Resumo: O perfil dos internos da Cadeia Pública de Irati/PR é analisado neste artigo, sob os aspectos estudados pela Criminologia Crítica, sob o enfoque de vários autores. Por meio de coleta de dados e pesquisa bibliográfica, buscou-se analisar as principais características destes internos, tais como grau de escolaridade, idade, trabalho formal ou informal. O objetivo de estudo foi contextualizar as ideias de criminalidade, delinquência, funções da pena, apresentadas pelos ilustres Professores e suas aplicações práticas na atualidade, principalmente na análise dos dados coletados junto à Cadeia Pública de Irati. O pensamento criminológico crítico, certamente pode ser aplicado em grandes complexos penitenciários, bem como em cadeias públicas de cidades de pequeno porte. Conceitos de estigmatização, seletividade, poder do Estado, continuam a existir e cada vez mais de maneira mais efetiva, especialmente observando-se quais os crimes praticados e suas punições, e também quem são os encarcerados e a que classe social pertencem.
Palavras-chave: Detentos. Perfil. Criminologia crítica.
1 INTRODUÇÃO
O Município de Irati encontra-se localizado na região centro-sul do Estado do Paraná, a uma distância de 137 km da capital Curitiba. Sua população em 2010 era de 56.207 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística[1].
A cidade conta com uma Cadeia Pública local, com capacidade para aproximadamente 40 internos. Pela condição de transitoriedade dos presos que por ali passam, fica difícil explicitar sobre superlotação carcerária, porém, em determinadas épocas, ocorre este fenômeno. Inclusive, o local já foi palco de rebeliões e várias fugas. A última fuga de presos ocorreu em junho de 2011, onde 11 presos evadiram-se[2].
As condições físicas do local são as mesmas observáveis na grande maioria das Cadeias Públicas: espaço pequeno, detidas femininas com menos espaço ainda, poucos policiais para fazer o atendimento à população, funcionários públicos “emprestados”, para conseguirem atender ao público. Contando sempre com a boa vontade dos policiais civis que ali prestam serviços, que muitas vezes prestam serviços como carcereiros, em conjunto com suas funções de investigadores ou escrivães.
Após a observação destas condições, e o contato bibliográfico com autores referenciados em criminologia crítica, observa-se uma correlação entre o que ocorre com os internos desta Cadeia Pública, e certamente de muitas outras, onde vemos algumas características objetivas semelhantes entre todos os detidos, não importando qual o crime cometido, qual o período de pena, qual a gravidade do delito.
Questiona-se então: Estariam os grandes criminosos encarcerados, ou encontram-se atrás das grades apenas uma pequena parcela de quem cometeu crimes, e foram “escolhidos”, selecionados pelo Estado, como forma de exemplos de crime/punição? Existiriam pormenores, entrelinhas, no sistema penal, e que são poucas as pessoas que conseguem entendê-las, processá-las e criticá-las?
Contextualizar, por meio da análise dos dados dos detidos colhidos junto à Cadeia Pública de Irati, as características pessoais e sociais ali encontradas, com o estudo e discernimento dos grandes criminólogos atuais é o objetivo do presente trabalho.
Serão analisadas teorias estudadas pela criminologia crítica, sob o enfoque das obras dos Profs. Alessandro Baratta, Juarez Cirino dos Santos, Nilo Batista, Peter-Alexis Albrecht, Michel Foucault e outros. Conceitos de estigmatização, seletividade, funções ocultas da pena, processos de tipificações de crimes, poder do Estado, e outros, serão apresentados, para que ao final, confronte-se com a realidade dos detentos de Irati, esta pequena cidade interiorana, mas que também sofre as mazelas de uma política criminal discriminatória e elitizada.
A metodologia escolhida foi a coleta de dados junto à Cadeia Pública de Irati, onde, para não haver exposição e identificação dos detentos, foram coletados somente os dados objetivos encontrados nas fichas individuais deles, sem vinculação ao nome ou características pessoais identificatórias. Após, feita a compilação destes dados, organizados em forma de quadros e gráficos, sendo então realizada a análise dos resultados observados.
