RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir alguns aspectos relativos ao Direito Empresarial. Em especial, busca-se contemplar em que medida as alterações promovidas pelo Código Civil de 2002, revelam a possibilidade do reconhecimento da unificação das Obrigações Civis e Comerciais. Desse modo, investigam-se as alterações promovidas no antigo Direito Comercial. Tal codificação revogou os primeiros quatrocentos e cinqüenta e seis artigos do Código Comercial, que ainda estavam em vigor até a promulgação da nova regra civil. Mais do que mera atualização, as novas disposições civilistas ampliam o escopo das obrigações. É contemplada, portanto, questão da unificação formal e a possibilidade de uma real unificação, relativamente ao reconhecimento das similitudes dos conteúdos das Obrigações Civis e Comerciais.[1]
Palavras-chave: Direito Empresarial, Atos de Comércio, Unificação, Obrigações.
Abstract: The purpose of this paper is the discussion about some aspects of the Commercial Code. In particular, it is necessary understand the extent of the changes that were introduced by the 2002’s Civil Code. This law shows the possibility of recognizing the unification of civil and commercial obligations. Thus, this paper also focuses the changes on the old Commercial Law. The Civil Code abrogated the first four hundred fifty-six articles of the 1850’s Commercial Code. They were valid until the promulgation of the new Civil Code. More than just an update, the new provisions of Civil Code broadened the scope of the Commercial Obligations. It is contemplated the contraposition of a formal unification and the possibility of a real unification, considering the recognition of similarities of the contents of all Civil and Commercial Obligations.
Keywords: Commerce Law, Commerce transactions, Unification, Obligations.
Sumário: 1. Introdução; 2. Comércio e Satisfação de Necessidades; 3. Da Teoria dos Atos de Comércio à Teoria da Empresa; 4. Obrigações Cíveis e Comerciais no Direito Brasileiro; 5. Questões Controversas sobre a Unificação; 6. Considerações Finais; 7. Referências
1. INTRODUÇÃO
A rotina moderna e as transformações sociais têm exigido um direito com uma atuação mais célere. A dinâmica do Direito, considerando-se a produção de leis funciona aquém das necessidades sociais. E isso é especialmente verdadeiro, em se tratando do caso do Direito Empresarial. Um exemplo é a mudança de nomenclatura do antigo Direito Comercial, para o atual Direito Empresarial, demonstrando uma distinção significativa de elementos-chave.
De um lado, no que se refere às Obrigações Civis, há princípios que não admitem maleabilidade em sua aplicação. De outro, alguns institutos são mutáveis, admitindo algumas variações interpretativas. E é isso que garante a possibilidade de adaptação do Direito ao caso concreto. O que não quer dizer, porém, que não haja contradições entre a vontade do legislador e o texto da lei.
O objetivo do presente artigo é analisar a relação entre o atual Direito Empresarial e o Direito Civil. Para tanto, impende reconhecer os movimentos de unificação destes, por intermádio do regramento civilista. Estuda-se também a formação dos contratos civis e comerciais, tendo por norte as diferenças entre estes. Por último, trata-se das Obrigações Civis e Comercias, relevando-se o que as difere e os motivos que levam parte da doutrina a afirmar que estas foram unificadas.
Inicialmente, porém, realiza-se uma discussão acerca da satisfação de necessidades. Isso é um elemento relevante para a discussão acerca da modificação de sentido do Direito Comercial e sua transformação em Direito Empresarial. Porém, normalmente, deixa-se de discuti-la com o apuro necessário.
2. COMÉRCIO E SATISFAÇÃO DE NECESSIDADES
Antes da discussão proposta, deve-se referir que é intrínseca ao ser humano a satisfação de suas necessidades. Nesse sentido, sábias são as observações de Maslow, segundo Chiavenato (1994). Este formulou uma teoria comportamental que postula que a busca pela satisfação das necessidades ocorre, primeiro, acerca daquelas de nível mais inferior, que possuem o caráter físico. Depois, o ser humano busca saciar as suas necessidades de nível superior, sendo estas consideradas em função do seu caráter intelectual.
