Dos terminais portuários de uso privado, na disciplina da MP nº 595/2012

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Resumo: Na disciplina da Lei nº 8.630/93, os terminais autorizados – denominados terminais de uso privativo – encontravam-se vinculados à verticalização da cadeia produtiva, pois obrigados a movimentar preponderantemente carga própria. Objetivando ampliar a competitividade na atividade portuária, de modo a equiparar seus os custos aos parâmetros internacionais, foi editada a Medida Provisória nº 595, que altera radicalmente a destinação dos terminais, agora denominados de uso privado. Na novel legislação, tornou-se desimportante a natureza da carga, dado que o titular da outorga poderá movimentar livremente qualquer tipo de carga, ressalvadas eventuais restrições de ordem pública, como de segurança, saúde, meio ambiente. A exploração dos novos terminais de uso privado não mais se configura como mera atividade econômica, mas serviço público, dada a incidência de cláusulas exorbitantes, definidoras da supremacia do interesse público na espécie.

Palavras-chave: atividade portuária – terminal de uso privado – autorização

Abstract: In the discipline of Law No. 8.630/93, the authorized terminals – called private terminals – were related to verticalization of the production chain as they was obliged to move cargo preponderantly of their own. Aiming to increase competitiveness in port activities, so as to equate them with international costs, was issued a legal act nº 595/2012, which radically alters the allocation of terminals now called private use. In the novel legislation, became unimportant the nature of the cargo, as the holder of the grant can freely move any type of cargo, subject to any restrictions by public policy, such as safety, health, environment. The exploration of new terminals for private use no longer configured as mere economic activity, but public service, given the incidence of exorbitant clauses, that define the supremacy of public interest in the kind.

Keywords: port activity – terminal for private use – authorization

Introdução

No bojo da chamada “segunda crise do serviço público”, iniciada nos anos 80, foi publicada a Lei nº 8.630/93, com o fim de promover a modernização do sistema portuário nacional, notadamente por meio da atração do capital privado, quer por meio das concessões (arrendamento portuário), quer por meio da ampliação do conteúdo da outorga de autorização para exploração dos denominados “terminais de uso privativo”, de que tratava o art. 26, do Decreto-lei 5/66.

Dizia a exposição de motivos do projeto de lei, convertido na Lei nº 8.630, que a alteração do marco legal se fazia necessária, para remover obstáculos ao pleno exercício do trabalho e a livre iniciativa, primordialmente para suplantar a anacrônica estrutura portuária brasileira, corroída pelo tempo e pela falta de investimentos. Buscava acima de tudo reduzir os custos da atividade portuária, condição essencial para a competitividade nacional em face dos similares internacionais.

No caso específico dos terminais de uso privativo, a interpretação da disciplina legal contida na lei dos portos, em face dos limites constitucionais impostos à administração pública, encaminhou-se no sentido de que tais estruturas portuárias tinham por finalidade a verticalização da cadeia produtiva, conferindo ao particular a possibilidade de domínio integral da logística do seu negócio privado.

Desse modo, encontravam-se confinados à movimentação preponderante de do próprio titular da autorização (“carga própria”); admitia-se a movimentação de carga “de terceiros” (coletividade geral), desde que em caráter complementar, subsidiário e eventual. É como restou regulamentado pelo Decreto nº 6.620, de 29 de outubro de 2008. Nunca como negócio principal e finalístico do titular da outorga.

Bem por isso, tomando em consideração as limitações do terminal de uso privativo, defendeu-se que a autorização exigível para o desenvolvimento da atividade portuária no terminal de uso privativo é mero “ato de polícia administrativa”. Autorização utilizada pelo legislador ordinário no sentido corrente do Direito Administrativo, para liberar o desempenho da atividade de titularidade do Estado, porém exercida em benefício do próprio titular da outorga.

Nesse sentido, ao estabelecer como potência do ato a satisfação do interesse próprio do autorizatário, esvazia-se da atividade o conteúdo de serviço público, transmutando-o em mera atividade econômica stricto sensu. Ou seja, não seria serviço público a atividade realizada no âmbito dos terminais de uso privativo, de que tratava a Lei nº 8.630/93, art. 4º, § 2º II “b”.