O método escolhido foi o indutivo, pois, segundo Mezzaroba (2003, p. 63) “o propósito do raciocínio indutivo é chegar a conclusões mais amplas do que o conteúdo estabelecido pelas premissas nas quais está fundamentado”.
Para melhor observação do perfil do preso na Cadeia Pública de Irati, este método permitirá que a análise dos dados observados, sob o enfoque das teorias e conceitos da criminologia crítica de inúmeros pesquisadores da área, possa chegar a conclusões amplas e aplicáveis a inúmeras situações semelhantes em outros centros de detenção, pequenos ou grandes. As características dos detentos de pequenas cidades, provavelmente serão as mesmas de grandes centros urbanos: classe social inferior, semi-analfabetismo, empregos informais, idade média jovem.
Sobre a escolha deste tema – criminologia crítica aplicada à realidade de uma pequena cidade do interior do Paraná – procuramos observar o descrito por Leite (2006, p. 154), que repassa que “a grande maioria dos autores que se ocuparam com a questão [escolha do assunto] conclui que a tese deve ser original, importante e viável”. Quanto a originalidade, sabemos que o estudo de encarcerados não é tema inédito, porém com a análise de dados reais de uma pequena cidade do interior do Paraná, acreditamos não existirem muitos outros estudos. E também, após a coleta destes dados, e uma análise crítica em consonância com o pensamento dos criminólogos críticos, sob a interpretação de uma policial-militar, talvez possa contribuir para que outros pesquisadores aprofundem-se neste estudo. A importância do assunto revela-se pela possibilidade de observação de dados reais de “selecionados” pelo sistema judiciário brasileiro, a qual classe social pertencem, quais as oportunidades que tiveram em suas vidas, quais as finalidades da pena, reais e ilusórias. A viabilidade do presente trabalho mostra-se pelo acesso aos dados que foram disponibilizados pela Cadeia Pública de Irati, sendo que não haverá divulgação de dados identificadores dos internos, somente serão expostas análises estatísticas gerais, sem traços distintivos de nenhum detento. A compilação dos dados será feita em forma de quadros e gráficos, para apreciação dos resultados em forma de números e porcentagem, sem vinculação a pessoas determinadas.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 A INSTITUIÇÃO PRISÃO
Formalmente, prisão é o local onde alguém cumpre pena privativa de liberdade. As cadeias públicas locais, apesar de não serem destinadas aos presos com sentença transitada em julgado, sabemos que na maioria das vezes, são os locais onde são cumpridas a maior porcentagem das penas privativas de liberdade. Deveria ser célere a passagem do detido pela cadeia pública, até a sentença definitiva. Entretanto, pela morosidade da justiça, manobras dos advogados, e outros problemas, vemos às vezes um preso ficar mais de dois anos em cadeias públicas, e, ao sair a sentença definitiva, não são raras as vezes em que este já cumpriu 1/6 da pena aplicada, e portanto tem garantias de liberdade condicional.
A estrutura deficitária das cadeias públicas, a convivência com todos os tipos de criminosos, serve em muitos casos como forma de “especialização” do delinquente ocasional. Michel Foucault ( 2009, p. 251) fala que “a prisão, em sua realidade e em seus efeitos visíveis, foi denunciada como o grande fracasso da justiça penal”. Estendemos esta afirmação às cadeias públicas, que na realidade são “mini-prisões”, com todas as suas mazelas e consequências aos “carimbados” como ex-presos, não importando se foi com condenação ou ainda durante a fase processual.
Ao falar sobre a estigmatização do preso, pós-prisão, Foucault (2009, p. 253) fala que “nesses clubes é feita a educação do jovem delinquente que está em sua primeira condenação” e cita:
“O primeiro desejo que nele nascerá será de aprender com os colegas hábeis como se escapa dos rigores da lei; a primeira lição será tirada dessa lógica cerrada dos ladrões que os leva a considerar a sociedade como inimiga; a primeira moral será a delação, a espionagem honrada nas nossas prisões; a primeira paixão que nele será excitada virá assustar a jovem natureza por aquelas monstruosidades que devem ter nascido nas masmorras e que a pena se recusa a citar… ele agora rompeu com tudo o que o ligava à sociedade.”[3]
Ao sair de qualquer tipo de encarceramento, a pessoa é rotulada, carimbada, e consequentemente existe uma mudança radical em sua vida. São seus vizinhos que não lhe sorriem mais, são seus parentes que o discriminam, o evitam. É a dificuldade de encontrar emprego formal, pois, mesmo que seja antes de uma condenação definitiva, com consulta de antecedentes positivada, dificilmente o “ex-preso” encontrará alguém que lhe deposite confiança e o acolha como seu funcionário.
