Resumo: O presente trabalho possui como objetivo traçar uma análise sobre a possibilidade de uma maior e mais efetiva atuação judicial no sentido de reconhecer a presença ou não da representação adequada exercida pelo legitimado em uma ação coletiva, utilizando-se da experiência norte-americana exposta na Rule 23(a), como também das previsões dispostas no Código Modelo de Processos coletivos para a Ibero – América e no Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. O estudo ainda ressaltará a concretização pelo controle da representatividade de alguns dos princípios específicos da tutela coletiva, como é o caso do devido processo legal(social) e principalmente efetividade, justamente pela compreensão desse ramo como direito fundamental imprescindível para a concretização de garantias dispostas constitucionalmente.
Palavras-Chave: Controle judicial, legitimação, representação adequada, efetividade e devido processo legal.
Abstract: This work aims to draw an analysis on the possibility of a greater and more effective judicial action to recognize the presence or absence of proper representation exercised by a legitimated in collective action, using the U.S. experience set out in Rule 23 (a), as well as forecasts prepared in the Process Model Code for the collective Ibero – America and the Draft of the Brazilian Code of collective processes. The study also highlight some of the specific principles that will be respected by control of representacy, such as due process of law and especially effective, just by understanding that class as a fundamental right essential to the fulfillment of constitutional guarantees arranged.
Keywords: Judicial review, legitimacy, adequate representation, effectiveness and due process.
Sumário: 1. O caráter ope legis da legitimação coletiva no direito brasileiro. 2. O controle sobre a representação adequada na experiência americana. 3. O papel político do juiz nas ações coletivas- princípio do ativismo judicial. 4..efetivação do princípio do devido processo legal e a primazia da tutela coletiva adequada. 5. Consequência da análise da representação adequada. 6. Tendências do direito brasileiro no controle da representação adequada.
1 INTRODUÇÃO
O texto legal referente à tutela coletiva faz menção a um rol exaustivo de legitimados, onde caberia em uma interpretação inicial, apenas a leitura dessa legitimação de maneira restrita, dessa maneira, a análise de comportamento desse legitimado não seria possível em razão de sua imposição ope legis.
Contudo, em razão de princípios como o devido processo legal, o acesso à justiça, a primazia da tutela coletiva adequada e todas as considerações de justiça social e finalidade exposta do direito, a doutrina vem entendendo pela necessidade de um controle judicial acerca da representação adequada do legitimado na ação coletiva.
A concepção de processo coletivo como ramo autônomo, como instrumento de democracia participativa, assumindo o papel de concretização de direitos fundamentais, e por este papel, convertendo-se em próprio direito fundamental, não pode se perder em um emaranhado de concepções defasadas acerca do império da lei e da neutralidade do judiciário.
Utilizando ainda a experiência norte-americana acerca do uso da adequacy of representation da Rule 23(a), demonstrar-se-á a necessidade da importação da concepção do magistrado como protagonista na ação coletiva, e da responsabilidade do legitimado com a boa condução do feito, tanto é assim que os próprios modelos de código de processo coletivo já apontam para a existência em seus textos de dispositivos impondo esta análise para se alcançar os escopos da tutela metaindividual.
Sendo assim, sem intenções de esgotar o tema, mas apenas objetivando expor as linhas de argumentação no sentido de favorecer uma leitura social crítica acerca da legitimidade nas ações coletivas com base em princípios e direitos constitucionalmente garantidos, o presente estudo se presta a uma reflexão acerca da mudança nos papéis dos sujeitos do processo e suas responsabilidades dentro de um Estado Democrático de Direito.
2 O CARÁTER OPE LEGIS DA LEGITIMAÇÃO COLETIVA NO DIREITO BRASILEIRO
Na década de 70 tivemos a promulgação da Lei 6.513, de 20 de dezembro de 1977, que modificou o § 1º do Art. 1º da Lei da Ação Popular, bem como a Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985, que institui a Ação Civil Pública completada posteriormente com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, formando o chamado Microssistema de Processo coletivo, voltado para aplicação dos direitos transindividuais, confirmados materialmente com o advento da Constituição Federal, através da imposição das novas necessidades do Estado e funções voltadas à maior responsabilidade com o social.
Como o processo individual não era capaz de abranger as novas necessidades dos direitos difusos em juízo, alguns institutos foram repensados e ganharam nova roupagem, é o caso da legitimidade, requisito de admissibilidade de qualquer ação judicial. A idéia tradicional definia que para haver legitimidade em uma ação, deveria existir a estrita correspondência entre o titular da ação e o titular do direito material afirmado, tal regra encontra-se disposta no artigo 6º do Código de Processo Civil, logo, concluiu-se que ninguém pode pleitear em juízo direito alheio.
No direito coletivo a legitimidade ganha outros contornos, não é nosso objetivo analisar as correntes de pensamento acerca dos tipos de legitimidade existentes, por essa razão resumiremos a legitimidade como disposta pelo legislador através de um rol exaustivo tanto na Lei da ação civil Pública como no Código de Defesa do Consumidor, assim como a legitimação de qualquer cidadão na ação popular, configurando uma verdadeira e autêntica política de liberação dos mecanismos de legitimação ad causam[1], sendo caracterizada por ser autônoma, extraordinária, exclusiva, concorrente e disjuntiva.[2]
É importante ressalvar algumas das intenções do legislador ao taxar os legitimados aptos para a propositura de uma ação coletiva, houve uma clara opção de política legislativa uma vez que a legitimidade se encontra intimamente ligada à extensão da coisa julgada e também a importância conferida aos prováveis direitos materiais difusos tutelados através destas ações.
