Algumas considerações aos projetos de reforma política que tramitam no Congresso

Resumo: O presente estudo bibliográfico traz discussões acerca de alterações propostas no projeto de reforma política, existente no Senado Federal, acerca do instituto da reeleição, seu tratamento constitucional anterior à Emenda nº 16, sua aplicação pós-emenda e as implicações atuais. No trabalho, ainda analisa-se a divisão igualitária de vagas de candidaturas entre homens e mulheres e a possibilidade de consulta popular, seja através de plebiscito ou referendo. Como resultado entende-se que a reeleição deve ser extinta para evitar que grupos se perpetuem no poder. Em tempo, igualar a porcentagem entre candidatos homens e mulheres será muito importante, se vier acompanhada de uma maior participação destas, no seio dos partidos. Qualquer proposta de reforma eleitoral deverá ter uma discussão profunda junto à sociedade ou através de plebiscito ou referendo. A reforma política é primordial para o avanço de nossa democracia, mas deve ser concebida sem sobressaltos ou casuísmos e resultar de um consenso social.

Palavras-chave: Direito Eleitoral. Reforma Eleitoral. Reeleição. Reserva de candidaturas para mulheres. 

Sumário: 1. Introdução. 2. O instituto da reeleição. 3. Reserva de 50% para candidaturas de mulheres. 4. Da consulta popular. 5. Ponderações finais. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata de algumas inovações existentes nos Projeto de emendas Constitucionais 39 e 42, e demais projetos de reforma eleitoral existentes no congresso, tendo como marco teórico a proposta da comissão do Senado, sendo produzido a partir de um estudo bibliográfico. O trabalho tem como escopo a discussão destas alterações e suas possíveis consequências junto à sociedade brasileira.

Durante vários anos, tem-se discutido junto ao meio político e acadêmico a estrutura política do país. Dentre as várias concepções que surgiram, boa parte entende que deve haver um fortalecimento do poder dos partidos.  Nesta toada, nascem fortes argumentos para a criação do financiamento público de campanha e das listas fechadas. Tais institutos, assim como os da reeleição e da igualdade de porcentagem de participação das candidaturas entre homens e mulheres fazem parte destas inovações e têm provocado acirradas discussões em nosso parlamento.

A reeleição para os cargos de Prefeito, Governador e Presidente da República, também voltou à tona. O projeto intenta acabar com a reeleição e aumentar o prazo do mandato para 5 (cinco) anos. Aprovar ou não tal medida depende do momento e da força política dos gestores atuais.

Como decorrência do princípio constitucional da igualdade, ganha força no Congresso, a proposta de igualdade na porcentagem de vagas destinada a cada sexo para as candidaturas. Ou seja, caberia, a partir de então, 50% das vagas para homens e 50%, para mulheres.

Várias idéias estão dispostas no campo da negociação política e caberá aos nossos representantes encontrar aquela que melhor atenda aos anseios de nosso povo, ou aos deles próprios. O presente trabalho discorrerá sobre algumas destas idéias, discutindo seus aspectos positivos e negativos, com o intuito de esclarecerem seus pontos controversos.

2. O INSTITUTO DA REELEIÇÃO

Antes de adentrarmos no tema da reeleição, temos que entender a significação etimológica do termo. Reeleger significa eleger novamente. A Constituição de 1998, em seu artigo 14, parágrafo 5º, proibiu o instituto. O fim da reeleição teve como justificativa evitar a manutenção de grupos oligárquicos no poder.

O Presidente da República, há época, com o intuito de disputar o segundo mandato, esforçou-se junto a sua base aliada para aprovar o projeto de Emenda Constitucional nº 16. A alegação preponderante naquele momento era de que um único mandato não seria suficiente para executar os planos de governo. Um quadriênio seria pouco para tocar as obras e ter uma gestão mais eficaz. Conforme a Emenda Constitucional nº 16, de 04 de junho de 1997:[1]

“Art. 1º O § 5º do art. 14, ao caput do art. 28, o inciso II do art. 29, o caput do art. 77 e o art. 82 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:.

“Art. 14. […].

§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.”

Tal exceção tornou-se válida para candidatos a cargos no Executivo, conforme leciona o artigo da lei, limitando a reeleição a um mandato. Como o próprio sistema presidencialista denota, apesar da tripartição das funções de poder disposta em nossa Constituição, é inegável a grande concentração de poder nas mãos deste. Nesse sentido leciona Uadi Lammêgo Bulos (Bulos, 2008, pág. nª 788).

