Como afirma o Professor Nelson Nery Júnior, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, estabeleceria sua auto-suficiência apenas com seus sete primeiros artigos. Os artigos 1º ao 7º do CDC por si estabelecem toda à conduta a ser adotada dentro das relações de consumo, ou seja, normas gerais a serem aplicadas em toda extensão dos demais artigos do código, seria uma vinculação a estes iniciais artigos.
Concentrado-se na área dos contratos consumerista deve-se sempre priorizar ideais como a norma geral da Boa-fé Objetiva e a Função Social do Contrato. Porém, é de extrema relevância que fique destacado que a proteção contratual do CDC, não objetiva apenas favorecer o consumidor, e sim equilibrar a relação. Tendo como pressuposto tratar desigualmente os desiguais. É muito comum ouvir que o CDC é excessivamente protecionista, que contraria o desenvolvimento do mercado e permitindo abuso de consumidores que se protegem pregando o CDC.
Este discurso de excesso protecionismo é tendencioso e desprovido de veracidade. O código nunca permitiu abuso de nenhuma das partes, e sim como prega o artigo 4º, inciso III procura a harmonização dos interesses dos participantes das relações com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se fundam a ordem econômica[1].
A citar como exemplo, foi muito feliz a Professora Suzana Pimenta Catta Preta em sua explanação para o Curso de Especialização de Direito das Relações de Consumo da PUC – SP, ao afirmar que diferente de outras leis como Código Civil, Código Processual Civil, o Código de Defesa do Consumidor, diante de eventual lide contratual, este procura equilibrar a relação; visa o mimetismo do contrato; não anula o contrato, procura a preservação deste e ainda procura a execução daquilo que foi acordado de boa-fé pelas partes, ou seja, diferente de outras leis que poderiam forçar a anulação do contrato por alguma desavença revertendo toda situação em perdas e danos.
Ora, o que se torna mas interessante para um fornecedor, cumprir o acordado ou ter de indenizar a outra parte? Então se conclui que este discurso de que o CDC é extremamente protetivo é baseado em “achismos”, sem nenhuma fundamentação lógico-jurídico, ou seja, proposições eivadas de inveracidade.
A premissa maior do estudo dos contratos na relação de consumo indubitavelmente é o quesito da “informação”. Uma informação, clara, precisa, prévia e devida acerca de um produto ou serviço dificilmente irá transforma-se numa demanda jurídica. Em relação a contratos o artigo 46 do CDC, faz praticamente uma explicação do inciso III do artigo 6º do CDC (direito básico) para aplicação nos contratos.
Especificando-se na seção das “Cláusulas Abusivas”, do artigo 51 do CDC, o qual afirma que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços[2], salientável frisar que o legislador não definiu o que são cláusulas abusivas e ainda ele expôs um elenco que não é exaustivo e sim exemplificativo. Razão de na redação do caput escrever “entre outras”. Importante ainda lembrar que neste rol temos cláusulas gerais e cláusulas específicas, como muito bem frisado pelo Professor Marcelo Sodré, o qual participou da comissão de elaboração da Lei 8.078/90, onde este afirma que determinadas cláusulas foram feitas especificamente para certas empresas diante vossas indevidas práticas em desfavor do consumidor.
Motivo de grande discussão e opiniões diversas é a questão da nulidade de pleno direito destas cláusulas. Para adentrarmos nesta discussão salienta-se lembrar que o CDC é uma Norma de Ordem Pública, a qual tem como sustentação a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 5º, XXXII, 170 e 48 das Disposições Transitórias.
Consciente do que seja uma norma cogente, a qual permite ao juiz independente de provocação da parte, anular aquela cláusula que entender nula de pleno direito por contrariar regras, princípios e normas do CDC ou vai prevalecer a vontade do consumidor, assegurado ao que prega o § 1º do artigo 84, num suposto não cumprimento pelo fornecedor de algo acordado, o qual é motivado diante de uma cláusula nula de pleno direito?
Apesar de inúmeras divergências é entendido que o que vai prevalecer é o poder do juiz, baseando-se simplesmente em fundamentos, como a busca da harmonização e equilíbrio dos interesses das partes; a norma é de ordem pública, sendo seu poder imperativo; e ainda o parágrafo único do artigo 2035 das Disposições Transitórias no Código Civil de 2002, que é Regra Geral, diante o CDC que é Lei Especial, dando aquela lei o aparato para situações conflitantes como esta, a qual afirma: “Art. 2035(…) Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.
O inciso a ser discutido, inciso XI, refletiu e reflete a preocupação do legislador diante de algumas práticas rotineiras que é o cancelamento unilateral do contrato, seja através de cláusula no contrato ou até mesmo ato unilateral do fornecedor. Esta situação é prevista no CDC, sendo este taxativo quanto à nulidade desta conduta. Este tipo de conduta é tido como autoritária, é o caso dos fornecedores de serviços essenciais como de energia elétrica, que ao invés de utilizarem os meios legais para cobrança de dívidas, como a execução, arbitrariamente interrompem o fornecimento muito das vezes sem dar o mínimo de satisfação ao consumidor,ou seja, o aviso prévio.
Já o inciso XII do artigo 51 CDC, trata da cláusula ao ato por parte do fornecedor, que de forma unilateralmente imponha ao consumidor o encargo total de custos de superveniente cobrança a este. É importante que fique claro que a nulidade não consiste na cobrança em si das custa com a cobrança, à nulidade é a imposição unilateral deste encargo ao consumidor, sem que igual direito lhe seja conferido caso o fornecedor não cumpra com sua obrigação, ou seja, a conduta condenável é a imposição unilateral e arbitrária, como ocorre no inciso anterior.
Novamente é importante ressaltar que o fito do CDC é harmonia e equilíbrio das partes. No caso dos incisos XI e XII do artigo 51 CDC estes tornam nulas tais condutas se tais forem impostas de forma unilateral, o micro sistema do CDC é harmônico em seus artigos então, como já comentado o artigo 51 do CDC obedece às regras gerais como a do inciso III do artigo 4º do CDC. O Professor Nelson Nery Jr. em sua obra CDC comentado pelos autores do anteprojeto, p. 531, bem como o Professor Arruda Alvim, em artigo publicado para Revista de Direito do Consumidor nº 20, p. 63, coadunam com o entendimento que se tais imposições dos incisos, ora comentados, forem estipulados de forma bilateral, estes deixam de ser abusivas, conseqüentemente nulas de pleno direito.
Com todo respeito aos professores, é concordado em parte com tal entendimento, pois é importante que mesmo que tal estipulação for dada bilateralmente, há fatores a serem considerados como a forma que se deu como uma informação “qualificada” como prever o inciso III do artigo 6º aliado ao artigo 46 do CDC, este mais específico para contratos e ainda apesar de ser informada se o consumidor ao pactuar com o fornecedor estava em sã consciência, ou seja num estado tido como normal, sem qualquer fator ou influência naquele momento que comprometam sua racionalidade, como muito bem defendido pelo ilustre Professor Ronaldo Porto Macedo Jr., a questão da “Racionalidade Limitada” do consumidor.
Doutorando em Direito pela PUC-SP, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP, Especialista em Direito das Relações de Consumo Pela PUC-SP, Professor Assistente PUC-SP. Assessor Jurídico do TJRN.
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