Não houve a opção em ampliar demasiadamente o rol de legitimados, em razão do próprio fracasso da ação popular, que ao determinar a possibilidade de qualquer cidadão propor esta ação, se viu em face de uma sociedade desorganizada e sem maiores intenções de concretizar a empatia social necessária em uma democracia participativa, de qualquer forma, além das instituições mais propensas ao uso das ações coletivas, houve a legitimidade conferida às associações, justamente para forçar uma organização da sociedade civil que participasse e cobrasse do poder público, seus direitos e garantias dispostas constitucionalmente.
Assim, alguma parte da doutrina entende que em razão da exposição taxativa do legislador, para a análise da legitimação coletiva, bastaria uma leitura do texto legal, não havendo qualquer outro requisito ou ainda a possibilidade do magistrado interferir nessa análise, definindo-se que a legitimação é determinada ope legis, ou seja, apenas por força de lei.
Ainda define-se que abrir a possibilidade ao magistrado para a análise da representatividade adequada seria autorizar discricionariedades do judiciário, logo, bastaria à este analisar se o legitimado encontra-se presente no rol disposto legalmente e prosseguir o feito para seu regular processamento. A representação adequada foi analisada de maneira abstrata e anterior à ação em caso concreto, ela foi propriamente definida pelo legislador, que elegeu os entes mais aptos e capazes de exercer em juízo a representação da tutela metaindividual.
Nesse contexto, cabe analisar algumas problemáticas oriundas dessa concepção restrita de legitimidade. Primeiramente, apesar da previsão de associações como legitimados à propor ações coletivas, como forma de aproximação da sociedade civil com o debate e o contexto decisório de seus direitos coletivos, a realidade aponta para a inexpressividade da atuação destes entes, que quando atuam são rechaçados pelos tribunais, ferindo a isonomia de tratamento ao darem preferência aos entes institucionalizados e com maior reconhecimento, caso do Ministério Público, quando atua como autor em ações coletivas, fazendo com que as associações encontrem dificuldades em face de sua flagrante hipossuficiência em alguns casos.
Em segundo lugar, deve-se ressaltar que a análise de representação adequada realizada de maneira abstrata pelo legislador não alcança as vicissitudes do caso concreto, uma vez que são pré-estabelecidas e não guardam correspondência em muitos dos casos com o conceito de legitimidade clássico, já que muitas vezes o ente legitimado sequer tem proximidade com as necessidades imediatas da situação, não possuem idoneidade para intentar uma ação bem como não demonstram capacidade para suportar os efeitos da mesma.
Ainda existe alegação no sentido de que não haveria a necessidade de análise da representação porque a coisa julgada nas ações coletivas é dada apenas para beneficiar os membros do grupo e não para prejudicá-los, todavia, tal argumentação é facilmente desarmada em razão da possibilidade da sentença de improcedência na ação coletiva ser proferida com base em provas suficientes para tanto, fazendo coisa julgada e impedindo a propositura de nova ação coletiva com o mesmo fundamento.
A legitimidade é um requisito de admissibilidade da ação, porém é muito mais que isso, trata-se de requisito da própria eficácia do feito, sem o qual não se pode propiciar não somente um provimento jurisdicional de mérito como não pode conferir àqueles representados, a justiça social que merecem em face do distanciamento de seus clamores daquele que deveria lhe escutar com cuidado e carinho, cria-se pseudo-defensores de uma categoria que, na maioria dos casos, encontra-se desprotegida e sem possibilidade de ação.
Simplesmente não é correto aceitar que não existe saída para o magistrado agir quando verificar no caso concreto, a incompetência ou até a negligência do representante da coletividade, arriscando-se a proferir decisão inadequada para a situação e até equivocada em face da ausência de técnica e probidade no desenrolar da ação, é uma violação não apenas aos princípios constitucionais e direitos e garantias fundamentais, viola o nosso próprio senso de virtude e justiça.
3 O CONTROLE SOBRE A REPRESENTAÇÃO ADEQUADA NA EXPERIÊNCIA AMERICANA
Ao analisarmos os requisitos para as ações de classe no direito norte-americano nos deparamos com a necessidade de análise pelo magistrado da representação adequada do legitimado que está substituindo os interesses da classe. Este tipo de legitimação faz com que o devido processo legal se confirme através da correta e eficaz representação, o que significa dizer se a classe está ou não presente no julgamento[3].
Importante a ressalva de que este controle da representação já era exercido na Inglaterra, sendo apenas positivado e mais utilizado nos EUA, que atualmente possuem maior tradição em sua utilização, mas não exclusividade, uma vez que institutos semelhantes são aplicados no Canadá e Austrália.
No artigo 23 das Federal Rules of Civil Procedure existe o controle judicial da representatividade adequada como quarto requisito de admissibilidade para toda e qualquer class action, onde o magistrado analisa e controla a legitimação coletiva, verificando se o legitimado possui as condições e atributos necessários para qualificá-lo como o mais adequado para a condução do feito, não apenas mediante a análise dos requisitos gerais mas também sob a luz do caso concreto.