“O motivo é simples: o Brasil é uma república na forma de governo que prima pela alternância no poder. A reeleição, ainda que por um período, abres as portas para a malfadada perpetuidade no gozo da soberania, burlando o princípio republicano, que apregoa a limitação, rigorosamente temporária, de mandatos eletivos. No momento que funções efêmeras se convertem em permanentes o uso da máquina administrativa do estado pode vir a tona, ainda que se envidem esforços para coibir fraudes aparelhando melhor a Justiça Eleitoral e o Ministério Público. Não raro, os que buscam reeleger-se não medem esforços para alcançar seu intento.”

O detentor de mandato tem amplas possibilidades para nele se manter. Poderá se utilizar de maiores privilégios que o exercício do poder os possibilita. A igualdade entre os concorrentes é um preceito constitucional. Não é uma disputa justa, a que ocorre entre quem exerce um cargo eletivo e aquele que não o detém.

Há quem se utilize do argumento de que só seria reeleito aquele que tivesse realizado uma boa administração. Portanto, as urnas seriam as melhores juízas. Na prática, isso não se mostra eficaz. Observamos, pois, pelo país más administrações. Durante os três primeiros anos os gestores não realizam nenhuma obra importante. Contudo, no último ano de mandato, aumentam suas despesas com gastos em propaganda, bem como, com investimentos em projetos sociais de apelo popular. Na maioria das vezes revertem a opinião negativa que a população tem em relação às suas administrações, possibilitando uma nova vitória eleitoral.

Alguns tribunais pátrios endureceram a interpretação em casos de abuso do poder político e abuso do poder econômico. Tal atitude acabou por originar uma nova legislação que trouxe algumas restrições como: proibição de inaugurar obras, vedação de propaganda com o intuito de promover a autoridade, vedação de uso de bens e serviços públicos.

Apesar destes empecilhos, resta claro na visão do eleitor que, ao assistir uma propaganda na televisão ou rádio, ele confunde o cargo com o próprio candidato. Isso reflete psicologicamente na sua mente e acaba subconscientemente cooptando de forma indireta o voto destes eleitores.

É claro, que o povo tem o direito de que seus governantes realizem atos que melhorem suas vidas, porém causa estranhamento que isso ocorra sempre nos últimos anos das administrações. A comissão do Senado, que elabora o projeto de Reforma Política, introduziu no projeto o fim da reeleição. Verificou-se que a influência do poder da função era gigantesca. Grande parte dos gestores acabam conseguindo se reeleger mesmo não realizando um bom trabalho.

A maior característica da democracia é a possibilidade de alternância de poder. Isto é salutar para o fortalecimento das instituições e crucial para o recrudescimento da liberdade em nossa sociedade. A manutenção da reeleição é maléfica às minorias e vicia o direito de escolha do eleitor, tão protegido por nossa Carta.

3. RESERVAS DE 50% PARA CANDIDATURAS DE MULHERES

Nos últimos anos, ocorreram várias ações legislativas e decisões judiciais com o intuito de efetivar os direitos fundamentais, tornando-os acessíveis aos diversos grupos que foram marginalizados historicamente em nosso país, entre eles: negros, índios, mulheres.

Em termos eleitorais, as mulheres só começaram a votar em nosso país, recentemente, conforme podemos depreender do artigo retirado do sítio eletrônico da Folha online [2]:

“Faz só 76 anos que a mulher brasileira ganhou o direito de votar nas eleições nacionais. Esse direito foi obtido por meio do Código Eleitoral Provisório, de 24 de fevereiro de 1932. Mesmo assim, a conquista não foi completa. O código permitia apenas que mulheres casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria pudessem votar.  As restrições ao pleno exercício do voto feminino só foram eliminadas no Código Eleitoral de 1934. No entanto, o código não tornava obrigatório o voto feminino. Apenas o masculino. O voto feminino, sem restrições, só passou a ser obrigatório em 1946.  O direito ao voto feminino começou pelo Rio Grande do Norte. Em 1927, o Estado se tornou o primeiro do país a permitir que as mulheres votassem nas eleições. Naquele mesmo ano, a professora Celina Guimarães—de Mossoró (RN) se tornou a primeira brasileira a fazer o alistamento eleitoral. A conquista regional desse direito beneficiou a luta feminina da expansão do “voto de saias” para todo o país. A primeira mulher escolhida para ocupar um cargo eletivo é do Rio Grande do Norte. Foi Alzira Soriano, eleita prefeita de Lajes, em 1928, pelo Partido Republicano. Mas ela não terminou o seu mandato. A Comissão de Poderes do Senado anulou os votos de todas as mulheres. “

