Amplitude e aplicação das tutelas de urgência acautelatórias no processo de execução


Sumário: 1. Introdução. 2. Tutela de execução. 3. Tutela cautelar. 4. Medidas acautelatórias no processo de execução. 4.1. Natureza e finalidade. 4.2. Requisitos para concessão das medidas acautelatória no processo de execução. 4.3. Procedimento das medidas acautelatórias no processo de execução. 4.4. Hipóteses de cabimento. 4.4.1. Medida de arresto. 4.4.2. Medida de seqüestro. 5. Conclusão.


1. Introdução.


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O presente estudo tem por objeto análise do artigo 615, mais precisamente seu inciso III, do CPC, o qual permite o exeqüente pleitear medidas acautelatórias urgentes. Não há, portanto, como se iniciar essa trajetória sem antes recordarmos um pouco a classificação, ainda que ultrapassada, adotada pelo nosso Código buzaideno das tutelas jurisdicionais. Inicialmente Enrico Tulio Liebman, nos trouxe a idéia bipartida da função jurisdicional, dividida em conhecimento e execução.


A função jurisdicional consta fundamentalmente de duas espécies de atividades, muito diferentes entre si: de um lado, o exame da lide posta em juízo, para o fim de descobrir e formular a regra jurídica concreta que deve regular o caso; de outro, as operações práticas necessárias para efetivar o conteúdo daquela regra, para modificar os fatos da realidade de modo a que se realize a coincidência entre a regra e os fatos. Por conseguinte a natureza e os efeitos dos atos relativos diferem profundamente; na cognição a atividade do juiz é prevalentemente de caráter lógico: ele deve estudar o caso, investigar o fato, escolher, interpretar e aplicar as normas legais adequadas, fazendo um trabalho intelectual, que se assemelha, sob certos pontos de vista, ao de um historiador, quando reconstrói e avalia os fatos do passado. O resultado de todas estas atividades é de caráter ideal, porque consiste na enunciação de uma regra jurídica que, reunindo certas condições, se torna imutável (coisa julgada). Na execução ao contrário a atividade do órgão é prevalentemente prática e material, visando produzir na situação de fato as modificações acima aludidas.[1].


Posteriormente passou a se desenvolver outro tipo de tutela, que se diferenciava das tutelas de conhecimento e de execução, era a tutela cautelar, como bem advertiu Teori Zavascki: “a essa classificação bipartide da tutela jurisdicional costuma-se, ainda dentro dos padrões clássicos, acrescentar um tertium genus: a tutela cautelar[2]”. Exposta, ainda que sumariamente a classificação dos tipos de tutela, relembraremos algumas características básicas do processo de execução e do processo cautelar para que possamos chegar ao objeto de nosso estudo, ou seja, analisar a amplitude e aplicação das tutelas de urgência acautelatórias no processo de execução.


2. Tutela de Execução.


A função jurisdicional não se limita à emissão de sentença, através do processo de conhecimento. Além de formular concretamente a regra jurídica válida para a espécie, é necessário atuá-la, modificando a situação de fato existente para adaptá-la ao comando emergente da sentença. Na sentença condenatória, alia-se à declaração a sanção: forma-se, então, o título executivo necessário para que esta possa ser concretamente atuada.[3]


Enquanto o processo de conhecimento tem por finalidade a obtenção de uma sentença que decida o conflito de interesses, a execução tem por finalidade satisfazer o direito que a sentença condenatória haja proclamado pertencer ao demandante vitorioso, caso o condenado não a tenha voluntariamente satisfeito. Ao contrário do processo de conhecimento, que é um processo de sentença, e que a sentença se exaure, o processo de execução tem por fim realizar as “operações práticas” necessárias a tornar efetivo o enunciado da sentença condenatória, de modo que os fatos sejam modificados e se realize a coincidência entre eles e a regra jurídica estabelecida pela sentença.[4]


Na execução ocorre a transferência patrimonial do devedor para o credor. Nesse sentido, ensina Ovídio Baptista:


