da fungibilidade recursal significa a possibilidade de um recurso, interposto de forma equivocada, ser recebido e processado como se fosse o recurso adequado, desde que preenchidos alguns requisitos. Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha conceituam o aludido princípio: “É aquele pelo qual se permite a conversão de um recuso em outro, no caso de equívoco da parte, desde que não houvesse erro grosseiro ou não tenha precluído o prazo para a interposição. Trata-se de aplicação específica do princípio da instrumentalidade das formas”[31].
O princípio ora em estudo estava previsto no art. 810 do código de processo civil de 1939[32]. No código de direito processual de 1973 não há previsão expressa, pois, o legislador entendeu que ao aperfeiçoar as definições dos conceitos, da natureza jurídica das decisões judiciais e o sistema recursal, tal previsão seria despicienda. Entretanto, não foi que ocorreu na prática, visto que as dúvidas objetivas sobre a natureza jurídica de determinadas decisões permaneceram ocorrendo, como era o caso do deferimento ou não da assistência judiciária gratuita, decisão interlocutória, mas que o art. 17 da lei 1.060/50[33] previa a apelação como recurso cabível. Assim, o princípio da fungibilidade recursal, que decorre do princípio da instrumentalidade das formas, continuou sendo aplicado. Na década de 80, o Supremo Tribunal Federal dirimiu a dúvida:
“ Recurso. Princípio da fungibilidade. O princípio da fungibilidade dos recursos, ainda que não constante do Código de Processo Civil, é ínsito a natureza instrumental das leis processuais; entretanto somente pode ser aplicado em casos de fundada dúvida. Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 99334, Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK, Segunda Turma, julgado em 31/05/1983, DJ 24-06-1983 PP-09478 EMENT VOL-01300-02 PP-00553 RTJ VOL-00106-02 PP-00863)
No código de processo civil de 2015 também não há previsão expressa do princípio da fungibilidade recursal, todavia a previsão decorre do princípio da instrumentalidade das formas (princípio que visa ao aproveitamento dos atos viciados, permitido a geração de efeitos, salvo nulidade insanável). Ademais, a fungibilidade recursal está implícita em dispositivos do atual código processual, como se percebe nos artigos 1.032[34], 1.033[35] e 1.024, § 3º[36].
A fungibilidade recursal contribui para a efetividade como para a celeridade processual, uma vez que abranda as formalidades e privilegia o direito à revisão da decisão desde que não aconteçam prejuízos às partes em litígio. Dessa forma, releva-se esse princípio como diretriz que garante o pleno acesso à justiça.
Para aplicação adequada desse princípio é necessária a presença de dois requisitos: dúvida objetiva sobre qual recurso é cabível e inexistência de erro grosseiro.
A dúvida objetiva decorre de discrepância doutrinária ou jurisprudencial, ou seja, quando os estudiosos e operadores do direito divergem acerca de qual seria o recurso cabível de determinada decisão. A decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, abaixo descrita, exemplifica a hipótese tratada:
“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.232/2005 – RECURSO CABÍVEL: APELAÇÃO – QUESTÃO DECIDIDA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (RESP 1044693/MG) – INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – DÚVIDA OBJETIVA E AUSÊNCIA DE ERRO GROSSEIRO – FUNGIBILIDADE RECURSAL – POSSIBILIDADE.
1. A Corte Especial do STJ, na assentada do dia 03.12.2008, por maioria, pacificou o entendimento de que contra a sentença que decide os embargos à execução de título judicial ajuizados anteriormente à vigência da Lei 11.232/2005, o recurso cabível é a apelação, sendo irrelevante que tenham a prolação e a publicação ocorrido quando já vigente a referida Lei.
2. Para a corrente majoritária, não se pode adaptar regra recursal nova, quando incompatível com o procedimento anterior, mesmo diante da aplicabilidade imediata da Lei nova.
3. Na ocasião, entretanto, restou reconhecida a existência de dúvida objetiva e a ausência de erro grosseiro na interposição de agravo de instrumento ao invés da apelação, o que recomenda a aplicação do princípio da fungibilidade recursal em hipóteses semelhantes.
4. Recurso especial provido, para cassar o acórdão recorrido e determinar que o Tribunal de origem aprecie o agravo de instrumento como entender de direito.” (REsp 1033447/PB, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/02/2009, DJe 05/03/2009)
A dúvida objetiva ainda pode existir em razão da confusão legislativa sobre a natureza jurídica da decisão, como ocorria com o art. 17 da Lei 1.060/50, já tratado alhures. Ainda, tal requisito estaria presente nos casos em que o juiz profere uma espécie de decisão no lugar de outra. Daniel Amorim Assumpção Neves esclarece tal situação, sugerindo exemplo que poderia ocorrer na vigência do CPC de 1973:
“Por fim, basta imaginar a situação do juiz que sentencia uma exceção de incompetência relativa, sendo inegável que nesse caso o juiz cometeu um grave equívoco. É pacífico o entendimento de que o pronunciamento que decide essa exceção é uma decisão interlocutória, recorrível por agravo de instrumento. Apesar do crasso erro judicial, é natural que a parte se sinta insegura, admita o equívoco e ingresse com agravo de instrumento (sabendo que a decisão, não interessando o que o juiz tenha feito, é uma decisão interlocutória), ou simplesmente prefira recorrer dentro do equívoco judicial, apelando da decisão? Para evitar injustiça causada pelo equívoco judicial, a aplicação do princípio da fungibilidade se impõe”[37].
A inexistência de erro grosseiro é o inverso da dúvida objetiva, isto é, o operador do direito não pode apresentar um recurso totalmente descabido por imperícia própria, mesmo que ele, patrono da causa, tenha dúvida subjetiva sobre o caso. Nessa situação não há dúvida objetiva, representada por discussão doutrinária ou jurisprudencial, equívoco do magistrado ou do legislador e sim erro injustificável do causídico, estando presente o erro grosseiro que impede a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
Por derradeiro, é salutar lembrar que se exigia a ausência de má-fé da parte que maneja o recurso. Esse requisito, na prática, acabava sendo representado pela observância do menor prazo para interpor recurso, ou seja, para aplicar o princípio da fungibilidade recursal era exigível que parte manejasse o recurso no prazo do recurso que possuía prazo mais exíguo. Exemplo: havendo dúvida entre os recursos de apelação e agravo de instrumento, se a parte apresentasse o recurso de apelação, mas o tribunal entendesse que o recurso adequado era o de agravo de instrumento, embora dúvida objetiva existente, tal apelação deveria ser interposta no prazo menor, do agravo de instrumento, que era 10 dias.
O código de processo civil de 2015 padronizou, de certa forma, o prazo para interposição dos recursos[38] e, desse modo, acredita-se que tal discussão será abandonada.
1.8. Princípio da proibição da reformatio in pejus
Do princípio da proibição da reformatio in pejus se extrai que a situação do recorrente não pode ser agravada em virtude do recurso interposto, isto é, a situação, anteriormente decidida, melhora ou se mantém. Nessa senda, ensina Humberto Theodoro Junior:
“No julgamento do recurso, destarte, pode-se acolher ou não o pedido de reforma formulado pelo recorrente, mas não se tolera que a pretexto de reexame da decisão impugnada, se lhe possa impor um gravame maior do que o constante da decisão reexaminada, e que não tenha sido objeto, também de recurso do adversário”[39].
Contudo, como boa parte dos princípios e normas, o princípio ora analisado não é absoluto e, já no código de processo civil de 1973 apresentada exceções. A primeira delas decorre do efeito translativo do recurso, que permite ao juízo ad quem conheçer, de ofício, matéria de ordem pública. Exemplo: o autor pede danos morais, no valor de R$ 50.000,00, em razão de determinada conduta ilícita praticada pelo Réu. O juiz julga parcialmente procedente o pedido e condena o réu ao pagamento do valor de R$ 20.000,00. Apenas o autor recorre, visando à majoração do valor dos danos, todavia, o tribunal julga improcedente o pedido reconhecendo a prescrição da pretensão do autor. Nesse caso, o recorrente foi prejudicado pelo próprio recurso.
Outra exceção ao princípio da proibição da reformatio in pejus decorre da aplicação do art. 332[40], do CPC de 2015, hipótese em que o autor recorre da sentença de improcedência liminar do pedido, havendo participação do réu, que apresenta contrarrazões ao recurso. Mantida a decisão o recorrente será condenado em honorários ou até multa por deslealdade, piorando sua situação, tão somente nessa parte da situação[41].
O princípio ora estudado também sofre abrandamento quando aplicado o chamado o julgamento da causa madura, previsto no art. 1.013, §3º[42], do código de processo civil de 2015. Nesse caso, o tribunal poderá reformar a decisão do juízo a quo, piorando a situação do recorrente, quando presentes as hipóteses legais, sobretudo, a prevista no inciso III, do aludido dispositivo legal, pois, em caso de omissão do julgador, o tribunal poderá apreciar o pedido e julgá-lo improcedente. Para tanto, o processo deve estar em condições de imediato julgamento pelo tribunal, isto é, o contraditório já foi observado e a lide versa acerca de matéria de direto ou, abordando matéria de fato, já há instrução no processo.
Ainda, aplica-se o referido princípio aos casos de remessa necessária, consoante súmula nº 45, do Superior Tribunal de Justiça[43].
1.9. Princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias
O princípio irrecorribilidade em separado das interlocutórias estabelece que essas decisões são imediatamente irrecorríveis ou, quando recorríveis, os recursos interpostos não suspendem o curso do processo. Isso ocorre para que o processo não gere tumultos e tenha uma duração razoável. Assim, leciona Ovídio Batista da Silva:
“Contra tais decisões, ditas interlocutórias, em nome da preservação do princípio da oralidade, ou não se concede recurso algum, ficando a matéria aí decidida imune à preclusão, de modo a ser apreciada eventualmente pelo tribunal do recurso interposto da sentença final, ou admite-se o recurso sem suspensão da causa, como acontece com o agravo de instrumento, que se processa sem prejuízo da tramitação do feito, podendo no entanto, o relator do recurso conceder-lhe efeito suspensivo[44].