Tal disciplina legal, todavia, sofreu significativa alteração por meio da edição da Medida Provisória nº 595, de 6 de dezembro de 2012. Não se fala mais em “terminal de uso privativo”, mas em terminal privado, na forma do art. 8º, I, da referida Medida Provisória.

Assim, evidencia-se a necessidade de revistar o exame da matéria, para certificar-se sobre natureza do ato de autorização, na novel legislação, bem assim quanto à interface dos terminais e demais instalações portuárias públicas. Noutra dimensão, examinar a caracterização quanto ao mérito administrativo, se se trata de ato vinculado ou de ato discricionário da administração pública.

O trabalho, baseado essencialmente no estudo doutrinário, dado que, tratando-se de legislação recente, que altera significativamente o marco regulatório, não se encontrará jurisprudência adequada à espécie.

Ao final, será formulada avaliação sob os efeitos que poderão ser esperados, na tentativa de redação dos custos dos serviços portuários e modernização da estrutura portuária nacional, que impacta diretamente na competitividade da indústria nacional.

I – Da natureza jurídica e do regime jurídico da atividade dos terminais de uso privado, segundo a Medida Provisória nº 595/2012.

É competência da União a exploração dos portos marítimos, lacustres e fluviais, conforme dispõe o art. 21, XII “f”, da Constituição Federal/88. Ou seja, a exploração da atividade portuária como serviço público federal[1].

Para Odete Medauar o serviço será público quando: o setor for delicado para deixar ao bel-prazer dos particulares; o serviço prestado deve beneficiar aos menos favorecidos; o serviço venha a suprir a carência da iniciativa privada ou a favorecer o progresso técnico[2].

Tratando-se, desse modo, de atividade destinada à satisfação da coletividade geral, fruível singularmente pelos usuários do serviço, cuja essencialidade determina que o Estado assuma como pertinente a seus deveres, podendo ser prestado diretamente pelo poder público, ou por quem lhe faça as vezes, sob o prevalecente regime jurídico de direito público[3]

Até a edição da recente Medida Provisória nº 595, de 6 de dezembro de 2012, a Lei nº 8.630/93 constituía-se no Estatuto dos Portos, dispondo sobre o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias. A referida lei assegurava o direito de exploração da atividade, diretamente pela União, ou mediante concessão, e, ainda, por meio da celebração de contratos de arrendamento portuário (espécie de subconcessão[4]).

Os portos organizados (portos públicos) ainda podem ser explorados por meio convênio de delegação aos municípios, estados da federação ou ao Distrito Federal, com fundamento na Lei nº 9.277/96.

Paralelamente à atividade desenvolvida pelos portos organizados (portos nacionais), com a edição da MP nº 595/2012, o legislador passou a reconhecer, expressamente, a necessidade de instalações portuárias diversas, com o fim de aumentar a competitividade do setor, ampliando o escopo das autorizações, notadamente pela disciplina de nova modalidade de instalação portuária, qual seja “terminal de uso privado” (Art. 8º, I). Com a novel legislação, não há que se falar mais em terminal de uso privativo.

Quanto à classificação das instalações portuárias[5], quando ao modo de delegação, podemos, agora, distribuir as modalidades em: (i) instalações portuárias concedidas/delegadas; (ii) instalações portuárias autorizadas.

No primeiro grupo, têm-se os portos descentralizados para as Cias Docas (Administração Federal Indireta); os arrendamentos portuários, enquanto espécie de subconcessão; e as delegações legais, efetivadas aos demais entes federados, com base na Lei 9.277/96.

Para o segundo grupo, das instalações portuárias autorizadas, tem-se: (i) terminais de uso privado; (ii) estação de transbordo de cargas; (iii) instalação portuária pública de pequeno porte; e (iv) instalação portuária de turismo.

Com as alterações, pode-se propor nova classificação para os “portos”.

A MP 595 traz o conceito legal para o terminal de uso privado, como sendo instalação portuária explorada mediante autorização, localizada fora da área do porto organizado (art. 2º, IV)

Tal conceito revela-se útil tão somente para indicar a localização dos terminais, a partir do novo marco legal. Todavia, não fornece elementos suficientes para determinação do conteúdo do instituto. Para esse fim, é inútil.

