Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo analisar o sistema adotado pelo Código Penal para realização do cálculo da pena privativa de liberdade, bem como a influência do princípio da individualização da pena sobre dosimetria da sanção privativa de liberdade. O princípio da individualização da pena está inserido na Constituição Federal, deste modo, deve ser considerado pelo julgador na hora deste dosar a pena cabível ao réu. Assim, o princípio em questão influi diretamente na atividade sentenciante do magistrado, razão pela qual devem ser observados em todas as etapas do sistema trifásico preconizado por Nelson Hungria de dosimetria da pena. Ademais, o referido princípio revela-se como importante instrumento de controle de ilegalidade, de modo que são usados constantemente como freio ao arbítrio do juiz, uma vez que a linha divisória entre a discricionariedade inerente à função judicante é muito tênue e pode acabar resultando, ainda que não propositadamente, em arbítrio e injustiça. Deste modo, esta pesquisa possui escopo de analisar todas as fases do cálculo da pena, mas sob a ótica do princípio da individualização da pena. Ainda, o presente trabalho objetiva proceder a uma análise reflexiva sobre o cálculo penal, trazendo os principais pontos relevantes e de divergência, sobretudo entre doutrina e jurisprudência.
Palavras-chave: Código Penal; dosimetria da pena; cálculo da pena; sistema trifásico; princípio da individualização da pena.
Abstract: This Project has how objective the analysis of the method used by Criminal Code to accomplish the calculation of the penalty custodial, as well the influence of the principle of individualization of punishment about dosimetry of punishment. The principle of individualization of punishment is inserted in the Federal Constitution, so the judge can’t ignore this principle. The principle in comment has direct influence in the activity of the judge, by the way have to be observed in all phases of the calculation of the penalty designed by Nelson Hungria. The principle of individualization of punishment has important work, because control de activity of the judge, limiting the discretion. Ultimately, this Project will analyze all the three phases of calculation of the punishment, observing always the principle of individualization of punishment as well. Ate the end, will be study the important points of the theme and the conflicting questions.
Keywords: Criminal Code; calculation of punishment; principle of individualization of punishment.
Sumário: 1. Introdução; 2. O método utilizado pelo Código Penal par aplicação da pena; 3. Breves considerações acerca da pena-base; 3.1 Análise das circunstâncias judicias; 4. As circunstâncias atenuantes e agravantes; 5. As causas de diminuição e aumento de pena; 6. Conclusão; Referências.
1.INTRODUÇÃO
O Código Penal brasileiro, outorgado por meio do Decreto-Lei 2.848, é datado de 1940, época em que existia no Brasil um regime político denominado Estado Novo, com nítida influência fascista. Deste modo, pode-se dizer que o referido Codex foi inspirado no Código Penal italiano, também conhecido como Código Rocco.
Em 1984, com o advento da Lei n° 7.209, foi procedida a reforma de toda a Parte Geral do Código Penal, de forma que foram introduzidos alguns posicionamentos ideológicos diferentes e mais modernos se comparados ao pensamento autoritário e punitivista de 1940.
Sobreveio a Constituição Federal de 1988, com cristalino viés garantista, primando pelos direitos e garantias fundamentais do cidadão, consagrando o direito à vida e liberdade, no caput do seu art. 5°.
Após a supracitada alteração legislativa no Código Penal, apenas dois artigos positivam expressamente as regras a serem observadas pelo magistrado, na hora de impor a pena privativa de liberdade ao réu. O artigo 68 do CP determina que a pena-base será determinada de acordo com as regras do art. 59; depois serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes, e após serão analisadas as causas de diminuição e de aumento, que porventura incidam ao caso. Por sua vez o artigo 59 do CP prevê as circunstâncias judiciais, que serão valoradas para imposição da pena-base.
Deste modo, em face da insuficiência normativa, o princípio da individualização da pena apresenta-se de ampla incidência no que tange ao cálculo da sanção penal.
O magistrado assume importantíssimo papel na hora de sentenciar, pois ao final acabará utilizando elevada discricionariedade no momento da fixação da pena do condenado, uma vez que a matéria não está completamente positivada.
É certo que nosso ordenamento jurídico é regido pelo princípio do livre convencimento motivado, elencado no art. 98, inc. IX, da Constituição Federal, mas até que ponto se pode distinguir discricionariedade motivada da arbitrariedade do Estado-juiz?