E aí, observa-se o fenômeno da reincidência criminal, como círculo vicioso. Nasceu aí um criminoso. Contrariamente às teorias lombrosianas do criminoso nato, ou do criminoso patológico, quem criou o delinquente não mais ocasional e sim especializado, foi o próprio sistema estatal. Ao ser rotulado como culpado antes mesmo da condenação, ao manter contato com várias pessoas sem vigilância de seus atos, ao ser tratado de maneira desumana nas cadeias, onde o tratamento não atende às necessidades básicas de alimentação, saúde, dignidade, o Estado está simplesmente “fabricando” futuros criminosos com periculosidade elevada. Pois, ao ser estigmatizado pela sociedade, não percebe maneira justa e decente de sobreviver, apela para o que aprendeu no encarceramento, pois “nada mais tem a perder”.
Nilo Batista ( 2001) observa características do Sistema Penal. Em síntese, diz que o Sistema Penal Brasileiro é apresentado como igualitário, mas na verdade é seletivo, é apresentado como justo, mas é repressivo, se apresenta comprometido com a proteção da dignidade humana, porém é estigmatizante.
Em estudo sobre a efetivação dos direitos humanos no Brasil, Dimenstein (1996, p. 115-118), critica o sistema penitenciário brasileiro, e informa sobre a instalação de uma CPI em 1993, onde as principais constatações foram:
“- o cumprimento irregular de penas em cadeias públicas demonstra flagrante descumprimento da Lei de Execução Penal, que destina as cadeias públicas ao recolhimento de presos provisórios;
– além de serem em número insuficiente, os estabelecimentos penais funcionam, em sua grande maioria, em situação precária;”
Vê-se portanto, que os problemas não são recentes, não são só brasileiros, porém, o Estado prefere vendar seus olhos a admitir sua grande parcela de culpa na criação dos criminosos. E, posteriormente, o mesmo Estado irá procurá-los, caçá-los, encarcerá-los. Círculo vicioso.
2.2 O PODER DO ESTADO
“Perto da culpa do Estado, a do bandido é pequena. E o bandido, a gente ainda consegue prender, processar, julgar e condenar. E o Estado?”, questiona Batista ( 2001, p. 159). Eis uma constatação. O poder do Estado é imenso. É ele quem diz o que é criminalizado, o que deve ser punido, quanto tempo deve ser de encarceramento (formal e informal).
Estas afirmações são corroboradas por muitos estudiosos, a grande maioria adeptos da criminologia crítica.
Um dos momentos mais importantes para o aprofundamento das concepções da criminologia crítica, é a adoção da teoria do labeling approach, por grandes criminólogos. Esta teoria, resumidamente, segundo Baratta (2002, p. 89) para definir o comportamento desviante, foi de duas maneiras: primeiramente para definir a formação da identidade do desviante (desvio secundário), ou seja, efeito da aplicação da etiqueta de criminoso em alguém; e em outra direção, para observar o problema de definição de quem é criminoso, atribuída a comportamentos de alguns indivíduos. Principalmente de quem é este poder de definição.
Discorrendo sobre a teoria do Labeling, fala Albrecht (2010, 39) que “a teoria vê no Direito Penal o garantidor de interesses individuais poderosos, que assegura dominação com o instrumento de atribuição da criminalidade.” Utiliza-se o Direito Penal como prima ratio, ao contrário de sua finalidade. Diz ainda Albrecht (2010, 40) que a aplicação do Direito Penal em todas as instâncias de controle, legitima as estratégias de intervenção e de controle estatais. É uma maneira de eximir-se de suas responsabilidades institucionais. Alguém será culpado, e esse alguém não será o Estado. Fala também Albrecht (2010, p. 107) que o Direito Penal possui uma função “simbólica”, que é entendida como a criação de símbolos e de aparentes modelos de solução em face de problemas sociais. Exemplo: é mais fácil encarcerar um desempregado que não tem nem onde morar, do que o Estado oferecer-lhe condições mínimas de dignidade para sobrevivência sua e de sua família.