Determinar a natureza jurídica para o terminal de uso privado revela-se útil para fins de determinar o conteúdo do instituto. Conforme advertido alhures, tal definição além de instrumento didático de indicar topograficamente a posição do instituto, segundo suas afinidades, e, mais propriamente, identificar, prima facie, as normas que lhe são aplicáveis, a partir dessa estruturação enquanto ciência, tem por escopo auxiliar na atividade de interpretação jurídica, com o fim de afastar-se do casuísmo, do senso comum e do próprio erro etc[6].

Em regra, e por força da eleição do legislador constituinte, a exploração de portos foi constituída como serviço público federal, ex-vi art. 21, XII “f”. O mesmo não sucedia com o terminal de uso privativo.

Noutro artigo, tratando da natureza jurídica dessa modalidade de instalação portuária, antes da alteração normativa promovida pela Medida Provisória nº 595/2012, afirmamos que sua utilização encerrava mera atividade econômica. Daí porque ter defendido que a autorização exigível para o desenvolvimento da atividade portuária no terminal de uso privativo era mero “ato de polícia administrativa”. Autorização utilizada pelo legislador ordinário no sentido corrente do Direito Administrativo, para liberar o desempenho da atividade de titularidade do Estado, porém exercida em benefício do próprio titular da outorga.

Ou seja, enquanto o serviço público concedido, regulado e garantido pelo Estado, visa a satisfação do interesse coletivo, mediante a realização do princípio da universalidade, naquele caso específico, da autorização do terminal de uso privativo,  a satisfação encontrava adstrita ao interesse do autorizatário. No indigitado trabalho anotamos verbis:

“Isto posto, sabendo da essencialidade de instalações portuárias para a garantia da troca internacional de mercadorias (escoamento da produção nacional) o legislador entendeu adequado oportunizar aos interessados a implantação de terminais de uso privativo, assim designados para o alcance de suprir as necessidades do próprio titular da instalação. Autorização, pois não travestido pelo direto interesse coletivo.

Assim, em face do processo crescente de globalização (encurtamento das fronteiras em decorrência do progresso tecnológico; queda de barreiras comerciais), resultando num crescimento exponencial da demanda pelos serviços portuários, a concepção do terminal de uso privativo, no âmbito da conveniência do seu proprietário, visava a um só tempo permitir efetivos ganhos em termos de logística (domínio integral do processo produtivo e escoamento da produção), como garantia da disponibilidade do serviço, independentemente da atuação de terceiros.

Enquanto as instalações de uso público eram legitimamente destinadas à movimentação e armazenagem de mercadorias de titularidade da coletividade geral (desimportante a titularidade da carga), a mesma vocação não imperou em relação aos terminais de uso privativo, pois direcionados ao atendimento das necessidades do seu próprio titular (relevância do titular da carga).

Destarte, parece evidente que o legislador, ao estabelecer como espécies de instalação portuárias, as de uso público, de um lado, e de uso privativo, de outro, teve como desiderato conferir efetividade à prescrição constitucional acerca do regime jurídico incidente (gizou fortemente um e outro marco legal).

De fato, não é demais acentuar que a exploração de serviço público se dá sob o regime jurídico de direito público, com as repercussões daí decorrentes: da licitação como princípio basilar; da universalidade, regularidade, da segurança, da continuidade, da eficiência e comodidade, e modicidade de tarifas. Esse regime é inteiramente aplicável à exploração de instalação portuária de uso público. O mesmo não ocorre com a exploração de terminal de uso privativo, conforme expresso no art. 6º, da Lei nº 8.630.(…)

Dentro da lógica jurídica que imperou na edição da Lei nº 8.630/93, de que a possibilidade de movimentação de carga não representava a instituição de um modelo jurídico híbrido para o setor (ou dualidade de regimes), o art. 6º, daquele Estatuto, relacionou as cláusulas que deveriam estar contempladas no título de autorização, deixando de fora: (i) relativa aos direitos e deveres dos usuários; (ii) sobre as obrigações correlatas do contratado e as sanções respectivas; (iii) do regime tarifário, pois vinculadas à liberdade de preços.