Essa análise passa por duas fases, inicialmente verifica-se a existência ou não de autorização legal para que aquele ente possa substituir os interesses da classe e consequentemente conduzir o processo de maneira eficaz, em caso de resposta afirmativa, o juiz realiza posteriormente o controle propriamente dito da adequação, sempre motivadamente, não apenas no início do processo mas em todos os seus momentos, afim de que, ao final o provimento de mérito seja justo e efetivo.
O autor Antônio Gidi define que existem similaridades no sistema de legitimação do direito brasileiro e o norte-americano, uma vez que ambos possuem as suas regras de fixação dispostas legalmente, a diferença é que o conceito de adequacy of representation é aberto e indeterminado, integrado através de cada caso concreto pelo convencimento motivado do magistrado, ou seja, possuem caráter subjetivo vinculado, em contraste com nosso sistema pautado na objetividade ope legis.
A importância do controle de representatividade reside na necessidade de respeito ao devido processo legal aos membros ausentes que serão vinculados à coisa julgada e ao interesse jurisdicional no conhecimento do mérito da causa, bem como decorre do papel do juiz como verdadeiro protagonista nestas ações. O controle é ainda mais efetivo nas chamadas class actions for damage, ação esta inspiradora da formação de nossa doutrina acerca dos direitos individuais homogêneos, disposto na alínea “b”, onde além da adequação da representatividade, analisa-se a prevalência ou não das questões de direito e de fato comuns sobre as questões de direito e de fato individuais, assim como a análise da superioridade da tutela coletiva sobre a individual, em termos de justiça e eficácia da sentença.[4]
A questão desta análise da representação é analisada tanto em seu aspecto abstrato como em seu aspecto concreto, ou seja, analisa-se o grupo como um todo assim como verifica-se pessoas isoladamente, podendo haver restrições da coisa julgada de acordo com as conclusões motivadas do magistrado.
Importante a ressalva de que este controle é caracterizado como critério qualitativo e jamais quantitativo. Logo, não interessa o número de representantes, nem o valor das pretensões buscadas individualmente, mas a aferição da presença de características como a credibilidade, a seriedade, o conhecimento técnico-científico, a capacidade econômica, a possibilidade de produzir uma defesa processual válida, o histórico de atuação e outros.
O direito americano sempre se pautou em uma maior preocupação com os fatos e com os precedentes, o que não seria diferente para este instrumento tão poderoso e transformador que são as ações de classe, logo o objetivo da representação adequada é assegurar tanto quanto possível, que o resultado da tutela não seja diverso do resultado que seria obtido se todos os membros da coletividade pudessem pessoalmente defender seus interesses.
Além disso, minimizam-se os riscos de acordos ilícitos e utilização do processo indevidamente como meio de homologar transações que prejudiquem direitos e garantias invioláveis e de suma importância, assegurando-se que se traga a baila todos os reais e concretos interesses das partes com uma conduta e atuação do seu “porta-voz” apto a alcançar o provimento mais justo.
É óbvio que não se pode internalizar instrumentos e estruturas que, a despeito de funcionarem bem em seus países de origem, podem comprometer demasiadamente nosso judiciário, tanto por razões históricas como por razões de cultura e esforços em cada caso concreto, contudo pode-se realizar o que Gidi definiu como “transplante responsável”, utilizando ideais e meios jurídicos de sistemas alienígenas adequando-os às características e objetivos de nosso ordenamento, caso do instituto da representação adequada, que apesar de ser justificado por constatações que não coincidem com nossa realidade, com certeza trazem avanços sociais incomparáveis na efetividade de direitos fundamentais.
4 O PAPEL POLÍTICO DO JUIZ NAS AÇÕES COLETIVAS- PRINCÍPIO DO ATIVISMO JUDICIAL
A existência e a confiabilidade que as class actions possuem nos Estados Unidos é garantida em grande parte devido ao posicionamento dos magistrados daquele sistema, que possuem a consciência do poder e da responsabilidade que é decidir causas que afetam milhares de indivíduos, que asseguram ou não a aplicabilidade de direitos universalmente considerados e que compreendem a dimensão da ação coletiva a partir do momento em que um juiz neutro não conseguiria efetivar a tutela ali pretendida.
É esta consciência que deve ser transportada para o juiz brasileiro, para a mitigação dos dogmas do processo liberal individualista e a percepção de seu poder de transformação e intervenção, efetivando-se o acesso à justiça sem desrespeitar o devido processo legal.
Além de propiciar ao processo a textura constitucional necessária, concretiza-se os ideais de uma sociedade participativa, aumenta-se a crença no judiciário, justamente porque aquele “magistrado-estátua” perde seu espaço para um juiz consciente de sua função social que busca a diminuição do abismo que muitas vezes persiste em nossa realidade entre o direito abstratamente considerado e a sua concretização.
O principal foco de atuação do magistrado deve ser na mitigação do império da lei, não ao ponto de desconsiderá-la e voltarmos à barbárie, mas sempre atuando na busca de uma justificação de suas decisões, também não se está pregando a arbitrariedade, mas um subjetivismo controlado.
A análise da representação adequada ganha força em face dos princípios constitucionais do processo, adaptados aos escopos dos direitos coletivos, uma vez que suas linhas políticas direcionam-se para a idéia maior de efetividade, onde o judiciário deve atentar cada vez mais à realidade sócio-econômica do país, conhecer das necessidades, conectando-se à vida real, não se limitando à velha representação da figura do juiz idoso dormindo em sua cadeira no tribunal, inacessível ao homem do povo.
