Análise da obrigatoriedade da disciplina educação física em todos os níveis e graus da educação nacional com destaque ao direito constitucional ao desporto

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Resumo: O direito ao desporto está previsto constitucionalmente como direito fundamental de todos. Dentre as formas de alcançá-lo está a disciplina educação física que é matéria obrigatória na educação básica segundo a legislação que regulamenta o nosso ensino escolar. De outra sorte, existe uma legislação específica sobre a disciplina educação física que estabelece o seu oferecimento de forma obrigatória também na graduação. Diante do conflito de normas existentes atualmente esta lei não é respeitada.


Palavras-chave: Constituição Federal. Direito ao desporto. Educação física.


Abstract: The right to sport is provided constitutionally fundamental right of everyone. Among the ways to achieve it is the discipline Physical education is a compulsory subject in primary education according to the laws governing our school. The other sort, there is a specific legislation on the subject physical education establishing their offering also a mandatory graduation. Given the conflict of laws currently exist this law is not respected.


Keywords: Federal Constitution. Right to sport. Physical education.


Sumário: Introdução. 1. Educação Física como direito constitucional. 2. Vigência da Lei n.º 6.503/77. Considerações finais. Referência bibliográfica.


INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem o objetivo apresentar reflexões mais abrangentes sobre a obrigatoriedade da disciplina educação física em todos os níveis da educação nacional, especialmente na educação superior.


Partindo da premissa que a educação física é uma das formas de acesso ao direito ao deporto previsto constitucionalmente e não obstante este fato ser ignorado pelo poder público diante da falta de incentivos para os atletas e profissionais da área, as instituições de ensino também estão eximindo-se do cumprimento desta obrigação prevista em lei.


Como conseqüência desta política, além de prejudicar os alunos das instituições de ensino ao deixar de fornecer a disciplina educação física, este prejuízo estende-se aos profissionais da área que sofrem com um mercado de trabalho reduzido.


Outro ponto importante é o acompanhamento e controle mais efetivo das hipóteses que permitem a dispensa da disciplina educação física.


1. EDUCAÇÃO FISICA COMO DIREITO CONSTITUCIONAL


O direito ao desporto é um direito constitucional, estando previsto ainda no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Sua aplicação na educação está regulamentada pela Lei n.º 6.503/77 e pela Lei n.º 9.394/96estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.[1]


Quanto ao desporto, o doutrinador Luiz Alberto David Araujo assevera que:


“A Constituição, no capítulo “Da Ordem Social”, onde estão concentrados os direitos que têm por propósito o resgate da dignidade humana para todos os cidadãos, prevê o direito ao desporto. Os direitos sociais objetivam a formação do ser humano integral: agente da sociedade, das relações de trabalho, construtor do mundo moderno e, ao mesmo tempo, um ser relacional, humano, que, desse modo, deve integrar sua vida com o lazer, o convívio familiar e a prática desportiva. Assim, o desporto, quer como forma de lazer, quer como parte da atividade educativa, quer ainda em caráter profissional, foi incorporado ao nosso sistema jurídico no patamar de norma constitucional”. [2]


A UNESCO por meio da carta internacional da educação física e do desporto estabelece no art. 1º que:


Artigo 1.º A prática da educação física e do desporto é um direito fundamental de todos
1.1 Todas as pessoas humanas têm o direito à educação física e ao desporto, indispensáveis ao desenvolvimento da sua personalidade. O direito ao desenvolvimento das aptidões físicas, intelectuais e morais, através da educação física e do desporto, deve ser garantido, tanto no quadro do sistema educativo, como nos outros aspectos da vida social”.


Normalmente, associa-se o direito ao deporto somente como o direito de praticar esportes, bem como facilitar o acesso a todos indistintamente, entretanto, este direito está interligado ao direito a educação e, por conseqüência, acerca do próprio direito a uma vida saudável.