Ora, qual o sentido para essa exclusão, senão para indicar que não se estava tratando de um regime especial de sujeição, que deve garantir a proteção do usuário, mediante a estipulação do comportamento do titular em face das relações jurídicas estabelecidas. Que no caso a proteção seria aquela ordinária, garantida pelo ao consumidor pelo regime de direito privado. E é exatamente por não ser a atividade do terminal de uso privativo “serviço público” propriamente dito – embora se desenvolva no mesmo campo material deste – que a ela não se aplica o regime jurídico de direito público.

A exclusão é significativa para dizer: aqui, o regime jurídico incidente não é o mesmo aplicável às instalações de uso público, porquanto os contratos celebrados para a movimentação de cargas de terceiros reger-se-ão, exclusivamente, pelas normas de direito privado, sem necessidade de estabelecer-se qualquer garantia adicional ao usuário e mesmo qualquer prerrogativa de intervenção do Poder Público. Essa é a redação do § 2º, do art. 6º, da Lei de Portos “§ 2 Os contratos para movimentação de cargas de terceiros reger-se-ão, exclusivamente, pelas normas de direito privado, sem participação ou responsabilidade do poder público”.

Prima facie, o disposto no indigitado § 2º poderia induzir o intérprete ao entendimento equivocado acerca da incidência de regime jurídico híbrido para o caso. De que o serviço público federal, no caso, poderia ser prestado tanto no regime público (concessão/arrendamento das instalações de uso público), quanto no regime privado (autorização para terminais de uso privativo).

Porém, a assimetria regulatória (grau de intervenção do Estado numa e noutra situação) é de tamanha ordem, concorrendo em sentido contrário, para evidenciar o predomínio da concepção tradicional do instituto de autorização, como mero ato de polícia a condicionar a atuação do particular. Seria mesmo impensável o estabelecimento de um modelo de livre e aberta competição entre os terminais públicos e privados, com tamanha assimetria regulatória, sem o legítimo (ou sua genérica previsão legal; norma primária aberta; standards) estabelecimento de salvaguardas para a exploração no regime jurídico de direito público, que, por mais paradoxo que seja, é muito menos eficiente que o modelo privado.”

Assim, destacamos que, naquele caso concreto, o termo de autorização para a exploração de terminal de uso privativo misto não se coadunava com o conteúdo de forma de delegação de prestação de serviço público, porquanto destituída de características essenciais para a noção, notadamente por inexistente a vocação de atendimento das necessidades da coletividade geral ou “interesse do público”. Antes, visava atender predominantemente às necessidades do próprio autorizatário. Noutras palavras, para que o particular explore atividade de titularidade estatal, mas a exerça em seu próprio benefício, subtraindo-se núcleo essencial para a caracterização e natureza da atividade “serviço público”.

Desse modo, a exploração da atividade portuária, mediante autorização, a par de conferir significado à expressão cunhada no art. 21, XII, CF/88, tratava-se, em verdade, em exceção à regra relacionada ao trespasse ao particular da prestação de serviço público, que se opera ordinariamente por meio da concessão e permissão, sempre precedida de licitação. Utilizou-se do termo na sua acepção tradicional, de mero ato de polícia. Não mais.

Agora, com a alteração do marco legal, o que busca o legislador é conferir nova dinâmica para os terminais de uso privado (alteração do nomen iuris), na medida em que, de modo diverso da Lei nº 8.630/93, ora revogada, define a instalação portuária como sendo aquela “localizada dentro ou fora da área do porto organizado, utilizada em movimentação de passageiros, em movimentação ou armazenagem de mercadorias, destinados ou provenientes de transporte aquaviário” (art. 2º, III, da MP 595).

Instalações portuárias como gênero, tendo por espécies: (i) instalações portuárias localizadas dentro do porto organizado, trespassadas à exploração do particular, sempre por licitação, mediante concessão de serviço público, arrendamento portuário e, ainda, convênio de delegação para municípios, estados e Distrito Federal, na forma da Lei nº 9.277/96; (ii) instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado, cuja exploração demandam ato de autorização. Ressalte-se, pois importante,  que a correlação entre instalações portuárias e porto organizado se dá ao nível de gênero-espécie, e não espécie-espécie, como indevidamente relacionado em certas passagens da Medida Provisória.

O inciso XI, do art. 1º, da MP conceitua a autorização como ato de direito a exploração de instalação portuária localizada fora da área do porto organizado, formalizada mediante contrato de adesão[7].

As instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado compreendem: a) terminal de uso privado; a) estação de transbordo de carga; c) instalação portuária público de pequeno porte; d) instalação portuária de turismo. (Art. 8º, da MP 595).

Inova a Medida Provisória ao determinar o estímulo à concorrência, mediante a participação do setor privado, e assegurando o amplo acesso aos portos organizados, instalações e atividades portuárias. Estabelece in verbis:

“Art. 10.  A ANTAQ poderá disciplinar as condições de acesso, por qualquer interessado, às instalações portuárias autorizadas, assegurada remuneração adequada ao titular da autorização.”

Onde consta “poderá” deverá ser entendido como poder-dever (rectius: deverá) dado que compromissada com o objetivo de estimular a concorrência entre as instalações.

Daí poder se afirmar, sem qualquer ressalva, que a natureza da carga, de modo diverso do regime anterior, tornou-se desimportante para a configuração do objeto da outorga. Na novel legislação, as instalações portuárias poderão movimentar quaisquer espécies de cargas (próprias ou de terceiros) sem qualquer correlação entre elas, ou com o título da outorga, quer tratar-se de instalação localizada dentro ou fora do porto organizado. De modo diverso do regime anterior, o terminal de uso privado (não mais terminal de uso privativo) não se encontra vocacionado para à movimentação de carga própria e, apenas complementarmente, à carga de terceiros. Superada, portanto, a dicotomia entre terminais privativos de uso exclusivo e de uso misto, do art. 4º, § 2º, da Lei nº 8.630/93, revogada.

No regime anterior, enquanto as instalações de uso público eram legitimamente destinadas à movimentação e armazenagem de mercadorias de titularidade da coletividade geral (desimportante a titularidade da carga), a mesma vocação não prevalecia no caso dos terminais de uso privativo, pois direcionados ao atendimento das necessidades do seu próprio titular (relevância do titular da carga).

Em rápida digressão, cabe evidenciar a existência de particularidades no que diz respeito aos terminais de uso privativo, outorgados no regime anterior, porém localizados na área de porto organizado. Estes não receberam tratamento específico pela MP 595. Por certo, será objeto do Decreto que irá regulamentar a matéria. Se não for esse o caso, ficará a tarefa de integrar a norma ficará a cargo do operador do direito, mediante a exegese que se mostrar adequada. Outra situação é a dos terminais de uso privativo, localizados fora da área do porto, que poderão ser adaptados em sua plenitude à novel disciplina.

Não há que se falar mais, nos terminais adaptados à nova legislação, em cargas próprias ou de terceiros.

De ver, portanto, que de modo diverso da disciplina da Lei nº 8.630/93, o instituto do terminal de uso privado previsto pela MP 595 não se encontra vinculado a qualquer atividade do titular da outorga, como acontecia na atividade anterior. Naquele caso, visava primordialmente a verticalização da cadeia produtiva, permitindo-se que o titular da outorga detivesse o pleno domínio sobre sua atividade, inclusive dos meios de logística de sua produção. Ou seja, agora o terminal pode ser instituído como negócio principal (ou mesmo exclusivo) do seu titular, com um fim em si mesmo, podendo encontrar-se voltado exclusivamente para a movimentação de cargas de terceiros. Não há, dessa forma, as limitações do regime anterior, que o qualificava como mera atividade econômica.

De fato, o particular que detiver o título da outorga de autorização para a exploração de instalação portuária fora da área do porto organizado, encontrar-se-á vinculado à movimentação de cargas, segundo as especificações do termo de autorização, garantindo-se a realização dos princípios da universalidade, da regularidade, da continuidade, da segurança e da adequação, não podendo mais escolher as cargas que irá movimentar, como ocorria no regime anterior. Poderá a Antaq, ainda, estabelecer restrições, quando presentes justificativas de ordem pública, como proteção à segurança, à saúde, ao meio ambiente etc.

Bem por isso, o § 1º, do art. 8º, estabelece que “a autorização será formalizada por meio do contrato de adesão, que conterá as cláusulas essenciais previstas no caput do art. 5º, com exceção daquelas previstas em seus incisos IV e VIII”.

Do regime jurídico básico da concessão/arrendamento portuário foram excluídas as cláusulas relacionadas ao valor do contrato, às tarifas praticadas e procedimentos de revisão e reajuste; e, quanto à reversão dos bens.

