Resumo: No presente artigo, vamos tratar da análise constitucional do Projeto de Lei da Câmara Federal n° 122/2006, de autoria da Deputada Iara Bernardi do Partido dos Trabalhadores pelo estado de São Paulo. Tal projeto tem causado polêmica, pois visa alterar a Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dá nova redação ao § 3° do art. 140 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, e dá outras providências. Tais alterações, caso aprovadas, irão contribuir de modo positivo para os anseios dos grupos homossexuais e afins, de modo a colidirem diretamente com preceitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
1- Introdução
O presente estudo tem por objetivo efetuar a análise constitucional do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n° 122, de 2006, doravante denominado PL 122/2006.
Para o desenvolvimento de um tema tão polêmico e, ao mesmo tempo, apaixonante, é imprescindível voltarmos às bases do ordenamento jurídico pátrio, onde podemos verificar seus parâmetros, dentre eles a hierarquia de normas, sem a qual pereceria a nossa segurança jurídica.
“[…] o Direito não é norma, mas um conjunto coordenado de normas, sendo evidente que uma norma jurídica não se encontra jamais só, mas está ligada a outras normas com as quais forma um sistema normativo” (BOBBIO, 1999, 21).
Desta feita, qualquer obra legislativa que venha entrar em rota de colisão direta com o sistema normativo posto deve ser declarada desconforme com esse próprio sistema, ainda que sejam observados com o devido rigor todos os critérios em sua confecção.
“Hierarquia, para o Direito, é a circunstância de uma norma encontrar sua nascente, sua fonte geradora, seu ser, seu engate lógico, seu fundamento de validade numa norma superior. A lei é hierarquicamente inferior à Constituição porque encontra nesta seu fundamento de validade. Aliás, podemos falar nesse instrumento chamado lei, porque a Constituição o cria. Tanto isto é verdade que o Supremo Tribunal Federal, ao declarar que uma lei é inconstitucional está dizendo: “aquilo que todos pensaram que era lei, não era”, dado que lei é instrumento criado pelo Texto Constitucional. Pois bem, se a hierarquia assim se conceitua é preciso indagar: lei ordinária, por acaso encontra seu fundamento de validade, seu engate lógico, sua razão de ser, sua fonte geradora na lei complementar? Absolutamente não!” (TEMER, 1987, p. 162).
No nosso caso, a Constituição serve de parâmetro insuperável diante de outras leis e instrumentos normativos e, por conseguinte, ocupa o lugar primeiro na hierarquia das normas, devendo ser respeitada para a manutenção da segurança jurídica nacional, pois ela é o porto seguro para todos os que entram em sua órbita de alcance e proteção.
Até porque, como já fora dito antes, quando nos referimos ao sistema jurídico pátrio, é comum designarmos de ordenamento jurídico e, é importante ressaltar que não há como se admitir em ordenamento jurídico sem pluralidade de leis.
Para que haja uma convivência harmônica no universo plural das leis é preciso que seja estabelecido uma cadeia de comando, pois sem isso não poderia haver, de fato, um ordenamento, pois todas as normas teriam, talvez, o mesmo grau de importância, com isso, a resolução dos conflitos de normas seria impossível.
Uma lei que entra é promulgada sem a observância da Lei Maior assemelha-se ao natimorto, pois carecerá de validade e eficácia, ainda que seja assim declarada por força de controle de constitucionalidade repressivo, como é o jurisdicional e, por seu turno, a posteriori, ou seja, a supremacia da Constituição é a própria condição de validade para todas as outras normas.
Evidentemente que em benefício da nação, muito melhor seria que tal controle fosse feito com mais rigor pelo próprio legislativo, ou seja, antes da possível entrada da futura lei na órbita normativa, pois incumbe ao próprio legislador a tarefa de analisar criteriosamente os projetos de lei em tramitação com base na Constituição e, para essa tarefa, estão designadas as diversas Comissões de Constituição e Justiça nas mais diversas esferas legislativas.
Tal como na vida militar, a hierarquia no sistema normativo disciplina todas as relações entre os diferentes tipos de normas, assegurando o pleno respeito à “cadeia de comando” no âmbito das relações entre leis, eliminando, quer pelo controle preventivo, quer pelo controle repressivo, toda e qualquer norma que se “rebele” contra o sistema posto.