Veja, não se quer também abandonar a necessidade de imparcialidade do magistrado ao decidir a lide, até porque esta não se confunde com a neutralidade, a intenção é incentivar uma participação concreta na condução do processo, justamente porque há o interesse do judiciário em conhecer o mérito das ações coletivas. Logo, se quer obter a realização do direito substancial, nesse sentido cabe citar o mestre José Carlos Barbosa Moreira:
“Uma coisa, com efeito, é proceder o juiz, movido por interesses ou sentimentos pessoais, de tal modo que se beneficie o litigante cuja vitória se lhe afigure desejável; outra coisa é proceder o juiz, movido pela consciência de sua responsabilidade, de tal modo que o desfecho do pleito corresponda àquilo que é o direito no caso concreto. A primeira atitude, obviamente, repugna ao ordenamento jurídico; a segunda só pode ser bem vista por ele. Ora, não há diferença, para o juiz, entre querer que o processo conduza o resultado justo e querer que vença a parte(seja qual for) que tenha razão”.[5]
Um dos princípios aclamados pelo processo coletivo, importado dos EUA, é o ativismo judicial, onde existe o que discutimos até aqui, somado ao maior mediatismo do juiz que abre a possibilidade de diálogo com as partes, e que em razão do forte interesse público da demanda, flexibiliza a técnica processual para melhor amoldá-la ao caso concreto.
O fato de denominar-se que o papel do juiz nas causas coletivas quase sempre é político, justifica-se pela decisão que o mesmo profere em casos onde no conflito de dois interesses relevantes, um deles é eleito passível de proteção jurídica em detrimento de outro, se em demandas individuais tal fato ocorre, em demandas coletivas esta realidade é ainda mais nítida, onde noções de interesse público, proporcionalidade e bem comum entregam ao judiciário função típica de representantes políticos da sociedade.[6]
Diante dessa nova realidade, desse novo papel do judiciário de além de ater-se ao conteúdo das normas legais e dos regramentos pátrios, encontrar-se intimamente conectado à realidade social, o instrumento do controle da representação adequada se mostra essencial inerente ao próprio texto constitucional, já que a ação como instrumento para alcançar o direito material correspondente, faz com que o processo coletivo responsável por direitos fundamentais coletivos ganhe contornos de um direito fundamental, transformando um amontoado de papéis em meios de concretização de justiça real.
As correntes contrárias ao controle da legitimidade coletiva possuem como maior fundamento a inexistência de previsão legal nesse sentindo, contentando-se com a prévia análise feita pelo legislador que sequer conhece a realidade de cada caso, limitando-se à uma concepção abstrata de aptidão.
Decisões judiciais que tomam por base tais argumentos são altamente prejudiciais à justiça, à credibilidade do processo, fato que infelizmente é corrente em nosso judiciário, já que as ações coletivas são mal interpretadas e por muitas vezes estigmatizadas como “complicadas”, permanecendo as mesmas sem a merecida efetividade.
Por muitas vezes parece repetitivo informar que a mentalidade liberal dos tribunais prejudica a efetividade das ações coletivas, mas a meu ver, essa informação ainda não foi absorvida pelos operadores do direito da maneira que devia, a sensibilidade deve ser unida à técnica, sem deixar que esta se sobreponha de tal maneira a anular a posição de vanguarda da tutela metaindividual, mais uma vez cito o professor Barbosa Moreira:
“quando porventura nos pareça que a solução técnica de um problema elimina ou reduz a efetividade do processo, desconfiemos primeiramente de nós mesmos. É bem possível que estejamos confundindo com os limites da técnica os da nossa própria capacidade de dominá-la e de explorar-lhe a fundo as virtualidades. A preocupação com a efetividade deveria levar-nos amiúde a lamentar menos as exigências, reais ou supostas, imputadas à técnica do que a escassa habilidade com que nos servimos dos recursos por ela mesma colocados a nossa disposição”.[7]
O juiz não é um burocrata, seu papel não deve se resumir à aplicação da letra da lei de maneira fria, essa realidade foi superada com a própria superação de dever negativo do Estado, o juiz é agente político, detentor de importantíssima função social, que deve se ligar à função social do texto legal e à sensibilidade de cada caso, para nessa união, concretizar justiça, capaz de alterar a realidade deprimente da sociedade e da efetividade deficiente de determinados direitos.
5 EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E A PRIMAZIA DA TUTELA COLETIVA ADEQUADA
Analisar os princípios acima defendidos para ao final concluir-se com sua efetividade através do controle da legitimidade seria “chover no molhado”(sic), por esta razão, com vistas a conferir argumentos e não afirmações, faremos o raciocínio inverso. A legitimidade e o exercício de controle em seu âmbito, implica, como já afirmado anteriormente, no exercício pleno dos direitos da coletividade, observando-se a boa técnica e a probidade do agente, assim como garante a voz efetiva da classe durante o prosseguir do feito.
Além disso, as regras de legitimidade representam o próprio princípio democrático disposto no texto da Magna Carta, uma vez que, os detentores de fato dos direitos envolvidos, apesar de não participarem diretamente da ação, são representados por entidades que devem ser aptas a assegurar a soberania popular, pilar de sustentação de um Estado Democrático de Direito, que ao mesmo passo que defende o uso da lei, carrega em seu interior os valores herdados do Estado Social, objetivando justiça material efetiva.