A lição de Ovídio Batista da Silva, malgrado ser anterior ao código de processo civil de 2015, é atual, visto que não há mais previsão do recurso de agravo retido e o art. 1.015 do código de processo civil, aparentemente, prevê, de forma taxativa, as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, recurso cabível contra decisões interlocutórias, de regra, sem efeito suspensivo. Tal recurso e a interpretação das hipóteses de cabimento serão estudadas no terceiro capítulo desse trabalho.
No entanto, como há possibilidade de ser deferido o efeito suspensivo ao agravo de instrumento, consoante art. 1.019, I, do código de processo civil[45], entende-se que esse princípio é relativo na atual sistemática recursal.
2. Agravo de Instrumento
Neste segundo capítulo será tratado de aspectos gerais do agravo de instrumento, abordando, de maneira breve, o histórico legislativo no Brasil, a partir de 1939, a regularidade formal e a nova disciplina no código de processo civil de 2015.
2.1. Breve histórico legislativo[46]
O agravo de instrumento, no CPC de 1939 estava previsto no art. 842[47] e somente era cabível em face de determinadas decisões elencadas no referido dispositivo legal. O mesmo diploma legal ainda previa agravo de petição, contra decisões que extinguiam o processo sem resolução de mérito, e agravo nos autos do processo, recurso cabível de certas decisões, visando a evitar a preclusão.
O código de processo civil de 1973, revogou o agravo de petição, prevendo o cabimento de apelação contra toda sentença que extinguisse o processo com ou sem resolução do mérito. O agravo de instrumento continuou existindo, mas como recurso cabível de qualquer decisão interlocutória. A parte poderia optar por interpor agravo de instrumento, de forma retida. Nessa forma, o agravo retido era interposto perante o juízo de primeiro grau, sendo mantido nos autos para que fosse conhecido pelo tribunal, desde que reiterado nas razões ou contrarrazões de apelação. Tal recurso se assemelha ao agravo nos autos do CPC de 1939.
O agravo de instrumento, na forma própria de instrumento, também era interposto perante o juízo de primeira instância, cabendo ao agravante indicar as peças que seriam transladadas pelo escrivão. O juiz possuía o juízo de retratação. Em caso de retratação, o agravado poderia requerer que os autos fossem encaminhados para o tribunal, fazendo as vezes de agravante. O recurso não possuía efeito suspensivo, salvo nas hipóteses taxativamente elencadas no ar. 558, em sua redação originária. Independentemente da forma escolhida, o prazo para interpor o recurso era de 5 dias.
A Lei 9.139/95 trouxe alterações ao agravo de instrumento. O recurso foi designado genericamente com agravo, podendo ser interposto em sua forma retida ou de instrumento. Além disso, o prazo de interposição foi ampliado para 10 dias.
De acordo com a Lei 9.139/95, o agravo retido devia ser interposto, obrigatoriamente, contra as decisões interlocutórias prolatadas posteriormente à sentença, salvo na hipótese de decisão que inadmitisse o recurso de apelação. Já o agravo retido passou a ser interposto diretamente para o tribunal, exigindo que o agravante juntasse as peças obrigatórias previstas em lei, bem como informasse o juízo de primeira instância da interposição do agravo de instrumento. O agravante devia juntar cópia do recurso e das peças que o instruíam, possibilitando ao magistrado de primeiro grau o exercício do juízo de retratação.
A Lei 10.352/2001 estabeleceu novas hipóteses obrigatórias para interposição do agravo retido: contra decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento e em face da decisão que tratasse dos efeitos em que a apelação era recebida. Quanto ao agravo de instrumento estabeleceu o processamento e a conversão em agravo retido, além da possibilidade da antecipação de tutela recursal.
Posteriormente, entrou em vigor a Lei 11.187/2005, alterando mais uma vez as hipóteses de cabimento. O agravo retido passaria a ser regra para impugnar decisões interlocutórias, somente cabendo agravo de instrumento quando a decisão interlocutória fosse suscetível de causa à parte lesão grave e de difícil reparação, nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos à decisão que tratasse dos efeitos em que a apelação era recebida. Nas liquidações e execuções de sentença, o agravo cabível era o de instrumento.
Contudo, na prática, a exceção virou regra e o agravo instrumento passou a ser bastante usado, bastando que a decisão proferida causasse à parte lesão grave e de difícil reparação, como ocorria no caso de indeferimento da tutela antecipada.
O código de processo civil de 2015 extinguiu o agravo retido e estabeleceu que o agravo de instrumento somente é cabível contra determinadas decisões, na fase de conhecimento. Na liquidação e cumprimento de sentença, bem como na execução de título extrajudicial, o recurso é cabível contra qualquer decisão interlocutória.
Segundo o novo regramento, as decisões agraváveis precluem, caso não interposto o recurso. As decisões não agraváveis não precluem, imediatamente, devendo ser impugnadas nas razões ou contrarrazões do recurso de apelação, aí sim, sob pena de preclusão.
2.2. Prazo e regularidade formal
Como já dito alhures, o agravo de instrumento é cabível contra decisões interlocutórias elencadas no art. 1.015 do atual código de processo civil ou previstas expressamente em lei, no prazo de 15 dias, consoante prevê o art. 1.003, §5º.
Vale lembrar, que o prazo é contato em dias úteis (art. 190 do CPC/2015) e que, agora, o código de processo civil permite a prática do ato processual, mesmo antes do termo inicial, consoante o disposto no art. 218, §4º[48]. Desse modo é possível interpor o recurso, mesmo antes da intimação formal da decisão, não podendo ser considerado intempestivo como ocorria anteriormente[49].
A petição do agravo de instrumento deve ser escrita e dirigida ao tribunal que irá apreciá-lo. Sobre a origem da forma de interposição, leciona Teresa Arrunda Alvim Wambier:
“A interposição direta ao Tribunal ressuscita o procedimento que havia na origem dos agravos, representados provavelmente pelas “querimas ou querimonias” do dirito lusitano antigo, endereçadas diretamente ao Rei, com o pedido de que se expedisse carta de justiça (sem leitura dos autos): a distância entre a sede do processo e a Corte era a razão pela qual se dispensava a remessa dos autos”[50].
O conteúdo da petição de agravo está previsto no art. 1.016 do CPC[51]. O agravante deve identificar quem são o recorrente e recorrido, mas não é necessária nova qualificação, pois essas informações já constam nos autos. Entretanto, se o agravo de instrumento for interposto por terceiro interessado, então se faz mister sua qualificação e endereço, pois tais informações não haviam nos autos.
A petição de agravo de instrumento deve conter a exposição dos fatos e do direito, além de estar acompanhada das razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão e do próprio pedido (art. 1.016, II e III). Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha defendem que não é possível juntar ou complementar a razões do recurso, posteriormente ao protocolo do agravo de instrumento, não se aplicando o disposto no parágrafo único do art. 932 do CPC [52]. Entende-se acertada tal afirmação, pois, malgrado o art. 932 do CPC determine que “Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”, a juntada ou complementação das razões posteriormente ao protocolo da petição de agravo possibilitaria uma fraude à observância dos prazos recursais, uma vez que o recorrente ganharia mais cinco dias para apresentar o recurso, propriamente dito, violando o prazo de 15 dias previsto no art. 1.003, §5, do CPC. Nessa senda, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, consoante informativo n. 829:
“Ausência de impugnação e parágrafo único do art. 932 do CPC
O prazo de cinco dias previsto no parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 [“Art. 932. Incumbe ao relator: … III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente. … Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”] só se aplica aos casos em que seja necessário sanar vícios formais, como ausência de procuração ou de assinatura, e não à complementação da fundamentação. Com base nessa orientação, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental e condenou a parte sucumbente ao pagamento de honorários advocatícios. Inicialmente, a Turma rejeitou proposta do Ministro Marco Aurélio de afetar a matéria ao Plenário para analisar a constitucionalidade do dispositivo, que, ao seu ver, padeceria de razoabilidade. Na sequência, o Colegiado destacou que, na situação dos autos, o agravante não atacara todos os fundamentos da decisão agravada. Além disso, estar-se-ia diante de juízo de mérito e não de admissibilidade. O Ministro Roberto Barroso, em acréscimo, afirmou que a retificação somente seria cabível nas hipóteses de recurso inadmissível, mas não nas de prejudicialidade ou de ausência de impugnação específica de fundamentos. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que provia o recurso.” ARE 953221 AgR/SP, rel. Min. Luiz Fux, 7.6.2016. (ARE-953221)
As razões do agravo de instrumento devem atacar especificamente os fundamentos da decisão guerreada, demonstrando seus equívocos. A reiteração de manifestações anteriores não é suficiente para preencher esse requisito, sob pena de inadmissão do recurso, nos termos do art. 932, III, do CPC[53]. Nessa toada, já vinha decidindo o Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO NA ORIGEM. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. INAPLICABILIDADE. DECISÃO MANTIDA.
1. O princípio da instrumentalidade das formas não abranda o dever legal imposto ao recorrente de expor as razões pelas quais não se conforma com a decisão impugnada (arts. 514, II, e 524, I, do CPC), permitindo ao Tribunal de origem examinar a pertinência do recurso apresentado.
2. Não há como acolher a pretensão recursal para determinar que o Tribunal de origem conheça do agravo de instrumento interposto pela recorrente, a despeito da ausência de impugnação específica aos termos da decisão agravada, pois tal medida privilegiaria indevidamente uma parte em prejuízo da outra.
