Resumo: Trata-se da análise crítica, à luz do mais atual entendimento doutrinário e jurisprudencial sufragado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, da evolução do controle de constitucionalidade brasileiro, notadamente em seu modelo incidental, delineado, na maioria das vezes, no bojo de recursos extraordinários julgados pela Corte. Nessa esteira, será abordado ainda o fenômeno da objetivação do recurso extraordinário por meio do mecanismo da repercussão geral da matéria, bem como a necessidade da observância da cláusula de reserva de plenário para o reconhecimento e declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Palavras-chave: Constituição Federal. Supremo Tribunal Federal. Controle de constitucionalidade. Evolução. Recurso Extraordinário. Objetivação. Cláusula de Reserva de Plenário. Aplicabilidade.
Abstract: It is of critical analysis in light of current understanding more doctrinal and jurisprudential voted in under the Supremo Tribunal Federal, the evolution of judicial Brazil, notably in his model incidentally, designed, mostly, in the midst of extraordinary resources judged by the Court. On this track, we shall discuss further the phenomenon of objectification of the extraordinary appeal through the mechanism of general repercussion of matter and the need for compliance with the reserve clause in plenary to the recognition and declaration of the unconstitutionality of the law or normative act of the Government.
Keywords: Federal Constitution. Supremo Tribunal Federal. Control of constitutionality. Evolution. Extraordinary Appeal. Objectification. Clause Reserve Plenary. Applicability.
Sumário: Introdução; 1. Aspectos gerais do controle de constitucionalidade; 1.1. Controle de constitucionalidade quanto à natureza do controle; 1.2. Controle de constitucionalidade quanto ao momento de verificação; 1.3. Sistemas de controle de constitucionalidade; 2. Objetivação do recurso extraordinário; 2.1. Repercussão geral; 2.2. Transcendência dos motivos determinantes; 2.3. Suspensão da eficácia da norma pelo senado federal; 3. Cláusula da reserva de plenário no recurso extraordinário; Conclusão.
INTRODUÇÃO
Inicialmente, há de se destacar que o objetivo da presente pesquisa não é o de esgotar o tema referente ao controle de constitucionalidade do direito brasileiro. Antes, nem os manuais, em sua maioria, pretendem fazê-lo.
Lado outro, cumpre salientar que o escopo almejado é exatamente tentar extrair da mais abalizada doutrina e da jurisprudência da Suprema Corte os principais pontos que têm frequentado as discussões jurídicas, mormente aquelas concernentes ao controle de constitucionalidade no âmbito do recurso extraordinário.
Com o fito de tentar concluir essa tarefa a contento, será necessário delinear os contornos principais que balizam o controle constitucional das normas no direito brasileiro, para, tão somente, se chegar ao ponto-fim para que a pesquisa foi desenvolvida.
Serão abordados, entre outros, os conceitos básicos que cercam a matéria do controle de constitucionalidade, bem como aqueles decorrentes do desdobramento que o trabalho requer.
Outro ponto abordado, ainda que de forma não tão expressa, será a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no tocante ao controle de constitucionalidade relacionada ao modelo difuso, o qual já predominava em nosso ordenamento antes da inserção das chamadas ações diretas, que informam o controle abstrato de constitucionalidade.
É preciso lembrar que esse também não é o mote da pesquisa, a qual não tem por escopo, como dito alhures, aprofundar em temas outros que não a objetivação do recurso extraordinário e a necessidade ou não de aplicação da cláusula de reserva de plenário para a declaração da inconstitucionalidade de norma ou ato do poder público.
Calha lembrar que o fenômeno da objetivação do recurso extraordinário tem ganhado maior musculatura com o advento do instituto da repercussão geral, cujo fim é evitar que os Tribunais não gastem tempo demasiado em causas repetidas e que não terão relevância concreta para toda a sociedade.
Com o implemento da repercussão geral, buscou-se aperfeiçoar a seleção dos casos a serem julgados, dando mais destaque aos casos que abarcassem direitos inerentes a toda sociedade.
A repercussão geral funciona como uma espécie de filtro constitucional, ou seja, quanto mais particular for o caso a ser julgado, menos chance de obter seguimento perante o Supremo Tribunal Federal, tanto é que o legislador constituinte reformador instituiu, no § 3º do artigo 102 da Constituição Federal que no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
O instituto foi regulamentado no bojo da Lei nº 11.418/2006, a qual inseriu os artigos 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil, passando a estabelecer no § 3º do primeiro deles que “haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.”