Essas conseqüências demonstram com maior segurança o respeito aos princípios do processo coletivo, entendendo-se que estes desempenham o papel de demonstração das linhas políticas de determinado ramo. Dessa feita, a adequada representação é instituto que deve ser utilizado e aplicado, como forma de se alcançar o acesso á justiça integral e consecução do devido processo legal substancial. A defesa de direitos fundamentais só ocorrerá se durante a ação, se perseguir o alcance deste objetivo através do uso de instrumentos aptos a esta concretização, principalmente no quesito entrada de qualquer feito, que é a legitimidade.
Os princípios conferem a base necessária para o preenchimento das omissões, das dúvidas assim como das contradições, possuindo teoricamente dupla função. Primeiramente negativa, impedindo que se atente contra a ordem constitucional, de maneira que todo o arcabouço normativo referente à legitimidade assim como os entendimentos e interpretações só podem ser realizados e serem validados, se possuírem conformidade com os ditames da norma maior, e em segundo lugar os princípios possuem função positiva, permitindo ao operador do direito a possibilidade de conferir efetividade aos princípios constitucionais sempre que as regras jurídicas positivadas não alcancem os objetivos do texto constitucional ou ainda, quando forem insuficientes para atendê-los.
No direito norte americano uma das justificativas da representação adequada é justamente o respeito ao devido processo legal, cujo principal corolário é o contraditório, definindo que todos envolvidos devem ser ouvidos e terem a capacidade de influir no julgado, assim, através do controle da atuação do legitimado, consequentemente atende-se ao contraditório, pois se cria uma realidade onde o decisum corresponderá ao mesmo que seria dado para o caso de todos substituídos pessoal defenderem seus interesses pessoalmente na corte.
O devido processo legal encontra-se positivado em nossa Constituição, no artigo 5º inciso LIV, derivando do próprio princípio-mor do acesso à justiça. Este princípio define que o estado deve garantir o acesso formal e material à tutela jurisdicional, adaptando-se sempre às novas necessidades representadas por uma era de direitos coletivos, definindo ainda que a jurisprudência e a atuação dos operadores do direito devem se conformar com os objetivos de justiça das ações coletivas, pautadas na instrumentalidade das formas e na mitigação de institutos e dogmas liberais.
Mauro Cappelletti[8] aponta para a denominação de devido processo social, adaptação do devido processo legal individual para as feições coletivas da nova era, onde há o direito de ser citado, ouvido, e defendido através de um representante, mas não de qualquer um, e sim através do adequado, pregando ainda a desburocratização do judiciário e alterações de leis, além do abandono efetivo de dogmas liberais e a aceitação da idéia do judiciário como sujeito responsável pela construção do Estado Democrático, afirmando direitos sociais fundamentais e atendendo aos fins sociais a que se dirige o processo e ao bem comum.
Logo, ao definir que o devido processo legal (social) exige um instrumento apto a concretizar os direitos materiais envolvidos de maneira eficaz e efetiva, rapidamente fazemos uma ligação com a noção de controle da legitimidade, já que o processo que almeje concretizar direitos fundamentais coletivos necessita de um representante adequado preparado para representar a grandiosidade desses direitos, admitir o contrário seria violar o processo legal, limitando-se à sua análise formal de previsão legal e esquecendo os aspectos de efetividade para a tutela pretendida.
A máxima que podemos retirar dessa compatibilização é de que não adianta a previsão de procedimentos para a concretização da tutela coletiva, não adianta a mera previsão legal de institutos e meios, se estes não forem hábeis para serem concretizados na realidade dos tribunais, se estes não forem aptos a fazer justiça no processo.
Luiz Guilherme Marinoni em muitas de suas obras defende a idéia de um direito fundamental á técnica processual adequada, onde uma de suas facetas pode ser facilmente relacionada ao exercício do controle da legitimidade nas ações coletivas, superando a supervalorização do processo, do instrumento, quando o foco é na concretização do direito material discutido em juízo, ou seja, deve-se prezar pela primazia da tutela coletiva adequada.
O processo não é fim em si mesmo, a lei não pode ser seguida ao extremo, deve ser sim aliada a outros instrumentos como a sensibilidade ao caso concreto, a observância dos princípios constitucionais, o acesso à outras fontes do direito, afim de se focar nos objetivos e na própria justificação da norma, devendo tal ação ser cobrada pela sociedade e pelos doutrinadores, para evitar o exercício de arbitrariedades e o rigorismo excessivo da lei.
6 CONSEQUÊNCIA DA ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO ADEQUADA
Após toda essa exposição de princípios, de defesa da análise da representação adequada do legitimado coletivo em cada caso concreto, vem a pergunta crucial: quais as conseqüências de uma ausência de aptidão na condução do feito coletivo? Extinção da demanda sem resolução do mérito? Obviamente que não.
O magistrado ao analisar a ausência ou o comprometimento da representação dos interesses coletivos no processo deverá substituir o legitimado por outro integrante do rol exposto legalmente, convocando-o através de edital, propiciando assim uma sucessão processual e jamais a extinção do feito, apesar desta saída ser defendida por alguns autores.[9]
O judiciário possui interesse no conhecimento do mérito da ação coletiva, uma vez que defende direitos materialmente fundamentais de interesse público primário, não podendo de outra forma ser tratado, além disso, com base nos princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas, reclama o ingresso de legitimado coletivo apto no lugar daquele que poderá comprometer o mérito da questão litigiosa, ressaltando-se que este comportamento não é de lege ferenda, mas de lege data.