Marx (2000) busca no processo histórico o fundamento das relações sociais, considerando-se o controle das posições dos indivíduos em relação às estruturas de poder. Para tal autor, a história é entendida como um complexo de lutas entre os elementos sociais (classes), que disputam o poder no âmbito de relações de conflito. Não se trata de uma luta exclusiva pela satisfação suas necessidades, propriamente ditas. Para Marx, a luta de classes se refere ao controle dos Meios de Produção. É por meio deles que se determina a quais produtos serão produzidos e, por conseguinte, se determina quais necessidades serão satisfeitas.
Levando em consideração essa tendência, porém focalizando elementos distintos, situa-se Schumpeter (1961). Para esse economista, o universo de ação do indivíduo é pautado levando-se em consideração a administração de vontades, sejam estas consideradas como pessoais (individuais) ou coletivas. Segundo esse autor, é dentro de cada estrato social que atua a administração de vontades. E ela se processa à medida que cada um dos indivíduos consegue efetivamente atingir os seus objetivos.
Observa o autor que é dentro de cada estrato social, que as famílias se organizam em funções, incorporando ações que são consideradas relevantes no mundo do trabalho. E isso define o status dos seus membros, bem como o status que a família irá adquirir, em determinada sociedade. Deve-se ressaltar que a luta (física ou teórica) pela conquista de funções importantes/essenciais para a sociedade, é a constante nas atividades desenvolvidas. E é isso que determina a busca pelo poder.
Como se pode perceber, tal questão difere radicalmente do sentido adotado pela teoria marxista, na qual o papel de cada estrato social, que são interpretados enquanto classes sociais que possuem caráter fixo. Até mesmo porque, considerando-se o controle dos Meios de Produção, os papeis de cada classe são fixos. Ao contrário, a administração dos conhecimentos dominados, bem como a situação (econômica) familiar e suas alianças (casamentos) são os elementos com os quais se maximiza os ganhos de poder, dentro da estrutura social, como bem elabora Schumpeter.
Porém, deve-se evidenciar que Pareto (1984) acrescenta tese mais controversa. Para esse pensador italiano, a realidade é igualmente um luta. No entanto, o que move o homem é o seu eterno e incompleto desejo pela satisfação. E, pela falta de possibilidade de saciar as necessidades, gera-se a insatisfação. Considerando-se tal perspectiva, a insatisfação age no inconsciente, determinando aquelas necessidades que devem ser satisfeitas. E, nesse sentido, a desestabilização é de tal ordem, que não se observa qualquer possibilidade de hierarquizá-las. É por meio dessa “viagem de satisfação”, que o indivíduo explica seus atos de forma racionalmente válida, de modo a justificar suas ações.
Independentemente da teoria analítica das necessidades humana pela qual se paute, inegável é que o homem desenvolveu seu convívio com o objetivo de satisfazer suas necessidades. É inerente a cada um dos indivíduos a busca pelo conforto e pela possibilidade de alcançar dado bem com o menor esforço possível. Para tanto, desenvolveu-se a noção de troca, o que influenciou na construção da noção de comércio, que orienta toda a economia. A questão se complica não no que se refere às necessidades a serem satisfeitas, mas sim no que concerne aos atos que levarão até a essa satisfação.
O primeiro passo nessa cadeia, porém, envolve a produção desses bens. Partindo-se da noção de controle de insumos, até a confirmação efetiva produção desses bens, o caminho é extenso. Além do mais, toda a cadeia produtiva precisa atender a uma determinada lógica, que privilegia a concepção dos bens e do conforto potencial, a ele associado. Considerando-se a importância desses elementos, os seres humanos buscaram regrar essa espécie de interação. Assim, surgiu o chamado Direito Comercial. Esse elemento é discutido no próximo item.
3. DA TEORIA DOS ATOS DE COMÉRCIO À TEORIA DA EMPRESA
No presente item, busca-se analisar as transformações no modo de ser do Direito Comercial, com o advento do Código Civil de 2002. O foco principal se refere à alteração dos limites teóricos e práticos do diploma legal anterior. Para operacionalizar a discussão proposta, inicia-se com o dimensionamento do status atual do Direito Empresarial. Em especial, busca-se dar conta da sua diferenciação em relação ao tradicional Direito Comercial.
O Código Comercial regulamentava as atividades comerciais no país antes de ser promulgado o Código Civil de 2002. Note-se que tal diploma pertencia a uma legislação desconectada da realidade atual, uma vez que foi criado em 1850, ainda durante o reinado de Dom Pedro II. Prova disso é que ele dispunha a atividade comercial enquanto relação baseada na teoria dos “Atos de Comércio”.