Ao estabelecer critérios subjetivos (art. 543-A, § 1º, CPC) e objetivos (art. 543-A, § 3º, CPC) para que Tribunal conheça de recurso extraordinário, o legislado está, por efeito, objetivando, em partes, o próprio recurso extraordinário.
Nesse passo, a decisão que julga o recurso extraordinário é assemelhada, em seus efeitos, a uma decisão proferida em controle abstrato, já que, se for negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, § 5º, CPC).
Não obstante a isso, é preciso tecer alguns comentários sobre a irradiação dos efeitos de algumas das decisões proferidas em sede de controle difuso de constitucionalidade, as quais saem do espectro de incidência individual e são alçados a toda coletividade, do mesmo modo que acontece no controle abstrato de constitucionalidade.
Lado outro, o trabalho tem por escopo ainda analisar a obrigatoriedade ou não da observância, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, do chamado princípio da reserva de plenário[1].
Será percorrido, por fim, alguns institutos oriundos do direito comparado, os quais guardam relação direta com os fenômenos e institutos mencionados acima.
1. ASPECTOS GERAIS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O ordenamento jurídico moderno se constitui num sistema de normas constituído a partir de uma constituição, e, como tal, é passível de ser alvo de colapso em seu funcionamento. E essa crise, pode advir da incongruência entre os componentes que o formam, no caso, as normas jurídicas que são concebidas pelo legislador para conformar o direito. Para evitar que isso ocorra, concebeu-se o controle de constitucionalidade.
Luís Roberto Barroso resume esse pensamento asseverando que
“a quebra dessa harmonia deverá deflagrar mecanismos de correção destinados a restabelecê-la. O controle de constitucionalidade é um desses mecanismos, provavelmente o mais importante, consistindo na verificação da compatibilidade entre uma lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional e a Constituição.”[2]
Realizado, genuinamente, pelo Poder Judiciário, o controle de constitucionalidade se consubstancia em um verdadeiro corolário dos princípios constitucionais da legalidade, da inafastabilidade da jurisdição, segurança jurídica e outros mais.
É inegável que o controle de constitucionalidade importa na verificação da compatibilidade de determinada norma infraconstitucional perante a norma que lhe empresta validade, a constituição. Em sendo essa norma compatível com aquela, ser-lhe-á ratificada a validade que outrora era apenas presumida. Em não sendo, entretanto, a sanção aplicável será a retirada dessa norma do sistema, pois desprovida do fundamento maior de validade, a conformação com a constituição.
“É inegável, todavia, que a ausência de sanção retira o conteúdo obrigatório da Constituição, convertendo o conceito de inconstitucionalidade em simples manifestação de censura ou crítica.[3]”
Nessa esteira, é imperioso lembrar as lições de Alexandre de Moraes, o qual nos lembra que “a idéia de controle de constitucionalidade está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais”.
Assim, é possível asseverar que o controle de constitucionalidade se constitui em autêntico direito fundamental, diga-se de passagem, de primeira geração.
Afora essas divagações, importante é ressaltar que o ordenamento jurídico vigente no Brasil consagrou na Constituição Federal de 1988 o controle de constitucionalidade como meio de autoproteção contra toda e qualquer ameaça de abalo ao sistema como um todo.
Na sequência, veremos os aspectos mais relevantes no que concerne o controle de constitucionalidade moldado a partir da Carta Magna de 1988.
1.1. Controle de constitucionalidade quanto à natureza do controle
Político ou judicial (ou jurisdicional). Esses são os meios puros de controle de constitucionalidade elencados pela doutrina.
Nas lições de Alexandre de Moraes, o controle político “ocorre em Estados onde o órgão que garante a supremacia da constituição sobre o ordenamento jurídico é distinto dos demais Poderes do Estado[4].” Trata-se, pois, de controle eminentemente político, estranho à técnica jurídica.
O controle jurisdicional, a seu turno, é aquele realizado por órgãos que compõem a estrutura do Poder Judiciário “ou a ele exteriores, mas cuja atuação tem natureza jurisdicional (como as Cortes Constitucionais europeias, exceto a da Alemanha)”[5].
No sistema jurídico brasileiro, prevalece o modelo judicial de controle de constitucionalidade.
