SUMÁRIO: 1. O processo jurídico de globalização. 2. O ordenamento jurídico global. 3. Os standards administrativos globais
1. O processo jurídico de globalização
O termo «globalização» – hoje muito utilizado e objeto de muitos estudos jurídico-sociais – se reconduz pacificamente a T. LEVITT da Harvard University, que cunhou-o em 1983. Através deste termo, indica-se o fenômeno, desenvolvido incisivamente no mundo a partir dos anos Noventa, que determinou e está determinando até hoje uma progressiva «diminuição do mundo e então a sua unidade» (F. BRAUDEL).
«Por muitos milênios a humanidade viveu constringida entre os confins de cada continente, sem possibilidades de saídas, como em outros tantos espaços fechados, sobre outros tantos planetas. Houve, depois, uma aceleração; verdadeiros curtos-circuitos entre as várias civilizações; a internacionalização da cultura é já uma realidade, como aquela da economia, aquela das doenças e das profilaxias. O mundo, enquanto se contrai, tende a abrir todas as portas em todas as direções» ([1]). Na verdade, embora o processo de globalização seja considerado somente em tempos recentes como um “problema jurídico”, já anteriormente tinha sido delineado o seu significado. Já em 1848 releva-se que «a grande indústria abriu o mercado mundial e a necessidade de desabafos sempre maiores aos seus produtos empurram a burguesia para todo o planeta terrestre. Em qualquer lugar do planeta, a indústria deve estabelecer-se, começar a atividade e criar relações. Desfrutando o mercado mundial, esta tornou cosmopolita a produção e o consumo de cada País» (F. BRAUDEL).
Sobre o processo de globalização e a conseqüente posição do Estado nacional neste contexto, há várias teorias ([2]). Certamente, na subiecta matéria, influi incisivamente o ‘diferente papel’ exercido pelo Estado, mas ‘não a redução’ do fenômeno estatal. No passado, o Estado dirigia diretamente ou indiretamente a economia nacional; hoje, o Estado, além dos casos excepcionais e bem regulamentados, exerce “suavemente” – tendo sido instituídos específicos Órgãos nacionais e internacionais – uma função de controle sobre o mercado interno, tratando-se de um mercado “liberalizado e globalizado”.
«A partir dos anos Noventa, as relações mundiais de bens e de serviços são aumentadas segundo um ritmo dobro a respeito daquilo do lucro e, de conseqüência, representam o 45 % do produto bruto mundial» (S. CASSESE). À progressiva diminuição de influência do Estado na economia, se contrapõe o progressivo e intenso aumento financeiro das grandes empresas multinacionais (por exemplo, a General Motors e a Nokia), que no atual mercado global relevam-se sempre mais condicionadoras das políticas econômicas nacionais e internacionais.
Neste contexto, nós achamos que obrigatoriamente aos pedidos explícitos e/ou implícitos de criação de um sistema econômico-social mundial devem corresponder respostas jurídicas globais.
2. O ordenamento jurídico global
O ordenamento mundial caracteriza-se por dois elementos fundamentais, ou seja, pela falta de uma Constituição política global, quer em sentido material e quer em sentido formal, e pela ausência de uma “Autoridade” superior titular de soberania e dos tradicionais poderes de coerção.
Apesar disto, o ordenamento mundial em fieri apresenta todos os caracteres próprios de um ordenamento jurídico, pois é caracterizado pelo pluralismo, pelas organizações e pelo poder de normativa. Em outros termos, trata-se de Estados nacionais representados por Organizações Internacionais, titulares de poderes normativos (por exemplo, as convenções, os regulamentos etc.).
Certamente, o atual conceito de ‘Estado’ diferencia-se da sua noção tradicional, pois não é titular de um poder de imposição. Na verdade, a bem ver, nem necessita, pois exerce atividades, no âmbito internacional, que são finalizadas à ampliação das esferas jurídicas dos cidadãos e não à diminuição dos seus direitos. Em outros termos, propende-se sempre para a “dimensão ampla de direito” e não para a sua “dimensão limitada”. É substancialmente por esses motivos que, de fato, a falta de uma Autoridade superior (interna ao Estado) com poderes de coação, não influi sobre o conceito e a importância da dimensão efetiva do ordenamento internacional.