Por conseguinte, partindo do entendimento que o desporto integra uma atividade educativa, descreve Alexandre de Moraes sobre a educação:


“A Constituição Federal proclama que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. [3]


Neste ponto, novamente a UNESCO, por meio da carta internacional da educação física e do desporto enfatiza a importância do esporte ao estabelecer que “a educação física e o desporto constituem um elemento essencial de educação permanente no sistema global de educação”. [4]


Esta busca pela qualidade de vida e a luta para conscientizar as pessoas para praticarem esportes esbarra no confronto das legislações que disciplinam a educação física nas instituições de ensino no País.


Se por um lado, a disciplina Educação Física é obrigatória na educação básica, por outro lado, na educação superior deixa a desejar, facultando às instituições de ensino optar pela implantação ou não desta disciplina em seus projetos pedagógicos.


Sendo a educação um direito de todos com o objetivo de promover o pleno desenvolvimento da pessoa, onde o esporte está inserido nessa atividade educativa, ambos com previsão constitucional, devem por óbvio, estarem presentes em todos nos níveis de educação no País com a sua devida valorização.


Resta nítido a configurado da violação do direito ao desporto, ao qual para o doutrinador Silva “é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observadas as diretrizes do art. 217”. [5]


Por este raciocínio, a Lei n.º 6.503/77 prevê a disciplina a educação física em todos os graus e ramos de ensino. Na mesma lei, estão previstas as hipóteses de dispensa da educação física, especificadamente no art. 1º, a saber:


“Art. 1º É facultativa a prática da Educação Física, em todos os graus e ramos de ensino:


a) ao aluno que comprove exercer atividade profissional, em jornada igual ou superior a 6 (seis)horas;


b) ao aluno maior de 30 (trinta) anos de idade;


c) ao aluno que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em outra situação, comprove estar obrigado à prática de Educação Física na Organização Militar em que serve


d) ao aluno amparado pelo Decreto-Lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969       


e) ao aluno de curso de pós-graduação; e


f) à aluna que tenha prole”. (grifei)


Contrariando a obrigatoriedade do oferecimento da educação física em todos os graus e ramos de ensino, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevê apenas a sua obrigatoriedade na educação básica, excluindo desta forma, a educação superior. Esta previsão está prevista no art. 26, § 3, a saber:


“(…)


§ 3o A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno:


I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas;


II – maior de trinta anos de idade;


III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física;


IV – amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de outubro de 1969;


V – (VETADO)


VI – que tenha prole”. (grifei)


Este conflito de normas esbarra sempre na questão financeira, haja vista a indiscutível dependência financeira que todos possuem. Na maioria das instituições de ensino superior a obrigatoriedade do oferecimento da disciplina educação física não é respeitado, facultando à universidade oferecer aulas de esportes, musculação, dentre outros paralelamente às atividades escolares sem ônus financeiro para o acadêmico. Estas atividades também são desenvolvidas de forma informal quanto ao seu controle acadêmico, onde o acadêmico freqüenta as atividades quando lhe melhor convier.


2. VIGÊNCIA DA LEI N.º 6.503/77


Inicialmente, registre-se que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não revogou o disposto na Lei n.º 6.503/77 e ainda, nos deparamos diante de duas leis ordinárias que disciplinam a mesma matéria (educação física), sendo que a primeira é geral e a segunda é específica. Ademais, até o presente momento o Supremo Tribunal Federal não se manifestou a respeito.


No ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho não há hierarquia entre leis ordinárias, senão vejamos:


“A organização hierárquica das normas jurídicas situa como imediatamente inferiores à Constituição Federal normas jurídicas de três espécies: lei (complementar, ordinária ou delegada), medida provisória e decreto autônomo. Entre elas não há hierarquia”. [6]


Plausível, pois, informar que o disposto nas duas legislações em debate é semelhante uma à da outra, tendo em vista as alterações realizadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 2003. Especificadamente o art. 26, § 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional passou a apresentar uma redação, direcionando a educação física apenas como “componente curricular obrigatório da educação básica”. [7]


Sintetizando este ponto importante, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro no art. 2.º disciplina que “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.