3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp 289.872/MG, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 25/10/2013)
O inciso, III, do art. 1.016, do CPC exige que o agravo de instrumento contenha o pedido de nova decisão, dependendo da espécie de erro. Se a decisão rebatida contiver error in procedendo, deve-se requerer a anulação da decisão. Se a decisão atacada possuir error in iudicando, o pedido será de reforma.
Por fim, o inciso IV, do art. 1.016, do CPC estabelece como requisito do agravo de instrumento a indicação dos advogados constantes nos autos do processo e seus endereços. Contudo, essa exigência é dispensada, se o agravo de instrumento vier acompanhado de cópia de peças que contenham tais informações, como a cópia da procuração. Nesse sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO NOME E ENDEREÇO DE ADVOGADO. PETIÇÃO DO AGRAVADO REQUERENDO SUA HABILITAÇÃO NOS AUTOS. SUPRIMENTO (ART. 524, III, DO CPC). PRECEDENTES. TEMPESTIVIDADE. RECURSO INTERPOSTO PELA VIA ELETRÔNICA. FALHA NO SISTEMA ELETRÔNICO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. ALÍNEA "C". NÃO DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA.
1. Não se conhece de Recurso Especial em relação a ofensa ao art.
535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF.
2. No que respeita à alegada violação do art. 524, III, do CPC, a Corte local consignou: "No entanto, se por outros meios se puder obter essas informações, como se dá no vertente caso, em que se tem, à fl. 15, petição do agravado requerendo sua habilitação nos autos do processo originário, essa exigência fica suprida", grifo no original.
3. O STJ, em homenagem ao princípio da instrumentalidade do processo, orienta-se no sentido de considerar prescindível a indicação do nome e endereço completos do advogado, quando for possível a obtenção dessas informações por outros documentos, o que se verifica no presente caso. Precedentes do STJ.
4. Quanto à tempestividade do Agravo de Instrumento interposto pelo ora agravado, a Corte local, no caso concreto, rejeitou a preliminar sob a seguinte motivação: De fato, o recurso foi interposto primeiramente perante o juízo agravado, em função de existir no sítio do SISTEMA PROJUDI (processo judicial eletrônico) um ícone que possibilitava a interposição eletrônica do recurso para o 2º grau, o que induziu o agravante ao erro, conforme alegado por ele em suas razões, por se tratar de processo judicial eletrônico. Alertado de que havia se equivocado, o agravante corrigiu seu erro, interpondo novamente o recurso, perante o órgão adequado, com prejuízo, contudo, do prazo recursal, que já estava esgotado. (…) entendo justo que o recurso do agravante seja considerado tempestivo, evitando, assim, que seja prejudicado por falha do sistema (fls. 194-195, e-STJ).
5. In casu, a instância de origem decidiu a controvérsia fundamentada no conjunto fático-probatório dos autos. Assim, para infirmar a conclusão assentada no acórdão regional, seria necessário o reexame dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ.
6. A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fático-jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base na alínea "c" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal.
7. Agravo Regimental não provido.” (AgRg no AREsp 276.389/PA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 22/05/2013). (grifo nosso)
Esse posicionamento jurisprudencial deve ser mantido tendo vista a observância o princípio da instrumentalidade das formas e da primazia do julgamento de mérito.
2.3. Formação do instrumento
Tratando-se de autos físicos ou de papel, o art. 1.017, I, do CPC[54] exige que cópia de determinadas peças processuais acompanhem o agravo de instrumento. São elas: cópias da petição inicial, da contestação, da petição que ensejou a decisão agravada, da própria decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado.
A ordem das peças processuais não implica a inadmissibilidade do recurso, bastando que estejam presentes e acompanhem o agravo de instrumento. Nesse diapasão, já decidia o Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEÇAS INDISPENSÁVEIS AO EXAME DA CONTROVÉRSIA. JUNTADA. NECESSIDADE. CORRETA FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE DO AGRAVANTE. ORDEM DE JUNTADA DAS PEÇAS. INDIFERENÇA. AUTENTICAÇÃO DAS CÓPIAS. DESNECESSIDADE.
1. Cumpre à parte o dever de apresentar as peças obrigatórias e as facultativas – de natureza necessária, essencial ou útil – quando da formação do agravo para o seu perfeito entendimento, sob pena de não conhecimento do recurso. Precedentes.
2. No regime posterior à reforma de 1995, compete exclusivamente ao agravante zelar pela correta formação do agravo, sendo de sua inteira responsabilidade verificar se constam dos autos todas as peças obrigatórias elencadas na legislação pertinente. Precedentes.
3. A ordem das peças que instruem o agravo não é determinante para o seu conhecimento. A sequência de juntada dos documentos é realizada a partir de um juízo absolutamente subjetivo, que irá variar não apenas conforme o trâmite de cada processo e da maneira como as razões recursais forem redigidas, mas principalmente conforme a percepção individual de cada advogado, que poderá ou não coincidir com a percepção do Relator e demais julgadores que venham a analisar o processo.
4. É desnecessária a autenticação das cópias que formam os autos do agravo de instrumento porquanto se presumem como verdadeiras, cabendo à parte contrária arguir e demonstrar a falsidade.
Precedentes.
5. Recurso especial provido.” (REsp 1184975/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 13/12/2010)
A cópia da certidão de intimação serve para se aferir a tempestividade do recurso interporto. No entanto, o código de processo civil dispensa a juntada desse documento se for possível verificar a tempestividade através de outro documento oficial. Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha advogam que a aludida decisão ou outro documento oficial que demonstrem a tempestividade são desnecessários, na hipótese em que se constata que entre a data da decisão e o protocolo agravo de instrumento é inferior ao prazo de quinze dias[55].
As cópias das procurações outorgadas aos advogados têm por finalidade aferir a legitimidade das representações das partes. Todavia, poderão ser dispensadas, nos casos em que litigam o Ministério Público, a parte representada por Defensor Público, ou os Entes Públicos representados por Advogado Público, consoante art. 287, parágrafo único, do CPC[56], pois, esses agentes públicos atuam independentemente da outorga de procuração.
Não é necessário que as indigitadas cópias sejam autenticadas por oficial público, sendo suficiente a declaração de autenticidade pelo advogado, nos termos do art. 425, IV, do CPC[57].
Inexistindo quaisquer desses documentos, o advogado deverá declarar sua inexistência, conforme permissão do art. 1.017, II, do CPC.
Permite-se ainda a juntada de qualquer outra peça, que o recorrente entenda necessária ou conveniente para instrução do agravo de instrumento, nos termos do inciso III, do art. 1.017, do CPC.
Na ausência de qualquer das cópias obrigatórias ou facultativas, que sejam determinantes para apreciação do recurso, deve o relator intimar o agravante para que providencie a juntada das peças, consoante determina o art. 1.017 §3[58], combinado com o art. 932, parágrafo único, ambos do código de processo civil. No tocante às peças facultativas, que sejam determinantes para apreciação do recurso, o Superior Tribunal de Justiça já entendia ser necessária a intimação do agravante para complementar o agravo de instrumento[59].
Ainda, acerca das peças facultativa que sejam imprescindíveis para a apreciação do recurso, conquanto expressa previsão legal do art. 1.017, §3º, do CPC, Teresa Arruda Alvim Wambier, entende que a ausência dessas acarreta o não conhecimento do recurso, por serem parte das razões do agravo de instrumento e não meras peças:
“Ausente, todavia, peça que não consta do elenco do inciso I do art. 1.017, mas que seja necessária à compreensão da controvérsia, o recurso igualmente não será conhecido.
Estas peças, embora não sejam tidas por obrigatórias pelo art. 1.017, I, senão juntadas, podem impedir a compreensão das razões do agravo. O vício do recurso, assim a rigor insere-se no art. 1.016, III, e não nos incisos do art. 1.017.
Por isso, segundo entendemos, não é possível a conversão do julgamento do agravo de instrumento em diligência, pois, neste caso, se estaria a permitir, mais propriamente, a emenda ou a complementação das razões de agravo, e não a mera juntada de documentos”[60].
Com a devida vênia, diverge-se do entendimento da ilustre doutrinadora, visto que tal interpretação vai de encontro aos princípios da instrumentalidade das formas e da primazia do julgamento de mérito, princípios que foram ressaltados como o código de processo civil de 2015, como já estudado nesse trabalho. Ademais, como dito alhures, o próprio STJ, na vigência do CPC de 1973, já entendia diversamente a tal posicionamento e nem sequer havia previsão de legal de intimação do agravante para sanar eventuais vícios.
A agravo de instrumento ainda deve vir acompanhado da comprovação do pagamento das respectivas custas e porte de retorno, consoante prevê o art. 1.017, §1º do CPC. Contudo, o art. 1.007, §2º[61], do CPC permite a complementação do pagamento parcial. Ausente o pagamento, é possível o pagamento posterior, entretanto, o valor a ser pago será o dobro, não sendo permitido, nesse caso a complementação posterior, nos termos do art. 1.007, §§4º e 5º[62], do CPC.
As peças obrigatórias ou facultativas e o preparo são dispensados se o processo for eletrônico, nos termos arts. 1.017, §5º[63] e 1.007, §3º[64], ambos do CPC
2.4. Formas de interposição e comprovação da interposição
Segundo o art. 1.017, §2º, do código de processo civil o agravo de instrumento pode ser protocolado: diretamente no tribunal competente para julgá-lo; na própria comarca, seção ou subseção judiciárias; por postagem, sob registro com aviso de recebimento; ou por fac-símile.Se agravo de instrumento for interposto por via postal, com aviso de recebimento, considera-se a data da postagem como data de interposição, conforme dispõe o art. 1.003, §4º[65], do CPC.
