A transformação do processo de execução dos títulos judiciais em cumprimento da sentença (Lei 11.232/2005), depois do susto inicial, ainda gera dúvidas e questionamentos. Apesar da dimensão da reforma, causou surpresa a omissão no que diz com a obrigação alimentar. Vencida a resistência da doutrina, a jurisprudência, de maneira já pacificada, passou a admitir a cobrança dos alimentos pela nova sistemática.
Mas alguns pontos ainda necessitam de detalhamento, pois se trata de obrigação que pode ser assumida extrajudicialmente ou imposta por decisão judicial, geralmente em sede de antecipação de tutela, quando o pagamento deve iniciar de imediato. Portanto, é possível que a mora ocorra enquanto tramita a demanda. Ao depois, por ser encargo que se prolonga no tempo, a cada mês, vence nova parcela e o inadimplemento pode surgir após ultimada a ação e extinto o processo. Apesar dessas peculiaridades nem por isso o credor de alimentos está privado do uso do procedimento intimidatório da pena pecuniária (CPC, art. 475-J).
Quando o juiz arbitra alimentos, o réu é citado para dar início ao pagamento, pois o encargo é devido desde sua fixação. Já nesta oportunidade o alimentante deve ser cientificado das seqüelas da mora. Como houve imposição judicial do pagamento, sempre que ocorrer atraso, a dívida se sujeita aos ônus legais. Para isso é necessário que conste do mandado de citação a advertência sobre as conseqüências do inadimplemento: incidência da multa de 10%, caso não efetuado o pagamento no prazo de 15 dias.
Não só os alimentos fixados em sentença autorizam a cobrança sob a ameaça de multa. Mesmo que o encargo seja estabelecido em decisão interlocutória, dispõe o credor da faculdade de perseguir o pagamento pela nova ferramenta legal. Como os alimentos provisórios e provisionais podem ser cobrados pelo rito da coação pessoal (CPC, art. 733), nada justifica excluir modalidade menos gravosa ao devedor. Aliás, é o que a lei recomenda (CPC, art. 620). Assim, é possível a cobrança dos alimentos fixados em sede liminar por meio da nova dinâmica. Por este motivo, quando o réu é citado para dar início ao pagamento dos alimentos fixados em sede liminar, também cabe ser cientificado da conseqüência do inadimplemento. O termo inicial do encargo moratório é o 15º dia a contar do vencimento de cada prestação vencida e não quitada. A multa não incide somente da data em que for intimado para adimplir o débito na demanda executória. Afinal, já sabia das seqüelas da mora desde a citação.
Igualmente o crédito alimentar estabelecido em escritura pública de separação ou divórcio (CPC, art. 1.124-A), não pode ficar alijado de quaisquer dos meios de cobrança. Não há nenhuma razão para subtrair da obrigação assumida extrajudicialmente a possibilidade da cobrança com ameaça de multa ou ameaça de prisão, sob pena de se limitar, em muito, a via extrajudicial. Deixaria de ser usada sempre que houvesse avença de alimentos.
É preciso emprestar a mesma força executória ao instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores. O Estatuto do Idoso assim autoriza (Lei 10.741/2003, art. 13). Ora, reconhecida a esses títulos a possibilidade de desencadearem processo de execução, é necessário conceder iguais prerrogativas à escritura pública e ao documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas (CPC, art. 585, II). O fato de tratar-se de encargo constituído extrajudicialmente não pode limitar o uso dos meios satisfativos concedidos aos créditos impostos judicialmente. Seria um desestímulo à composição consensual dos conflitos.
De outro lado, como a lei reconhece que a mora enseja a imposição de multa, mais do que possível, é recomendável que nas escrituras de separação ou divórcio bem como nos títulos executivos extrajudiciais seja previsto o encargo moratório a título de cláusula penal (CC, art. 480). Na hipótese de atraso a multa incide sobre todas as parcelas que não foram pagas em 15 dias da data do respectivo vencimento. Para a cobrança é igualmente possível o uso de qualquer das modalidades executórias.