A questão não é solucionada pelo critério hierárquico, já que ambas as leis são ordinárias, possuindo igual nível de hierarquia.


Com relação à aplicação do critério da especialidade, verifica-se que a Lei n.º 6.503/77 por ser específica, ostenta prioridade normativa.


Nesta seara Maria Helena Diniz entende que:


“Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também esteja previsto na norma geral”. [8]


Se a educação tem por objetivo promover o pleno desenvolvimento da pessoa, e o esporte é um vetor significativo neste objetivo, é certo que as aulas de educação física, devem estar sempre presentes e, mais ainda, devidamente valorizadas.


CONCLUSÃO


A autonomia das instituições de ensino superior não pode ultrapassar os limites legais, para tanto, é necessário maior controle quanto a aplicação e controle da Lei n.º 6.503/77 não foi revogada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.


Infelizmente no Brasil, o direito ao deporto não é valorizado. Na década de grandes conquistas esportivas para o País, como a realização da Copa do Mundo de futebol em 2014 e as Olimpíadas em 2016, a atividade educacional esportiva nacional deixa a desejar.


Por este raciocínio, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao dispor que as aludidas aulas apenas são obrigatórias na educação básica torna-se inconstitucional, pois viola o direito constitucional ao desporto. Reforçando este entendimento, pelo critério da especialidade, a Lei n.º 6.503/77 deve prevalecer sobre o art. 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.


As referidas aulas de educação física, por conseguinte, devem ser obrigatórias em todos os níveis e graus de ensino do País, salvo no curso de pós-graduação previsto no art. 1º, letra “e” da Lei n.º 6.503/77[9].


Mais um motivo para que o esporte alcance o seu devido respeito e valor, além da conscientização das pessoas para que possam usufruir de todos os benefícios que esta atividade fornece em suas vidas.


 


Referências:

ARAÚJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acessado em 17 de outubro de 2011.

________ Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del4657.htm. Acessado em 17 de outubro de 2011.

________ Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acessado em 17 de outubro de 2011.

________ Lei no 10.793, de 1º de dezembro de 2003. Altera a redação do art. 26, § 3o, e do art. 92 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que “estabelece as diretrizes e bases da educação nacional”, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.793.htm. Acessado em 17 de outubro de 2011.

________ Lei no 6.503, de 13 de dezembro de 1977. Dispõe sobre a Educação Física, em todos os graus e ramos de ensino. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L6503.htm. Acessado em 17 de outubro de 2011.

________ Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acessado em 17 de outubro de 2011.

DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. São Paulo: Saraiva, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 15ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.

UNESCO. Carta internacional da educação física e do desporto. Disponível em http://www.unesco.pt/cgi-bin/educacao/docs/edu_doc.php?idd=19. Acessado em 21 de setembro de 2010.


Notas:

[1] Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um (…).

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

[2] ARAÚJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 369.

[3] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 740.

[4] UNESCO. http://www.unesco.pt/cgi-bin/educacao/docs/edu_doc.php?idd=19. Acessado em 17 de outubro de 2011.

[5] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 15ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 806.

[6] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 61.

[7] Lei no 10.793, de 1º de dezembro de 2003.. Altera a redação do art. 26, § 3o, e do art. 92 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que “estabelece as diretrizes e bases da educação nacional”, e dá outras providências.

[8] DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 40.

[9] Art. 1º É facultativa a prática da Educação Física, em todos os graus e ramos de ensino:

(…)

e) ao aluno de curso de pós-graduação.

Informações Sobre o Autor

Felipe Clement

Advogado. Bacharel em direito pela Universidade do Vale do Itajaí –UNIVALI/SC. Pós-graduado em direito previdenciários pela Faculdade INESP – INFOC/SP. Pós-graduado em direito e processo do trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus/SP


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Equipe Âmbito Jurídico

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