Excesso de tipificações penais, criação de leis formuladas por apelações populares momentâneas, falta de racionalidade e aprofundamento no estudo anterior à criação de leis penais, são algumas das constatações verificadas na atualidade. Alguns crimes, mesmo isolados, mas com forte apelo popular, fazem com que movimente-se toda a máquina estatal a fim de que seja revista sua tipificação penal, seu regime de cumprimento de pena e os limites da pena.
Outras situações são relacionadas ao excesso de punição de crimes patrimoniais. Michel Foucault (2009, p. 75) em seu livro Vigiar e Punir, em um dos capítulos discorre sobre esta proteção que o Estado proporciona aos bens materiais. Explica que houve uma época em que ocorreu a passagem da criminalidade de sangue para uma criminalidade de fraude. O final do século XVIII foi um período de desenvolvimento da produção, aumento de riquezas, valorização jurídica e moral da propriedade, conceitos burgueses. Por isto mesmo, as punições relativas a estes delitos foram se tornando mais severas e efetivas. E nós herdamos esta “qualidade” daquela burguesia: de excesso de proteção ao patrimônio, rigor na aplicação das leis, prevenção através de intimidação por meio de penas elevadas. O direito de possuidor do bem. Aqui o Estado é o garantidor da situação de desigualdade social. Pois quem não tem, não deve ousar a invadir a esfera do outro, mesmo que este possua em excesso, sob pena de encarceramento, estigmatização, e demais consequências.
Ao observarmos as estatísticas, não somente as aqui apresentadas (que mais à frente analisaremos), mas o relacionado ao dia-a-dia exposto na mídia, vemos a grande massa de encarcerados como pertencentes somente a uma classe social. E nos questionamos: somente pobres cometem crimes? Só estes ficam presos? Qual o motivo de uma pessoa de classe social alta não se encontrar no meio daquelas pessoas que observamos por entre as grades?
A resposta já sabemos, mesmo criticamente não querendo acreditar. É um absurdo! Vemos abertamente o que acontece, e a dificuldade de se mudar alguma coisa. Infelizmente as leis penais são criadas para pobres, favelados, desempregados. Muito de vez em quando, elegem-se alguns “bodes expiatórios” de classe social mais elevada, para que a população veja que eles também são punidos, que “ a lei é para todos”. Entretanto ninguém explica a verdadeira intenção da exposição do fato. Esta intenção é mostrar aos demais que estão no “mesmo caminho”, que não se deve tentar sair do “esquema”. Estamos falando aqui de corrupção, principalmente em classes de governo, onde valores expressivos são desviados. Indivíduos votados pelo povo, em flagrante desrespeito a esses mesmos eleitores, aceitam propinas para as mais diversas falcatruas.
Até mesmo o poder judiciário fica atado quando acontece algo neste sentido. O excesso de formalismo, manobras advocatícias (advogados caríssimos), e porque não, corrupção até mesmo no judiciário, são barreiras para a efetiva punição desses criminosos, que são vulgarmente chamados de bandidos do “colarinho branco”. Ao discorrer sobre este tema, Batista ( 1990, p. 46) profeticamente diz:
“É claro que a legislação criminal deve ser reformada, para reduzir a distância entre a forte reprovação comunitária e seus dispositivos, atenuando a crise de funcionalidade que aí se instala. Mas é também claro que o sistema penal e suas conexões administrativas, em todos os níveis, tem que recondicionar seus sensores para os crimes dos poderosos, que são cometidos à sua frente sem que nada aconteça; e a crise, aqui, não é funcional e sim política e moral.”
A atribuição de crime a uma conduta, fica por conta dos legisladores, pertencentes a uma classe social privilegiada. Fala-se muito em direito penal de intervenção mínima, porém o que vemos ainda nos tribunais são condenações lamentáveis por lesões mínimas a alguns bens jurídicos. A palavras liberdade e encarceramento, e suas consequências, são empregadas em escalas diferentes, de acordo com o que está sendo discutido, ou quem é o agente (autor ou vítima). Existem valorações, que não deveriam ocorrer, por conta de juízes.