Assumida a obrigação de forma espontânea, por meio de título executivo extrajudicial, ou imposto o pagamento judicialmente, em ambos os casos cabe a cobrança ou sob o rito da prisão ou mediante a imposição da multa no momento em que houver atraso de 15 dias no pagamento de qualquer prestação. A depender do número de parcelas vencidas tem o credor a faculdade de optar quanto ao meio executório. Com relação à mora não superior a três meses, cabe buscar o adimplemento sob a ameaça de coação pessoal. A omissão do devedor, não pagando em três dias, além de levá-lo à prisão, também enseja à incidência da multa sobre a totalidade do débito. Mesmo que o devedor cumpra a pena, sobre todas as parcelas vencidas é acrescido o valor da multa, mesmo naquelas compreendidas no período em que se encontrava preso.
Com relação às prestações mais antigas, o jeito é buscar a cobrança da dívida acrescida da multa. Não tendo sido esta convencionada entre as partes, o devedor é citado para pagar, no prazo de 15 dias. Procedido ao pagamento, não há o acréscimo de 10%. Caso não pague, está sujeito à multa que flui a contar da data da citação e sobre todas as mensalidades vencidas. A multa incide, inclusive, sobre as prestações que se vencerem posteriormente ao ato citatório, depois de 15 dias do vencimento de cada prestação que não for paga.
O credor pode fazer uso dos dois procedimentos de modo simultâneo, mas através de demandas distintas. Em autos apartados executa as três parcelas mais recentes pelo rito da coação pessoal. Com referência ao débito pretérito, a busca do cumprimento da sentença cabe ser levada a efeito na própria ação de conhecimento. O devedor é intimado para pagar em 15 dias todas as parcelas vencidas e mais a multa incidente sobre cada prestação não paga no prazo.
Quanto aos alimentos fixados extrajudicialmente, como inexiste demanda judicial, mister o uso da via judicial. Débito recente, não superior a três parcelas, pode ser cobrado pela via executória da coação pessoal. Na ação de cobrança o devedor é citado, com o mesmo propósito: satisfazer o débito, acrescido da multa. Para livrar-se da mora é necessário que satisfaça todas as parcelas, inclusive as vencidas durante a tramitação da ação. Mesmo com relação a essas parcelas, a partir do 15º dia da data do respectivo vencimento, passa a incidir a multa.
Quando os alimentos são fixados em sentença ou em decisão interlocutória, a partir do momento que o réu for citado, a multa incide sobre todas as parcelas em que ocorrer mora superior a 15 dias. O acréscimo se verifica mesmo antes do procedimento de cobrança. Também incide a multa quando os alimentos foram fixados extrajudicialmente. Mas o termo inicial de incidência diverge. Convencionada a multa moratória, ela é devida sempre que ocorrer o inadimplemento. Na hipótese de não ter sido prevista a cláusula penal, a multa passa a fluir somente se o devedor, citado no procedimento de cobrança, não paga toda a dívida no prazo de 15 dias.
Independente do instrumento – sentença, decisão interlocutória ou acordo extrajudicial – onde está prevista a obrigação alimentar, desde o momento em que o devedor sabe da incidência da multa, sempre que incorrer em mora por mais de 15 dias, agrega-se o percentual de 10% sobre cada parcela não paga. O acréscimo é automático e não ocorre somente a partir da citação do devedor ou de sua intimação quando é convocado judicialmente para proceder ao pagamento.
Apesar da omissão da lei as mudanças, em sede de alimentos, são significativas. Talvez o credor dos alimentos seja o maior beneficiado com a reforma. Até que enfim, pois é chegada a hora de dar um basta à conivência da justiça com quem comete o perverso crime de sonegar o direito de viver de quem deveria amar.
Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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