Nesta perspectiva, releva-se fundamental a cooperação entre os singulares Estados nacionais, pois todos juntos contribuem – através da circulação das “idéias” e também através da utilização do instituto e/ou método da comparação jurídica – para a criação e para a elaboração da normativa do ordenamento jurídico global. Hoje, já são presentes no mundo umas multidões de Organizações internacionais que, na maioria dos casos, não têm como chefe um Estado, mas que, todavia, influem sobre as decisões de política interna e que contribuem, sob vários aspectos, à criação do ordenamento global ([3]).
Então, uma parte da doutrina nega a existência de um ordenamento jurídico global, pois não consegue achar nele a tradicional legitimação do consentimento através de uma coletividade de base, que é certamente típica de um regime político democrático. Portanto, devem-se ressaltar alguns aspectos próprios do ordenamento jurídico global e, no mesmo tempo, inovadores da tradicional concepção de ‘Direito’. Para justificar a falta de consentimento democrático para a estabilização do ordenamento jurídico global, é fundamental evidenciar uma característica universal de todos os regimes políticos atuais, ou seja, a falta de formas de governos dirigidos pelo povo; em outros termos, não existem formas de «democracia direta». Além disso, para a sobrevivência do ordenamento jurídico global, não é necessário que haja a legitimação do povo, pois não deve-se alcançar o consentimento, como normalmente acontece no ordenamento jurídico nacional. No ordenamento global, a legitimação realiza-se diretamente e espontaneamente através do ‘direito’ e das suas ‘fontes’.
É nesse sentido que, portanto, deve-se entender, por exemplo, a Constituição política européia, assinada em Roma no dia 29 de outubro de 2004, que recebeu os «princípios fundamentais» das 25 Constituições políticas nacionais dos Estados membros. «Os poderes públicos internacionais, superiores e ultra estatais exercem uma autoridade legítima não tanto, pois os Estados tenham dado-lhes um consentimento, quanto porque eles agiam segundo o direito, respeitando o due process of law» ([4]).
A bem ver, no ordenamento global, os princípios democráticos já são presentes e se realizam, entre outros, através dos princípios da publicidade dos procedimentos administrativos, dos princípios da participação dos interessados, da obrigação da motivação dos atos administrativos e da instituição das Autoridades Independentes.
Neste caso, trata-se de princípios e de normas jurídicas que superam os confins territoriais nacionais e que chegam maravilhosamente a criarem alguns ‘princípios fundamentais e gerais’ que são universalmente reconhecidos e, como tais, fazem parte do ordenamento jurídico global. Então, o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça refere-se aos «princípios gerais de direito reconhecidos pela nação civil»; o ex art. 6.2 do Tratado da União Européia faz referência aos «direitos fundamentais […] quais resultam pelas tradições constitucionais comuns dos Estados membros»; a Declaração Universal dos Direitos do Homem define-se como «ideal comum a ser alcançado por todos os povos e por todas as Nações, a fim de cada indivíduo e cada órgão da sociedade […] esforçar-se de promover, através do ensino e da educação, o respeito destes direitos e destas liberdades […]»; a Parte II do Texto Constitucional Europeu assinado no dia 29 de outubro de 2004 «contribui à manutenção e ao desenvolvimento destes valores comuns, no respeito da diversidade das culturas e das tradições dos povos europeus […]; isto procura de promover um desenvolvimento equilibrado e sustentável e segura a livre circulação das pessoas, dos bens, dos serviços e dos capitais e também a liberdade de estabelecimento. […] A tal fim é necessário, tornando-os mais visíveis numa Carta, reforçar a tutela dos direitos fundamentais à luz da evolução da sociedade, do desenvolvimento social e dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos». Entre as Cortes Internacionais, há a Corte Internacional de Justiça, a Corte Européia dos Direitos do Homem, a Corte Criminal Internacional ([5]), além dos numerosos e importantes Centros de Arbitrato, em larga expansão a nível nacional e internacional.