Mesmo com as restrições da extensão da coisa julgada secundum eventum litis, não se mostra razoável a extinção de um feito notadamente importante em face dos interesses em jogo, levantar esta bandeira é se esconder atrás de um formalismo desmedido e não enxergar as reivindicações de nossa realidade social.
Uma pergunta relevante justifica ainda mais o uso do controle da representação, caso ao final de uma demanda os membros da coletividade entendam pela inadequação da representação exercida pelo legitimado abstratamente disposto pelo legislador, os efeitos acarretados poderiam ser os mesmos que os da ausência do contraditório no processo individual? Ou seja, poderia ser pleiteada a nulidade de uma ação coletiva por ausência de representação adequada?
Esta resposta merece cautela, o legitimado deve ser aquele capaz de fazer valer a voz de seus representados, ainda que muitos, uma vez que possui contato com a causa material e saberá conduzir, argumentar e levar provas suficientes para influenciar o provimento jurisdicional, contudo, pautando-se pela boa-fé e pela necessidade de provas da parte que alega representatividade nula ou insuficiente, a nulidade da ação não seria a melhor solução.
A parte que deseja manter a decisão possui o ônus de provar que houve adequada representação e que a alegação de ausência de um sujeito, não provocaria provimento diverso assim como não foi prejudicial à conclusão do feito, argumentando o ausente que se houvesse sido efetivamente representado a decisão poderia ter sido diferente.
Ora, ao invés dos riscos da nulidade de uma ação que em sua maioria das vezes leva anos para ser concluída, demanda paciência, custos tanto às partes como para o estado, melhor seria aplicar o controle judicial da representação adequada, que a todo o momento do feito analisaria as condições de procedibilidade e a aptidão do legitimado ativo, evitando-se futuro aborrecimentos desmotivados.
Outro ponto relevante acerca das conseqüências da adoção de um controle da legitimidade coletiva seria a maior aceitação das chamadas ações coletivas passivas (defendant class actions).
A ação coletiva passiva define-se por ação metaindividual onde um agrupamento humano de titulares de um direito considerado coletivamente for colocado como sujeito passivo de uma relação, ou seja, formula-se pedido em face dos interesses de uma comunidade, podendo haver ainda a caracterização de ações duplamente coletivas.[10]
O fato é que há intensa divergência doutrinária acerca da utilização ou não das ações coletivas passivas, sustenta-se essa negativa em três argumentos básicos: primeiramente não existe permissão legal para tanto, uma vez que o rol de legitimados do artigo 82 do CDC seria apenas para o pólo ativo de uma relação processual coletiva, coadunando com esta idéia temos Pedro Dinamarco, Arruda Alvim, Hugo Mazzilli, em segundo lugar há o obstáculo da coisa julgada que não pode prejudicar os direitos individuais e em último, define-se que haveria sérios problemas na identificação do representante adequado, já que não há indicação na norma nesse sentido.
Se a utilização do controle da legitimidade in concreto for devidamente realizada, este último argumento perde suas forças, uma vez que se o juiz verifica a identidade adequada da classe e esta verificação legitima a ação tornando-se condição necessária e suficiente para a vinculação da classe com a decisão, nesse sentido temos GRINOVER, DIDIER e LENZA
O objetivo do presente trabalho não é analisar a questão das ações coletivas passivas, mas defender a importância do uso do controle de legitimidade, uma vez que este instrumento em muito ajudaria no avanço da doutrina processual coletiva, este controle como já afirmado anteriormente, é dever do judiciário, pode ser integrante do pólo passivo, qualquer um dos legitimados pela lei e em casos de demandas incidentes em outras ações coletivas, a identificação desse legitimado passa a ser a entidade que promoveu a demanda originária, sempre havendo a necessidade da constante análise pelo magistrado acerca da atuação do ente.[11]
O processo coletivo é meio de efetivação de direitos considerados como pertencentes a todos, nada mais sendo do que o reflexo da sociedade de massa que força o Estado, detentor do poder de dizer o direito, a se voltar à estas necessidades, a realização de um controle acerca da boa condução do feito pelo legitimado coletivo, além das conseqüências expostas, tem um objetivo maior, que é justamente efetivar as garantias constitucionais, alcançar os objetivos do estado democrático de direito assim como prestar contas à sociedade, aos jurisdicionados, dos caminhos do direito e sua concretização.
7 TENDÊNCIAS DO DIREITO BRASILEIRO NO CONTROLE DA REPRESENTAÇÃO ADEQUADA
Apesar da ausência de referência legal ao controle da legitimidade exercida pelo magistrado, alguns autores defendem que o próprio legislador inseriu no texto normativo relacionado ao microssistema de processo coletivo, alguns instrumentos tendenciosos ao uso da análise da representação adequada.
No artigo 82, § 1º do CDC e no artigo 5º, inciso V, alínea “a” e § 4º da Lei da Ação Civil Pública definem que:
“Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: […]
V – a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; […]
§ 4. ° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.”
Percebe-se que a relevância dos direitos envolvidos demanda ao magistrado a possibilidade de dispensa de um requisito exposto legalmente para a legitimidade, em razão da maior importância ao conhecimento e prosseguimento do litígio, fundamentado no manifesto interesse social ou pela relevância do bem jurídico protegido, demonstrando a preocupação do legislador com o bom e efetivo uso do processo coletivo, por que então não aceitar uma maior credibilidade da ação e controle através de uma análise constante de representatividade adequada?