Por outro lado, permaneceram incidentes ao contrato de adesão (autorização) as cláusulas relacionadas com:

“I – ao objeto, à área e ao prazo;

II – ao modo, forma e condições da exploração do porto organizado ou instalação portuária;

III – aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade da atividade prestada, assim como metas e prazos para o alcance de determinados níveis de serviço;

IV – ao valor do contrato, às tarifas praticadas e aos critérios e procedimentos de revisão e reajuste;

V – aos investimentos de responsabilidade do contratado;

VI – aos direitos e deveres dos usuários, com as obrigações correlatas do contratado e as sanções respectivas;

VII – às responsabilidades das partes;

VIII – à reversão de bens;

IX – aos direitos, garantias e obrigações do contratante e do contratado, inclusive os relacionados a necessidades futuras de suplementação, alteração e expansão da atividade e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação das instalações;

X – à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos e dos métodos e práticas de execução das atividades, bem como à indicação dos órgãos ou entidades competentes para exercê-las;

XI – às garantias para adequada execução do contrato;

XII – à responsabilidade do titular da instalação portuária pela inexecução ou deficiente execução das atividades;

XIII – às hipóteses de extinção do contrato;

XIV – à obrigatoriedade de prestação de informações de interesse do poder concedente, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ e das demais autoridades que atuam no setor portuário, inclusive as de interesse específico da Defesa Nacional, para efeitos de mobilização;

XV – à adoção e ao cumprimento das medidas de fiscalização aduaneira de mercadorias, veículos e pessoas;

XVI – ao acesso ao porto organizado ou à instalação portuária pelo poder concedente, pela ANTAQ e pelas demais autoridades que atuam no setor portuário;

XVII – às penalidades e sua forma de aplicação; e

XVIII – ao foro”. (destaque nosso)

Veja que as cláusulas destacadas dizem respeito à supremacia do interesse público, próprio do prevalecente regime jurídico de direito público, em especial aquelas relacionadas com o modo de execução do serviço, os parâmetros definidores da qualidade da atividade prestada, prazos para alcance de determinados níveis de serviço, direitos e deveres dos usuários, com as obrigações correlatas do contratado e respectivas sanções. Das relacionadas com a modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos serviços; da forma de fiscalização das instalações, equipamentos, métodos e práticas de execução das atividades; da responsabilidade do titular da instalação portuária pela inexecução o deficiente execução das atividades.  Observe-se, pois importante para a conclusão, que o art. 6º, da Lei nº 8.630/93, retirou dos terminais de uso privativo cláusulas essenciais para a definição do regime jurídico, inclusive no que tange aos direitos e garantias para a supremacia do interesse público.

Enquanto para as atividades econômicas stricto sensu as partes podem dispor sobre as responsabilidades e níveis de satisfação sobre o serviço prestado, no regime jurídico ocorrente nos terminais de uso privado ( MP 595) tais garantias encontrar-se-ão asseguradas de modo especial, em razão da supremacia do interesse público. A agência reguladora do serviço assumirá o papel de regular e garantir a adequação do serviço, promovendo um nível de intervenção bem mais amplo, contando inclusive com a responsabilidade do poder público, não ocorrente naquelas regidas exclusivamente pelo direito privado.

A exclusão da cláusula relativa à reversão dos bens não afeta em nada o regime jurídico de direito público. Apenas impede o enriquecimento sem causa do poder público, dado que a estruturação do serviço será implementada, exclusivamente, com recursos do particular.

Embora significativa, também a exclusão da cláusula relativa ao regime tarifário já foi estendida a outros serviços públicos, sem que tenham alterado a sua natureza jurídica (de serviço público). É, v.g., o que ocorreu com o serviço aéreo. Veja:

Art. 49. Na prestação de serviços aéreos regulares, prevalecerá o regime de liberdade tarifária.

§ 1o No regime de liberdade tarifária, as concessionárias ou permissionárias poderão determinar suas próprias tarifas, devendo comunicá-las à ANAC, em prazo por esta definido.”

Embora relevante, a forma de trespasse do serviço público ao particular não tem, como não terá, o condão de definir a natureza do serviço público. Não desconsideramos nosso anterior posicionamento acerca da finalidade do ato de autorização, que segundo doutrina predominante constituir-se-ia em modus de prestação do serviço público, mas para resolver emergencialmente uma dada situação[8].