O presente trabalho objetiva estudar, portanto, a tarefa do magistrado de valorar, dosar e aplicar a pena privativa de liberdade ao apenado, mas por meio de uma abordagem principiológica, em estreita atenção ao princípio da individualização da pena.
Ademais, o trabalho abordará temas relevantes do cálculo penal, as principais questões e pontos polêmicos serão abordados, com demonstração das correntes favoráveis e contrárias, bem como os aspectos positivos e negativos.
No que tange às circunstâncias atenuantes, o presente trabalho ainda promoverá uma análise sobre divergência levantada por grande parcela da doutrina e de pequena parte da jurisprudência quanto à possibilidade de reduzir a pena aquém do mínimo, na segunda fase do sistema trifásico.
Deste modo, o ponto central do trabalho será o estudo do cálculo penal, com as particularidades de cada etapa do sistema trifásico, mas com enforque principiológico penal,
Assim, o trabalho será iniciado com uma exposição do sistema de aplicação da pena adotado pelo Código Penal, qual seja, o sistema trifásico, disposto no art. 68. Para melhor compreensão do tema da aplicação da pena, serão apreciadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP: culpabilidade, antecedentes do agente, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias e consequências do delito, além do comportamento da vítima, de forma sumária, mas não superficial, com as considerações e críticas pertinentes. Depois, serão estudadas as circunstâncias agravantes e atenuantes, bem como, por fim, as causas de aumento e diminuição de pena,
Por fim, serão apresentadas as considerações acerca da problemática em estudo, as conclusões obtidas acerca da tarefa do magistrado de dosar e aplicar a pena privativa de liberdade.
2.O método utilizado pelo Código Penal para aplicação da pena
A tarefa de dosar a pena nunca foi uma atividade fácil, posto que tamanha fosse a responsabilidade atribuída ao magistrado, levando-se em consideração o bem jurídico que poderia ser tolhido do apenado. Nesse contexto, o ordenamento jurídico brasileiro sempre trouxe dispositivos legais que embasassem, ou pelo menos norteassem a atividade do juiz criminal.
Antes da promulgação do Código Criminal do Império, datado de 1830, vigiam no Brasil as Ordenações Filipinas. Após a vigência do referido diploma legal, as penas foram tratadas em título próprio, sendo previsto graus previamente estabelecidos de repressão, quais sejam, máximo, médio, ou mínimo. Deste modo, o art. 33 do Código Criminal do Império, previa que “nenhum crime será punido com penas, que não estejam estabelecidas nas leis, nem com mais, ou menos daquelas, que estiverem decretadas para punir o crime no gráo maximo, médio, ou minimo, salvo o caso, em que aos Juizos se permitir arbitrio”.
Deste modo, já se constava uma tendência de impossibilidade de aplicação da pena abaixo no mínimo previsto em lei, sendo, ainda, o magistrado dotado de discricionariedade, melhor entendido como arbítrio, conforme o caso permitisse.
Após a Proclamação da República, em 1889, o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca decretou, em 11 de outubro de 1890, o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. Neste Código, a dosimetria da pena era prevista em, basicamente, dois artigos, quais sejam, arts. 61 e 62, que, também traçavam uma diretriz básica para a tarefa judicante de dosar a pena imposta ao condenado. Os dispositivos legais mencionados estabeleciam que a pena deveria limitar-se ao mínimo e máximo previsto no Código, salvo caso onde fosse permitido arbítrio do juiz. De igual forma, era previstos graus de intensidade da pena, em semelhança ao que ocorria no Código Criminal do Império.
Deste modo, é possível perceber que desde o início da atividade legislativa brasileira, o ordenamento jurídico pátrio estabelecia regras para a dosimetria penal, de modo que, se não esmiuçavam a atividade judicante no que tange ao cálculo da pena, ao menos traziam diretrizes básicas para tal tarefa. De igual sorte, é possível perceber uma tendência histórica em impossibilitar a aplicação da sanção penal abaixo do previsto em abstrato na norma criminal, ressalvados os casos onde era conferida maior discricionariedade ao julgador.