O processo de execução cuida de submeter o patrimônio do condenado à sanção executória, de modo que dele se extraiam os bens e valores idôneos a satisfazer o direito do credor.[5]


A propósito da distinção entre processo de conhecimento e processo de execução, observou a doutrina que, no primeiro, se vai dos fatos ao direito (narra mihi factum dabo tibi ius), enquanto que no segundo se vai do direito (declarado pela sentença) aos fatos (que são modificados pela atividade executiva, para conformar-se ao direito).[6]


Para a opinião da doutrina majoritária, o processo executivo destina-se a tornar efetivas as sentenças condenatórias. As sentenças mandamentais e executivas lato sensu, embora não deixem de ter natureza condenatória, não dependem de processo autônomo de execução para a sua atuação. Nesse sentido Ada Pellegrini, Cândido Dinamarco e Antônio Cintra.


Somente as sentenças condenatórias (e excluídas destas as mandamentais e as executivas lato sensu) – que aplicam a sanção ao réu, atribuindo ao autor um título executivo – são, portanto, capazes de conduzir a execução em sentido técnico.[7]


Do mesmo norte Ovídio Baptista:


[.] o processo de execução (obrigacional, do Livro II do Código) tem por fim satisfazer o direito que a sentença condenatória haja proclamado pertencer ao demandante vitorioso, sempre que o condenado não tenha voluntariamente satisfeito, dando cumprimento ao que lhe fora imposto pelo julgado.[8]


A finalidade da execução no dizer de José Alberto Dos Reis, “consiste em obter para o Exeqüente precisamente aquele benefício que lhe traria o cumprimento da obrigação por parte do devedor ou, se isso não for possível, ao menos um benefício equivalente”.[9]


O resultado específico da ação executiva é o provimento satisfativo do direito do credor, denominado provimento executivo.


Além de servir de meio para a efetivação do provimento jurisdicional contido na sentença proferida no processo de conhecimento de natureza condenatória, o processo de execução também serve para, com os mesmos meios executórios, que se constituem em atos de força, destinados a retirar do patrimônio do réu bens suficientes para, transformados em dinheiro (regra geral) servirem de forma de pagamento ao autor, atuar concretamente comandos existentes em documentos firmados entre as partes, aos quais a lei confere a mesma força executiva atribuída a esse tipo de sentença.[10]


3. Tutela cautelar.


Aceita, no plano jurídico interno, a perspectiva da doutrina italiana a respeito da tutela cautelar, desenvolvida pelos estudiosos de Giuseppe Chiovenda, Piero Calamandrei e Francesco Carnelutti, essa se apresenta com uma tertium genus de processo, de caráter instrumental e provisório destinado a, com base em cognição sumária, afastar um dano capaz de comprometer a utilidade da prestação jurisdicional num processo de conhecimento ou execução, já ou a ser instaurado.[11]


Acrescentam-se, as ações de conhecimento e execução, pelos quais a jurisdição cumpre o ciclo de suas funções principais uma terceira atividade, auxiliar e subsidiária, que visa a assegurar o êxito das duas primeiras, trata-se da atividade cautelar, desenvolvida através do processo que toma o nome de cautelar.


A tutela cautelar faz parte do gênero tutela preventiva e tem por fim dar proteção jurisdicional ao direito subjetivo ou a outros interesses reconhecidos pela ordem jurídica como legítimos, mas que não se identificam com os denominados direitos subjetivos. Na verdade, a tutela cautelar tem por fim proteger não apenas direitos subjetivos, mas igualmente, e, poderíamos dizer até, preponderantemente, proteger pretensões de direito material, ações e exceções, quando seus respectivos titulares aleguem que tais interesses, reconhecidos e protegidos pelo direito, encontrem-se sob ameaça de um dano irreparável.[12]


O processo cautelar se desenvolve em situação de urgência. O processo de conhecimento é incompatível com a celeridade necessária para algumas situações do caso concreto. Acerca da urgência que permeia a cautelar disserta Ovídio Batpista:


O grande móvel, portanto, a justificar a tutela cautelar é sem dúvida a urgência, ante a qual as formas convencionais de tutela jurisdicional tornem-se insuficientes e inadequadas, impedindo que o Estado cumpra seu dever de proteção do direito por ele próprio criado, dever este que decorre do monopólio da função jurisdicional.[13]


A urgência da tutela cautelar está intimamente ligada à possibilidade de prestação jurisdicional eficaz, sem prejuízo das partes envolvidas no litígio.