No caso de interposição do agravo de instrumento, por meio de fac-símile, permite que apenas as razões sejam transmitidas por fac-símile, sendo que as cópias obrigatórias e facultativas devem ser juntadas no momento do protocolo da petição original de agravo nos termos do art. 1.017, §4º, do código de processo civil. Conforme o art. 2º, da Lei 9.800/99[66], que regulamenta a utilização do sistema de transmissão de dados, a petição original deve ser protocolada em até cinco dias, contados do termo final do prazo.
Tratando-se de autos de papel, o art. 1.018, §2º[67], do código de processo civil determina que o agravante deve juntar aos autos do processo a cópia do agravo de instrumento, do comprovante de sua interposição e da relação de documentos que o instruíram, no prazode três dias a contar da interposição.
Nota-se que o dispositivo legal exige a informação da relação de documentos e não os documentos. Nessa senda, já se posicionava o Superior Tribunal de Justiça:
“Processo civil. Agravo de instrumento. Cumprimento do disposto no art. 526 do CPC. Juntada de cópia do recurso e do rol de documentos que o acompanharam. Juntada também de cópia dos documentos que acompanharam o agravo, em segundo grau. Desnecessidade. Ônus não determinado por lei. Necessidade de interpretar o processo civil como sistema criado para a viabilizar a prolação de uma decisão quanto ao mérito da causa. Recurso improvido.
– O art. 526 do CPC exige apenas que a parte junte, em primeiro grau, cópia do agravo de instrumento interposto e da respectiva relação de documentos. A juntada de cópia das peças que acompanharam o recurso não é disposta em lei e, portanto, não pode ser exigida pelo intérprete.
– O processo civil deve ser visto como sistema que favoreça, na maior medida possível, um julgamento quanto ao mérito da causa, sempre respeitado o princípio da paridade de armas. Assim, o intérprete deve evitar a criação de óbices que não estejam dispostos expressamente em lei. A decretação de nulidades processuais deve ser excepcional.
Recurso especial improvido.” (REsp 944.040/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 07/06/2010)
As exigências de informação ao juízo a quo da interposição do agravo de instrumento, bem como da juntada das razões e outros documentos têm por função propiciar o juízo de retração do magistrado no tocante a decisão recorrida. Se o juiz reformar inteiramente a decisão, ou mesmo em parte, deverá comunicar o relator, que julgará prejudicado o recurso ou prejudicado na parte que houve reforma, nos termos do art. 1.018, §1º, do código de processo civil. Nesse diapasão, lecionam Antonio Notariano Jr e Gilberto Gomes Bruschi:
“A diligência não tem por objetivo de intimar a parte contrária, porque sua cientificação será promovida diretamente pelo tribunal (art. 1.019, II). Sua função é, precipuamente, de documentação, servindo, também, como meio de provocar o juízo de retratação, que na hipótese de ser positivo altera a decisão agravada, tornando o agravo prejudicado (art. 1.018, §1º)”[68].
Outra razão para a previsão da diligência da juntada do agravo de instrumento e outros documentos nos autos é o conhecimento do agravado dos termos do recurso, sem o deslocamento da parte ou do seu patrono até o tribunal, sobretudo, quando o processo tramita em comarcas no interior dos Estados. Por essa razão, entende-se que tal diligência somente deve ser observada quando se tratar de autos de papel, uma vez que em autos eletrônicos o agravado tem fácil acesso às informações e documentos do agravo de instrumento, bastando acessá-los via sistema. Assim, tratando-se de autos eletrônicos, a aludida diligência é faculdade do agravante para possibilitar tão somente o juízo de retratação. Nesse sentido. Aduz Alexandre Freitas Câmara:
“Não sendo eletrônicos os autos, a comunicação a que se refere este artigo deixa de ser mera faculdade, destinada a promover o exercício do juízo de retratação, e se transforma em ônus. E o se conclui pela leitura do §§2º e 3º do art. 1.018. Neste caso, incumbirá ao agravante tomar a providência a que se refere o caput do artigo no prazo de três dias a contar da interposição do recurso é que assim se viabiliza o exercício, pelo agravado, do direito de defesa (que não teria qualquer prejuízo no caso de autos eletrônicos, já que nessas hipóteses todas as peças estariam disponíveis para o agravado), facilitando seu acesso à petição de interposição e aos demais dados necessários para a elaboração de suas contrarrazões”[69].
Tratando de autos de papel, caso o agravante não cumpra a exigência de juntar aos autos do processo a cópia do agravo de instrumento, do comprovante de sua interposição e da relação de documentos que o instruíram, no prazo de três dias a contar da interposição, o recurso não será admitido. No entanto, para que isso ocorra, é imprescindível a arguição e comprovação do descumprimento, por parte do agravado, nos termos do art. 1.018, §3, do CPC[70].
Nota-se que o indigitado dispositivo legal impõe, de forma cristalina, ao agravado o dever de alegar e provar o descumprimento do agravante, não sendo possível o conhecimento de ofício, pelo relator, de tal vício, pois, não se trata de matéria de ordem pública. Teresa Arruda Alvim Wambier compartilha desse entendimento:
“Concluímos, portanto, no seguinte sentido: a demonstração, no juízo ad quem, no sentido de que o ônus do art. 1.018 não foi cumprido não é ônus do agravante e não pode ser analisada pelo Tribunal (nem, por óbvio, pelo relator) como requisito de admissibilidade do recurso.
É ônus do agravado arguir e comprovar a não juntada da cópia da petição de interposição do recurso de agravo no juízo a quo, pois é ele o prejudicado por poder ter tido mais dificuldades em conseguir esta minuta no Tribunal para poder contraminutar o recurso, o que pode ser difícil se o agravado, por exemplo, reside no interior do Estado”[71].
Frisa-se que a mera arguição desprovida da comprovação não tem o condão de inadmitir o agravo de instrumento, como já referido. Assim, já vinha julgando o Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – DESCUMPRIMENTO DO ÔNUS DA JUNTADA DA PETIÇÃO DE AGRAVO NOS AUTOS PRINCIPAIS – COMPROVAÇÃO OBRIGATÓRIA PELO AGRAVADO NOS AUTOS DO RECURSO DO CUMPRIMENTO – PENA DE NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO – JUÍZO DE RETRATAÇÃO A SER EXERCIDO PELO MAGISTRADO – POSSIBILIDADE.
I. Na medida em que alegado e não comprovado pelo agravado, o descumprimento do ônus da juntada pelo agravante da petição recursal nos autos principais, o Agravo de Instrumento pode ser admitido (art. 526, parágrafo único, do CPC). Precedentes.
II. Há determinação legal para que o agravante comprove a interposição de Agravo de Instrumento a fim de permitir a retratação pelo Juiz de Direito. A declaração posterior deste não permitirá corrigir, nesse momento do processo, a decisão agravada.
III. Agravo Regimental improvido.” (AgRg nos EDcl no Ag 1219719/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 13/10/2010)
A forma da comprovação de tal arguição pode ser realizada através de certidão negativa, expedida pelo cartório da vara que tramita o processo. Essa forma de comprovação também é sugerida por Antonio Notariano Jr e Gilberto Gomes Bruschi:
“Quanto à forma de comprovação do não cumprimento pelo agravado, a mera arguição desprovida de qualquer prova não é capaz de ensejar a consequência prevista pelo legislador, pois, como a própria lei estabelece, tal fato dever ser provado, v.g. por meio de uma certidão obtida na serventia em primeiro grau de jurisdição”[72].
O código de processo civil não estabelece prazo para arguição desse descumprimento, por parte do agravado. Diante dessa lacuna, pode haver dois entendimentos. O primeiro é de que não há prazo para que o agravado realize tal alegação, podendo realizar tal arguição a qualquer tempo. Outra interpretação possível é de que o agravado deve alegar o descumprimento da diligência do agravante, na primeira oportunidade em que a ele couber falar nos autos, consoante prevê o art. 278, do CPC[73]. Tal oportunidade, em regra, ocorrerá nas contrarrazões do recurso de agravo de instrumento. No mesmo sentido, argumentam Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha:
“Como não se trata de questão que possa ser conhecida de ofício, o descumprimento do ônus do art. 1.018 enquadra-se na hipótese normativa do caput do art. 278. Assim o agravado deve alegá-lo nas contrarrazões – normalmente o primeiro momento que lhe cabe falar nos autos -, sob pena de preclusão. Os requisitos de admissibilidade do recurso nada mais são do que espécies de requisitos processuais de validade, que se caracterizam pelo particular efeito que a sua falta produz: a inadmissibilidade da postulação recursal”[74].
Acredita-se que essa segunda interpretação seja mais adequada, pois, está de acordo com o sistema de nulidades do código de processo civil. Ademais, permitir que o agravado possa fazer a alegação de descumprimento do ônus do agravante, a qualquer tempo, pode gerar a não efetividade do processo civil e ferimento ao princípio da duração razoável do processo, uma vez que o agravado poderia realizar a referida arguição somente no último momento, resultando no retrocesso da marcha processual e da entrega da efetiva prestação jurisdicional.
Realizada a arguição de descumprimento da exigência prevista no art. 1.018, do CPC, o relator deve intimar o agravante para suprir tal vício processual, aplicando-se a regra do art. 932, parágrafo único do CPC, prezando assim, pela observância do princípio da primazia do julgamento de mérito. Nesse sentido, opina José Miguel Garcia Medina:
“Segundo pensamos, deve-se observar, também neste caso, o que dispõe o parágrafo único do art. 932 do CPC/2015: caso o agravo alegue a não observância do disposto no art. 1.018, caput, do CPC/2015, deverá o relator intimar o agravante para suprir o requisito. Trata-se de interpretação consentânea com o princípio que serve de base ao parágrafo único do art. 932 do Código e, também, que mais se amolda à finalidade da regra prevista no art. 1.018: propiciar a realização do juízo de retratação, se for o caso (cf. §1º do mesmo artigo)”[75].