2 – Projeto de Lei 122/2006 e a Constituição de 1988
“Art. 1° Esta lei altera a Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.” (BRASIL, Senado Federal, 2010)
O mencionado Projeto de Lei 122/2006 tramita com a intenção de alterar a Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dá nova redação ao § 3° do art. 140 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, e dá outras providências.
Substancialmente, insere nas citadas leis os termos “orientação sexual e identidade de gênero”.
Mas o que vem a ser orientação sexual? É comum a visualização desse termo a partir dos sentimentos e preferências de uma pessoa em relação a outra – sexualmente falando – com isso, se autodeterminar de acordo com tal sentimento. Já a identidade de gênero é o conceito que a pessoa faz de si como masculino ou feminino, não obrigatoriamente coincidente com o formato anatômico natural (macho ou fêmea).
A nossa análise vai confrontar alguns artigos do PL 122 com a CF/1988, pois nem todos, ao nosso ver entram em rota de colidência com a Lei Maior, principalmente quando postos frente a alguns paradigmas religiosos cristãos legítimos – sob o ponto de vista dos cristãos.
Antes de qualquer coisa, é importante ressaltar que não se trata de preconceito contra qualquer grupo, mas uma preocupação com possíveis distorções que podem trazer insegurança jurídica ao país.
Além disso, nossa preocupação é que se tal Projeto de Lei se tornar lei poderá entrar em conflito com o que a Constituição denomina Garantias e Direitos Fundamentais, os quais são vistos sob a seguinte ótica:
“[…] Os direitos fundamentais participam da essência do Estado de Direito democrático, operando como limite do poder e como diretriz para a sua ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influam sobre todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para a ação de todos os poderes constituídos”. (MENDES, COELHO, BRANCO, 2010. P.343).
É certo que o Estado deve proteger tais minorias, mas há valores sociais, como questões que envolvem liberdade religiosa e liberdade de pensamento que não podem ser retirados, como equivocadamente deseja a autora do dito Projeto. Esses valores sociais tendem a ser menos imperiosos como já foram no passado, mas sua essência deve ser preservada, sob pena de, tentando reduzir desigualdades para uma minoria marginalizada, no futuro o próprio Estado crie novas minorias marginalizadas.
Por óbvio que, tanto a intolerância das religiões com tal minoria, tanto a tentativa dessa minoria fazer valer sua garantia de liberdade impondo a outros sua condição, não contribuirá para o diálogo e convivência pacíficos.
Há que se encontrar um ponto de equilíbrio, o qual seria muito importante se posto a partir da discussão desse Projeto de Lei, mas tudo isso sem as paixões inerentes às partes envolvidas e sem alguns oportunistas quererem levantar bandeiras em seu próprio benefício político.
3 – A legitimidade do PL 122/2006
“[…] A Câmara dos Deputados é composta por representantes do povo, ou seja, por Deputados Federais eleitos que manifestam a vontade do povo. Lembramos que todo o poder emana do povo, que o exerce, ou na norma direta ( ex.: plebiscito, referendo e iniciativa popular – soberania popular, art. 14, I-III), ou por meio de seus representantes, que em âmbito Federal são os Deputados Federais[…]”. (LENZA, 2010, p.410).
Sem sombra de dúvida é totalmente legítimo o tal Projeto, pois uma minoria historicamente marginalizada, através de um representante eleito pelo voto, tenta corrigir as distorções provocadas por anos de discriminação.
É perfeitamente normal também que haja uma mágoa generalizadas naqueles que sofreram na pele a indiferença.
Decerto, uma Lei Federal só pode ser alterada por outra Lei Federal e pode ter seu início na Câmara dos Deputados, como ocorreu com o PL 122/2006. Obedeceu a iniciativa correta e tem seguido, pelo menos até o momento, a tramitação normal, ou seja, mais elementos que se somam à sua legitimidade.
Qualquer anseio da população deve, de fato, ser defendido pelos Deputados, os quais, como já dissemos, são legítimos representantes do povo, como decorrência do sistema pátrio, o qual é democrático-representativo, onde se encontram também os Senadores da República que representam seus Estados.