Sir Tomás Morus (2010, p. 28), em seu livro A Utopia, ao se pronunciar sobre os castigos aplicados aos crimes patrimoniais, fala:
“Por outro lado, nenhum castigo conseguirá impedir o roubo por parte daqueles que não tem nenhum outro meio de sobrevivência…
Decretam-se contra o ladrão penas duras e terríveis, quando o melhor seria providenciar-lhe meios de viver, a fim de que ninguém se veja na cruel necessidade de roubar primeiro e ser enforcado depois.”
Dimenstein ( 2003, 22) ao discorrer sobre o que é cidadania, fala que “trata-se de uma palavra usada todos os dias, com vários sentidos. Mas hoje significa, em essência, o direito de viver decentemente.” Como falar em viver decentemente pra quem não possui o mínimo de moradia, alimentação, saneamento básico, saúde? Então, cidadãos no Brasil, na acepção da palavra, são poucos. E o Estado, por meio da aplicação da estrutura penal, garante somente a esses cidadãos, o “direito de ter direitos”.
2.3 PESQUISA REALIZADA NA CADEIA PÚBLICA DE IRATI/PR
No dia 21 de julho de 2011, foi realizada a seguinte pesquisa junto ao banco de dados da Cadeia Pública de Irati, a fim de verificar o perfil do detento daquele local. Naquele dia, estavam encarcerados 54 pessoas. Foram pesquisados: faixa etária, sexo, grau de escolaridade, estado civil, profissão e delitos cometidos.
Em nenhum momento serão expostos dados que possam identificar os detidos, pois o objetivo da pesquisa é traçar um perfil do interno da Cadeia Pública de uma pequena cidade do interior do Paraná, e com estes dados genéricos, confrontá-los com as teorias utilizadas pela criminologia crítica, sob o ponto de vista de diversos autores.
2.4 PESQUISA X CRIMINOLOGIA CRÍTICA
2.4.1 Faixa Etária
Sob este aspecto observamos que a faixa etária dos detentos, na grande maioria situa-se entre os 18 e 29 anos de idade (mais de 50%) da população carcerária da cadeia pública de Irati/PR.
Obtemos o perfil de que pessoas jovens, em idade produtiva, e que, pós-prisão, ainda continuam em período produtivo. Por mais alta que seja a pena atribuída ao condenado, mesmo assim ele ainda retornará jovem para a sociedade.
Ao retornar, voltará já “carimbado”, etiquetado como ex-presidiário, com todas as suas consequências negativas já expostas neste trabalho. Haverá, como diz Baratta (2002, p. 89) a estigmatização do indivíduo, o que culminará com a mudança na identidade social do egresso, já que haverá a “tendência a permanecer no papel social no qual a estigmatização o introduziu.”
2.4.2 Grau de Escolaridade
Analisando estes dados, observamos a realidade de nosso país reproduzida nesse microcosmo que é a cadeia pública de Irati. Este é um país de semi-analfabetos. Pois, sabemos que quando falamos em alfabetização, não devemos pensar somente naquela pessoa que consegue identificar os signos, relacioná-los e recitar frases. É necessário que na escola, seja formado mais do que pessoas que conseguem identificar estes signos chamados de alfabeto. A grande deficiência no país, é de pessoas que consigam ler, processar o que leem, entender e criticar.
Sobre analfabetismo, Dimenstein ( 2003, p. 168) define:
“É polêmica a definição de analfabetismo. No Brasil, considera-se oficialmente alfabetizado quem sabe escrever um bilhete simples. Mas existem estudos indicando que quem não foi pelo menos quatro anos à escola pode ser considerado um analfabeto de fato.
Sem esses quatro anos para fixar as letras, a pessoa esqueceria o que aprendeu. (…)
A capacidade de um analfabeto obter informação e processá-la é muito limitada.”
Por isso, é que a educação aqui é lamentável, obedecendo políticas educacionais impostas por organismos internacionais. Alguns índices apresentados à população como verdadeiros milagres de aumento da aprendizagem em nosso país, são na verdade manipulados por governos que não se interessam por instrução, e sim por investimentos estrangeiros. Pois se os índices educacionais forem muito baixos, ou não atingirem certos níveis impostos, não haverá investimento dos grandes capitais internacionais.