Ainda nesse raciocínio pergunta-se, se é possível e liberado ao magistrado a análise da capacidade de representação da classe por uma associação constituída em tempo inferior ao parâmetro estabelecido pela lei, por que não poderia ser analisado e decretada a falta de capacidade de representação da classe em que o autor coletivo, mesmo que se enquadre nos requisitos da norma, no caso concreto se mostra incapaz para prosseguir com a ação? A resposta é simples e não guarda dúvidas.
Outro critério pode aqui ser auferido, exige-se uma afinidade temática entre o legitimado e o objeto da lide, denomina-se este vínculo de “pertinência temática”, que deve ser verificada em alguns tipos de ações coletivas, principalmente as de manejo constitucional. Ora não se estaria diante de um controle, que mesmo sem extensa previsão legal, é aclamado pela jurisprudência e exercido nos tribunais?
Ainda no texto do Código de Defesa do Consumidor temos os requisitos de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos, que deverá ser controlado pelo juiz (artigo 81, parágrafo único, inciso III), ou seja, deve verificara prevalência das questões de direito e de fato comuns sobre interesses individuais bem como a necessidade/superioridade da tutela coletiva em razão da relevância do bem litigioso.
Além das tendências existentes no próprio texto legal, a jurisprudência vem demonstrando-se favorável ao uso do controle de representatividade, apesar da timidez, a seguir julgado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
“PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO COLETIVA. CARÊNCIA DE AÇÃO. REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA. ILEGITIMIDADE ATIVA. PROIBIÇÃO DE PRODUZIR E COMERCIALIZAR CIGARROS. RESERVA DO POSSÍVEL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. 1. Nada obstante o controle judicial sobre a representatividade adequada se opere ope legis e de forma objetiva, verifica-se que o sistema se ajusta mais a uma discricionariedade judicial. O modelo do direito comparado, que atribui ao juiz o controle da “representatividade adequada” (Estados Unidos da América, código modelo para ibero-américa, Uruguai e Argentina) pode ser tranqüilamente adotado no Brasil, na ausência de norma impeditiva.2. A representação adequada é um conceito juridicamente indeterminado, aberto, portanto, a ser integrado no caso concreto pelo convencimento motivado do juiz de acordo com a finalidade da lei. Existem dados sensíveis que caracterizariam a representatividade idônea e adequada. Segundo a doutrina, esses dados são: a credibilidade, a seriedade, o conhecimento técnico-científico, a capacidade econômica, a possibilidade de produzir uma defesa processual válida.” (…) (TJDF – APELACAO CIVEL: APC 20060110359465 DF – Decisão Publica em 18/09/2007).
Como forma de melhor expressar e positivar o controle da aptidão do autor coletivo alguns projetos de código de processo coletivo já expuseram em seus dispositivos normas nesse sentido. O primeiro a prever tal disposição e influenciar os estudos pátrios nesse sentido foi o Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero – América, elaborado com a participação de alguns juristas brasileiros, fruto das jornadas do Instituto Ibero-Americano de direito processual ocorridas em 2004 na Venezuela, objetivando a criação de um modelo harmonioso que trouxesse a positivação interna em cada país.
Este código trouxe em seu conteúdo requisitos da demanda coletiva, quais sejam a adequada representatividade do legitimado e a relevância social da tutela coletiva, caracterizada pela natureza do bem jurídico, pelas características e pelo número de pessoas atingidas. Esta análise da representatividade adequada está expressa no §2º do artigo 2º do Código, expondo os requisitos a serem auferidos pelo magistrado, a seguir:
“Art. 2º. São requisitos da demanda coletiva:
I – a adequada representatividade do legitimado; […]
Par. 2º. Na análise de representatividade adequada o juiz deverá analisar dados como:
a- a credibilidade, capacidade, prestígio e experiência do legitimado;
b- seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos dos membros do grupo, categoria ou classe;
c- sua conduta em outros processos coletivos;
d- sua capacidade financeira para a condução do processo coletivo;
e- a coincidência entre os interesses dos membros do grupo, categoria ou classe e o objeto da demanda;
f- o tempo de instituição da associação e a representatividade desta ou da pessoa física perante o grupo, categoria ou classe.”
Estes requisitos servem de orientação ao magistrado no momento de analisar a representatividade adequada, limitar-se a eles ou levá-los ao extremo seria mitigar e realizar um retrocesso não objetivado pelo legislador, uma vez que se trata de conceito jurídico indeterminado, preenchido pelo subjetivismo motivado do juiz e não regras fixas que devem ser observadas, logo, são orientações. Outro dispositivo ainda nesse código modelo que fortalece a posição do juiz no processo e a verificação da legitimidade é o §4º do artigo 3º, qual seja:
“Art. 3º. São legitimados concorrentemente à ação coletiva: […]
Par. 4º. Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada, de desistência infundada ou abandono da ação por pessoa física ou associação legitimada, o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados adequados para o caso a fim de que assumam, querendo, a titularidade da ação.”
Ainda nessa esteira temos previsão ainda mais extensa sobre o uso da representatividade adequada no Código de Processo Coletivo formulado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, nos seguintes termos:
“Art. 20. Legitimação. São legitimados concorrentemente à ação coletiva ativa:
I – qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, demonstrada por dados como:
a – a credibilidade, capacidade e experiência do legitimado;
b – seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos difusos e coletivos;
c – sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado;
II – o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos coletivos, e individuais homogêneos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, nos termos do inciso I deste artigo; […]
§ 1° Na defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, qualquer legitimado deverá demonstrar a existência do interesse social e, quando se tratar de direitos coletivos e individuais homogêneos, a coincidência entre os interesses do grupo, categoria ou classe e o objeto da demanda;
§ 2º No caso dos incisos I e II deste artigo, o juiz poderá voltar a analisar a existência do requisito da representatividade adequada em qualquer tempo e grau de jurisdição, aplicando, se for o caso, o disposto no parágrafo seguinte.