Por fim, mesmo descumprida a diligência prevista no art. 1.018, do CPC e alegada pelo agravado, o agravo de instrumento somente não será conhecido se for demonstrando que esse descumprimento gerou prejuízos efetivos ao agravado, consoante determina o art. 282, §1º, do CPC[76]. Assim, exemplifica Alexandre Freitas Câmara:
“Pensa-se por exemplo, em um processo que tramita em algum juízo cível localizado no fórum central da Comarca do Rio de Janeiro. Sendo certo que as secretarias dos juízos cíveis localizados no fórum central, assim como as secretarias das Câmaras, estão localizadas todas no mesmo complexo de edifícios (não havendo sequer a necessidade de sair do edifício ou atravessar a rua para que se cheque de uma sala a outra), não há qualquer razão para se considerar prejudicado o exercício do direito de defesa. O mesmo, evidentemente, não ocorreria se o processo tramitasse em primeira instância perante a Justiça Federal do Amapá e o agravo de instrumento viesse a ser interposto perante o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (com sede em Brasília, a quase mil e oitocentos quilômetros de distância). Neste caso, o não cumprimento do disposto no art. 1.018 pode mesmo inviabilizar o exercício do direito de defesa pelo agravado”[77].
Desse modo, somente se o agravado demostrar que ele deveras não teve oportunizado o contraditório e a ampla defesa, o prejuízo estará comprovado e via de consequência o agravante deverá ser intimado para suprir o vício, sob pena do recurso não ser admitido.
2.5. Procedimento
Conforme art. 1.019[78] do código de processo civil, interposto o agravo de instrumento, o tribunal o receberá e o distribuirá a um relator. Esse, por sua vez, deverá não conhecer do recurso, nas hipóteses do art. 932, III[79], do CPC ou negar provimento, em decisão monocrática, nas hipóteses do art. 932 IV, do CPC.
Ao relator também permitido prover o recurso, de forma, monocrática, nas hipóteses previstas no art. 932, V, do CPC, desde que facultada ao agravado a possibilidade de apresentar contrarrazões do recurso, respeitando assim o disposto no art. 1.019, II e, sobretudo, o princípio do contraditório. Dessa forma, não se permite o provimento liminar do agravo de instrumento. Nessa senda, já se posicionava o Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 527, V, DO CPC. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO AGRAVADO PARA RESPOSTA.
OBRIGATORIEDADE. NULIDADE. O PRINCÍPIO DO PREJUÍZO IMPEDE A APLICAÇÃO DA REGRA MATER DA INSTRUMENTALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.
1. A intimação da parte agravada para resposta é procedimento natural de preservação do princípio do contraditório, nos termos do art. 527, V, do CPC, in verbis: "Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído "incontinenti", o Relator: (…) V – mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de dez (10) dias(art. 525, § 2º), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial." 2. A dispensa do referido ato processual ocorre tão-somente quando o relator nega seguimento ao agravo (art. 527, I), uma vez que essa decisão beneficia o agravado, razão pela qual conclui-se que a intimação para a apresentação de contra-razões é condição de validade da decisão que causa prejuízo ao recorrente. (Precedentes: REsp 1187639/MS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/05/2010, DJe 31/05/2010; AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1101336/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 02/03/2010; REsp 1158154/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 27/11/2009; EREsp 882.119/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009; EREsp 1038844/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2008, DJe 20/10/2008) 3. Doutrina abalizada perfilha o mesmo entendimento, verbis: "Concluso o instrumento ao relator, nas 48 horas seguintes à distribuição (art. 549, caput), cabe-lhe, de ofício, se configurada qualquer das hipóteses do art. 557 caput, indeferir liminarmente o agravo (inciso I). Não sendo esse o caso, compete-lhe tomar as providências arroladas nos outros incisos do art. 527. (…) A subsequente providência – cuja omissão acarreta nulidade – consiste na intimação do agravado." (José Carlos Barbosa Moreira, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, 15ª ed., Ed. Forense, p. 514) 4. In casu, o acórdão recorrido deu provimento ao agravo de instrumento do Município de São Paulo, causando evidente prejuízo aos agravados, ora recorrentes, por isso que merece ser reformado.
5. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
6. Recurso especial provido, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem, para que proceda à intimação do recorrente para apresentação de contra-razões ao agravo de instrumento. Prejudicadas as demais questões suscitadas. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.” (REsp 1148296/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/09/2010, DJe
O relator, ao receber o agravo de instrumento, poderá conceder efeito suspensivo ao recurso ou deferir a antecipação de tutela recursal. O agravo de instrumento, segue a regra do art. 995, caput, do CPC, ou seja, a decisões impugnadas em recurso, em regra já produzem eficácia. Todavia, é permitido a suspensão da eficácia dessas decisões, se o recorrente demonstrar que a imediata execução da decisão vergastada gera risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso, consoante determina o art. 995, parágrafo único[80], do CPC.
Como aduzido acima, poderá o relator deferir a tutela antecipação de tutela recursal, nos mesmos moldes que juiz de primeiro grau, ao analisar pedido de tutela provisória, conforme previsão do art. 299, parágrafo único[81], do CPC.
Da decisão monocrática do relator, seja de não conhecimento, provimento ou não provimento do recurso, caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021[82], do CPC. Da mesma forma, cabe agravo interno da decisão do relator que concede ou não o efeito suspensivo, bem como da decisão que defere ou não a tutela antecipada recursal.
O agravado deverá ser intimado para apresentar contrarrazões, no prazo de quinze dias. Essa intimação será realizada na pessoa de seu advogado por meio do Diário de Justiça ou por carta com aviso de recebimento. Se o recorrido não tiver procurador constituído, sua intimação será feita pessoalmente, por carta, com aviso de recebimento. O Ministério Público também será intimado, quando for necessária de sua intervenção.
Por fim, sendo admitido o agravo de instrumento e não for caso de julgamento monocrático pelo relator, esse deverá solicitar dia para julgamento em prazo não inferior a um mês, contado da intimação do agravado, nos termos do art. 1.020 do CPC. Em tal data, o recurso será julgado pelo colegiado de magistrados. Se o agravo atacar decisão interlocutória que verse sobre tutela provisória, é permitido que as partes realizem sustentação oral, nos termos do art. 937, VIII, do CPC[83].
3. Interpretações das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento
Nesse terceiro e último capítulo serão abordadas as formas de interpretação que a doutrina tem admitido sobre as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, na fase de conhecimento. Há correntes doutrinárias defendendo uma taxatividade, enquanto que existem outros doutrinadores que advogam a interpretação extensiva e, ainda, há quem sustente que o rol do art. 1.015 do CPC é apenas exemplificativo.
Também serão examinadas as consequências de tais interpretações e qual delas é a mais adequada, atentando para os princípios processuais já examinados, bem como para a sistemática processual civil.
3.1 Interpretação restritiva
A primeira interpretação que surge é de que o rol das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, prevista no art. 1.015[84] do CPC é taxativa. Isso decorreria da própria alteração legislativa, vez que o art. 522[85], do CPC de 1973, possuía uma cláusula aberta de intepretação. Tal dispositivo legal permitia que qualquer decisão interlocutória que causasse dano irreparável ou de difícil reparação ensejava a interposição de agravo de instrumento. O código de processo civil de 2015 elenca diversas hipóteses de cabimento, na fase de conhecimento, ficando evidente que a intenção do legislador é limitar o cabimento desse recurso. Nessa seara jurídica, opinam Márcio Félix Jobim e Fabrício de Farias Carvalho:
“Considerando a opção do legislador pela remoção da chamada “cláusula de abertura” do art. 522 contida no CPC/73, que permite a recorribilidade de qualquer decisão interlocutória, desde que demonstrada a sua potencialidade para causar à parte lesão grave e de difícil reparação como já defendido acima, acredita-se que o rol trazido pelo NCPC é taxativo, numerus clausulus, resgatando, dessa forma, a sistemática adotada pelo CPC/1939 e claramente objetivando a limitação do número destes recursos em tramitação nos tribunais”[86].
Na mesma toada, aduz Teresa Arruda Alvim Wambier:
“A opção do NCPC foi a de extinguir o agravo na sua modalidade retida, alterando, correlatamente, o regime das preclusões (o que estava sujeito a agravo retido, à luz do NCPC, pode ser alegado na própria apelação) e estabelecendo hipóteses de cabimento em numerus clausus para o agravo de instrumento: são os incisos do art. 1.015 somados às hipóteses previstas ao longo do NCPC”[87].
Essa interpretação também tem espeque no princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, segundo o qual essas decisões são imediatamente irrecorríveis ou, quando recorríveis, os recursos interpostos não suspendem o curso do processo, consoante já tratado no primeiro capítulo desse estudo.
A interpretação restritiva do art. 1.015 do atual código de processo civil também tem respaldo no direito comparado, que, de modo geral, também limita a possibilidade de interposição de recursos contra decisões interlocutórias.
No direito processual civil francês admite-se appel immédiat se a decisão interlocutória tiver se manifestado sobre parte do objeto do litígio nos termos do art. 544 do Nouveuau Code de Precédure Civile. As demais decisões interlocutórias são irrecorríveis, salvo outras hipóteses previstas em lei. No direito processual civil alemão a decisão interlocutória (§3º 303 ZPO), como regra, não é suscetível de recurso, somente cabendo queixa nos casos previstos expressamente em lei (§567, 1, da ZPO). Nos Estados Unidos cabe recurso contra as decisões interlocutória previstas 28 U.S. conde § 1.292, isto é, também há rol taxativo[88].
O tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem se posicionado nesse sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. SUSPENSÃO DO PROCESSO. IRRECORRIBILIDADE ATRAVÉS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS. ART. 1.015 DO CPC. INADMISSIBILIDADE CONFIGURADA. FUNDAMENTO NO ART. 932, INC. III, DO CPC. RECURSO NÃO CONHECIDO”. (Agravo de Instrumento Nº 70068861517, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 17/06/2016)
Na mesma senda, vem decidindo Tribunal de Justiça de São Paulo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – HIPÓTESES DE CABIMENTO – DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DETERMINOU A RETIFICAÇÃO DO VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA – IRRECORRIBILIDADE – Pretensão inicial da autora voltada à condenação da Municipalidade ao fornecimento contínuo de "CLORTALIDONA 25mg", "SINVASTATINA 40mg", "AAS 100mg", "LOSARTANA 50mg", "CONCOR 5mg", "DIAMICRON MR 30mg", "GALVUS 50mg", "VTERSOL D" e "CEBRALAT 50mg", destinados ao tratamento de Diabetes Mellitus Tipo II (CID 10 E11) de que é portadora – decisão interlocutória proferida pelo Juízo "a quo" que se limitou a determinar a apresentação de memória de cálculo do valor dos medicamentos pretendidos, para fins de verificar a eventual competência do Juizado Especial da Fazenda Pública – hipótese não enquadrada dentre aquelas previstas no rol taxativo do art. 1.015, do CPC/2015, que trata das decisões judiciais passíveis de impugnação por meio do agravo de instrumento – impossibilidade de alcance da situação não prevista na norma por meio da interpretação extensiva – evolução da tramitação legislativa da LF nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil) que ratifica a irrecorribilidade das decisões judiciais que versem a respeito de "declínio de competência" ou, ainda, sobre o "valor atribuído à causa" – inadmissibilidade recursal – demais questões aventadas pela agravante (direito à assistência judiciária gratuita; pedido de deferimento da tutela de urgência antecipatória) que não foram objeto de apreciação pelo Juízo "a quo", de modo que o enfrentamento direto por este Tribunal "ad quem" violaria a extensão do efeito devolutivo do presente recurso, além de implicar supressão de instância – possibilidade, contudo, de apreciação do pedido de tutela de urgência pelo magistrado singular, ainda que se considere incompetente, com o fito de evitar o eventual perecimento do direito, ficando os efeitos da decisão sob a censura do Juízo competente (art. 64, §4º, do CPC/2015). Recurso não conhecido, com observação.” (Relator(a): Paulo Barcellos Gatti; Comarca: Botucatu; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 06/06/2016; Data de registro: 13/06/2016)
E também o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RELAÇÃO DE CONSUMO. AGRAVO CONTRA DESPACHO QUE INDEFERIU PEDIDO DE VISTA AO PATRONO CONSTITUÍDO PELA PARTE RÉ. PUBLICAÇÃO APÓS 18/03/2016. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 03 DO STJ. TAXATIVIDADE DO ROL PREVISTO NO ARTIGO 1015 DO CPC/2015. RECURSO NÃO CONHECIDO. 0026368-85.2016.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA FILHO – VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR. Data de julgamento: 10/06/2016. Data de publicação: 14/06/2016;.”
Outrossim, segundo os defensores dessa corrente, não haverá decisão interlocutória que não possa ser impugnada. Isso, porque as decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento serão recorríveis mediante agravo de instrumento, desde que previstas no rol do art. 1.015 do CPC, ou serão impugnadas nas razões ou contrarrazões de apelação, conforme art. 1.009, §§1º e 2º do código de processo civil.
No entanto, há decisões interlocutórias, não elencadas no art. 1.015, do CPC, que não poderão aguardar todo o trâmite processual para serem reexaminadas, em sede de apelação, pois, tal reexame poderá ser de pouca utilidade ou nenhuma. Contra essas decisões caberia mandado de segurança, como sustenta Teresa Arruda Alvim Wambier:
“Esta opção do legislador de 2015 vai, certamente, abril novamente espaço para o uso do mandado de segurança contra atos do juiz. A utilização desta ação para impugnar atos do juiz, no ordenamento jurídico ainda em vigor, tornou-se muito rara. Mas, à luz do novo sistema recursal, haverá hipóteses não sujeitas a agravo de instrumento, que não podem aguardar até a solução da apelação. Um bom exemplo é o da decisão que suspende o andamento do feito em 1º grau por prejudicialidade externa. Evidentemente, a parte prejudicial não poderia esperar”[89].
O cabimento de mandado de segurança contra as decisões interlocutórias, não elencadas no art. 1.015, do CPC, e que não podem aguardar o julgamento de apelação, face ao grave prejuízo que possa gerar às partes, tem arrimo no art. 5º, II, da Lei 12.016/2009[90], que permite o manuseio da ação constitucional contra ato judicial que não caiba recurso. Assim, aduz e exemplifica José Miguel Garcia Medina:
“Assim, caso se profira decisão interlocutória que não seja imediatamente recorrível, e que possa causar lesão ao direito da parte, será cabível mandado de segurança. Será necessário demonstrar, segundo pensamos, que o exame do ato apenas por ocasião do julgamento de apelação (cf. §§1º e 2º do art. 1.009 do CPC) não trará qualquer resultado útil ao impetrante. […]
O conjunto de condições antes referido poderá estar presente, p ex., quando o juiz rejeitar a alegação de vício processual, ou quando o juiz indeferir determinada prova”[91].
O prazo para impetração do mandado de segurança contra ato judicial é de 120 dias, consoante previsão do art. 23 da Lei 12.016/2009[92]. O termo inicial para contagem do prazo inicial é a data da ciência da decisão impugnada[93].
3.2. Interpretação extensiva
Em que pese a taxatividade do rol de hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, não há impedimento de uma interpretação extensiva dessas hipóteses. A interpretação extensiva deve ser aplicada quando o texto legal, na sua acepção gramatical está em dissonância com uma interpretação sistemática e teleológica. Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha explicam tal forma de interpretação, afirmando que “Havendo divergência entre o sentido literal e o genérico, teleológico ou sistemático, adota-se uma das interpretações corretivas, entre as quais se destaca a extensiva, que é um modo de interpretação que amplia o sentido da norma para além do contido em sua letra”[94].
Assim, a interpretação extensiva deverá ser realizada quando o legislador escreveu menos do que tinha intenção de escrever (minus scripsit quam voluit), cabendo ao intérprete alargar o campo de incidência da norma, aplicando-a a determinadas situações não expressas em sua letra, mas que nela se encontram, virtualmente, incluídas.
No sistema jurídico brasileiro há exemplos de normas com rol taxativo que admitem interpretação extensiva. Uma delas é no direito tributário, pois, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a possibilidade de intepretação extensiva para permitir a incidência do ISS sobre serviços correlatos àqueles previstos expressamente[95].
No âmbito do processo penal também é aplicada a intepretação extensiva. As hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito, previstas no art. 581, do CPP, são taxativas, mas eventuais decisões, que tenham similitude com a decisões descritas no aludido dispositivo legal, podem ser recorridas mediante recurso em sentido estrito, consoante entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça[96].
O direito processual civil brasileiro também apresentava exemplo de ocorrência de interpretação extensiva, mais precisamente, no que tange ao inciso VIII do art. 485 do CPC de 1973. Segundo esse disposto legal, cabia ação rescisória quando houvesse fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação em que se baseava a sentença. No entanto, historicamente, a doutrina estendia essa hipótese de cabimento para os casos de reconhecimento da procedência do pedido, situação não prevista expressamente no CPC de 1973[97].
Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha defendem essa interpretação ao art. 1.015 do CPC, ressaltando ser tal solução salutar ao sistema processual civil e à política judiciária, visto que tal intepretação diminui o risco de manuseio excessivo do mandado de segurança contra ato judicial, o que, segundo os autores, seria muito pior, em razão de que a ação constitucional tem prazo bem superior para ser impetrada[98].
No mesmo diapasão, leciona Alexandre Freitas Câmara:
“Registre-se, porém, que a existência de um rol taxativo não implica dizer que todas as hipóteses nele previstas devam ser interpretadas de forma literal ou restrita. É perfeitamente possível realizar-se, aqui – ao menos em alguns incisos, que se valem de fórmulas redacionais mais “abertas”-, interpretação extensiva ou analógica”[99].
Da mesma forma, opina Cássio Scarpinella Bueno:
“No máximo, será bem-vinda, justamente para não generalizar o emprego de mandado de segurança como sucedâneo recursal, interpretação ampliativa as hipóteses do art. 1.015, sempre conservando, contudo, a razão de ser de cada uma de suas hipóteses para não generalizá-las indevidamente’[100].
Há também enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis[101] que admitem a interposição de agravo de instrumento em face de decisões semelhantes às elencadas no art. 1.015 do CPC. Imperioso ressaltar que no aludido Fórum estiveram presentes seiscentos e oitenta e sete processualistas de todo o país, das mais variadas Instituições de Ensino e de distintas gerações. Durante o evento, adotou-se a metodologia de somente emitir enunciados aprovados por unanimidade no grupo temático e aprovados também por unanimidade na plenária. Uma única objeção justificada de algum participante, seja no grupo ou na plenária, ensejava a rejeição do enunciado. Também somente por unanimidade é possível revisar ou cancelar enunciado já aprovado[102]. Tal circunstância demonstra que os enunciados refletem o pensamento majoritário dos doutrinadores brasileiros, servindo como baliza, pelo menos, provisória, para aplicação do novo código de processo civil.
A interpretação extensiva do rol de hipóteses de cabimento do agravo de instrumento permite maior efetividade da prestação jurisdicional e a observância do princípio da razoável duração do processo. O seguinte exemplo elucida essa assertiva: as decisões interlocutórias de versem sobre competência, de acordo com o texto legal, não são impugnáveis mediante agravo de instrumento, devendo ser atacadas nas razões ou contrarrazões do recurso de apelação. Nessa hipótese, se o tribunal reformar tal decisão, todo o processo, que pode ter durado anos, será anulado, devendo os autos serem remetidos para o juízo competente. Admitindo agravo de instrumento da aludida decisão, com base na interpretação extensiva do art.1.015, III[103], do CPC (tal hipótese será analisada no próximo tópico), a resolução da questão seria mais célere e a prestação jurisdicional mais efetiva.