Há quem entenda haver controle de constitucionalidade político no ordenamento brasileiro[6], v. g., nos casos de apreciação da constitucionalidade de projeto de lei no âmbito das casas legislativas, bem como quando da possibilidade de veto ou sanção de lei pelo Presidente da República.
Não obstante, é preciso destacar que em ambos os casos não se tem ainda uma lei em sentido estrito, tratando-se, ainda, de projeto de lei sem existência, validade e eficácia no mundo do dever-ser.
Como o foco do trabalho não é esse, e, tendo em vista que existem outros casos que podem dar azo à discussão acerca do assunto, não há porque tentar minudenciar os posicionamentos encartados pela doutrina mais abalizada.
Basta sabermos que, quanto à natureza do controle, existem, basicamente, dois sistemas puros (político e judicial) de controle de constitucionalidade, que, ao serem fundidos, dá ensejo a um terceiro sistema (misto).
1.2. Controle de constitucionalidade quanto ao momento de verificação
Superada a questão se há ou não controle político de constitucionalidade, passamos a classificação no que concerne à ocasião de averiguação da compatibilidade (ou não) da norma com o sistema.
Temos dois momentos distintos para se realizar o controle. No primeiro deles, chamado controle prévio ou preventivo, é realizado o cotejo do projeto de lei ao sistema jurídico em vigência e, mediante um exercício hipotético, se verifica se a norma respeitou todos os trâmites exigidos para sua formação e se esta seria compatível com as demais normas já em vigor, notadamente com a Constituição, de quem toma seu fundamento de validade.
Ressalte-se que o controle prévio é realizado predominantemente pelas Comissões de Constituição e Justiça das casas legislativas, bem como pelo Presidente da República.
Raramente esse controle prévio é afetado ao Poder Judiciário. Nas poucas vezes que o é, ocorre em razão de nítida violação ao processo legislativo, na maioria das vezes em desrespeito aos direitos das minorias.
Por seguinte, ultrapassada essa análise e, uma vez integrada com validade e eficácia no sistema – em razão da presunção de legitimidade inerente a todos os atos legislativos –, será possível um novo controle dessa norma. Desta vez, estamos falando do controle repressivo de constitucionalidade, ou seja, com vistas a expurgar a norma de dentro do sistema, já que esta se encontra maculada com a pecha da inconstitucionalidade, seja ela formal (vício na formação), seja ela material (vício de conteúdo).
Paulo Bonavides ressalta que “uma vez declarada inconstitucional, a lei é removida da ordem jurídica com a qual se apresenta incompatível”[7] e arremata o raciocínio lembrando que “o órgão competente para julgar essa ação tanto poderá ser um tribunal ordinário como uma corte especial, a exemplo dos chamados tribunais constitucionais, dotados para esse fim de jurisdição específica[8]”.
Assim, a diferença básica reside no momento em que se avalia a constitucionalidade ou não da norma ante o sistema constitucional.
1.3. Sistemas de controle de constitucionalidade
O controle de constitucionalidade é subdividido basicamente em dois modelos, a saber, o norte americano (difuso)[9] ou o modelo austríaco (concentrado). Jorge Miranda[10] elenca ainda um terceiro, qual seja, o modelo francês.
Cumpre lembrar que no Brasil adotamos desde a primeira Constituição republicana o modelo difuso, que permanece inserido em nosso sistema até os dias atuais. Com a evolução e transformação da sociedade moderna, passamos a adotar também o modelo concentrado de controle de constitucionalidade, no qual compete a determinado tribunal constitucional a guarda precípua da Constituição[11]. Daí a doutrina asseverar que o Brasil adotou um modelo misto ou eclético, já que gravita em nosso sistema ambas as espécies de controle de constitucionalidade.
O primeiro deles (difuso) é originário do direito americano, cuja grande maioria da doutrina cita como principal precedente histórico o famoso caso entre William Marbury v. James Madison, em 1803 nos Estado Unidos da América, o qual foi julgado pelo Juiz John Marshall.
Nesse sistema, a declaração da inconstitucionalidade da norma se dá durante a análise de determinado caso concreto, ou seja, em que se encontram partes antagônicas litigando acerca de um mesmo direito.
No controle abstrato de constitucionalidade, por sua vez, originário do direito austríaco, não há que se falar em direitos subjetivos em análise, mas sim, direito em tese, de forma objetiva, sem partes litigantes.