A Teoria dos Atos de Comércio é uma concepção legal utilizada na França, que foi fundada nas aspirações da Revolução Francesa, de 1789. A despeito das particularidades da classificação dos Atos de Comércio, falha em alguns casos, ela fundou o Direito Comercial brasileiro. Segundo a concepção expressa pelo Código Comercial, tal ramo de direito era baseado na realização de uma atividade econômica visando o lucro, advinda da interposição habitual de troca, segundo Führer (2005).
Nesse sentido, cabível é observar a interpretação dada por Waldermar Ferreira. Pautando-se por observações daquele autor, Lippert (2003) expõe que “[…] o ato de comércio distingue-se do ato jurídico de natureza civil pelo seu caráter especial, ou seja, pela mediação entre a produção e o consumo, ‘no seu conceito profundo e eminentemente econômico’ (LIPPERT, 2003, p. 52). Dessa forma, fica evidente que a atividade comercial envolve a intermediação com vistas à aquisição de bens.
Impende ressaltar que configura-se o Ato de Comércio se forem observadas duas condições. De um lado está a prática, com regularidade ou habitualidade, por um indivíduo, no âmbito de sua atividade profissional, dessa intermediação. De outro lado, está a prática da intermediação com a intenção da obtenção de resultado financeiro positivo, ou seja, com o intuito da percepção de um determinado lucro.
No entanto, acerca de tais atos, informa Silva, que
“[…] atos com conteúdo econômico poderiam ser civis ou comerciais. Na verdade a questão não era tão simples, pois a doutrina não conseguia estabelecer exatamente um conceito científico do que seria o ato de comércio, sendo mais fácil admitir que ato de comércio seria uma categoria legislativa, ou seja, ato de comércio seria tudo que o legislador estabelece que teria regime jurídico mercantil”. (SILVA, 2003, p. 01)
Desse modo, como bem reforça Lippert (2003), houve a necessidade de estruturar atos considerados como específicos de comércio. Para suprir essa definição, surgiram duas tipologias. A primeira determinava aqueles atos que eram tipicamente mercantis, de modo exemplificativo. Já a segunda, primava por enumerar os elementos caracterizadores dos Atos de Comércio, segundo o teor legal-burocrático. Porém, essa não era uma classificação fácil de ser realizada, como se observa, especialmente considerando-se as semelhanças entre ambos.
Resta claro que, mesmo antes da promulgação do Código Civil de 2002 havia ampla discussão acerca do funcionamento das obrigações comerciais, bem como acerca da semelhança entre os atos de comércio e os demais atos jurídicos, de conteúdo civil. Isso se deve ao fato de ambos possuírem os mesmos requisitos essenciais. Afinal, em qualquer dos casos, relevante será a preocupação com a capacidade dos agentes e a possibilidade da identificação ou licitude do objeto. Além disso, é necessário que se considerem também as formalidades associadas a cada do ato, para aqueles nos quais a formalidade é da sua essência.
É interessante notar que tal questão é, de todo modo, controversa. Especialmente quando se considera que “[…] compreendeu-se que o negócio jurídico é tão-somente uma oportunidade para a manifestação da autonomia privada (entendida esta como o poder de dispor a respeito de seus interesses nas relações com os outros), como refere Perin Junior (2000, p. 01). Porém, a autonomia não é uma questão definitiva, no momento atual, especialmente quando se releva o papel da função social.
Essa percepção reforça uma diferenciação objetiva, entre o Negócio Jurídico e o Ato de Comércio. No primeiro caso, a função social é mais relevante, uma vez que ela é o motor da vontade dos agentes. No segundo caso, há uma ligação lógica entre a produção e o consumo, que deve ser respeitada. E isso faz com que o Ato de Comércio tenha um sentido muito mais de atendimento à vontade dos agentes, do que o Negócio Jurídico civil.
Reforce-se que a adoção de uma definição “genérica”, determinada por intermédio de um conceito abrangente representa uma complicação para a busca da Segurança Jurídica. Relevância ainda maior tem uma definição mais precisa, uma vez que se considera que as atividades econômicas são relevantes não apenas na produção de riquezas, mas sobremaneira enquanto motores do desenvolvimento do país e de sua indústria. Trata-se de uma questão delicada, uma vez que mesmo se baseando na Teoria dos Atos de Comércio, o Código Comercial não buscou definir o seu significado.
