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Alternativismo jurídico: resultado das contradições do Direito Dogmático


Sumário:
1. Introdução; 2. Direito Alternativo no Tempo e no Espaço; 3. Conceito do Direito Alternativo; 4. Conclusão: a realidade jurídica moderna confrontada pelo alternativismo; 5. Bibliografia.

1. Introdução

Houve um longo período em cujos séculos estabeleceu-se a intrínseca e confusa relação transcedente-secular. O sacro misturava-se ao poder terreno, os limites não se apresentavam e o desmembramento político-territorial, advindo do feudalismo, impulsionava tal condição. Os feudos pulverizavam e enfraqueciam o poder político e a Igreja, representante divina, era coroada.

O Estado Nacional Moderno derruba tal paradigma. A igreja é destronada e os senhores feudais desaparecem em função do nascimento do capitalismo. A exclusividade de exercício do poder político e, principalmente, do ordenamento jurídico é garantida pelo Estado. No dizer de Marcelo neves, “Torna-se inconcebível, então, a existência de qualquer outra ordem político-jurídica supraordenada ou coordenada à do Estado, no espaço em que esta se encontre em vigor”. As atividades jurídicas, mesmo as privadas, ficam subordinadas ao crivo estatal.

Acrescenta-se a concepção de modernidade do direito relacionada à Dogmática Jurídica. João Maurício Adeodato confere ao adimplemento de três pressupostos sociológicos a condição básica para o direito modernizar-se, ou dogmatizar-se. O primeiro deles é o monopólio estatal na produção de normas jurídicas. O segundo é  a ascensão das fontes estatais frente às demais fontes do Direito. O terceiro pressuposto é a chamada autopoiese, ou seja, a emancipação do subsistema jurídico dos demais sistemas normativos. A libertação do Direto em relação aos fatores sociais, morais e religiosos é conditio sine qua non para a sua modernização. Em contraposição encontra-se a alopoiese, a dependência do subsistema jurídico aos outros subsistemas da sociedade.

A pretensão de exclusividade estatal é contestada com o surgimento do pluralismo jurídico. A interferência de outras ordens jurídicas, interpondo-se a pura arvoragem do Direito pelo Estado, é característica do pluralismo jurídico.

O direito alternativo, entretanto, não é uniforme, nem formal, nem materialmente, nas suas diversas manifestações. Pode ser analisado sob várias formas e tendências de acordo com a ideologia, o país, a região e a situação econômica.

2. Direito alternativo no Tempo e no Espaço

Advindo da insatisfação dos juristas, referente à vigência de normas jurídicas e contrapondo-se ao estreito legalismo, o Direito Alternativo surge em meio ao aparecimento de novos métodos de interpretação e aplicação das leis.

A priori, duas escolas antecederam o Movimento do Direito Alternativo. Foram elas a Escola Histórico-Evolutiva e a Escola do Direito Livre, cujo principal defensor foi Hermann Kantorowicz. A escola de Direito Livre pregava a ampla liberdade do magistrado e ressaltava a importância da justiça. A justiça deveria ser priorizada em qualquer situação jurídica, mesmo que preterisse a lei. Admitiam-se, então, as decisões contra legem do Pretor para a obtenção de decisões mais justas.

Faz-se necessário o entendimento da história e desenvolvimento do direito alternativo em duas perspectivas diferentes. A da Europa – países centrais – onde se iniciou o movimento, e a da América Latina – países periféricos – onde ele se instalou apresentando mudanças substanciais.

A alternatividade na Europa apresenta-se como um uso alternativo do direito, e não como o próprio Direito Alternativo. Este fato decorre da concepção de respeito ao direito estatal como dirimente dos conflitos e da falta de necessidade de que outro órgão arvore-se do Direito. Reporta-se, portanto, mais a novas formas de  interpretação das leis que atendam aos princípios gerais do Direito e à concretização de normas e princípios pouco utilizados no ordenamento. Ele é fruto de importantes conflitos como o ocorrido entre o monismo formalista de origem germânica e o pluralismo institucionalista desenvolvido na Itália. A respeito deste conflito pode-se declarar que de um lado argumentava-se com base na norma fundamental de Kelsen (Monistas), da qual resultaria todo o ordenamento jurídico, sendo ele estatal ou não. Opostos a essa concepção, os pluralistas institucionalistas defendem a negativa da supra-infra-ordenação entre o Direito objetivo estatal e as demais ordens não estatais. Ocorre, segundo o pluralismo, a relação de coordenação entre os ordenamentos. Salienta-se, no entanto, que apesar das discussões das escolas admitirem a existência de outras ordens, a elas não era atribuída considerável importância jurídica. Para Kelsen, por exemplo, a aceitação de outras ordens, extra-estatais, depende de uma alternativa ideológica, sendo, contudo, juridicamente irrelevante.