Rogerio Licastro Torres de Mello, Fabiana Souza Ramos, Anna Paola Bonagura e Renato Montans, também entendem que a interpretação gramatical e restritiva das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento traz prejuízos para as partes e não contribui para o resultado útil do processo, demonstrando isso, através do seguinte exemplo:
“Para exemplificar o que ora tratamos, pense-se na decisão judicial que determina a emenda da petição inicial para aditamento do valor da causa e a consequente complementação de custas processuais. Imagine-se que o autor da ação entenda que não é o caso de emendar a inicial, muito menos de complementar as custas; contudo, caso este autor não cumpra a decisão judicial interlocutória em questão, a consequência será a prolação de sentença de extinção sem resolução de mérito (art. 485, I3), cabendo-lhe apenas o caminho da apelação.
Não terá, assim, o autor a possibilidade de impugnar de imediato, por intermédio do recurso próprio (o agravo de instrumento), a decisão interlocutória que determinou a emenda da inicial, caso com ela não concorde”[104].
De outro lado, salienta-se que o uso do mandado de segurança para impugnar decisões interlocutórias não previstas expressamente no art. 1.015 do CPC pode não ser solução mais adequada, tecnicamente, em razão de que o indigitado remédio constitucional somente é cabível contra ato judicial que não caiba recurso com efeito suspensivo (como já apreciado alhures), contudo, tais decisões são impugnáveis através do recurso de apelação, nos termos do art. 1.009, §§1º e 2º, do CPC. Assim, havendo previsão de recurso de apelação, que possui, em regra, efeito suspensivo, não seria o caso do manuseio do mandado de segurança. Do mesmo modo, defendem Rogerio Licastro Torres de Mello, Fabiana Souza Ramos, Anna Paola Bonagura e Renato Montans:
“O mandado de segurança impetrável em face de decisões interlocutórias não agraváveis exige, como condição de admissibilidade, a inexistência de recurso em face da decisão que se pretende impugnar, vale dizer, cabe mandado de segurança de decisão judicial desde que não exista qualquer recurso cabível em face desta decisão.
E aqui bate o ponto: as decisões interlocutórias não arroladas no art. 1.015 não são, tecnicamente, irrecorríveis, pois delas cabe, a rigor, a impugnação recursal veiculável em futura apelação ou contrarrazões respectivas! Em tempos de reconhecido defensivismo jurisprudencial, não nos afigura impossível que mesmo o mandado de segurança em face de interlocutórias não agraváveis seja tornado inviável em virtude de serem tais decisões recorríveis por meio de apelação ou contrarrazões”[105].
Essa seria mais uma razão para a aplicação da interpretação extensiva das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, lastreada também nos princípios da razoável duração do processo, da primazia do julgamento de mérito/efetividade da prestação jurisdicional.
No entanto, a interpretação extensiva traz outra consequência: a preclusão das decisões interlocutórias não previstas expressamente no art. 1.015, do CPC, caso não recorridas. Andre Vasconcelos Roque explica:
“Como se sabe, o CPC/2015 opera, quanto à preclusão das decisões interlocutórias, da seguinte forma: (i) para aquelas que comportam agravo de instrumento, a parte interessada deve interpor imediatamente o recurso, sob pena de preclusão imediata; (ii) para as que não admitem o agravo, não haverá preclusão de imediato, mas a parte interessada deverá rediscutir a matéria, sob pena de preclusão, na apelação ou em suas contrarrazões à apelação (art. 1.009, § 1º). Não há, neste segundo caso, preclusão de imediato, mas apenas a chamada “preclusão elástica”.
Quando são ampliadas as hipóteses de recorribilidade para situações não antecipadas pelo legislador, há um importante efeito colateral para o qual ainda não se deu a devida atenção: também podem ser criadas novas hipóteses de preclusão imediata, não imaginadas pelos advogados e demais profissionais do direito”[106].
Diante disso, caberá o operador do direito conhecer as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, resultantes da interpretação extensiva, sob pena de gerar prejuízos às partes. Na dúvida, deverá interpor o recurso, explicitando a possibilidade em razão da interpretação extensiva. Se o juízo ad quem não o conhecer, pelo fato de não adotar essa interpretação, ainda poderá impugnar a decisão mediante recurso de apelação, como já dito acima.
3.2.1. Decisões agraváveis decorrentes da interpretação extensiva do art. 1.015 do CPC
O inciso I do art. 1.015 do CPC estabelece que cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória quer versar sobre tutela provisória, ou seja, se o magistrado indeferir, deferir, revogar ou modificar a tutela provisória tal decisão é recorrível mediante agravo de instrumento. No entanto, malgrado não expresso no aludido dispositivo, também é agravável a decisão que posterga a análise do requerimento de tutela provisória ou condiciona sua análise a alguma condição extralegal. Isso, porque nessas hipóteses entende-se que o magistrado estaria indeferindo o pedido ao condicioná-lo ou postergá-lo. Nessa senda, o enunciado 29 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A decisão que condicionar a apreciação da tutela provisória incidental ao recolhimento de custas ou a outra exigência não prevista em lei equivale a negá-la, sendo impugnável por agravo de instrumento”. Assim, também leciona Alexandre Freitas Câmara:
“Enquadra-se entre as decisões agraváveis por versar sobre tutela provisória aquele pronunciamento judicial, que diante de um requerimento de concessão de medida inaudita altera parte (isto é, sem prévia oitiva da outra parte, decreta que o requerimento só será examinado após manifestação da parte contrária. É que, no caso de se requerer a concessão da medida inaudita altera parte, o ato do juízo de primeiro grau afirmando que só apreciará o requerimento após manifestação do réu equivale, rigorosa”mente, ao indeferimento da concessão sem prévia oitiva da parte contrária da medida[107].
O inciso II, do art. 1.015 do CPC prevê o cabimento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória de mérito. Exemplo de decisão desse jaez é a do julgamento antecipado parcial de mérito, expresso no art. 356[108] do código de processo civil. Também é possível interpor agravo de instrumento contra decisões interlocutórias que condenem às partes ao pagamento de multa, por força do inciso II, do art. 1.015 do CPC, em razão de que tal decisão amplia o mérito do processo, visto que há uma condenação à parte. Na mesma linha, Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha ensinam que “a decisão proferida nesses casos é fruto de um incidente instaurado, que acarreta a condenação da parte numa multa. Está-se, portanto, diante de uma decisão de mérito, atraindo-se a incidência do inciso II do art. 1.015. Cabível, portanto, o agravo de instrumento”[109].
De outro lado, o atual código de processo civil também prevê a possibilidade interposição de agravo de instrumento para reformar decisões interlocutórias que rejeitem a alegação de convenção de arbitragem, consoante inciso III, do art. 1.015. Do mesmo modo, se juízo arbitral reconhecer sua competência deve o magistrado extinguir o processo sem julgamento de mérito, nos termos do art. 485, VII[110] do CPC. Contudo, se assim não agir o juiz, e prosseguir com o processo, cabível o agravo de instrumento contra essa decisão, com fulcro no mesmo art. 1.015, III do CPC. Nessa toada, o enunciado 435 do Fórum Permanente de Processualistas: “Cabe agravo de instrumento contra a decisão do juiz que, diante do reconhecimento de competência pelo juízo arbitral, se recusar a extinguir o processo judicial sem resolução de mérito”.
O julgador ao rejeitar a convenção de arbitragem estipulada entre as partes está afirmando que compete ao Poder Judiciário decidir sobre aquele conflito e não ao juízo arbitral. Essa decisão trata, na realidade, de competência sobre o julgamento.
Em razão da similitude da decisão prevista no inciso III do art. 1.015 do CPC com a decisão interlocutória que verse sobre competência, relativa ou absoluta, acredita-se viável a interposição de agravo de instrumento para reformar decisão interlocutória que trate sobre matéria de competência. Tal argumentação é corroborada pelo princípio da igualdade previsto no art. 7º[111] do CPC. Da mesma forma, aduzem Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha:
“A alegação de convenção de arbitragem e a alegação de incompetência são situações que se identificam e se assemelham. Por se assemelharem muito, devem ter o mesmo tratamento. Em razão do princípio da igualdade (CPC/2015, art. 7.º), ambas não podem, nesse ponto, ser tratadas diferentemente. A alegação de convenção de arbitragem e a alegação de incompetência têm por objetivo, substancialmente, afastar o juízo da causa. Ambas são formas de fazer valer em juízo o direito fundamental ao juiz natural – juiz competente e imparcial, como se sabe”[112].
Ademais, esperar até o julgamento da apelação para impugnar a decisão que verse sobre competência (art. 1.009, §§ 1º e 2º do CPC) é infringir frontalmente o princípio da razoável duração do processo e da efetividade do direito processual civil, pois, é cediço que o acórdão do recurso de apelação do tribunal pode demorar anos e a decisão que acolher a alegação de incompetência terá por consequência a anulação de quase todo processo. Por consequência, tal anulação tornará mais morosa a prestação jurisdicional e o sentimento de descrença dos jurisdicionados no Poder Judiciário também será ampliado.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado no que tange ao negócio jurídico processual que estabelece cláusula de eleição de foro. Se o juiz rechaçar a aplicação de tal estipulação caberá agravo de instrumento, visto tratar de questão de competência.