Portanto, o direito de votar foi conferido às mulheres a partir do Código Eleitoral de 1932, de cunho não obrigatório. A eleição da primeira mulher ocorreu no ano de 1928, antes mesmo do código anuir o voto feminino. Os dois ganhos ocorreram no estado do Rio Grande do Norte. Ninguém imaginaria, naquela época, que uma mulher pudesse se tornar presidente. Porém, mesmo que o cargo mais importante de nossa democracia seja ocupado por uma mulher, é inegável que estas ainda sofrem grande preconceito no meio político.

A fim de aumentar a participação das mulheres, nosso legislador ordinário, inseriu limites percentuais na participação de candidatos de cada sexo, nos pleitos eleitorais. Conforme podemos inferir do artigo 10º, parágrafo terceiro, da Lei 9504 de 30 de setembro de 1997.

“§ 3o  Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.

Era clara a intenção de aumentar a participação feminina. Embora este artigo tenha representado um avanço, não deixou de ser uma demonstração de fracasso de nossa sociedade em implementar os direitos elencados no art. 5º, de nossa Constituição.  A sociedade não garantiu igualdade sendo necessário que nossos parlamentares criassem uma norma protetiva para regular as relações interpartidárias pré-eleitorais.

A proposta de projeto de lei aprovada pela comissão do Senado, que trata de reforma política, intenta modificar o artigo da lei 9504, citado acima, para majorar para 50% (cinqüenta por cento) a porcentagem de candidaturas de cada sexo, tornando-as equitativas entre mulheres e homens.

Essa alteração poderá trazer um avanço para a participação das mulheres. Todavia, terá de ser acompanhada por um processo de crescimento também dentro dos partidos. Atualmente, é difícil para estes, principalmente nas cidades menores, obedecerem aos 30% exigidos pela legislação já vigente. Não raro, ocorrem casos pelo interior do país, em que se lançam candidatas sem nenhuma expressão política, muitas vezes até contra a vontade das mesmas só para atenderem à disposição de lei. Mais difícil ainda, seria expandir esse percentual para 50%, sem que houvesse um incentivo para aumentar a participação das mulheres na gestão do partido. Resta claro, que a cota se tornará inócua se não vier acompanhada por uma conscientização partidária da importância destas para o seu crescimento. Bem como, de um efetivo aumento de cargos da direção partidária concentrada em suas mãos. 

É relevante o crescimento da participação das mulheres no exercício do poder e na busca por este protagonismo. Nossos partidos ainda estão engatinhando nesta prática, que necessita ser aperfeiçoada, sob pena de que a agremiação que não se adequar a tal realidade possa vir a perder votos no futuro.

4. DA CONSULTA POPULAR

O instituto da consulta popular se faz presente em nossa Constituição como resquício da democracia direta de Atenas. Manifesta-se através do plebiscito e referendo, bem como da apresentação de projetos de iniciativa popular.

A reforma política deveria ser submetida ou a plebiscito ou a referendo. É necessário frisar que esta, não poderá ser decidido sem que tenha um maior envolvimento da sociedade. Parte superior do formulEmbora nossos políticos seja legítimos representantes desta, é injusto que um projeto de reforma política seja concebido sem que seus setores sejam consultados.

Dentro da discussão do projeto de Reforma Eleitoral, é razoável, por exemplo, que a população brasileira decida se deverá ser injetado dinheiro público no financiamento das campanhas eleitorais. Na ótica desta discussão, ponderou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowisk, em audiência na Câmara Federal, em 15 de abril de 2011:

“Durante a audiência, Lewandowski destacou ainda a necessidade de se fortalecer os mecanismos de participação popular, como os plebiscitos e referendos, nas decisões políticas. “Isso é um mandamento constitucional”,definiu. “Com o progresso da informática aplicado ao processo eleitoral, podemos aplicar essas ferramentas [de consulta popular] de forma mais constante”, acrescentou o ministro. “Temos um dos sistemas eleitorais mais avançados do mundo. Poderíamos ter a resposta de uma consulta popular em menos de 24 horas.”