Ultrapassadas estas considerações históricas, chegasse ao Código Penal atual e vigente, que foi estabelecido por meio do Decreto-Lei nº 2.848/40. Este Código, em semelhança com os ordenamentos pretéritos também traçou diretrizes básicas para o julgador estabelecer o quantum devido de sanção penal ao condenado.
Não obstante o fato de traçar algumas regras para dosimetria da pena, até o ano de 1984, quando a Lei nº 7.209/84 produziu a Reforma da Parte Geral do Código Penal, a doutrina e jurisprudência se dividiam sobre como proceder com o cálculo penal da pena, de modo que existiam dois entendimentos sobre o tema.
Isto porque, embora o CP de 1940 tenha trazido diretrizes básicas sobre a dosimetria da pena, os artigos não elucidavam a matéria de forma clara, possibilitando, assim, entendimentos diferentes sobre o tema.
Nesse contexto, dois métodos de aplicação da pena surgiram, um preconizado por Roberto Lyra e o outro por Nelson Hungria.
Interessante ressaltar, que os dois grandes penalistas supracitados, juntamente com outros nomes, como, Vieira Braga e Narcélio de Queiros, compuseram a Comissão Revisora do anteprojeto proposto por Alcântara Machado, que resultou no Decreto-Lei nº 2.848/40, ou seja, do Código Penal vigente. Assim, conclui-se que os dois grandes penalistas em referência, que preconizaram um embate de métodos acerca de dosimetria da pena, participaram da elaboração do CP.
De acordo com o método adotado por Roberto Lyra, o magistrado, procedendo de acordo com o art. 42 do CP (Parte Geral vigente à época), primeiro deveria avaliar, conjuntamente, as circunstâncias judiciais e as circunstâncias atenuantes e agravantes. Deste processo resultaria a pena-base, sobre a qual incidiria eventual causa de diminuição ou de aumento de pena.
O próprio Roberto Lyra, citado por José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 151) informa seu entendimento acerca do tema, aduzindo que o juiz:
“Apreciando em conjunto a realidade, segundo os critérios gerais do artigo 42 e atendidas sempre as situações dos arts. 44 e 48 (no caso de concurso de pessoas), atua, também, o art. 45), estabelecerá a pena-base, sobre a qual incidirá o aumento ou a diminuição especificados, quer na parte geral, quer na parte especial (art. 50 e seus parágrafos) e a diminuição prevista no art. 6º [..] Quando não ocorrem causas de aumento e de diminuição, que são inconfundíveis com as circunstâncias agravantes e atenuantes explícitas e peremptórias e com as decorrentes do art. 42, a quantidade da pena resulta, exclusivamente, do uso da faculdade do art. 42 e do cumprimento obrigatório dos preceitos dos arts. 44 a 48, atendido sempre o art. 49”.
De acordo com este entendimento, conforme dito, o grande penalista defendia que o magistrado, de início, valorasse conjuntamente as circunstâncias judiciais e as circunstâncias legais, agravantes e atenuantes, originando, então, a pena-base. Após encontrar a pena-base, sobre esta o magistrado deveria aplicar, em segundo e último momento, as causas de aumento e diminuição de pena, previstas tanto na Parte Geral quanto na Parte Especial do Código.
Em contraponto com a proposta apresentada por Roberto Lyra, o brilhante Nelson Hungria defendia que o sistema de aplicação da pena deveria ser divido em três etapas, quais sejam: de início o magistrado iria valorar as circunstâncias judiciais, de modo a encontrar a pena-base para o delito; em segundo momento, ele deveria fazer incidir sobre a pena-base anteriormente encontrada as circunstâncias legais, agravantes e atenuantes; por fim, sobre o resultado encontrado das duas etapas anteriores incidiriam as causas de aumento e diminuição de pena. Por ser composto por três etapas, o presente método restou denominado de método ou sistema trifásico.
O método indicado por Nelson Hungria mostrou-se mais prático e fácil de ser utilizado, possibilitando, assim, ao julgador aplicar a sanção penal mais adequada, e ao apenado ter sua pena individualizada de forma mais adequada possível, consagrando, assim, o princípio da individualização da pena e da proporcionalidade, dentre outros.