Aqui, ataca-se a norma diretamente por meio das chamadas ações diretas, as quais não possuem matéria fática de fundo, mas que apresentam uma incompatibilidade com o sistema jurídico-constitucional.
Para Gilmar Mendes, “o controle concentrado de constitucionalidade das leis tem-se revelado uma das mais eminentes criações do direito constitucional e da ciência política e do mundo moderno[12]”.
Relembre-se que nesse sistema, também vigente no Brasil, não é qualquer pessoa que pode atacar a constitucionalidade de lei. Antes, no nosso caso, a Constituição Federal criou um rol de legitimados para tanto[13].
Por fim, há de se ressaltar que no Brasil vigoram em harmonia ambos os sistemas de controle de constitucionalidade, cabendo à Corte Constitucional (STF) o controle concentrado de constitucionalidade e aos demais Tribunais o controle de constitucionalidade difuso.
2. OBJETIVAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Os recursos, de um modo geral, foram concebidos para que as partes demonstrem sua irresignação quanto às decisões que são proferidas nos processos em comum. E nos processos judiciais não poderia ser diferente.
O recurso extraordinário, por sua vez, foi concebido para proteger não somente o direito subjetivo da parte, mas também para resguardar a própria Constituição e suas disposições.
Atualmente ele é capitulado no artigo 102, III, da Constituição Federal.
Pois bem. Antes da minirreforma operada no bojo da Emenda Constitucional nº 45/2004, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tinha o entendimento que “a declaração incidental só é possível no controle difuso de constitucionalidade, com eficácia ‘inter partes’, sujeita, ainda, à deliberação do Senado no sentido suspensão definitiva da vigência do diploma, ou seja, para alcançar eficácia ‘erga omnes’.”[14]
Logo, o juízo que prevalecia na época era o de que o controle difuso mantinha um estreito espectro de atuação, a saber, o caso concreto entre as partes, nada mais, além disso.
Contudo, a interpretação quanto à objetivação do recurso extraordinário, e de parte do controle difuso de constitucionalidade, restou clarividente antes mesmo da implantação dos mecanismos retro mencionados, conforme veremos na sequência.
Ao passear novamente pela jurisprudência do Pretório Excelso, nos deparamos com alguns julgados que mencionam a objetivação dos recursos extraordinários. Vejamos um deles:
“a experiência demonstra, a cada dia, que a tendência dominante – especialmente na prática deste Tribunal – é no sentido da crescente contaminação da pureza dos dogmas do controle difuso pelos princípios reitores do método concentrado. Detentor do monopólio do controle direto e, também, como órgão de cúpula do Judiciário, titular da palavra definitiva sobre a validade das normas no controle incidente, em ambos os papéis, o Supremo Tribunal Federal há de ter em vista o melhor cumprimento da missão precípua de ‘guarda da constituição’, que a Lei Fundamental explicitamente lhe confiou. Ainda que a controvérsia lhe chegue pelas vias recursais do controle difuso, expurgar da ordem jurídica a lei inconstitucional ou consagrar-lhe definitivamente a constitucionalidade contestada são tarefas essenciais da Corte, no interesse maior da efetividade da Constituição, cuja realização não se deve subordinar à estrita necessidade, para o julgamento de uma determinada causa, de solver a questão constitucional nela adequadamente contida. Afinal, não é novidade dizer […] que no recurso extraordinário – via por excelência da solução definitiva das questões incidentes de inconstitucionalidade da lei -, a realização da função jurisdicional, para o Supremo Tribunal, é um meio mais que um fim: no sistema de controle incidenter em especial no recurso extraordinário, o interesse particular dos litigantes, como na cassação, é usado “como elemento propulsor posto a serviço de interesse público”, que aqui é a guarda da Constituição, para a qual o Tribunal existe.”[15] (grifo no original)
Observe-se que àquela época já se pensava nessa objetivação, ou seja, na extração da matéria constitucional em si, para que se atendesse ao interesse público.
Entretanto, essa inteligência foi sendo amadurecida no decorrer dos anos seguintes, mormente com a renovação da composição da Corte e com o advento dos mecanismos que importam na extração da essência alegada como pano de fundo para se sustentar o direito violado, qual seja, a matéria (in)constitucional.