Porém, essa questão não passou a descoberto. Isso ocorre à medida que o Regulamento 737, também de 1850, buscou realizar uma determinação legal enumerativa, por meio do seu art. 19, do significado desse termo. Não se escapa, porém, do paradoxo de o Código Comercial ao adotar aquela teoria, sem definir os atos, mesmo que de modo geral, enquanto o referido regulamento estipula um rol estrito, definindo com precisão o caráter de tais atos.
Tal questão foi resolvida pelo Código Civil de 2002, para Schuch (2005). Segundo o autor, houve uma ampliação teórica dos conceitos, quando da mudança do Direito Comercial para o Direito Empresarial. Além disso,
“Trata-se, sem sombra de dúvidas, da unificação codificada do Direito das Obrigações, incluindo em seu âmbito o que se classifica comumente como obrigações civis e comerciais. A unificação das obrigações pressupõe, necessariamente, o trato conjunto dos agentes profissionais que as desenvolvem. Assim, com base num conceito comum às atividades civis e comerciais, qual seja, o de atividade econômica, superou-se a dicotomia sob a figura da empresa e do empresário, regulando-se a ‘Atividade Negocial’ em si”. (SCHUCH, 2005, p. 01)
Para o autor, há uma intenção clara, no âmbito da legislação cível atual, no que se refere à unificação das Obrigações Cíveis e Comerciais. Porém, essa não é uma postura de todo clara, uma vez que há elementos que comprovariam um intuito contrário. Assim sendo, impende ressaltar o caráter dessas modificações estruturais, que foram propostas pelo Código Civil de 2002, com vistas à possibilidade de unificação dessas obrigações. Esse é o foco do próximo item do artigo.
4. OBRIGAÇÕES CÍVEIS E COMERCIAIS NO DIREITO BRASILEIRO
O Código Comercial, vigente no Brasil até 2002, era “filho” de sua época, como visto. E, nesse sentido, era eivado da lógica e do paradigma vigente durante a sua criação. Isso determinava seus problemas e benesses. Considerando-se a evolução da sociedade, não poderia tal diploma, sem a sua necessária revisão, abarcar os elementos que passaram a figurar em termos econômicos, no mundo.
Reale (2003) destaca que a falta de compatibilidade entre as regras contidas no Código Comercial era evidente. Desse modo, pontua que
“A indústria e o poderoso ramo dos serviços tornaram indispensável levar em consideração o conceito de empresa, para estabelecer a unidade das obrigações civis e comerciais que já se tornara uma realidade no Brasil em virtude do obsoletismo do Código Comercial de 1850. Os juristas não faziam mais referência ao Código de 1850 mas em matéria de Direito Obrigacional tinham presente especificamente o Código Civil”. (REALE, 2003, p. 01)
A principal inovação implementada quando da promulgação do Código Civil de 2002, foi a mudança de foco da determinação da atividade comercial. Graças a essa situação, abandonou-se a Teoria dos Atos de Comércio, por força da adoção da Teoria da Empresa. Isso fica evidente à medida que a novel legislação, em seu art. 996 expõe que é “[…] empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2011, p. 235).
Ao mesmo tempo, percebe-se a visão de Cottcky, sobre o tema. Analisando-se essa modificação, o autor informa que
“Do ponto de vista jurídico, comerciante passou a ser gênero, com muitas espécies. O direito econômico não reconhece a diferença entre a produção agrária e a de outros setores. Defende a idéia de que o comerciante está num conceito adequado à realidade econômica e que o comerciante é apenas um setor do empresariado, da mesma forma que existem outros setores”. (COTTCKY apud PIMENTEL, 2000, p. 01).