Como bem anota Piero Calamandrei, a tutela cautelar,


Visa, portanto, como os procedimentos que o direito inglês entende sob a denominação de Contempt of court, a salvaguardar o imperium judicis, ou seja, a impedir que a soberania do Estado, na sua mais alta expressão que é aquela da justiça, se reduza a ser uma atrasada e inútil expressão verbal, uma vã ostentação de lentos engenhos destinados, como os guardas da ópera bufa, a chegar sempre muito tarde.[14]


A atividade cautelar foi preordenada a evitar que o dano oriundo da inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do remédio jurisdicional (periculum in mora). O provimento cautelar funda-se antecipadamente na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni iuris): verificando-se os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, o provimento cautelar opera imediatamente, como instrumento provisório e antecipado do futuro provimento definitivo, para que este não seja frustrado em seus efeitos.[15]


O provimento cautelar poder ser apresentado de duas formas. Poder ser requerido de forma autônoma, através de processo cautelar preparatório ou preventivo; ou ainda, ser requerido via incidental, no curso do processo principal.


Piero Calamandrei, cita ainda o caráter publicístico dos procedimentos cautelares:


Esse caráter eminentemente publicístico dos procedimentos cautelares se revela, também em matéria civil, na maior energia com que a jurisdição se exercita, quando é dirigida a fins cautelares: não só na aceleração do procedimento e na sumariedade da cognição, mas também no acréscimo dos poderes de iniciativa do juiz; não esqueçamos que o caso mais típico se não o único do nosso processo, em que o juiz civil pode proceder sem pedido da parte, é aquele da declaração de falência pronunciada de ofício [.][16]


Outra característica a ser salientada é a provisoriedade. Os provimentos cautelares são em princípio provisórios; o provimento definitivo que coroa o processo principal ou reconhecerá a existência do direito (que será satisfeito) ou sua inexistência (revogando a medida cautelar). Outra característica, ainda, é sua instrumentalidade ao processo principal, cujo êxito procura garantir e tutelar.[17]


Nosso Código de processo Civil trata do processo cautelar no Livro III. São medidas cautelares específicas do processo civil, entre outras, o arresto, o seqüestro, a busca-e-apreensão, a produção antecipada de provas, posse em nome do nascituro, a apreensão de títulos etc.


Todas as considerações supra mencionadas permitem no entender de Piero Calamandrei[18], compreender qual importância prática tenha, em um sistema processual, o bom ordenamento dos meios cautelares, cuja deficiência pode enfraquecer a eficácia da função jurisdicional no seu momento executivo, e impedir a justiça, por carência de medidas preventivas prontas, enérgicas e completas, de atingir os seus últimos fins.


Outro estudo que se mostra necessário em nosso trabalho é a diferenciação do poder geral de cautela e do poder cautelar genérico. Em nosso ordenamento jurídico, o poder geral de cautela deriva dos arts. 798 e 799 do Código Processual. Tais dispositivos autorizam a utilização e concessão de cautelares inominadas (sem previsão legal), com a finalidade de assegurar o resultado prático da ação principal. Como leciona Carpena:


“Ainda que com redação imprecisa, a realidade é que a disposição normativa do art. 798 do Código, segundo perspectiva inarredável, autoriza o provimento cautelar em geral, sempre que presente à plausibilidade do alegado direito e o perigo de dano (independente de onde derive – se de ato da parte ou de fato), conferindo uma enorme discricionariedade ao julgador”.[19]


Portanto, presentes os requisitos autorizadores da cautelar, ainda que não haja disposição tipificada no Código, é autorizado ao julgador analisar e deferir a cautelar, através do chamado poder geral de cautela. Necessário citar algumas restrições ao poder geral de cautela: 1) só se utiliza ação cautelar inominada quando o provimento tiver a natureza de cautelar; 2) só será utilizada se não houver previsão legal de cautelar típica. O poder cautelar genérico encontra respaldo legal no art. 797 do CPC, possibilitando ao juiz agir de ofício, quando o mesmo verificar o fundado receio de prejuízo ao processo, sendo em outras palavras a defesa da própria jurisdição.[20] O juiz nesse caso atua em defesa da jurisdição, independentemente de pedido de qualquer uma das partes.