Porém, já havíamos advertido sobre a utilização pelo legislador ordinário do instituto da autorização como forma peculiar de delegação de serviço público, inobstante o contido no art. 175, CF/88. E que tal escolha vem sendo prestigiada pelo Supremo Tribunal Federal, na medida em que não tem acolhido os pedidos para afastar a vigência de leis da espécie, com no caso da Lei nº 9.472/97, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.668-5/DF.

Noutra oportunidade, destacamos a posição de Almiro Couto e Silva, para quem o termo “autorização” do art. 21, XII, é significativo “para possibilitar maior flexibilidade à atuação da União em face de certas atividades econômicas de interesse coletivo”. Ademais, teria o condão de conferir conteúdo lógico ao termo autorização utilizado pelo legislador constituinte no indigitado art. 21 “XII” – ao argumento de que a lei lato sensu não contém termos ou expressões incongruentes, excrescentes ou inúteis[9].

Por outro lado, também não é menos verdade que enquanto ciência social, o direito deve vincular-se à satisfação dos anseios da coletividade, porquanto instrumento com escopo de pacificação social. Vê-se que a eleição de determinada atividade como serviço público é resultado da escolha do legislador, em dado momento histórico, como meio de alcançar os próprios fins do Estado. Assim, para dizer que a atividade portuária, enquanto serviço público, não pode ser compreendido como manifestação estática e definitiva do Estado, porquanto representa a materialização das forças sociais e políticas em dado momento histórico.  E, nessa medida, cabe ao próprio Estado promover a redefinição do âmbito de sua atuação, para centrar-se naquilo que lhe seja mais “caro” à realização dos seus fins, enquanto garantidor do bem estar social.

Também poderá o legislador alterar o regime jurídico de direito público, por meio de legítima derrogação por normas de direito privado, como no caso do regime tarifário, desde que demonstrado a pertinência da medida com o alcance da supremacia do interesse público, notadamente para aferir maior competitividade da indústria nacional, como afirmado nos objetivos da Medida Provisória em questão.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, serviço público é “toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.[10]

Destarte, pode-se afirmar que o serviço prestado pelos terminais de uso privado, na disciplina da Medida Provisória nº 595/2012, encontra-se tutelado pelo prevalecente regime jurídico de direito público, ainda que parcialmente derrogado com a previsão de liberdade tarifária, insuscetível de desnaturar o “núcleo duro”, que caracteriza o instituto.

 Daí poder-se-á advogar a existência, no caso da atividade portuária, de dois específicos regimes de direito público. Um, para as instalações portuárias localizadas no âmbito dos portos organizados, objeto de concessão, arrendamento portuário e delegação na forma da Lei nº 9.277/96.

Outro, para as instalações portuárias localizadas fora da área de porto organizado, objeto de mera autorização, instituída por meio do contrato de adesão, com as cláusulas exorbitantes relacionadas no art. 5º, da Medida Provisória nº 595/2012, salvo as do inciso IV e VIII.

Conclusão

A noção de serviço público, tomada em seu sentido material, como sendo atividade essencial para a dignidade da pessoa humana, ou mesmo necessária para garantir a realização dos direitos básicos conferidos pela própria Constituição Federal, é que determina o dever do Estado de regular e garantir a sua prestação, de modo adequado. Este deve ser entendido como aquele serviço dotado de universalidade, continuidade, segurança, contínuo e de modo eficiente, permeado pela modicidade tarifária.

Nesse contexto, insere-se a atividade portuária, que compreende o embarque e desembarque de cargas, de cargas e pessoas, provenientes ou destinadas ao transporte aquaviário.

Em 1993, foi editada a Lei nº 8.630/93, denominada lei dos portos, com o fim de remover os obstáculos à livre iniciativa, e, primordialmente modernizar a estrutura portuária brasileira.

Decorridos quase vinte anos da publicação daquela lei, chegou-se ao esgotamento do modelo, razão pela qual a persistente escassez de investimentos (públicos e privados) motivaram o Executivo Federal rever o marco legal, mediante a edição da Medida Provisória nº 595, de 6 de dezembro de 2012.