“A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela Lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que pelas chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal.” (MORAES, 2008, p. 36).
Assegurar a igualdade a todos é uma tarefa complexa, pois num universo tão grande de valores, sentimentos, anseios, esperanças, tornar real o alcance de tal isonomia sempre trará desconforto para os que tiverem que ceder um pouco de espaço para que o próximo tenha um pouco mais de direitos. Isso é inerente ao ser humano.
Certamente as pessoas que sofrem o preconceito apenas por terem uma preferência sexual diferente do que se chama natural estão no momento atual ganhando novos espaços, os quais se consolidam cada dia mais no mundo globalizado através de vários tratados internacionais, sendo o Brasil signatário de muitos.
Agora, o fato de terem um pouco mais de visibilidade e poder, principalmente por causa das chamadas ações afirmativas do atual Governo do Brasil, não lhes dá o direito de se colocarem acima dos outros cidadãos, como fica nítido em vários trechos do PL 12/2006.
Parece que o direito à liberdade religiosa, incluindo a crença e a defesa de condutas condizentes com a fé cristã, à luz de tal Projeto, seria atingida frontalmente, o que parece não estar de acordo com preceitos solidificados na Constituição de 1988.
Sob o argumento de promoção de igualdade o mencionado Projeto parece demonstrar toda a vontade de se estabelecer o equilíbrio traduzido garantia de novos direitos, os quais são legítimos, mas produzindo novos desequilíbrios e interferindo diretamente me liberdades, sem as quais a própria democracia não sobrevive.
4 – PL 122/2006 e o Princípio da Isonomia
Pelo fato do Projeto ainda estar em tramitação, seria interessante a correção de tais vícios aparentes para que a produção legislativa alcançasse o plano da validade e da eficácia, estas possíveis somente se, e somente se, lançarem seus fundamentos e encontrarem guarida na Carta Magna, a qual foi batizada de Constituição Cidadã.
“Art. 7° A Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes art. 8° – A e 8° – B:
“Art. 8° – A Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no art. 1° desta Lei:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Art. 8° – B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Grifo meu). (BRASIL, Senado Federal, 2010)”.
Ao inserirem o termo autorizativo aos demais cidadãos, mostra-se clara a tentativa velada de criação de uma categoria superior de pessoas, lançando por terra assim, o princípio da isonomia, o qual está consagrado em nossa Constituição e preconiza em seu art. 5°, Caput (BRASIL, 2009, p.10), “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…]”.
Ao se estabelecerem classes de cidadãos, onde uma tudo pode sem qualquer restrição, sob pena de enquadramento penal aos que tentem impedir ou restringir, aos outros é permitido, leia-se “nós, os da classe superior permitimos”.
Isso é totalmente nocivo à idéia de uma sociedade justa e igualitária, ademais, em última análise, qualquer forma de discriminação é punida no Brasil, inclusive se alguém promover a manifestação direta a uma pessoa por sua opção, certamente arcará com as consequências legais proporcionais ao seu ato.
Então não se trata de inexistência de normas protetivas para tais minorias, mas se trata do anseio dessa minoria ter uma legislação que legitime suas escolhas e, de certa forma, obrigue os discordantes a aceitar, mas a aceitação de qualquer coisa não se impões por uma lei, mas conquista-se ao longo do tempo.
Ora, não se pode instituir um direito legítimo a cidadãos que escolherem a homossexualidade como prática de vida tolhendo outros cidadãos que, livremente, também optaram pela heterossexualidade.
Seria um golpe mortal do princípio da isonomia, o qual não é absoluto, pois os homossexuais não podem ser eternamente expostos a toda a sorte de discriminação e um viés da isonomia muito aplicado no Brasil é o tratamento desigual para os desiguais.
Muitos homossexuais perderam seus empregos, suas famílias, seus amigos exatamente por terem tal opção de vida, mas outras minorias também sofreram isso e, nem por isso, liberdades tão importantes, ainda que para a promoção da isonomia, foram retiradas de outros cidadãos, como no caso das políticas afirmativas dos negros.