Diante de toda essa sistemática, o Supremo Tribunal Federal convencionou ainda que a declaração de constitucionalidade, em sede de recurso extraordinário, torna “manifestamente improcedentes as ações diretas de inconstitucionalidade que tenham o mesmo objeto: a revelar a promissora comunicabilidade entre as vias difusas e concentrada do sistema misto de controle de constitucionalidade.[16]”
Quanto aos efeitos da decisão no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, a regra é a de que os efeitos se mantenham entre as partes que compõem a lide.
Dirley da Cunha Junior faz apontamento acerca desse fenômeno e nos oferece a seguinte lição:
“Vê-se, por conseguinte, que é decorrência natural do controle incidental de constitucionalidade, nos países que não adotam o princípio do stare decisis, a possibilidade de existência de leis ou atos normativos inconstitucionais para uns e constitucionais para outros.”[17]
Todavia, pelo princípio do stare decisis, haverá casos em que um determinado leading case (precedente) irradiará seus efeitos e vinculará os demais até que a Corte crie um novo precedente ou desconstitua aquele anterior.
Entretanto, é imperioso aclarar que o fato de adotar o princípio do stare decisis “não importará na vinculação irrestrita de todos os casos futuros aos mesmos detalhes que terminou por se constituir em precedente.[18]” Apenas os fundamentos jurídicos que calcaram a consolidação do precedente é que poderá ser incorporado ao caso futuro. Busca-se, portanto, por meio do stare decisis, assegurar a consistência da sistemática da jurisdição constitucional.
Para tanto, o legislador constituinte reformador concebeu ainda a prerrogativa ao STF para que, mediante 2/3 de seus membros, edite enunciados de Súmula Vinculante (Art. 103-A, CR/88) com vinculação obrigatória aos demais órgãos do Poder Judiciário e a toda administração pública.
2.1. Repercussão geral
Inserida no ordenamento por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, o instituto da repercussão geral foi concebido para se buscar maior efetividade dos julgamentos postos ao Supremo Tribunal Federal, com vistas a evitar que casos ditos irrelevantes cheguem à Corte, otimizando a força de trabalho dos Magistrados para a sua tarefa precípua, qual seja, a guarda da Constituição.
Segundo a literatura jurídica, é tendência nos sistemas jurisdicionais modernos a objetivação de todo o controle de constitucionalidade, uma vez que isso reduz a análise, pelas Cortes Constitucionais, de casos repetidos e de importância reduzida tão somente às partes.
Como exemplo disso, Gilmar Mendes e Paulo Gonet referem-se ao instituto do writ of certiorari do modelo americano, por meio do qual
“se exerce certo poder discricionário em relação às matérias a serem apreciadas, excluindo-se assuntos atingidos pelos conceitos de mootness e de ripeness, isto é, problemas abstratos (no primeiro caso) ou mesmo que não contém ainda o necessário amadurecimento para a discussão (no segundo caso)”[19].
Perceba-se que essa parece ser uma medida acertada na medida em que o Supremo já se ocupou de jugar casos de ameaças envolvendo briga de vizinhos[20].
Ademais, a Lei nº 11.418/2006 alterou o Código de Processo Civil com vistas a regulamentar o instituto da repercussão geral, estabelecendo critérios subjetivos (Art. 543-A, § 1º, CPC) e objetivos (Art. 543, § 3º, CPC). Estes últimos, certamente, contribuíram para o fenômeno da objetivação do recurso extraordinário.
Por fim, Alexandre de Moraes nos lembra que
“A ratio constitucional do § 3º do art. 102, é permitir ao Supremo Tribunal Federal dedicar-se, em sede de recurso extraordinário, somente às matérias de interesse geral, que transcendem o mero interesse individual das partes, e cuja decisão, por ser de interesse da sociedade, sirva de direcionamento a todos os órgãos judiciais e administrativos”.[21]
Esta não é outra coisa senão a transcendência dos motivos determinantes.
2.2. Transcendência dos motivos determinantes
Conforme dito alhures, os efeitos da decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade têm seus efeitos restritos às partes que integram à lide, produzindo coisa julgada tão somente entre elas.
Porém, o Supremo Tribunal Federal tem estendido esses limites (objetivos e subjetivos), irradiando os efeitos da conclusão a que se chegou no julgamento em sede de controle aberto de constitucionalidade, obrigando aos demais juízes e tribunais que acompanhem às razões de decidir ali expostas.