4. Medidas acautelatórias no processo de execução.


Devemos começar nosso estudo citando o artigo 615, III, do Código de Processo Civil, que faculta a possibilidade ao credor de pleitear medidas acautelatórias no processo de execução, in verbis:


“Art. 615. Cumpre ainda ao credor”:


(…)


III – pleitear medidas acautelatórias urgentes“.


 


Cumpre ressaltar que o processo de execução é célere, sendo incompatível com seu procedimento qualquer medida cautelar que não seja urgente. Também é da natureza dos provimentos cautelares a urgência, ficando evidenciado a prescindibilidade do termo urgente. Bastaria então que constasse no inciso III do artigo 615 “medidas acautelatórias”, para se presumir a necessidade inerente de urgência.


4.1. Natureza e finalidade.


O texto legislativo busca revestir o exeqüente de garantia, sendo para tanto, lhe facultada utilização de qualquer medida tendente a salvaguardar o recebimento do seu crédito. Mas o que são essas medidas acautelatórias? Júlio Cesar Souza Rodrigues define as medidas acautelatórias com muita propriedade, senão vejamos:


Na verdade, trata-se de uma espécie do gênero medidas cautelares, isto é, além das medidas cautelares chamadas inominadas ou atípicas, ligadas ao poder geral de cautela admitido no art. 798, nominadas ou típicas, reguladas sob a denominação de procedimentos cautelares específicos (Capítulo II do livro III), e cautelas-de-ofício (art.797), há também as medidas acautelatórias, as quais apresentam uma similaridade com as cautelas-de-ofício, previstas no art. 797 do CPC.[21]


Prossegue ainda o mesmo autor esclarecendo que as medidas acautelatórias nada mais são do que “um conjunto de providências cautelares tomadas pelo juiz ex offício ou a requerimento partes para preservar a eficácia ou utilidade do processo de execução ou do processo de conhecimento.”[22]· Compatível ao mesmo entendimento, Humberto Theodoro Júnior afirma: “o inciso III do art. 615 concede ao exeqüente a faculdade de ‘pleitear medidas acautelatórias urgentes’. Trata-se de uma simples reafirmação do poder geral de cautela adotado amplamente nos arts. 796 e seguintes (processo cautelar).”[23]


Dissonante ao entendimento exposto pelos doutrinadores supra, nos parece cristalina a redação do art. 615 do CPC, que incumbe ao credor pleitear as medidas acautelatórias urgentes, não sendo atribuição do juiz deferi-las ex offício no processo de execução. Com o acúmulo de processos nos cartórios judiciais e por conseqüência o excesso de trabalho enfrentado pelos magistrados, nos parece irreal o acautelamento de ofício pelo magistrado em uma execução, mesmo porque o juiz terá que ser convencido através de algumas provas, do fumus boni juris e do periculum damnum irreparabile, trazidas pelo requerente.


No mesmo diapasão relembrando a diferenciação entre o poder cautelar genérico e o poder geral de cautela, Carpena:


Esse poder cautelar genérico, assim como o poder geral de cautela se manifesta por meio de medida cautelar; só que, enquanto esse, inexoravelmente, deriva de provocação do juízo por uma das partes, formalizando um processo cautelar; aquele terá origem ex offício a partir da decisão do juiz, incidentalmente, no próprio processo onde se busca o bem da vida, com intuito de resguardar a atividade judicial já provocada, ficando “restrito” a casos excepcionais e expressamente previstos em lei.[24]


As medidas acautelatórias dispostas no art. 615, III do CPC, são simples incidentes do processo de execução, tanto é verdade, que são concedidas a pedido da parte no próprio processo de execução em andamento, independente de distribuição de um processo cautelar. Sua natureza se assemelha mais ao poder cautelar genérico, pois não há processo apenso e sim determinação judicial no próprio processo de execução.