Todos estes Órgãos jurisdicionais e quase jurisdicionais, além de resolverem controvérsias, produzem normas jurídicas (judge–made law) que são observadas e adotadas em campo internacional, considerado que os princípios do due process of law são universalmente recebidos pela comunidade civil. Nesta perspectiva, ao direito administrativo comparado e internacional – através do estudo dos spiritus vitales dos ordenamentos jurídicos nacionais – é atribuída a difícil função, entre outros, de individuar as “fontes primárias” do ordenamento jurídico global e, no mesmo tempo, de estudar os valores e os princípios fundamentais que ele mesmo tem espontaneamente individuado. O direito administrativo comparado pode e deve (!), na perspectiva de criação de um ‘direito global ou mundial’, até alcançar, num próximo futuro, a elaboração da tanto desejada e irresistível ‘Constituição política global’ e ‘Constituição pública global’ ([6]).
3. Os standards administrativos globais
Para a criação de uma Constituição global, de fundamental importância revelam-se a conscientização e a individuação dos standards administrativos nacionais porém no âmbito internacional. Em outros termos, os parâmetros administrativos, antigamente típicos e exclusivos do direito administrativo nacional, hoje estão assumindo sempre mais um papel internacional e estão sendo utilizados indiferentemente numa dimensão nacional e internacional, determinando naturalmente uma saudável mistura de dimensões administrativas e, de conseqüência, consagrando a definitiva legitimação e utilização do direito administrativo internacional.
Para tanto, certamente contribuíram vários fatores. Entre outros, o primeiro é a globalização dos mercados com a conseqüente criação de vários Órgãos internacionais, quer como Autoridades de vigilância e quer como Autoridades de planejamento. São justamente os standards administrativos que exercem, portanto, a posição de “juntura” entre a normativa internacional e aquela nacional, por um lado, através da utilização e da harmonização dos princípios naturalmente e positivamente criados pelos Órgãos Internacionais e, por um outro, através da individuação e da fixação de direitos e de princípios extraídos pelo direito nacional, mas utilizados também no âmbito internacional. Por exemplo, neste contexto, é claro como «o processo de transformação da União Européia de Autoridade setorial para Autoridade pública geral, qual ela era, todavia, tem ido muito mais para frente» (S. CASSESE). Com efeito, a mesma organização administrativa interna dos Estados está assumindo uma maior relevância internacional, sobretudo através da assunção dos standards administrativos internacionais no âmbito nacional e, no mesmo tempo, através da progressiva desagregação do Estado em organismos já internacionalizados.
Em outros termos, nós achamos que o tradicional conceito de “Estado como unidade” é definitivamente abandonado (!).
Hoje, estamos assistindo à uma eficaz e proveitosa utilização do método comparativo finalizado à harmoniosa e, portanto, internacionalizada utilização, entre outros, dos procedimentos administrativos. Estes são os ‘efeitos horizontais’ da globalização, enquanto os efeitos que a regulamentação global produz sobre as singulares Administrações nacionais individuam-se como ‘efeitos verticais’.
De conseqüência, estamos diante um processo de desnacionalização de muitos setores fundamentais, pois os standards globais tornaram-se “comuns”, também na falta de adoção em Tratados Internacionais de muitos princípios ab origine meramente administrativos, mas hoje globais. Se pense, por exemplo, ao respeito do princípio de razoabilidade e de proporcionalidade da ação administrativa; ao princípio de ampla defesa; ao princípio de participação aos procedimentos administrativos; ao princípio de transparência; ao princípio de publicidade e etc.. «Então, as decisões produzidas por Órgãos internacionais produzem efeitos jurídicos diretos, ainda antes de se tornarem partes de Tratados Internacionais. Então, os standards globais produzem os próprios efeitos de forma mais complicada e diferente daqueles nacionais. Isto acha uma explicação na circunstância que o ordenamento global não tem uma exata ordem das fontes do direito e uma normativa sobre a sua eficácia, embora tendo já produzido uma considerável quantidade de normas» (S. CASSESE).
Em conclusão, é justamente para conformar-se às exigências da globalização sócio-jurídica e econômica, que assiste-se – através da ampla e fundamental utilização do método comparativo – à internacionalização dos spiritus vitales dos singulares ordenamentos jurídicos, que constituem o novo objeto de estudo do direito administrativo internacional.
Bacharel em Jurisprudência pela Università degli Studi di Napoli Federico II – Itália, Especialista em Direito Administrativo e Ciência da Administração pela Università degli Studi di Napoli Federico II – Itália, Doutor em Direito pela Università degli Studi del Molise – Itália
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