Luís Roberto Barroso, ao tratar nomeadamente da teoria da transcendência dos motivos determinantes, afiança que,
“por essa linha de entendimento, tem sido reconhecida eficácia vinculante não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não apenas à conclusão do acórdão, mas igualmente às razões de decidir”[22]
2.3. Suspensão da eficácia da norma pelo Senado Federal
O artigo 52, inciso X, da Constituição Federal de 1988 atribui ao Senado Federal a competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
Tendo em vista que a Constituição prevê que as decisões no controle abstrato de constitucionalidade terão eficácia erga omnes (Art. 102, § 2º, CR/88), resta, pois, para o controle difuso essa disposição.
Uadi Lammêgo Bulos repisa que “tal suspensão refere-se ao controle incidental de inconstitucionalidade, repercutindo, apenas, na via de defesa ou de exceção, isto é, no caso concreto, cujos efeitos operam-se inter partes”.[23]
O Senado Federal atua mediante a edição de Resolução.
Destaque-se que não dado ao Senado suspender a execução de lei ou ato normativo que não tenha sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade. Se o fizesse, estaria a usurpar competência constitucional que não lhe cabe.
A principal questão que surge, e que aqui nos interessa, afora as outras que cercam o procedimento de suspensão da execução da norma, é se, com a encampação, pelo Supremo Tribuna Federal, da teoria do stare decisis, ainda se faz necessária a edição de Resolução pelo Senado Federal. Teria o Supremo operado uma mutação constitucional no sentido de afirmar a desnecessidade de tal procedimento?
Fato é que, para a doutrina mais abalizada, parece que sim.
Encabeçada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, essa doutrina prega que
“a adoção da súmula vinculante reforça a idéia de superação do art. 52, X, da CF, na medida em que permite aferir a inconstitucionalidade de determinada orientação pelo próprio Tribunal sem qualquer interferência do Senado Federal.
Por último, observe-se que a adoção da técnica da declaração de inconstitucionalidade com limitação de efeitos parece sinalizar que o Tribunal entende estar desvinculado de qualquer ato do Senado Federal, cabendo tão somente a ele – Tribunal – definir os efeitos da decisão.”[24]
No mesmo sentido são as lições apregoadas pelo professor Dirley da Cunha Junior, o qual giza que
“o exame da jurisdição constitucional no controle difuso-incidental à luz do direito constitucional positivo brasileiro, somos de opinião de que se deva eliminar do sistema a intervenção do Senado nas questões constitucionais discutidas incidentalmente, para transformar o Supremo Tribunal Federal em verdadeira Corte com competência para decidir, ainda que nos casos concretos, com eficácia geral e vinculante, à semelhança do stare decisis da Supreme Court dos Estados Unidos da América.”[25]
Fica nítido, portanto, que a doutrina tem pendido cada vez mais para essa posição, mormente quando se observa a atuação do Supremo Tribunal no efetivo controle de constitucionalidade pela via difusa em comparação com a edição de Resoluções pelo Senado Federal.
É bem verdade que a edição da Resolução nº 5/2012[26] pelo Senado Federal parece ser um recado ao STF de que o papel da casa legislativa permanece vivo e necessário à extensão dos efeitos do controle incidental de constitucionalidade.
Entretanto, tudo leva a crer que os juízes e tribunais têm entendido que o Supremo operou verdadeira mutação constitucional no sentido de conceder hipertrofia às suas decisões em sede de controle incidental de constitucionalidade.
Por fim, parece que a doutrina do stare decisis está incorporada definitivamente ao sistema jurídico brasileiro, pelo menos no âmbito do STF, por nítida influência do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, diga-se de passagem.
3. CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O princípio da reserva de plenário, insculpido no artigo 97 da Carta Federal de 1988, preconiza que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.
Para o professor Luís Roberto Barroso, assim como para a literatura jurídica em geral, “a regra da reserva da cláusula de plenário aplica-se também ao Supremo Tribunal Federal, seja em controle principal ou incidental.[27]”
Contudo, Gilmar Mendes, observa que a 1ª Turma da Suprema Corte se pronunciou no sentido de “afirmar a dispensabilidade de se encaminhar o tema constitucional ao Plenário do Tribunal, desde que o Supremo Tribunal já se tenha pronunciado sobre a inconstitucionalidade da lei questionada[28]”.
Observa ainda que a 2ª Turma sufragou precedentes no mesmo sentido[29].