Deste modo, José Duarte citado por José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 151) aponta como benefícios do sistema trifásico a existência de um ponto de partida do julgador, ao proceder o cálculo da pena, ou seja, a atuação sobre um quantum definido, para então se poder trabalhar as circunstâncias legais. Em segundo lugar, existe o benefício de não ser possível ao magistrado confrontar as circunstâncias judiciais com as legais. Em terceiro lugar, existe o benefício de que as circunstâncias judiciais sempre existirão no caso concreto, ao passo em que as circunstâncias legais podem estar presentes ou não. Por fim, em quarto lugar, é apontado como benefício o fato das circunstâncias judiciais atuarem como quantum definidor da pena, servindo como critério legal de mensuração da pena, o que já não ocorre com as circunstâncias legais.
A fim de demonstrar a imprecisão do sistema preconizado por Roberto Lyra em confronto com método trifásico, criado por Nelson Hungria, José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 152) traz o seguinte:
“Um exemplo singelo serve para demonstrar a superioridade do método trifásico: se apelasse para pretender expungir da pena a influência de certa agravante, o condenado só estaria em condições de antever o resultado prático e julgamento eventualmente favorável, se o quantum correspondente à agravante aparecesse explícito na sentença.
Pelo sistema de Roberto Lyra, essa antevisão não seria possível, porque, como é fácil perceber, no cálculo em duas etapas, o quantum atribuído à agravante acaba ‘consumido’ ou englobado na pena-base.”
Assim, é possível perceber a superioridade do método trifásico se comparado ao bifásico proposto por Roberto Lyra, ainda que àquela época houvesse divergências doutrinárias e jurisprudenciais.
Com base nessa superioridade, o sistema trifásico restou contemplado pelo Decreto-Lei nº 1.004/69, que criava um novo Código Penal, sendo previsto nos arts. 52, 56, 62 e 63. Insta consignar, todavia, que embora sancionado, este Código nunca entrou em vigor, de modo que foi revogado ainda no período da vacatio legis.
Tão somente por meio da Lei 7.209, de 1984, que a discussão restou superada, pois foi através deste diploma normativo que a antiga Parte Geral do CP restou revogada, sendo estabelecida uma nova, que consagrava expressamente o sistema trifásico de aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 68 e 59 da nova Parte Geral do CP.
A partir de então a jurisprudência pacificou-se, adotando plenamente o sistema trifásico, conforme pode-se perceber por meio de decisão proferida pelo STF, ao julgar o HC nº 69.421, assim ementada:
“Pena. Método Trifásico. A teor da jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal, o método trifásico foi introduzido pela reforma do Código Penal levada a efeito com a Lei 7.209/84. O artigo 68 tomou nova redação, impondo-se a fixação da pena-base mediante o atendimento das circunstâncias judiciais de que cuida o artigo 59, para, a seguir, serem consideradas as atenuantes e agravantes e, numa terceiras etapa, as causas de diminuição e aumento de pena […].”
De igual sorte, o STJ se posicionou ao julgar o REsp. n. 83.649-CE:
“[…] o processo de individualização da pena, de previsão constitucional tem o seu rigoroso disciplinamento no art. 59 do Código Penal, que se completa com as disposições do artigo 68 do mesmo Estatuto, que preconiza o sistema trifásico: (a) é fixada, na primeira fase, a pena-base, atendidas as circunstâncias judiciais, no quantum necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime; (b) em sequência, são consideradas as circunstâncias legais que agravam ou atenuam a pena, inscritas nos arts. 61 e 65 do Código Penal; e (c) por último, incidem e completam o processo de dosimetria as causas de diminuição e de aumento, classicamente conhecidas por circunstâncias majorantes ou minorantes, fixadas em níveis percentuais”.
A doutrina, de igual forma, acolheu integralmente o sistema trifásico. Nesse sentido, Celso Delmanto e seus pares (2010, p. 310) asseveram que “como determina este art. 68 do CP, ele deve ser feito em três fases, no também chamado método de Nelson Hungria (em oposição ao método de duas fases de Roberto Lyra)”.
Portanto, dúvidas não restam que o Código Penal vigente estabelece como rito a ser seguido na dosimetria da pena o sistema trifásico, devendo o magistrado observar as regras do art. 68, caput, do CP, o qual prevê que “a pena-base será fixada atendendo-se as critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”.
Uma vez feita esta breve incursão histórica acerca da evolução do procedimento do cálculo da pena no ordenamento jurídico brasileiro e exposto qual o método utilizado pelo CP atualmente, agora será feita uma análise mais específica sobre o referido sistema trifásico, começando pelo estudo das circunstâncias legais elencadas no art. 59 do CP.