Comentando a natureza do provimento acautelatório do art. 615, III do CPC, merece ser transcrito trecho de Araken de Assis, in verbis :“independente da disciplina própria das ações cautelares, concebem-se outras medidas, cautelares satisfativas, no curso do processo executivo. São essas medidas que o dispositivo autoriza.”[25]


Também é notável a contribuição de Galeno Lacerda lembrando o caráter genérico e permanente de todas as medidas cautelares, aliás, para ele:


 “o exercício do direito não é garantido somente pela ação, que é defesa jurídica, nem pela defesa privada. Ambas são reações contra ofensas atuais, e o direito necessita, igualmente, de acautelar-se para emergências futuras, ou assegurar-se para que o seu exercício não encontre obstáculo”.[26]


4.2. Requisitos para concessão das medidas acautelatória no processo de execução.


Nos parece latente a necessidade para as medidas acautelatórias, no processo de execução, os mesmos requisitos da tutela cautelar, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Nosso entendimento é lastreado por decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa segue:


ACAO DE EXECUCAO POR QUANTIA CERTA. MEDIDA ACAUTELATORIA URGENTE (ART. 615, III, DO CPC). DEVE SER INDEFERIDO O PEDIDO ACAUTELATORIO PREVISTO NO INC. III DO ART. 615 DO ESTATUTO PROCESSUAL, QUANDO O CREDOR NAO CONSEGUE COMPROVAR A EXISTENCIA DO PERICULUM IN MORA E DO FUMUS BONI IURIS ALEGADOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.[27]


Diferentemente desse entendimento e fundado na lição de Galeno Lacerda[28] de que o periculum in mora integra a condição peculiar não só da ação como de toda função cautelar, dentre as quais estão inseridas as medidas acautelatórias, Júlio Cesar Rodrigues conclui que: “dos requisitos essenciais para a concessão das medidas cautelares apenas o periculum in mora deverá estar presente no momento do deferimento das medidas acautelatórias.”[29]


4.3. Procedimento das medidas acautelatórias no processo de execução.


Conforme explanação anterior, as medidas acautelatórias podem ser requeridas durante o curso do processo de execução, toda vez que se tornar necessária alguma medida com a finalidade de resguardar o resultado da execução. Desse modo segundo Araken de Assis[30], o pedido do credor não se limita à inicial.


Em relação ao momento para se requerer a medida, disserta Araken de Assis: “a qualquer momento, através de petição avulsa, poderá expor os fatos e requerer à medida que lhe pareça adequada.”[31] Através de simples petição poderá o credor pleitear medidas acautelatórias, diferentemente da ação cautelar normal que requer a distribuição de um processo acessório.


No que tange ao prazo para o requerimento da medida, não houve fixação pelo legislador, no entanto, como as medidas são pleiteadas no curso do processo de execução, e portanto, dependem do processo de execução, é possível pleitear a medida enquanto o processo executivo estiver em andamento e, ainda, na iminência de satisfazer o crédito do exeqüente, poderá requerer ao juiz da causa medidas que venham a resguardar seu crédito e proteger os bens dados em garantia à execução.


Já quanto aos meios de prova admitidos para o deferimento da medida acautelatória, esclarece Júlio Cesar Rodrigues que “as medidas acautelatórias não comportam uma instrução ampla, já que são incidentes, e, por isso, limitam-se à prova documental, que deverá provar o periculum in mora.”[32]


Pela redação apresentada pelo próprio legislador (art. 162, § 2º), a decisão que concede ou não as medidas acautelatórias previstas no art. 615, III, do CPC, no processo de execução, enquadra-se na categoria das decisões interlocutórias, pois resolve incidente surgido naquele processo. Por fim, cumpre ressaltar que é possível o requerimento das medidas acautelatórias do art. 615, III, do CPC, na execução provisória, porque como bem lembra Júlio César Rodrigues[33], a execução provisória será processada de forma definitiva.