A América Latina situa-se em diferente condição. Por ocasião da incapacidade estatal na apreciação dos conflitos, busca-se desburocratizar através do próprio Direito Alternativo, não se limitando a uma mera utilização alternativa do Direito. A alopoiese é uma parte caracterizadora deste fenômeno, pois a sociedade civil busca outros meios, extra-estatais, para a concretização dos seus direitos e garantias. Eclodem estruturas sociais difusas e de caráter normativo, elas têm traços próprios que a diferenciam do “Direito oficial”.  São ordens plurais que mantêm uma relação de ingerências com a ordem positiva estatal. Marcelo Neves utiliza a expressão miscelânea jurídica para definir a coexistência do Direito Positivo com as áreas de juridicidade extra-estatal, e miscelânea social para caracterizar a promiscuidade operacional das esferas política, econômica e jurídica. Os limites entre os subsistemas citados são obscuros. Um agravante à questão é interferência da economia e do poder no subsistema jurídico. A respeito do tema Marcelo Neves expõe: “Observa-se que os códigos e critérios do ter e do poder não apenas atuam como condições infra-estruturais ou meio-ambientais de reprodução do sistema jurídico. Antes eles atuam como injunções bloqueantes e destrutivas do processo de reprodução autônoma e de construção da identidade do(s) Direito(s)”.

A partir de 1990, no Brasil o Direito Alternativo começa a reunir juristas com o objetivo de alcançar uma nova forma de aplicação e leitura do Direito. Promoveram-se grupos de estudos e congressos iniciados por juízes, e integrados, a posteriori, por demais operadores do Direito. A discussão sobre o assunto implementada, primeiramente no Sul do Brasil, alcançou todo o país e já não pode ser tratada com o desmerecimento e descaso de outrora.

3. Conceito do Direito Alternativo

A conceituação, seja qual for o seu objeto, é uma árdua tarefa. O Direito Alternativo não se furta desta afirmativa. Em virtude das inúmeras teses, debates e formulações sobre o assunto, os conceitos dos diversos autores são muitas vezes contrários entre si. Alguns buscam o aspecto social do tema, outros migram para o lado da justiça, estratificando-se diferentes limitações epistemológicas.

Há, todavia, alguns consensos. A aceitação da presente crise pela qual o Direito Dogmático passa é um deles. O Estado moderno não consegue modernizar o Direito, não atinge o necessário adimplemento dos pressupostos sociológicos para dogmatizá-lo. Segundo Marco Aurélio Ventura Peixoto, “O Estado não consegue deter o monopólio na produção das normas jurídicas, não faz prevalecer suas fontes em detrimento das demais e, pior, assiste cada vez mais intensamente à influência de diversos sistemas normativos se sobrepondo ao Direito”.

O Direito Alternativo surge em meio a essa difícil situação como um novo caminho, uma nova perspectiva, paralelo, aquele que coexiste com o estatal. No dizer de Aurélio da Bôaviagem, “representa uma disputa entre o ideologicamente generoso, o alternativo, e o formalmente preciso, o dogmático”.

A crítica ao positivismo jurídico, ao estreito legalismo, à postura jurídica técnico-formal-legalista, é outro consenso comum aos alternativos. As lacunas presentes na lei e a não-correspondência da realidade legislativa com a realidade dos fatos são apontados como razões fundamentais para tal crítica. As contradições geradas pelo rigor formal, segundo os alternativos, suplantam os direitos da população.

Cláudio Souto, insigne jurista, ensina que o Direito Alternativo é a norma desviante em face à legalidade estatal, do mesmo modo que esta última lhe é desviante. Não coincide com a legalidade do Estado, só sendo tal pelo desvio, pela não identificação, pela dessemelhança em relação ao conteúdo da legislação estatal. Atribui, portanto, o  Direito Alternativo como Direito desvencilhado da legislação “oficial” e fruto da manifestação popular.

A perspectiva de Edmundo Lima Arruda Júnior, um dos expoentes alternativos desde o início dos anos 90, é também muito enriquecedora. Ilustra as contraditórias realidades da Europa e da América Latina ao analisar o Direito Alternativo sob a dicotomia: instituído e instituinte.

O instituído biparte-se em instituído sonegado e instituído relido, ambos dão-se ainda dentro do ordenamento estatal. O instituído sonegado caracteriza-se pela luta para efetivar a observância e o cumprimento dos direitos já conquistados. A concretização das garantias previstas nos textos legais é o seu principal alvo. Não se pode dizer que integra a concepção dominante sobre Direito Alternativo, pois trava a sua batalha dentro dos limites do ordenamento estatal. É característico nos “países centrais”.