E isso se torna relevante, à medida que o próprio sentido do Direito Comercial é alterado. Em seu lugar, surge o Direito Empresarial. A postura delimitada no âmbito do Código Civil de 2002, que define o conceito de empresário, supera alguns dos problemas existentes na legislação anterior. Graças a tal percepção, “[…] o comércio passou a representar apenas uma das várias atividades reguladas por um Direito mais amplo, o Direito Empresarial, que abrange o exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços.” (FUHRER, 2005, p. 17)
E essa é uma questão relevante. Não se trata de mera alteração formal, como bem refere Souza (2006). Segundo esse autor, trata-se de uma revisão do próprio modelo atitudinal, em relação a tal ramo do Direito. Analisando-se a questão, tem-se que
“De um modelo individualista, solidamente alicerçado nos velhos dogmas do Estado Liberal, que transformava os princípios da autonomia da vontade e da imutabilidade dos contratos em valores quase absolutos, passamos agora para um sistema profundamente comprometido com a função social do direito, e preocupado com a construção da dignidade do homem e de uma sociedade mais justa e igualitária”. (SOUZA, 2006, p. 01)
Tal posicionamento reflete uma intenção de proteger as transações econômicas contra abusos na estipulação de cláusulas contratuais. A Lei 8.078/90, o chamado “Código de Defesa do Consumidor”, que se encontra recepcionado pelo novo diploma, já havia similar proteção. Corrobora-se assim, uma visão protecionista do elo mais fraco da cadeia de consumo, baseada no ideal da Responsabilidade Civil.
Foi relevantíssima a substituição da teoria da boa-fé subjetiva pela boa-fé objetiva. Essa previsão não apenas ressaltou a importância de um comportamento ético nas relações contratuais. Ela acabou priorizando tal conteúdo também no âmbito dos contratos. E, nesse sentido, viabilizou o estabelecimento de relações que, se não são igualitárias entre as partes, no momento, pelo menos caminham em tal direção.
Passou-se de uma postura de mera aceitação das intenções individuais, para um suporte moral mais socializado. O modelo adotado pelo Código Comercial apenas adaptava, de modo errôneo,
“Os belos ideais da Revolução Francesa, principalmente a igualdade e a fraternidade, foram incorporados ao discurso jurídico e fundamentaram dois importantíssimos princípios da teoria clássica dos contratos: a igualdade formal das partes contratantes e a liberdade de contratar (incluindo aí a liberdade contratual)” (BORGES, 2005, p. 01).
Isso possibilitou o avanço do capitalismo, tendo-se por base um processo contínuo de exploração. Porém, a estruturação dos mercados e a percepção liberal acabaram evoluindo, com o passar do tempo. Assim, saiu-se de uma posição confortável, adotada no âmbito de uma Europa liberal, postada no esforço do Welfare State (Estado do Bem-Estar Social) e da igualdade formal, segundo Giddens (1999), para uma fase de reconhecimento de diferenças sociais. Essa é uma nova realidade calcada no paradigma social-democrata. Ela encontra inspiração nas idéias de John Stuart Mill.
Passou-se ao império do convívio harmonioso. O objetivo maior do contrato é a preservação dos interesses coletivos. De um lado, pelas imposições limitantes dos elementos estatais. De outro, pelo advento da função social do contrato, cláusula já prevista constitucionalmente e que teve seu escopo reforçado pelo Código Civil.
O Código Civil de 2002 também resolveu a definição das empresas prestadoras de serviço. Desde há muito tempo, como reflete Pimentel,
“As sociedades prestadoras de serviços apresentam características que as podem mostrar aparentemente como sociedades civis, o que não é absolutamente verdadeiro e pode levar a conclusões equivocadas.
É generalizada em diversos meios a idéia de que a prestação de serviços corresponde invariavelmente ao campo do Direito Civil. Nada mais errado, pois, já que desde épocas remotas, algumas atividades dessa natureza foram consideradas mercantis, como é o caso das empresas de transporte, que desde o Regulamento nº 737, de 1850, passando pelo Código Comercial, são consideradas empresas comerciais”. (PIMENTEL, 2000, p. 01)
Ao expandir as possibilidades lógicas e jurídicas e definindo conceitos dúbios do Código Comercial, o Código Civil permitiu a expansão do âmbito das proposições relativas àquele ramo do Direito. Ao deixar de lado a Teoria dos Atos de Comércio e adotando a Teoria da Empresa, o Código Civil permitiu ao Direito Comercial sua evolução, transformando-o em Direito Empresarial. Um ramo que possui um escopo bem mais abrangente.
No entanto, essas alterações geraram uma discussão doutrinária que não demonstra uma possibilidade de consenso. Isso fica evidente à medida que se pode perceber que não houve modificações reais, quando ocorreu a implementação dessas mudanças legais. Segundo essa percepção, o que houve foram apenas “atualizações”, que não foram de todo felizes. Tal questão é explorada no próximo item.