3. Breves considerações acerca da pena-base
O ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema trifásico para o estabelecimento da pena privativa de liberdade, conforme já asseverado alhures, nos moldes do art. 68 do CP.
Assim, de início o magistrado, observando os ditames do art. 59 do CP, deverá observar e valorar as circunstâncias judiciais ali escandidas, para então encontrar a pena-base atribuível ao apenado, em atenção ao princípio da individualização da pena. É neste momento que a pena deixa de ser abstrata e passa a ser dosada de acordo com as particularidades do caso em concreto.
Insta consignar, que o Código Penal não traz um conceito de pena-base, fazendo referência à esta apenas em seu art. 68, caput. Não obstante tal fato, a primeira fase é denominada de pena-base, pois sobre esta irão recair as demais etapas, ela serve de ponto de partida, referência quantitativa para a aplicação de eventual circunstância legal ou causas minorantes ou majorantes. Ela serve como primeiro ponto da individualização penal, de modo que outra não é a intelecção do referido art. 68.
Da leitura do caput do art. 59 do CP, constata-se a presença de oito circunstâncias judiciais, sendo este rol taxativo. É por meio dele que o magistrado, conforme já mencionado, irá encontrar a pena-base, partindo sempre da pena mínima em abstrato, em atenção ao princípio da presunção da inocência, consoante mencionado anteriormente. Assim, apenas com a valoração negativa de cada circunstância judicial que o magistrado poderá exasperar a pena-base, do contrário deverá fixá-la no mínimo legal.
Sobre a importância da valoração das circunstâncias judiciais, Ricardo Augusto Schmitt (2012, 114) ensina que, ao dosar a pena-base, as circunstâncias judiciais possibilitam que o apenado tenha a perfeita compreensão da razão que o magistrado teve para exasperar a pena ou não, permitindo, assim, um controle de legalidade, de eventual imparcialidade do julgador. Ao valorar as circunstâncias judicias o sentenciante não se desincumbe do princípio-garantia constitucional da motivação das decisões judiciais, de forma que cada circunstância judicial valorada negativamente ao apenado deve ter indicada satisfatoriamente sua motivação.
Ademais, é importante ressaltar que o Código Penal não traz uma tarifação legal das circunstâncias judicias, ou seja, não indica expressamente o quanto deverá ser majorado da pena ao ser considerada cada circunstância como desfavorável ao acusado, de modo que tal tarefa fica a cargo da discricionariedade do magistrado, que deverá pautar-se em estreita observância ao princípio da individualização da pena e da proporcionalidade, a fim de proceder de forma exacerbada na majoração.
É certo que a pena-base deverá partir sempre da pena mínima cominada em abstrato, devido à presunção de inocência constante, inclusive, na etapa da dosimetria da pena. Todavia, conforme dito acima, não existe um critério estabelecido no Código, ou seja, não existe regra positivada acerca da valoração das circunstâncias judiciais, de modo que tal tarefa incumbe à discricionariedade do magistrado, bem como a corroboração da jurisprudência.
Os Tribunais Superiores têm decidido de forma pacífica acerca do direito do acusado ter sua pena-base dosada no mínimo legal, quando as circunstâncias judiciais lhe são favoráveis. Assim, nos autos Agravo Regimental em Habeas Corpus nº 289335 SP, o STJ decidiu:
“AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. RÉU PRIMÁRIO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. PENA INFERIOR A 8 ANOS. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA MAIS GRAVOSO. FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. 1. Deve ser mantida por seus próprios fundamentos a decisão que concede ordem de habeas corpus para fixar o regime inicial semiaberto de cumprimento da pena, por considerar desfundamentada a imposição do regime inicial fechado apenas com base na gravidade abstrata do crime. 2. Agravo regimental improvido”.
De igual sorte, o TJMG ao julgar a Apelação n 1.0511.06.010060-5/001 decidiu:
“Na fixação da pena-base, o magistrado deve observar o disposto no art. 59, que prevê oito circunstâncias judiciais a serem devidamente analisadas. Ainda que nem todas as circunstâncias sejam favoráveis, a pena-base não pode ser fixada de maneira exacerbada, vez que deve atender os fins a que se destina (prevenção e repressão) e a majoração excessiva distancia a pena de suas reais finalidades.”