Neste caso, todos os que são contra o estabelecimento de cotas raciais, por exemplo, puderam expor suas opiniões e o assunto ainda causa muita discussão, o que é muito salutar no processo democrático.
Imaginemos, um casal homossexual no pátio de uma igreja, que é local privado aberto ao público, demonstrando um caloroso beijo. Tal cena seria, aos olhos dos fiéis e do próprio pároco, absurda e digna de repreensão, mas diante desse Projeto de Lei incorreriam em crime passível de reclusão caso desejassem interromper a manifestação de afetividade, diga-se de passagem, fora de lugar.
5 – PL 122/2006 e o Princípio da Liberdade Religiosa
“Liberdade religiosa – abarca as liberdades de crença e de culto. Elas são tão importantes que o Supremo, desde a Constituição passada, considerou inconstitucional sentença judicial que proibia beneficiário de susrsis desenvolver culto religioso no ambiente doméstico. Também decidiu que os passes de médium, em centros espíritas, não caracterizavam o delito de curandeirismo, mas mera exteriorização religiosa.” (BULOS, 2007, p. 433).
A liberdade religiosa é um valor muito caro ao povo brasileiro, onde há uma forte miscigenação e, com ela, a diversidade de credos religiosos.
Comparados com outros países, principalmente os de língua árabe, o Brasil é avançadíssimo no que tange à tolerância da fé.
Tal valor deve ser resguardado, pois ele serve de alicerce para a formação de uma pessoa e também de um povo. Certamente, com base em valores religiosos arraigados pessoas pautam suas vidas, surgindo também a liberdade de consciência, na qual ninguém pode obrigar a unidade de pensamento e cada um vive de acordo com o que a sua consciência diz.
A liberdade religiosa também traduz-se na possibilidade de cada um acreditar em algo superior ou não, seguindo ou não uma religião, até mesmo na liberdade de uma pessoa professar o ateísmo.
Apesar do nosso Estado ser laico, é inegável que há garantias estatais para a manutenção da religiosidade do povo, a qual serve também para afirmar e solidificar a nossa cultura. Não fosse isso, qual o motivo para tantos feriados religiosos?
“Art. 8° Os arts. 16 e 20 da Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:
“[…]
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero:
[…]
§ 5° O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica” (BRASIL, Senado Federal, 2010).”
Como fora dito anteriormente, a liberdade religiosa é demonstrada na possibilidade de se acreditar nas bases da fé que se professa, na possibilidade de se fazer proselitismo, ou seja, do religioso poder pregar a sua fé com intuito de arrebanhar outros seguidores.
Com base no trecho colacionado do Projeto de Lei 122/2006, o pregador de uma religião afirme que a prática homossexual é pecado infringiria norma penal e estaria passível de sansão.
Ora, como exercer de modo pleno a liberdade religiosa sem poder pregar e professar valores caros à determinada religião?
Parece haver no caso analisado mais uma frontal infringência a princípio cristalizado na Constituição Federal de 1988.
Importante ressaltar que a liberdade religiosa não pode servir de esconderijo para qualquer tipo de discriminação. Deve-se saber diferenciar o que é discordar de uma prática, como por exemplo, o direito de discordar da prática de beber bebidas alcoólicas e o que é discordar de uma pessoa que pratica algo que a religião condena. Essa pessoa deve ser respeitada apesar de sua prática.
Se houvesse entendimento nessa linha de raciocínio, talvez não houvesse tanta intolerância.
6 – PL 122/2006 e a Liberdade de Pensamento
“[…] O limite à liberdade de crença situa-se no campo do respeito mútuo, não podendo prejudicar outros direitos. Isso porque o Brasil é um Estado leigo, laico ou não confessional, isto é, não tem religião certa. Apenas durante a vigência da Carta de 1824 que o credo Católico Apostólico Romano foi oficializado ( art. 5°). Do Texto de 1891 até a Carta de 1988, o Estado separou-se da igreja, vigorando a liberdade de crença religiosa, de que deriva a liberdade de culto e suas liturgias´. (BULOS, 2007, p. 433).
O Eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, ao proferir, em sede de medida acautelatória, seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.566 do Distrito Federal, a qual versava sobre proibir ou não o proselitismo em rádios comunitárias, assevera que, sob pena de cerceamento de liberdade religiosa e de pensamento,o Estado não pode proibir tal prática, pois é indiferente o conteúdo das idéias pregadas por grupos confessionais.
Ainda, de acordo com o Senhor Ministro, caso o Estado haja de modo diverso, incorrerá em inaceitável interferência em domínio estranho às atividades estatais, simplesmente porque o Estado não pode e não tem interesses confessionais.
A liberdade de pensamento e religiosa fundem-se, pois a liberdade religiosa também manifesta-se na medida em que o crente pode expressar seu pensamento de acordo com a sua fé.
O próprio fato de, através de uma lei, constranger ou restringir uma pessoa a exteriorizar seus pensamentos concordes com sua fé fere a própria diversidade de idéias, um aspecto tão importante da democracia.
O Projeto de Lei 122/2006 está repleto de comandos que, se postos em prática, impediriam um seguidor de uma fé que condene a prática homossexual e suas variantes a expressar seus pensamentos.
Não se trata de não haver liberdade de pensamento absoluta, pois todos os que a utilizarem com abuso, principalmente para respaldar práticas discriminatórias, serão alcançados pela lei, independentemente da religião que professam como foi demonstrado no célebre caso do Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus que chutou uma santa. A referida autoridade eclesiástica sofreu as conseqüências de seu ato discriminatório e reprovável.
Um Estado democrático deve primar pela amplitude de suas liberdades, principalmente de pensamento, pois um povo que pensa demonstra sinais de evolução.
Tais liberdades servem para solidificar a estrutura do país, pois ninguém detém o monopólio da verdade. Quanto menos liberdades tivermos, menos democráticos seremos.
Se tal análise transcendesse o plano acadêmico, visto que não há no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de controle de constitucionalidade repressivo durante a feitura de uma lei. Só resta o controle preventivo, ou seja, durante a feitura da lei.
Decerto que nem as liberdades podem ser absolutas nem a ampliação de direitos de minorias podem ferir princípios constitucionais.
7 – considerações Finais
Encontrar o equilíbrio, conter o ímpeto de quem sofre preconceitos ao longo do tempo, é uma tarefa que cabe ao legislador, o qual deve saber legislar sem paixões, sempre visando garantir a segurança da democracia brasileira.
Parece-nos legítima a tentativa de cidadãos que, ao longo do tempo, sofrem preconceitos e humilhações, para minimizar as desigualdades e injustiças praticadas contra homossexuais e afins.
Mais legítima ainda, a sua manifestação no sentido de não mais agüentarem calados os preconceitos sofridos, isso não se discute, pois em uma sociedade machista, que há poucas décadas vivia uma ditadura militar, os desvios e a falta de respeito são extremas.
Em que pese tais considerações que deve ser levadas em conta, a questão é que já vigoram no nosso ordenamento jurídico inúmeros dispositivos que coíbem qualquer tipo de preconceito, independentemente da orientação sexual do indivíduo. Talvez, o Estado e seus órgãos devam estar mais preparados para receberem tais demandas, de quem quer que seja.
O perigo é criarmos situações que criminalizam pensamentos e opiniões que vão contra a prática sexual de alguém, pois isso tolheria a liberdade individual, criando talvez, no longo prazo, uma espécie de sistema totalizante no sentido de “retirar do mundo” qualquer outro que não seja a favor da opção sexual dos homossexuais, como dizia o antigo adágio, nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Creio que o fortalecimento das instituições democráticas seja o melhor caminho para alcançarmos a paz social tão almejada no caso em discussão, pois a discordância livre de idéias é um dos pilares da democracia. A partir do momento em que a discordância de idéias e de práticas passar para a discriminação e violência, contra quem quer que seja, o Estado deve fazer uso do monopólio de sua força e resolver as situações fáticas para que sejam extirpadas do nosso país esses males.
Referências bibliográficas::
Acadêmico de Direito na Universidade Para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí.
Professor da Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí e responsável pelo Departamento de Direito Civi da Nardelli Betti Advogados Associados. Recebeu o título de especialista em Direito Civil pela Universidade Regional de Blumenau. Atua na área de Direito Civil e Direito Administrativo.
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