De outra banda, também cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere benefício da gratuidade da justiça de forma modulada, na forma do art. 98, §§ 5º e 6º[113], o CPC, quando a parte requereu a concessão de modo integral. Tal decisão passível de agravo de instrumento em razão de que se assemelha ao indeferimento do benefício pleiteado, consoante prevê o art. 1.015, V, do CPC. Nessa seara jurídica, afirma Alexandre Freitas Câmara:
“Deve-se, porém, reputar agravável (pelo postulante à concessão do benefício de gratuidade) o pronunciamento interlocutório que defere a gratuidade apenas em parte, como se dá no caso de se deferir apenas um abatimento ou o parcelamento do recolhimento das custas processuais (art. 98, §§ 5º e 6º). Tais decisões equivalem – para fins de interesse recursal – à negativa de concessão do benefício, já que este não terá sido deferido com o alcance pretendido”[114].
O inciso X do art. 1.015 do CPC prevê o cabimento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que concede, modifica ou revoga o efeito suspensivo aos embargos à execução. A decisão que revoga o efeito suspensivo tem mesmo conteúdo e significado da decisão que indefere o efeito suspensivo aos embargos à execução e, em virtude dessa similitude, essa decisão também é recorrível mediante agravo de instrumento. Ainda, a decisão que versa sobre o efeito suspensivo dos embargos à execução é pronunciamento que versa sobre tutela provisória, nos termos do art. 1.019, §1º[115], do CPC, e, portanto, também é cabível o agravo de instrumento em face da revoga o efeito suspensivo aos embargos, por força do art. 1.015, I do CPC.
Por fim, ressalta-se que as decisões interlocutórias quem gerem grave prejuízo às partes, proferidas em procedimentos regulados por leis extravagantes, anteriores ao CPC de 2015, mesmo ausente previsão específica do cabimento de recurso, também são passíveis de agravo de instrumento. Isso porque, como dito, tais diplomas legais foram publicados na vigência do CPC de 1973, no qual havia cláusula aberta para a interposição de agravo de instrumento, desde que preenchidos os requisitos legais já estudados. Assim, não era necessário a previsão pontual e expressa das hipóteses de cabimento desse recurso em lei extravagante. Nessa senda, aduzem Antonio Notariano Jr e Gilberto Gomes Bruschi:
“Em relação às legislações extravagantes pretéritas ao CPC/2015 há que se fazer interpretação história e sistemática para concluir pela recorribilidade da interlocutórias, eis que no momento em que foram editadas, a regra era a da recorribilidade imediata das decisões interlocutórias, não havendo, pois, qualquer necessidade de o legislador explicitar a recorribilidade ou não pontualmente”[116].
3.3. Rol exemplificativo do art. 1.015 do CPC
Para fins acadêmicos, importante referir que há uma corrente doutrinária minoritária, que advoga ser exemplificativo o rol de hipóteses previstas no art. 1.015 do CPC. Essa afirmação é defendida por Luiz Manoel Gomes Junior e Miriam Chueiri: “Nossa posição é que toda a matéria que seja urgente ou que o recurso ao final acabe sendo inútil (competência do órgão julgador, p. ex.) pode ser impugnada por essa via recursal[117]”. A justificativa seria a utilidade da previsão recursal, pois, havendo recurso esse deve ser útil e manejado, sob pena de não se considerar recurso.
No entanto, tal interpretação não parece ser a mais adequada, pois como já exposto no segundo capítulo desse estudo, as sucessivas alterações legislativas, ao longo do tempo, demonstram que a intenção do legislador foi no caminho da restrição das hipóteses do cabimento do agravo de instrumento. Ademais, o longo rol específico de hipóteses do art. 1.015 do CPC já evidencia não ser tal rol exemplificativo.
CONCLUSÃO
O agravo de instrumento, contra as decisões de primeiro grau, sofreu mudanças significativas com a publicação do código de processo civil de 2015. Um dessas alterações diz respeito às hipóteses de cabimento elencadas no art. 1.015 do novo diploma legal. Nesse sentido, o presente estudo analisou os aspectos gerais do agravo de instrumento interposto contra as decisões de primeiro grau, sob a luz do código de processo civil de 2015, e, sobretudo, procurou estabelecer a melhor interpretação a ser realizada sobre o art.1.015 do novo diploma legal, que elenca as hipóteses de cabimento desse recurso. Para tanto, considerou-se não somente à vontade do legislador, mas também os princípios constitucionais do processo civil e a efetividade da prestação jurisdicional.
No primeiro capítulo, foram estudados os princípios gerais do direito processual civil e da teoria geral dos recursos relevantes para a compreensão do tema. Incialmente foi tratado do princípio da razoável duração do processo, norma que já estava previsto no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal de 1988. Tal o princípio estabelece ser direito do jurisdicionado a celeridade processual, isto é, as partes devem ter uma solução processual de seus litígios em tempo razoável e de maneira eficaz. Nessa toada, o código de processo civil de 2015 também prevê, de forma expressa, o referido princípio, no seu art. 4º, e a concretização do princípio da razoável duração do processo veio bastante acentuada no código de processo civil de 2015, com a previsão de concentrar a defesa em uma só peça, evitando incidentes e exceções que podem tumultuar o trâmite processual, além da criação do incidente de demandas repetitivas e da confirmação da assunção de competência, que visam à isonomia e à segurança jurídica dos julgamentos, mas também possibilitam mais celeridade na resolução de conflitos.
O código do processo civil de 2015 também deu relevo ao princípio da efetividade da prestação jurisdicional, sob a roupagem do princípio da primazia do julgamento de mérito. De acordo com esse princípio, não basta o mero acesso formal à justiça, a solução do mérito do conflito e a realização do direito material é pressuposto do acesso à ordem jurídica justa, salvo vício insanável do processo. Esse princípio está previsto também no art. 4º do código de processo civil de 2015, na sua parte final. A referência e regras de aplicação de tal princípio estão espraiadas em diversos dispositivos do código de processo civil de 2015, v.g, os arts. 317, 352, 932, parágrafo único e 488.
O regramento geral e peculiaridades do agravo de instrumento, abordados no segundo capítulo, possibilitou a conclusão que o código civil de 2015 está menos formalista no tocante a esse recurso, pois, entre outras previsões, dispensa a formação do instrumento quando os autos forem eletrônicos, além de permitir o conhecimento do recurso, mesmo quando ausentes qualquer das cópias obrigatórias ou facultativas, que sejam determinantes para apreciação do recurso, desde que o agravante, após intimado pelo relator, providencie a juntada das peças, consoante determina o art. 1.017 §3.
Outrossim, através da análise das alterações legislativas, no tocante ao agravo de instrumento, percebe-se que o código de processo civil de 2015 deveras estabeleceu um rol taxativo das hipóteses de cabimento desse recurso. Isso, porque no CPC de 1939 estava previsto no art. 842 que somente era cabível em face de determinadas decisões elencadas no referido dispositivo legal. Com o passar do tempo, diversas foram as alterações legislativas, até se chegar à redação final do art. 522 do CPC de 1973, que possuía cláusula aberta, pois, bastava que a decisão proferida causasse à parte lesão grave e de difícil reparação, como ocorria no caso de indeferimento da tutela antecipada, para que fosse cabível o agravo de instrumento.
O código de processo civil de 2015 extinguiu o agravo retido e estabeleceu que o agravo de instrumento somente é cabível contra determinadas decisões, na fase de conhecimento, consoante o art. 1.015, restabelecendo a ideia do código de processo civil de 1939. Ademais, o referido rol taxativo das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento também tem lastro no princípio irrecorribilidade em separado das interlocutórias, que estabelece serem imediatamente irrecorríveis essas decisões ou, quando recorríveis, os recursos interpostos não suspendem o curso do processo.
No entanto, o fato do art. 1.015 elencar rol taxativo não impede uma interpretação extensiva desse dispositivo legal, permitindo o manejo do agravo de instrumento em face de decisões simulares àquelas elencadas. A interpretação extensiva deverá ser realizada quando o legislador escreveu menos do que tinha intenção de escrever, cabendo ao intérprete alargar o campo de incidência da norma, aplicando-a a determinadas situações não expressas em sua letra, mas que nela se encontram, virtualmente, incluídas.
Constatou-se que no sistema jurídico brasileiro há exemplos de normas com rol taxativo que admitem interpretação extensiva. Uma delas é no direito tributário, pois, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a possibilidade de intepretação extensiva para permitir a incidência do ISS sobre serviços correlatos àqueles previstos expressamente.
A interpretação extensiva do rol de hipóteses de cabimento do agravo de instrumento permite maior efetividade da prestação jurisdicional e a observância do princípio da razoável duração do processo (princípios bastante enfatizados pelo código de processo civil de 2015), visto que se a decisão for recorrível somente através do recurso de apelação, o resultado desse recurso poderá demorar anos, além de gerar possível nulidade de diversos atos processuais, reiniciando a marcha processual e ampliando o sentimento de descrença no Poder Judiciário, por parte do jurisdicionado.
De outro lado, o uso do mandado de segurança para impugnar decisões interlocutórias não previstas expressamente no art. 1.015 do CPC pode não ser solução mais adequada, tecnicamente, em razão de que o indigitado remédio constitucional somente é cabível contra ato judicial que não caiba recurso com efeito suspensivo, contudo, tais decisões são impugnáveis através do recurso de apelação, nos termos do art. 1.009, §§1º e 2º, do CPC. Assim, havendo previsão de recurso de apelação, que possui, em regra, efeito suspensivo, não seria o caso da utilização do mandado de segurança.
Destarte, a interpretação literal das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento contra as decisões de primeiro grau não parece satisfazer a diversificada casuística que ocorre na tramitação dos processos judiciais. Malgrado o rol previsto no art. 1.015 do CPC seja taxativo, não há empecilho para que seja realizada uma interpretação extensiva da norma, com lastro nos princípios razoável duração do processo e primazia do julgamento de mérito, privilegiando a efetividade da prestação jurisdicional.
Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Gama Filho Pós-graduando em Direito Processual Civil da Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus Membro do Núcleo de Defesa da Saúde da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul
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