Prossegue no Supremo Tribunal Federal o julgamento sobre o recebimento ou não da denúncia oferecida, no inquérito 1.968, contra Deputado Federal que suscitou, na defesa, a inviabilidade de o Ministério Público suportar o libelo inicial em elementos colhidos na própria investigação. Havia ao lado disso outras teses defensivas, mas a bola da vez é o discutidíssimo assunto posto a lume. Em torno dos debates na Suprema Corte, o Ministério Público, a exemplo do que já fez nas disputas anteriores à Constituição de 1988, monta acirrada pressão fortalecedora da tese, pela Instituição defendida, de poderem seus representantes movimentar a investigação pré-processual, substituindo-se à Polícia Judiciária. Realmente, ao tempo da Constituinte, os parlamentares foram acompanhados a toque-de-caixa por fortíssimo esquema montado metodicamente para a obtenção da soma extraordinária de poderes deferidos àquele destacado órgão de persecução penal. Dir-se-ia que no regime democrático seria aquela uma forma adequada de proceder, pois os membros do genericamente denominado parlamento só conhecem a vontade do povo quando a vontade do povo lhes chega a conhecimento. Na verdade, o pressionamento denominado “lobby” é rotina, por exemplo, nos Estados Unidos da América do Norte, havendo, inclusive, um setor da advocacia voltado ao empreendimento.
Constituem-se grupos de empresários, artistas, médicos, ou profissionais do Direito, determinando-se os lobistas à obtenção de conseqüências benéficas a seus interesses. Tais comunidades têm capital e trabalho, recebendo doações de setores multifários. Assim, uma fábrica de cigarros pode determinar-se a convencer o Senado de que o fumo é atóxico; ou acontece de um laboratório pretender legislação que lhe favoreça uma atividade considerada comportamento de risco. Não se viu lá, entretanto, nenhuma força-tarefa voltada a perseguir maior potencial na perseguição penal. Aqui no Brasil o “lobby” é examinado com nariz torcido, haja vista uma série de procedimentos persecutórios contra intervenientes desejosos de levar proveitos legais a alguns setores. Parece, entretanto, que a tarefa destinada ao convencimento do Poder Judiciário no sentido de alargamento da potencialidade do Ministério Público é havida, agora, como não só ética mas também estética, ou seja, conforme padrões adequados de conduta, visualizando-se no Supremo Tribunal Federal, enquanto decide sobre aspectos jurídicos de um conflito, um destinatário de compressão logística visando propiciar ao lobista o açambarcamento do instrumental atinente à persecução criminal. Não se sabe, em princípio, com qual receptividade um homem comum receberia pressionamento de jaez assemelhado.
É indiscutível, entretanto, que os ministros e a ministra do Supremo Tribunal Federal não são cidadãos médios, repousando sobre eles, aliás, hoje, uma enorme responsabilidade na regulamentação dos destinos da nação. Vale pouco, então, o noticiário (gratuito?) posto à luz da noite, em horário nobre, pela mais poderosa rede de televisão do país e, quiçá, uma das dez maiores do mundo, distribuindo-se aos brasileiros a imagem de que o Ministério Público precisa de mais poderes para pôr ordem na comunidade. Uma espécie de redourar o distintivo pregado no peito do policial. O exemplo é constrangedor, certamente, pois não se pleiteia a benesse de um deputado, ou senador, mas se pretende, com isso, levar a propaganda ao sacrário da mais alta Corte do país. De outra parte, é surpreendente que os fautores de tal noticiário assinalado utilizem, a título de moeda, as proezas consolidadas na provisória demarcação de infrações penais diferenciadas, todas elas submetidas ao crivo do Poder Judiciário e, portanto, ainda não consolidadas em crimes.
Há, indiscutivelmente, angústia extraordinária no tema, pois se a Suprema Corte, ao decidir o conflito existente, o fizer admitindo que o Ministério Público se abroquele na função usualmente reservada à polícia, transformando-se num ser híbrido a quem se atribuiria, na nova roupagem, a própria possibilidade de coerção física do investigado (porque polícia serve, também, para algemar), a decisão, embora não coercitiva, serviria de estímulo a que procedimentos outros fossem iniciados a partir da data, verrumando-se o brasileiro com duas sortes de coatores, agindo separadamente, cada qual no seu campo, confundindo-se os caçadores no tresmalhamento dos próprios pés. Não se faz assim. Corre-se o risco imenso de enristamento da nobre Corporação, não por ser demeritória a tarefa, mas porque precisariam, seus pretores, desvestir-se da toga, misturando-se, enquanto caçando, nas esquinas sombrias e nos corredores estreitos do reino da criminalidade, trajeto ao qual os ilustres promotores de justiça não se acostumaram.