§ 3º Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada (incisos I e II deste artigo), o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados, a fim de que assumam, querendo, a titularidade da ação.
§ 4º Em relação às associações civis e às fundações de direito privado, o juiz poderá dispensar o requisito da pré-constituição, quando haja manifesto interesse social evidenciado pelas características do dano, pela relevância do bem jurídico a ser protegido ou pelo reconhecimento de representatividade adequada (inciso I deste artigo).
§ 5º Os membros do Ministério Público poderão ajuizar a ação coletiva perante a Justiça federal ou estadual, independentemente da pertinência ao Ministério Público da União, do Distrito Federal ou dos Estados, e, quando se tratar da competência da Capital do Estado (artigo 22, inciso III) ou do Distrito Federal (artigo 22, inciso IV), independentemente de seu âmbito territorial de atuação.
§ 6º Será admitido o litisconsórcio facultativo entre os legitimados, inclusive entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados.
§ 7º Em caso de relevante interesse social, cuja avaliação ficará a seu exclusivo critério, o Ministério Público, se não ajuizar a ação ou não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.
§ 8º Havendo vício de legitimação, desistência infundada ou abandono da ação, o juiz aplicará o disposto no parágrafo 3º deste artigo.
§ 9º Em caso de inércia do Ministério Público, aplica-se o disposto no parágrafo único do artigo 8º deste Código.”
Percebe-se que em uma primeira leitura houve a limitação da análise da representatividade adequada apenas às pessoas físicas, dispondo de determinados requisitos quase que a cópia fiel do modelo para a Ibero-América, o que de fato foi um avanço nesse código foi a possibilidade do magistrado fixar gratificação para atuação relevante para alcançar o êxito da ação, nos casos em que o legitimado é pessoa física, sindicato, associação ou fundação de direito privado, estimulando a participação e a probidade na tutela coletiva, buscando superar assim o monopólio dessa tutela pelo Ministério Público, fato este que é realidade em nosso cotidiano forense.
Todas estas previsões só demonstram a tendência e a aceitação do controle da representação, justamente em razão do interesse público envolvido nesse tipo de lide e a necessidade de concretização do devido processo legal, garantia constitucional que defende não apenas a leitura formal, mas a real acerca das garantias processuais, tutelando-se direitos não através de um representante qualquer, mas um representante adequado.[12]
8 CONCLUSÃO
É fato que ainda sofremos com a problemática da separação da teoria da prática, tanto é assim, que nossos tribunais ainda se sentem retraídos para agir em favor de princípios e em favor da sensibilidade ao caso concreto, justamente pela ausência de preceito legal expresso nesse sentido.
O raciocínio liberal ainda nos assombra, mas é através de trabalhos acadêmicos, através de esforços de todos os operadores do direito comprometidos com a mudança da realidade social que se avança no caminho da efetividade dos preceitos fundamentais, a despeito do dogmatismo legal.
O direito processual moderno trata seus problemas optando por sua visão como meio, meio de instrumentalizar, otimizar a consecução de direitos materiais, no caso da tutela coletiva, direitos que encontram identidade material disposta na Constituição Federal e são fundamentais à dignidade da pessoa humana, é por esta razão que atrelar-se à teorizações, à leis abstratas e muitas vezes insuficientes para obter-se justiça, é equivocar-se.
O trabalho não esgotou seu objetivo, uma vez que foi apenas um passo inicial na discussão do uso do controle da representação adequada do legitimado, porta inicial de qualquer ação, como maneira de concretizar princípios constitucionais que demonstram as linhas políticas do direito, contudo para se atingir esses objetivos precisa haver um abandono de conceitos pré-formados de representação, apurando a atenção para o vínculo existente entre o autor coletivo, sua atuação e a finalidade da tutela difusa, principalmente como palco de efetivação de interesses públicos primários.
O representante tem o poder de tutelar os interesses do grupo, tal poder corresponde igualmente ao dever de representá-los adequadamente, logo sua atuação legitima seu papel, legitima a decisão judicial e confere credibilidade ao processo. Apesar da indeterminação do conceito, não existem margens para discricionariedades, em razão da motivação necessária que convalida o clamor por um judiciário atuante, que deve analisar essa representação apenas no início do feito, ou na fase saneadora, mas sim em todos os momentos da ação, conferindo à coletividade, a capacidade de ser efetivamente ouvida em um tribunal.
Conclui-se que, em um Estado Democrático de Direito, onde a participação social é incentivada, onde direitos sociais ganham importância imprescindível ao poder público, onde a sociedade cada vez mais se torna complexa originando novas demandas, é preciso que o direito se adeque e abarque em seu conteúdo estas matérias, aplicando princípios e concedendo maior poder de verificação da atuação daqueles que tem o poder de representar os direitos coletivos em juízo, alcançando justiça material concreta e encerrando mentalidades arcaicas que infelizmente ainda rondam os corredores do fórum, burocratizando e bloqueando o acesso à justiça, garantia maior de nosso sistema.
Acadêmica de Direito do CESUPA/PA
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