No presente trabalho, demonstramos que, diversamente do modelo anterior, em que os terminais de uso privativo encontravam-se vinculados com a verticalização da cadeia produtiva, exigindo-se a preponderância da movimentação de cargas próprias, na novel disciplina os terminais de uso privativo foram substituídos pelos terminais de uso privado, todavia sob um regime jurídico diametralmente oposto àquele incidente nos terminais regulados pela lei revogada.

Assim, evidenciou-se que a movimentação das cargas nos terminais de uso privado (TUP) não visará, pelo novo regime, à mera satisfação do titular da outorga. Isto porque, enquanto na exploração de atividades econômicas stricto sensu as partes podem dispor sobre as responsabilidades e níveis de satisfação sobre o serviço prestado, no regime jurídico ocorrente nos terminais de uso privado (MP 595) tais aspectos serão assegurados de modo especial, em razão da supremacia do interesse público.

Destarte, a Agência Reguladora do serviço assumirá o papel de regular e garantir a adequação do serviço, inclusive nessas estruturas de uso privado, promovendo um nível de intervenção bem mais amplo daquele ocorrente no regime anterior, quando ostentavam o status de atividade econômica stricto sensu. Agora, passaram a desempenhar atividade qualificada como serviço público federal.

 

Notas:
[1] Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª ed., São Paulo: MALHEIROS, 1999, pág. 305.

[2] Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. pág. 314.

[3] Mello. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17ª ed., São Paulo: MALHEIROS, 2004, pág. 620.

[4] Sobre esse particular, nem a doutrina nem a jurisprudência discrepa dessa conclusão, pois o contrato de arrendamento portuário (Inciso I, art. 4º, caput, da Lei nº 8.630) encerra não só o direito de uso pelo particular de um bem público concessão de direito real de uso), mas também confere o direito de  exploração de determinada atividade qualificada como serviço público federal.

[5] Instalação portuária – instalação localizada dentro ou fora da área do porto organizado, utilizada em movimentação de passageiros, em movimentação ou armazenagem de mercadorias, destinados ou provenientes de transporte aquaviário (inciso III, do art. 2º, da MP 595).

[6] Para Tânia Lobo Muniz: “para a explanação e compreensão de qualquer conceito jurídico devemos pensar o direito de forma sistemática, sendo que essa sistematização pressupõe uma análise dos valores e fins das normas e dos princípios jurídicos e a existência de ligações entre os institutos que o compõem, relacionando-os entre as diversas categorias jurídicas e o conjunto de normas de acordo com a determinação de suas características essenciais. Essas características compõem a sua natureza jurídica e determinam sua localização e relação com as demais normas integrantes do sistema jurídico”. In Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: JURUÁ, 2000, pág. 30.

[7] Superada a controvérsia instalada com a edição da Lei nº 10.233/2001, que estabelecia a expedição da outorga por ato unilateral, sem prazo de vigência ou termo final. (Inciso III, art. 43).

[8] Já a expressão ‘autorização’, que aparece no art. 21, XI e XII, tem em mira duas espécies de situações:
a) Uma, que corresponde a hipóteses em que efetivamente há serviço de telecomunicação, como de radioamador ou de interligação de empresas por cabos de fibras óticas, mas não propriamente serviço púbico, mas serviço de interesse privado delas próprias, tal como anotamos no item 4 e nota de rodapé 4. Aí, então, a palavra ‘autorização’ foi usada no sentido corrente em Direito Administrativo para exprimir o ato de ‘polícia administrativa’, que libera alguma conduta privada propriamente dita, mas cujo exercício depende de manifestação administrativa aquiescente para verificação se com ela não haverá gravames ao interesse público;
b) outra, a de abranger casos em que efetivamente está em pauta um serviço público, mas se trata de resolver emergencialmente uma dada situação, até a adoção dos convenientes procedimentos por força dos quais se outorga permissão ou concessão. In Curso de Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo: MALHEIROS, 2004. pág. 638/9.

[9] Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por particulares. Serviço público à brasileira? In. Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul. V. 27, Porto Alegre, 2003. Págs. 209-237

[10] Curso de direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pág. 620.


Informações Sobre o Autor

Carlos Afonso Rodrigues Gomes

Procurador Federal.Com pós-graduação em Direito Processual Civil, pela UNISUL.


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