4.4. Hipóteses de cabimento.


Deixaremos para analisar de per si, o arresto e o seqüestro que são as medidas mais presentes nas doutrinas que explicam a matéria. Para exemplificação de quais os tipos de medidas de que trata o art. 615, III do CPC poderíamos citar a lição de Araken de Assis: “o bloqueio do crédito em conta corrente bancária do executado, enquanto flui o prazo para nomeação de bens (art. 652), porque o dinheiro se situa em primeiro lugar na ordem de nomeação, insculpida no art. 655, I, e a sua falta de indicação implicaria a ineficácia do ato, a teor do art. 656, I, conjugado ao risco de o executado fazer desaparecer a importância naquele interregno, é medida cautelar inserida na órbita do art. 615, III”.[34]


Outro exemplo que se mostra, é a urgência em alienar os bens penhorados (art. 670, I) ou realizar obras destinadas à sua conservação (art. 888, I). Júlio César Rodrigues[35] cita ainda a medida de busca e apreensão, pedido de averbação na margem do prontuário do veículo de propriedade do executado da existência da penhora, para que eventual adquirente, não alegue ignorância, e o pedido de averbação no registro imobiliário da penhora. Outra medida acautelatória interessante é a prevista no art. 679 do CPC, em que se exige o seguro obrigatório do navio ou aeronave penhorados, para que possa o juiz liberar a navegação ou operação de tais bens, independente da penhora.


Em suma tais medidas podem ser deferidas pelo magistrado sem a necessidade da distribuição de uma ação acessória cautelar, incidental ou preparatória, bastando para tanto mero requerimento no processo principal, são as chamadas, equivocadamente, de medidas cautelares satisfativas.


4.4.1 Medida de arresto.


Inicialmente cumpre a diferenciação do arresto previsto no art. 653 e do 654 do CPC, no próprio processo de execução e o arresto previsto no art. 813 do CPC, procedimento cautelar específico. O primeiro é chamado por alguns de pré-penhora e ocorre no processo de execução quando o oficial não encontra o devedor, mas encontra seus bens. A doutrina apresenta divergência quanto à natureza desse arresto. Para Ovídio Baptista[36], Sérgio Seiji Shimura[37] e Celso Neves[38] o arresto previsto no art. 653 é medida executiva e não cautelar, já que se trata de antecipação de penhora, que ocorre na ação executiva em curso, sendo, neste, medida satisfativa.


De outra banda, outra parte da doutrina, como Humberto Theodoro Júnior[39] entende que o arresto do art. 653 é um procedimento cautelar. Galeno Lacerda nos traz uma idéia singular que merece ser transcrita in verbis:


A rigor, analisando a espécie do art. 653 com profundidade e minudência, ver-se-á que estamos em presença de figura mista, simultaneamente cautelar e executiva; cautelar, enquanto evita que a eventual má-fé do devedor no fugir à citação prejudique ou ameace a segurança da realização do direito do credor; executiva, porque, no mandado judicial, já se contém a ordem de conversão do arresto em penhora, o que dá à medida o caráter também de pré-constituição executiva.[40]


O arresto do art. 813 do CPC é realizado através de ação autônoma cautelar distribuída anteriormente ou incidentalmente, ao processo de conhecimento ou ao de execução visando assegurar a execução de crédito em dinheiro. Nos filiamos a corrente que entende ser o arresto do art. 653 do CPC, uma pré-penhora do processo de execução e não uma medida acautelatória. De outro modo, o arresto previsto no livro das cautelares é possível no processo de execução, porém de forma acessória ao processo de execução e tramitando de forma apartada, sendo diferente das medidas acautelatórias previstas no art. 615, III do CPC.