5. QUESTÕES CONTROVERSAS SOBRE UMA UNIFICAÇÃO
Seguindo a discussão proposta, percebe-se que, com o Código Civil de 2002 houve a superação de alguns problemas referentes ao Direito Comercial. Além disso, deve-se ressaltar que tal codificação uniu elementos das Obrigações Civis e Comerciais. Porém, é preciso ficar claro que essa unificação é questionável. Especialmente considerando-se que o Direito Comercial moveu sua codificação de movo diverso daquele experimentado pelo Direito Civil, como visto.
Além disso, há uma tendência, ao nível mundial, pela busca por uma especialização legislativa. Nesse sentido, em diversos países da família Romano-Germânica há diplomas especializados de Direito. Desse modo, Itália e Alemanha apresentam regras específicas para doutrinar os acordos de vontade de cunho comercial/empresarial. Até mesmo porque as negociações nesse âmbito possuem uma lógica própria, como visto, embora resguardem semelhanças estruturais ao negócio civil.
Além disso, o regramento civil atualmente vigente, na realidade, se comporta como uma tentativa de estabilização e adaptação do diploma civilista anterior. Nesse sentido são as palavras de Miguel Reale. Para esse autor, em se tratando das regras do Direito Civil,
“[…] não iríamos substituir afoitamente o Código Civil de 1916, que vigorou 85 anos. Esse Código, apesar de ter sido superado em vários pontos, quer em razão do progresso social, quer em razão do advento de novas formas de tecnologia e de visão científica do Direito, é das mais altas realizações do pensamento jurídico universal.” (REALE, 2003)
Considerando-se essa perspectiva, pode-se perceber que o principal objetivo dessa estabilização foi a Segurança Jurídica. Ela deve ser entendida como um elemento de dupla natureza. Essa é a proposição de Couto e Silva, para quem há
“[…] um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos”. (COUTO E SILVA, 2005, p. 27-28)
Essa é uma garantia de estabilização e securitização da confiança no sistema de normas, à medida que, consta do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição, que “XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2011, p. 11). Principalmente considerando-se que ela “[…] concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimento e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação” (COUTO E SILVA, 2005, p. 28). Logo, o objetivo de estabilização, quando da alteração das regras civilistas, não apresenta uma lógica deslocada.
O próprio Reale (2003) vai ressaltar que chegou a ser montada uma comissão destinada a avaliar a questão do Direito das Obrigações, “Mas esse plano não logrou êxito porquanto houve uma reação na elite jurídica nacional contra a idéia de qualquer desmembramento da legislação civil. […] Esta tomada de posição não correspondia às aspirações jurídicas nacionais, razão pela qual não teve êxito.” (REALE, 2003)
Assim, essa “maquiagem” na legislação serviu para adaptar e tornar mais segura a confirmação que já vinha sendo experimentada por conta das transformações jurisprudenciais das décadas passadas, no que se refere ao Direito Civil. É de se supor, porém, que o mesmo aconteceria com a parte relativa ao Código Comercial, ora incorporado.
Uma dessas adaptações incorporadas foi o conceito de empresário, expresso no Código Civil, o que já foi mencionado nas páginas anteriores. Acerca desse tema, afirma Nerilo (2002) que a
“[…] palavra empresa tem o significado de empreendimento, aquilo que se empreende; Porém, para a economia essa palavra assume uma conceituação mais complexa, designando a organização econômica destinada a produção ou venda de mercadorias ou serviços, tendo em geral como objetivo o lucro”. (NERILO, 2002)
No entanto, ao focalizar a questão no empresário, a legislação se exime de classificar ou denominar o que é uma empresa. Em somatório, deve-se identificar que boa parte de tal “unificação”, salvo aqueles elementos já comentados nas páginas anteriores, é apenas uma “costura reforçada” dos elementos legais prévios. Nas palavras de Perin Junior, trata-se da mera tentativa de agrupar os conteúdos, por meio da
“[…] justaposição formal da matéria civil ao lado da matéria comercial, regulada num mesmo diploma. Ratifica-se que se constitui em simples unificação formal. Isso, na verdade, nada diz de científico e de lógico, pois como se disse anteriormente, o Direito Comercial, como disciplina autônoma, não desaparecerá com a codificação, pois nela apenas se integra formalmente”. (PERIN JUNIOR, 2000, p. 01)
Corrobora com o entendimento de tratar-se de uma “união artificial” a exposição realizada por Requião, para quem “[…] o artificialismo do critério de unificação formal adotado, criou no Projeto a preocupação de prescrever o adjetivo ‘comercial’ ou ‘mercantil’. Essas expressões são tabus[…]” (REQUIÃO apud PERIN JUNIOR, 2000, p. 01). Dessa forma, apesar da união física das duas matérias no mesmo texto, estas permanecem ideologicamente separadas.