Por fim – e talvez aqui resida o maior argumento contrário à ampliação de poderes –, já existe, no Judiciário, acendrada disputa sobre a convocação, como testemunhas, de promotores que se têm dado à atribuição de produzir, a seu talante, indícios contrários aos investigados, na exata medida em que, ao investigar, o perseguidor se transforma em avalista da legalidade daquilo que produziu, não se permitindo, então, que fique à margem do contraditório, embora inaugurando, com a denúncia, a pretensão punitiva. Nem mesmo ao juiz se permite o exercício da Jurisdição quando partícipe, voluntário ou não, de atividade probatória consolidada na fase investigatória. Ou é testemunha ou é juiz, não podendo ser as duas coisas, o que o leva fatalmente ao impedimento. Assim, o Ministério Público pretende uma extravagante absorção, nas algibeiras, de conteúdo interessando ao próprio usuário, defendido com ardor pelo mesmo e conduzido, autoritariamente, por caminho desprovido de censores. Uma espécie de querer absurdamente rejeitável, porque transformaria os representantes da Instituição, a par daquilo que já lhes foi outorgado, em agentes postos à revelia de recíproca investigação da licitude das atividades desenvolvidas. Em outros termos, quem fiscaliza o fiscal, se o fiscal se põe imune a qualquer fiscalização?
Finalizando: não há quem se abalance a afirmar que o Ministério Público, enquanto pretendendo tornar-se preboste da investigação, o faça como fiscal da lei. Ali, robustamente, ele seria um perseguidor a mais, um outro tipo de polícia sim, levado à procura de fatores incriminadores. Isso, já existente em alguns setores da prática judiciária, não tem sido bem captado por acórdãos esparsos. O próprio Supremo Tribunal Federal, entretanto, já se manifestou, em priscas eras, afirmando: “A lei permite que promotor de justiça participe das investigações policiais. Quando isto acontece, fica impedido de funcionar na ação penal aquele promotor, não o Ministério Público da respectiva entidade Federativa” (RTJ 120/1064).
Isso significa que aquele promotor público responsável pelo acompanhamento das investigações policiais poderia sentar-se no banco das testemunhas, para explicar as circunstâncias da colheita de provas, não podendo recusar-se a tanto. Em último adendo, já se afirmou que membros do Ministério Público reconhecidamente hostis ao réu não podem representar a acusação (RT 595/404). Além disso, já se assentou que promotor não pode denunciar e juiz não pode julgar processo em que ambos funcionaram em ação cível correlata (Habeas Corpus 22/76, TJ/SP, Paranaíba, impetrante José Frederico Marques).
Já se viu que a insistência da distinta Instituição no sentido de absorver, em investigação policial, a plenitude de poderes não deferida a agente qualquer da autoridade na República Federativa brasileira, é uma esperança de agir – ou de deixar de agir, o que é pior –, sem consideração mínima a uma eventual censura externa. Aconteceu, nos idos da ditadura implantada em 1964, de poderem, alguns prepostos da destacada carreira, presidir as famosas comissões gerais de investigação, transformando-se em discricionários responsáveis pelo destino de dezenas de criaturas perquiridas pelo regime de exceção.
O retomar daquele tempo seria, estruturalmente, o retorno de um soro venenoso a refletir-se sobre o equilíbrio já tão enfraquecido do contraditório penal, coonestando-se a atividade de agentes trabalhando em sigilo nos gabinetes, suprimindo aos investigados a análise de eventuais indícios e trabalhando à revelia dos próprios permissivos atinentes ao Código de Processo Penal. Se e quando a emérita Instituição conseguir, a poder da propaganda e da eventual chegança, levar o Supremo Tribunal Federal ao laceamento dos princípios da isonomia, maus tempos virão, levando-se à Suprema Corte, a prazo médio, o ônus de exercitar, com vigor, censura jurídico-política à novidade consolidada.
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.
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