4.4.2. Medida de seqüestro.


Analogicamente ao que foi dito no arresto se aplica também ao seqüestro. Para Júlio Cesar Rodrigues, no entanto, “é cediço que o credor poderá pleitear a medida de seqüestro como providência acautelatória (art. 615, III) do seu direito”.[41] Outra vez entendemos que existindo medida específica que é ação cautelar própria, não caberá seu requerimento como incidente dentro do processo de execução com fundamento no art. 615, III do CPC.


Na mesma esteira, a respeito do arresto e do seqüestro medidas tipicamente cautelares, Araken de Assis:


Atendidos seus respectivos pressupostos, tais ações cautelares se mostram admissíveis, em caráter preparatório ou incidente ao processo executivo. Aliás, o arresto possui a função precípua de assegurar a execução de crédito em dinheiro, mediante expropriação; e o seqüestro a execução para entrega de coisa, através de desapossamento. Representaria absurdo excluir sua admissibilidade, ou localizar seu fundamento no art. 615, III.[42]


A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já se manifestou no sentido de que se configura má técnica processual a cumulação de medida cautelar de arresto com ação de execução de quantia certa, uma vez verificado que o demandante dispõe de cautelar típica, senão vejamos:


PROCESSUAL CIVIL. EXECUCAO CUMULADA COM CAUTELAR DE ARRESTO. IMPOSSIBILIDADE. NAO SE REVELA ADEQUADA A CUMULACAO DE EXECUCAO COM MEDIDA CAUTELAR DE ARRESTO NUM MESMO PROCESSO, POIS ACARRETA DIFICULDADES PARA A DEFESA DO EXECUTADO E PARA O PROCEDIMENTO EXECUTIVO. TENDO O EXEQUENTE MEDIDA CAUTELAR TIPICA, O ARTIGO 615, III, DO CPC NAO A SUBSTITUI. DOUTRINA DE ARAKEN DE ASSIS. AGRAVO PROVIDO.[43]


5. Conclusão.


Ao final do presente trabalho pudemos aprofundar nosso estudo e perquirir a intenção do legislador ao redigir o art. 615, III, do CPC. Resta comprovado que as medidas possíveis de serem deferidas, colimadas no art. 615, III, do CPC, são aquelas ditas satisfativas. Há ainda quem diga que as medidas têm natureza administrativa e incidente no processo em andamento.


O fato é que se utilizando analogicamente da explanação de Márcio Carpena, acerca dos limites ao poder geral de cautela, chegamos à conclusão de que uma vez posto a disposição do credor uma típica ação cautelar, esse terá que utilizá-la, não podendo cumular a sua execução ao pedido cautelar típico fundamentando-se no art.615, III, do CPC. Corroborando com esse pensamento, Araken de Assis, nos ensina que independente da disciplina própria das ações cautelares, concebem-se outras medidas, cautelares satisfativas, no curso do processo executivo e são essas medidas que o dispositivo autoriza.


Em que pese forte corrente no sentido de que o juiz poderá deferir de ofício medidas acautelatórias, analisamos o disposto no art. 615, III do CPC, em analogia com a redação dada pelo legislador no art. 273 da tutela antecipada, na qual é necessário o requerimento do autor, aqui encontramos a necessidade do requerimento pelo credor. Por fim as medidas acautelatórias dispostas no art. 615, III do CPC, são simples incidentes do processo de execução, tanto é verdade, que são processadas nos próprios autos da ação principal, tal como ocorre com a tutela antecipada, podendo ser atacado por agravo de instrumento.


 


Referências bibliográficas.


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13.  _________________________. Curso de Processo Civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. vol. 2, 5ª ed., rev., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.


14.SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do Processo cautelar. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999.


15. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 31ª ed. v. II, Rio de Janeiro: Forense, 2001.


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17.WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 1, São Paulo: Rev. dos Tribunais, 1998.


18. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela., São Paulo: Ed. Saraiva, 1997.




Notas:


[1] LIEBMAN, Enrico Tulio. Processo de execução., 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1968, p. 37.




[2] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela., São Paulo: Ed. Saraiva, 1997, p. 8.