Isso fica particularmente evidente quando se percebe que as Obrigações Civis e as Obrigações Comerciais pertencem a livros distintos, mas que foram postados, para efeitos formais, dentro de uma mesma codificação. Trata-se de uma unificação bastante conveniente, e realizada em termos físicos, apenas. Porém, ela não busca reconstituir as matérias de modo teórico, observando suas essências comuns.
No entanto, deve-se reforçar que, como bem reforça Perin Junior, com vista a atender às mudanças, deve-se optar pela elaboração de códigos específicos. A formulação de codificações unificadoras destoa do padrão dominante no mundo atual. Códigos gerais eram cabíveis antigamente. E,
“[…] se assim foi outrora, os tempos modernos não só ditam como impõe a fragmentação legislativa. A codificação foi um ideal de síntese, bem própria do idealismo do século passado, compatível com uma sociedade aparentemente estática e imóvel, de que foi Stuart Mill um dos mais convencidos enunciadores”. (PERIN JUNIOR, 2000)
Em um mundo em constante transformação, legislações gerais representam um problema. É necessário que a legislação tenha como foco uma determinada situação-problema, que permita abarcar os movimentos e alterações sociais hoje comuns, como a internet e o direito internacional. Uma perspectiva que atinja as instituições jurídicas todos os dias, confrontando a letra posta da regra em uma realidade mutante.
A manutenção de uma postura de “estabilização de regras gerais” afasta os conflitos de uma solução. Especialmente à medida que o julgador se utiliza de elementos como a analogia ou o direito dos tratados em sua decisão. Em um mundo integrado por normas, como o atual, o julgador se torna um pouco legislador.
E, nesse sentido, é ele que unifica e integra as legislações existentes. Dessa forma, a lei vai sendo adaptada ao caso concreto, conforme a necessidade da resolução do conflito da melhor maneira possível. E essa perspectiva precisa ser apreendida pelo legislador, se este busca manter na lei o padrão de fixidez comportamental. Afinal, esse é o caráter do direito constituído em um país de matriz Romano-Germânica. Caso contrário, estará entregando a função de legisla ao julgador, o que fere a tradição de um organismo estatal pautado no princípio da Separação dos Poderes.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer do presente artigo foram apresentadas considerações em relação à possibilidade do reconhecimento da unificação de Obrigações Cíveis e Comerciais, no âmbito do Código Civil. Observa-se que na atualidade, foi superada a Teoria dos Atos de Comércio, em benefício da Teoria da Empresa. Nesse sentido, as relações comerciais só diferem das relações cíveis, tendo-se em vista o seu conteúdo finalístico.
Notável é que, o Código Civil de 2002, ao definir em que se constitui o empresário, supera alguns dos problemas existentes anteriormente. E, nesse sentido, cria a possibilidade do reconhecimento das similaridades e da possibilidade de um tratamento idêntico às Obrigações Civis e Comerciais. Porém, por meio de uma análise mais apurada, pode-se atentar que a codificação atual representa uma revolução, ao unir esses elementos do Direito. Porém, não unifica efetivamente os seus conteúdos, no aspecto ideológico.
Neste ponto, percebe-se que o Código Civil buscou manter a estruturação presente na regra anterior, apenas “maquiando-a”, inserindo no corpo do seu texto as transformações jurisprudenciais de décadas passadas. Além disso, fica claro que, apesar da existência de uma união em termos de comporem uma mesma codificação, essas matérias ainda permanecem teoricamente isoladas. Isso ocorre, pois pertencem a livros distintos, apenas colocados para efeitos formais dentro do mesmo regramento. Tal unificação, se é que realmente pode assim ser chamada, não tem por escopo a elaboração de um padrão. Visa, antes, apenas a colocação de toda a legislação em um mesmo lugar.
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com o trabalho intitulado “O Caráter da Súmula Vinculante no Contexto da Reforma Institucional do Poder Judiciário Brasileiro”; bacharel em Administração, Ciências Sociais e licenciado em Sociologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA); Advogado
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