O trabalho elaborado por ARAUJO, AMUDE e MORGADO[4] apresenta que a educação no Brasil é regida pela Lei de Diretrizes e Bases para a Educação – LDB -, a qual foi formulada em conformidade com as diretrizes para a educação do Banco Mundial para a América Latina. O objetivo do citado trabalho é:
“analisar o processo de elaboração e tramitação da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (Lei Nº 9394/96) e as diretrizes para educação do Banco Mundial para a América Latina, comparando-as a fim de avaliar as conseqüências das influências de órgãos internacionais com relação às leis brasileiras, que repercutem de maneira decisiva no ensino, pois as políticas neoliberais que orientam a educação brasileira, contribuíram para o aumento da pobreza da maioria da população, aprofundando a desigualdade, pois não desenvolve a consciência critica dos educandos e, até mesmo de educadores e trazem, camuflados interesses que conduzem à exclusão social.”
Os autores, brilhantemente desenvolveram o trabalho de maneira crítica, observando as influências internacionais na educação no Brasil. E concluíram que a LDB em nada ajuda no desenvolvimento educacional no país. É uma lei antiquada, imposta por organismos internacionais com o apoio da elite brasileira, que possuem óbvios interesses que a população permanece na ignorância.
Dimenstein (2003) alerta que “pobreza reproduz pobreza”, e que o “único jeito de quebrar esse círculo tenebroso é investir em educação. Isto porque uma pessoa instruída pode defender melhor os seus direitos e saber quais são as suas obrigações.”
Entretanto vemos as leis educacionais que nossos legisladores elaboram. Enquanto o “semi-analfabetismo” for-lhes interessante, continuaremos na mesma situação. A população deve somente saber ler os signos e apertar o “botãozinho verde” da urna eletrônica, que já está bom. Enquanto isso, vemos as cadeias superlotadas, em parte pela consequência da relação: estudo-emprego-dignidade.
2.4.2 Formação Profissional
Triste realidade aqui exposta. O número de desempregados é duas vezes mais do que o de empregados. São 18 detentos que antes possuíam algum tipo de vínculo empregatício (ou melhor, pseudo-profissão) e 36 declaradamente desempregados. E note-se porém, que também não são empregos formais. Poderíamos nos arriscar a dizer que a quase totalidade dos internos da Cadeia Pública de Irati não possuem registro de emprego em suas carteiras profissionais.
A relação educação x profissão está aqui estampada.
Quanto menor o grau de educação, menor será a chance de obter um emprego formal. E excluído de todo este sistema capitalista imposto pela sociedade, só observamos o inchaço de cadeias e das filas de desempregados em busca da assistência social do Estado.
Observa-se com que esta assistência social (assistencialismo mesmo!), o governo consegue um controle da população. Este controle vem em forma de votos nas urnas. Quando a máquina estatal, do estado de defesa social, ao vir em socorro dos necessitados, posteriormente cobrar-lhes-á a sua parcela de contribuição para a manutenção do sistema: seu voto de semi-analfabeto. É o único momento da vida do pobre, em que é lembrado como cidadão, porém manipulado, colabora com a continuação do sistema.
O pobre, desempregado, morador de periferia, por si só já é estigmatizado. Como disse Nilo Batista (1990, p. 168) “ o estereótipo do delinquente se fixa na figura do favelado”. E complementa:
“Pouco importa que o dano econômico e social produzido por um só dos grandes crimes de colarinho branco (falências fraudulentas, sonegações fiscais, evasão de divisas, etc) supere de mil vezes o somatório de todos os roubos e furtos: nossa figura do ladrão não é um banqueiro desonesto sentado em seu escritório, e sim o assaltante ou mesmo o ventanista.”
Cirino dos Santos ( 2010, p. 444-445) ao discorrer sobre as metarregras – “mecanismos psíquicos de natureza emocional atuantes no cérebro do operador do Direito, constituídos de estereótipos, preconceitos, idiossincrasias e outras deformações ideológicas do intérprete”, fala sobre os fatores determinantes impostos por este instituto e que será decisivo para o sentenciado. Fala ainda que estas metarregras são:
“Capazes de esclarecer a repressão penal em setores sociais marginalizados ou subalternos, ou na área de drogas, ou do patrimônio, por exemplo – e não nos crimes contra a economia, a ordem tributária, a ecologia, etc., próprios das elites de poder econômico e político da sociedade.”