O instituído relido refere-se ao labor hermenêutico, exegético, na medida em que busca uma nova interpretação às normas já existentes. A nova interpretação se apresenta mais compromissada com as necessidades e anseios sociais. Semelhantemente ao sonegado, o instituído relido é característico da visão européia e não se aproxima da concepção de Direito Alternativo em sentido estrito.

Em contrapartida, o instituinte negado consagra o pluralismo jurídico, ou seja, a desviante à norma estatal. Reporta-se aos direitos empiricamente verificados, contudo, não contemplados pela legislação positiva. Presente na América Latina, o instituído negado volta-se para o problema da exclusão social, da marginalização e da injustiça.

Três importantes conceitos são expostos por Amílton Bueno de Carvalho. São eles:

a) O uso alternativo do Direito, no qual ele insere a visão européia de busca de formas de interpretação dos textos legais diversas das usuais para satisfação das necessidades sociais, tentando eliminar as contradições do Direito Positivo. Assemelha-se, portanto, ao instituído relido.

b) A positividade combativa busca a aproximação das garantias previstas nos textos legais já existentes na vida diária. Corresponde ao instituído sonegado;

c) O Direito Alternativo em sentido estrito, que é o próprio Direito paralelo, oriundo do pluralismo jurídico e correspondente ao instituinte negado.

Um último consenso pode ser verificado nos estudos sobre o Direito Alternativo, é a busca de um Direito ético, de uma nova forma de solução de conflitos regida pela eqüidade e pelos princípios gerais consagrados pelo Direito. Conflitos que se encontram desamparados da real presença e apreciação estatal.

4. Conclusão: a realidade jurídica moderna confrontada pelo alternativismo

O Estado Moderno, como vimos, encontra-se em uma situação sedimentada sobre uma estrutura sociologicamente contraditória e lacunar, o atual Direito Positivo Estatal. Apesar de logicamente ter atingido um rigor esplêndido, o positivismo jurídico apresenta problemas sérios em decorrência de causas endógenas, a não-correspondência dos textos legais com a realidade dos fatos, devido à velocidade das mudanças contemporâneas, e exógenas, por estar sendo corroído pela interação indevida com outros subsistemas, como o econômico e o político.

Apresenta-se, portanto, distante do ideal do Direito Moderno, dogmatizado. Mostra-se ineficaz na tentativa de sobrepujar os pressupostos sociológicos para a modernização do Direito. Prostrando-se a outras fontes e sendo violado na monopolização da elaboração das normas.

O Direito Alternativo revela-se como uma saída para esse dilema. Uma opção para a resolução dos conflitos sociais. Nasce como Direito extra-estatal, como norma desviante ao Direito Dogmático, porém, atinge condutas e conflitos que estavam distantes do crivo do Estado e necessitavam de uma solução. Agrega-se à concepção do alternativismo jurídico advindo da observação empírica das necessidades sociais e da justiça a idéia da presença do Direito Alternativo inserido na própria ordem estatal, buscando uma melhor forma de interpretação e aplicação das normas já existentes.

À existência do Direito Alternativo precede a existência de um insípido Direito Estatal, que não alcança todas as situações que deveria tutelar. Não é, portanto, contrário ao Direito Dogmático, uma vez que aquele surge espontaneamente em decorrência das falhas presentes neste e aponta para uma saída para o impasse dos conflitos não-solucionados.

5. Bibliografia

ADEODATO, João Maurício. Modernidade e Direito. Revista Esmape. Recife: vol. 2, n. 06, 1997.
BÕAVIAGEM, Aurélio Agostinho da. O Direito Alternativo fundamenta-se no Direito Vivo/Livre ou no Direito Natural? Será ele Direito? Revista do Instituto dos Advogados de Pernambuco. Recife: vol. 1, n. 01, 1999.
CARVALHO, Amílton Bueno de. Direito Alternativo: uma Revista conceitual.http://www.uerj.br/~direito/rqi/07/070402.htm, 15 de outubro de 1998.
NEVES, Marcelo. Do pluralismo jurídico à miscelânea social: o problema da falta de identidade da(s) esfera(s) de juridicidade na modernidade periférica e suas implicações na América Latina.
PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Direito Alternativo: uma tentativa de impedir a modernização do direito?. Caderno Acadêmico. Recife: ano 4, n. 6, 2000, p. 25-36.
SOUTO, Cláudio. Direito Alternativo: em busca de sua substantividade conceitual.http://www.trf1,gov.br/enfoquejuridico/enfoque7.cláudio.htm, 07 de outubro de 1999.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Antonio Márcio Monteiro Gueiros

 

Acadêmico de Direito da UFPE

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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