O presidente do TSE ressaltou, como já é evidente, a capacidade de nossa Justiça Eleitoral de preparar consultas eleitorais de forma rápida e eficaz. Isso significa que, caso o Congresso Nacional decida por submeter à reforma política a um referendo, este poderá ser realizado sem maiores contratempos. Neste sentido temos a proposta do saudoso senador Itamar Franco[3]:

“A proposta dos senadores Itamar Franco (PPS-MG), Pedro Taques (PDT-MT) e Waldemir Moka (PMDB-MS) de que a população se manifeste sobre o sistema eleitoral por meio de consulta popular gerou manifestações contrárias de senadores.”

A consulta popular se faz necessária em virtude da grande importância do tema para o futuro político do país. Alguns defendem que outorgar ao povo o poder de decidir tão tema, seria diminuir a importância do Congresso Nacional.

Entendemos não ser esse o melhor caminho, visto que os parlamentares são representantes do povo e não o contrário. Ou seja, os políticos têm o poder derivado do povo, este último, no sentido lato do termo democracia, é quem efetivamente detém o poder. Nada mais coerente, que o povo seja consultado quando assuntos cruciais estejam sendo discutidos, como no caso da reforma política.

Nossa população já demonstrou que tem interesse político. O projeto ficha limpa é um sinal claro de que a sociedade deseja uma alteração nas bases de nossos meios políticos. No caso da reforma política nos resta torcer que seja aprovado, não somente o projeto possível de reforma, mas aquele que realmente possa moralizar o nosso processo eleitoral, tornando-o um sistema que nos possibilite  fazer melhores escolhas.

5. PONDERAÇÕES FINAIS

A reforma política é uma das decisões mais emblemáticas do período atual. Porém, não há de se ter ilusões de transformações profundas. Nossos políticos, caso não haja interferência popular na elaboração da lei, aprovarão o que for mais conveniente para eles.

Como resultado deste trabalho, entende-se que a reeleição é uma forma de manutenção de poder e deve ser extinta. Embora, as leis tenham sido endurecidas a fim de evitar a influência do poder político nos pleitos, é inegável que isso não vem surtindo efeito. Principalmente, pela dificuldade de se constituir provas frente a estes atentados. O princípio maior da democracia é a alternância de poder e a reeleição mitiga essa máxima, sendo prudente o seu fim.

A divisão igualitária nas porcentagens de candidaturas é importante para o aumento de participação das mulheres na política, mas deve ser acompanhada de uma maior inserção popular no seio dos partidos, sob pena de redundar, principalmente nos pleitos municipais, em vagas ociosas ou candidaturas de fachada. Ademais, nenhuma alteração deve ocorrer sem que a população diretamente interessada seja consultada. Não é justo que os deputados e senadores decidam sem o aval dos cidadãos.

É cediço que as propostas de alterações na seara eleitoral, ainda irão provocar vários embates. Há muitos interesses envolvidos nestas discussões e qualquer que seja a conclusão que resultar delas, a parte que se sentir prejudicada certamente levará a questão aos nossos Tribunais Superiores.

 

Referências bibliográficas
BULOS, Uadi Lammêgo . Curso de Direito de Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais ,2006, p. 321.
BRASIL.. Lei 9504, publicada em 30 de setembro de 1997. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm. Acesso em 27 de junho de 2011.
FAORO, Raimundo . Os donos do poder. São Paulo: Editora Globo, 2001, p.869
Notas:
[1] BRASIL. Emenda Constitucional nº 16, publicada em 04 de junho de 1997. Disponível em http ://www.planalto .gov.br/ccivil_03 /constituicao/emendas /emc /emc 16 .htm.   Acesso em 27 de junho de 2011.
[2] Direito de voto feminino completa 76 anos no Brasil, saiba mais sobre essa conquista. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u367001.shtml.  Acesso em 27 jun. 2011

Informações Sobre o Autor

Edson Ricardo da Silva

Servidor público. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2009) e em Matemática pela Universidade Estadual do Ceará (2002). Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (2010)


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