Ainda, para corroborar com esta ideia de que o Estado poderoso age firmemente contra os mais débeis, contra os marginalizados, os rotulados, Alessandro Baratta (2002, p. 177) afirma que “têm sido colocadas em evidência as condições particularmente desfavoráveis em que se encontra, no processo, o acusado proveniente de grupos marginalizados, em face de acusados provenientes de estratos superiores da sociedade.” Ou seja, um julgador, que teve sua formação burguesa, irá sentenciar conforme estes princípios, ou na melhor das vezes, conforme o positivado pela lei.
Outra consequência do encarceramento do preso é a extensão destes efeitos aos seus familiares. Ao ver um ente privado de sua liberdade, familiares irão às últimas consequências para ajudá-lo. Nestas ações estão: venda de bens patrimoniais úteis e indispensáveis, empréstimos vultosos, marginalizar-se também (inúmeros casos de roubo ou tráfico ocorrem para que seja conseguido o dinheiro para custear um advogado para um ente familiar já enclausurado anteriormente). E aí o círculo vicioso continua: prisão-rotulação-miséria.
4 CONCLUSÕES
Neste trabalho, organizado inicialmente por uma pesquisa no banco de dados da Cadeia Pública da Cidade de Irati/PR, posteriormente confrontado com as teorias estudadas pela criminologia crítica, pretendeu-se observar se fenômenos criminológicos estudados em grandes concentrações de detidos, eram aplicáveis em um microcosmo com pouco de mais de 50 internos.
Estas teorias, como do etiquetamento (labeling approach) servem para apontar como deve ser observado e estudado a pessoa chamada de delinquente na atualidade. Fala que a figura do delinquente não é mais observada como na criminologia antiga, onde estudiosos como Cesare Lombroso diziam que existia a figura do delinquente nato, daquele que já nascia com esta personalidade, ou mesmo algumas teorias de criminalidades patológicas, portanto intrínsecas ao indivíduo.
A moderna criminologia crítica descarta estas possibilidades de criminosos natos, discorrendo sobre a influência que o meio causa para a criação do criminoso. Principalmente pelo fenômeno da rotulação, ou etiquetamento, na chamada delinquência secundária. Também menciona causas sociais como origem do criminoso. Ainda, analisam um grande Estado poderoso, que dita regras, que cria normas, que tipifica, que penaliza.
Analisando os dados catalogados, a sua interpretação conforme a moderna teoria da criminologia crítica, com base em grandes trabalhos de estudiosos aqui apresentados, observamos, principalmente nos argumentos detalhados que a relação entre criação de delinquência e classe social estão cada vez mais intimamente ligados. Que, a educação “encomendada” que existe no nosso país, somente serve para continuarmos colônia de grandes potências: mãos-de-obra barata e ignorante. Sabendo somente ler algo em outro idioma (para saber operar suas máquinas), ou ainda fazer cálculos matemáticos mínimos, já são suficientes para a política colonialista dos países desenvolvidos, sob o manto de globalização.
O que interessa são números, e não pessoas.
Uma política criminal elitizada, casos de corrupção em todos os setores governamentais, em contraste com a miséria que o povo (sobre) vive, é a realidade das grandes e pequenas cidades. Nilo Batista (1990, p. 169) diz que a construção social do delinquente é subordinado à sua classe social, porém o sistema penal se encarrega de disfarçá-lo, e ainda, que “o principal expediente é proclamar, na lei e nas teorias jurídicas, que as pessoas são punidas pelo que fazem e não pelo que são, ainda que baste visitar uma penitenciária para convencer-se do contrário.”
Pobre, semi-analfabeto, jovem (produtivo mas sem qualificação), etiquetado como criminoso irrecuperável, estigmatizado como delinquente, discriminado pela família e pela sociedade: este é o perfil do interno da Cadeia Pública de Irati/PR, mas pode ser o perfil de encarcerados em quaisquer outros estabelecimentos penais.
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