[3] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 20ª Ed., 2, Malheiros Editores, São Paulo , 2004, p. 312.




[4] LIEBMAN, Enrico Tullio, Processo de execução. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1946, p. 41.




[5] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. vol. 2, 5ª ed., rev., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002., p. 29.




[6] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, op. cit, p. 313.




[7] LIEBMAN, Enrico Tullio, Processo de execução. op. cit. , p. 18.




[8] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, Curso de Processo Civil, op. cit., p. 29.




[9] REIS, José Alberto dos. Processo de execução. vol I, São Paulo: Forense, 1957, p. 23.




[10] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 1, São Paulo: Rev. dos Tribunais, 1998. p.109.




[11] CARPENA, Márcio Louzada, Do Processo Cautelar Moderno, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 21.




 


[12] SILVA, Ovídio A. Baptista da, Curso de Processo Civil: processo cautelar (tutela de urgência), vol. 3, 3ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 17.




[13] CARPENA, Márcio Louzada, Do Processo Cautelar Moderno, op. cit., p. 21.




[14] CALAMANDREI, Piero, Introdução ao Estudo Sistemático dos Procedimentos Cautelares, tradução: Carla Roberta Andreasi Bassi, Campinas: Servanda, 2000, p. 209.




[15] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, op. cit, p. 317.




[16] CALAMANDREI, Piero, Introdução ao Estudo Sistemático dos Procedimentos Cautelares, op. cit., p. 210.




[17] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, op. cit, p. 318.




[18] CALAMANDREI, Piero, Introdução ao Estudo Sistemático dos Procedimentos Cautelares, op. cit., p. 213.




[19] CARPENA, Márcio Louzada, Do Processo Cautelar Moderno, op. cit., p. 164.




[20] CARPENA, Márcio Louzada, Do Processo Cautelar Moderno, op. cit., p. 180.




[21] RODRIGUES, Júlio Cezar Souza. Medidas acautelatórias no processo de execução. São Paulo: Saraiva, 2002, p.64.




[22] RODRIGUES, Júlio Cezar Souza. Medidas acautelatórias no processo de execução. op. cit., p.64.




[23] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 31ª ed. v. II, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 129.




[24] CARPENA, Márcio Louzada, Do Processo Cautelar Moderno, op. cit., p. 180.




[25] ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de Processo Civil, vol.VI: arts. 566 a 645. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.353.




[26] LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. v. III, t. I. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 41.




[27] TJ/RS, 11ª Décima Primeira Câmara Cível: (AI nº 70004798724 – Rel. Des. Voltaire de Lima Moraes – julgado em 18/12/2002).




[28] LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. op. cit., p. 210.




[29] RODRIGUES, Júlio Cesar Souza. Medidas acautelatórias no processo de execução. op. cit., p.75.




[30] ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de processo civil. op. cit., p.353.




[31] ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de processo civil. op. cit., p.353.




 


[32] RODRIGUES, Júlio Cezar Souza. Medidas acautelatórias no processo de execução. op. cit., p.87.




[33] RODRIGUES, Júlio Cezar Souza. Medidas acautelatórias no processo de execução. op. cit., p.130.




[34] ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de processo civil. op. cit., p.353.




[35] RODRIGUES, Júlio Cezar Souza. Medidas acautelatórias no processo de execução. op. cit., p.110.




[36] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do Processo cautelar. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 59.




[37] SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto cautelar. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 149.




[38] NEVES, Celso. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. VII, 7ª ed., Rio Janeiro: Forense, 1999, p. 41.




[39] THEODORO JÚNIOR. Humberto. Processo de execução. 18ª ed. São Paulo: Leud. 1997, p. 306.




[40] LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. op. cit., p. 84.




[41] RODRIGUES, Júlio Cesar Souza. Medidas acautelatórias no processo de execução. op. cit., p. 103.




[42] ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p.352.




[43] TJ/RS, 5ª Quinta Câmara Cível: (AI nº 598140820 – Rel. Des. Carlos Alberto Bencke – julgado em 03/09/1998).


 




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Leandro Antonio Pamplona


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