Conclui o festejado autor asseverando que
“esse entendimento marca evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto. A decisão do Supremo Tribunal Federal, tal como colocada, antecipa o efeito vinculante de seus julgados em matéria de controle de constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se desvincule do dever de observância da decisão do Pleno ou do Órgão Especial do Tribunal […]”[30].
Imperioso destacar que posteriormente o Supremo Tribunal Federal assentou que “exerce, por excelência, o controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do recurso extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência regimental para fazê-lo sem ofensa ao art. 97 da CR[31]”.
Por fim, destaca-se o enunciado nº 10 da Súmula Vinculante do STF, o qual estabelece que viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
CONCLUSÃO
Certamente que não há como se esgotar o assunto trazido à baila nesta simples pesquisa, e isso, como dito alhures, não é, nem de longe, o objetivo almejado.
Na medida em que se observou o pensamento dominante na atualidade, qual seja, o esposado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, cuja Constituição vigente elegeu como guardião precípuo, a presente pesquisa não pretendeu buscar maiores estudos acerca dos temas delineados acima, senão algumas poucas referências teóricas conceituadas com o fito de se traçar um parâmetro com o entendimento da Suprema Corte brasileira.
Nesse passo, o trabalho se restringiu aos pontos que mais aparentam estar em voga nas discussões acadêmicas.
Tendo em vista que, o foco não era aprofundar perante o controle abstrato de constitucionalidade, a pesquisa se limitou a conceituar e apresentar a classificação mais recorrente nos manuais de direito constitucional, consoante se verifica no primeiro capítulo do presente artigo.
Nessa toada, cumpre repisar que o controle de constitucionalidade apresenta três grandes sistemas, quais sejam, o sistema difuso (americano), o concentrado (austríaco) e o misto (no caso do Brasil).
Não obstante a isso, o controle de constitucionalidade pode ser realizado previa ou posteriormente à edição da norma, sendo, no primeiro caso, geralmente, pela via política (controle político), e, na segunda, pela via judicial (controle jurisdicional).
Ademais, cumpre salientar que, por focar o presente estudo nos meandros do controle difuso, notadamente no que pertine aos seus efeitos após o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo pela via do recurso extraordinário, a abordagem não se deu com a amplitude que o controle aberto como um todo requer.
Está clarividente, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não só no recurso extraordinário gravita o fenômeno da abstrativização, mas isso parece realidade em todo o controle difuso de constitucionalidade.
Uma prova desse acontecimento, é que a análise da constitucionalidade do artigo 44 da Lei de Drogas, o qual vedava a possibilidade de substituição da pena[32] privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, bem como a de concessão de liberdade provisória[33] para os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 da Lei nº 11.343/2006, se deu em sede de Habeas Corpus.
A abordagem dada ao tema revelou ainda que o controle de constitucionalidade no direito brasileiro evoluiu no sentido de “importar” e reconhecer a eficácia de teorias que somente eram conhecidas pela literatura jurídica. As principais delas que se fizeram presente aqui no trabalho e, certamente, também na jurisprudência do Supremo, são as que extraem do caso concreto os motivos que ensejaram a decisão ali e irradiam por todo o ordenamento (teoria dos motivos determinantes), bem como a que se vale de determinado caso concreto para emprestar-lhe efeitos erga omnes (teoria da stare decisis), tal como ocorre com o fenômeno que acontece quando se edita enunciados da Súmula Vinculante do STF fundada em casos semelhantes que poderiam ensejar grave insegurança jurídica.
Com todo esse aparato de teorias e entendimentos, o controle difuso se aproxima cada vez mais do controle abstrato de constitucionalidade, especificamente em seus efeitos, prescindido da aplicação do artigo 52, X, da CF.
Assim, lanço os seguintes questionamentos para reflexão: Houve mutação constitucional no sentido de afastar a obrigatoriedade de se comunicar o Senado Federal nos termos do artigo 52, X, da Constituição Federal? Estaria a casa legislativa respondendo de forma contrária a esse entendimento quando da edição da Resolução nº 5/2012-SF[34] seria um recado de que o artigo 52, X, da Constituição Federal ainda vive e deve ser observado em casos de controle difuso de constitucionalidade no âmbito do Supremo?
Especialista em Direito Público pelo Instituto Processus de Direito; Pós-graduando (lato sensu) em Direito e Contemporaneidade pela Escola da Magistratura do Distrito Federal; Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
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