Muito embora não exista um critério ideal de valoração, os Tribunais Superiores vêm adotando um posicionamento acerca de uma dosimetria básica e padrão, que permite, ainda que seja impossível solucionar perfeitamente todos os casos, abranger o máximo possível de situações de forma garantista e isonômica. Assim, os Tribunais Superiores vêm decidindo que na fase do cálculo da pena-base, o magistrado deverá considerar o padrão máximo e mínimo da pena em abstrato, encontrando, assim, o resultado de tempo oriundo dessa subtração (pena máxima em abstrato menos pena mínima em abstrato, encontrando-se o resultado, espaço de tempo correspondente ao intervalo). Do resultado encontrado divide-se por oito, uma vez que oito são as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP. Assim, a fração encontrada, oriunda da referida divisão corresponderá ao aumento de pena permitido e justo para cada circunstância judicial valorada negativamente. Ou seja, parte-se do mínimo legal, e a cada circunstância judicial valorada negativamente, aumenta-se a pena em um oitavo.
Não obstante o fato deste procedimento tentar ser o mais isonômico possível, não é isento de críticas, conforme será melhor demonstrado a seguir. O que não é admissível, via de regra, pelo menos no procedimento comum ordinário – posto que há exceções, como, por exemplo, na Lei nº 11.343/06 -, é que algumas circunstâncias judiciais assumam papel preponderante sobre outras, como existia corrente jurisprudencial que entendia que os antecedentes do agente prevaleciam sobre as demais circunstâncias, merecendo, assim, maior destaque e aumento de pena quando valorado negativamente.
Insta consignar, ao menos neste ponto, que a pena-base não poderá ser estabelecida em patamar inferior ao mínimo legal previsto em abstrato, nem em nível superior ao máximo previsto, posto que nesta primeira etapa, tem-se por consideração a pena em abstrato, com seus limites intransponíveis. Tal entendimento pode ser extraído da leitura do art. 59, e seu inc. II, do CP.
Quando o delito for qualificado, com a presença de duas ou mais qualificadoras, basta presença de apenas uma delas para tornar diferente a pena a ser observada, ou seja, tanto faz a presença de duas ou quatro qualificadoras no delito de homicídio, por exemplo, para tornar a pena considerável em abstrato de doze a trinta anos de reclusão. O que se pretende dizer com isto é que, havendo duas ou mais qualificadoras, uma delas será considerada pelo magistrado, e a qualificadora que não foi utilizada, se não consistir em circunstância agravante ou causa de aumento de pena, poderá ser apreciada com circunstância judicial.
Do rol taxativo do art. 59 do CP, conforme já asseverado anteriormente, constata-se que algumas circunstâncias possuem cunho objetivo, com ligação direta ao fato criminoso, porém outras assumem cunho totalmente subjetivo, que nada dizem respeito ao delito em julgamento, sendo, na realidade, um julgamento da vida pregressa do condenado, ou seja, por algumas circunstâncias judiciais, conforme melhor demonstrado a seguir, o increpado é punido pelo que é (direito penal do autor) e não pelo que cometeu.
Ultrapassadas estas breves considerações sobre a pena-base encontrada na primeira etapa do sistema trifásico, vejamos pormenorizadamente as oitos circunstâncias judiciais utilizadas pelo magistrado para encontrar a referida pena-base, quais sejam: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos do crime, circunstâncias do delito, consequências do crime e o comportamento da vítima.
3.1. Análise das circunstâncias judiciais
A primeira circunstância judicial elencada no art. 59 do CP, conforme já listada e indicada acima, é a culpabilidade do agente. Tal circunstância possui caráter subjetivo, pois recai sobre o sujeito ativo do delito e não acerca dos fatos que circundam o crime.
A culpabilidade, de acordo com a teoria adotada, pode ser entendida como elemento do crime, em conjunto com o fato típico e antijurídico, entendendo-se o delito como sendo um fato típico, ilícito e culpável. Todavia, a culpabilidade indicada no art. 59 do CP, neste momento analisada, não pode ser confundida com aquela culpabilidade elemento do crime.
Isto porque, quando o magistrado está realizando o cálculo pena, sobretudo neste momento de averiguação da pena-base, ao se debruçar sobre a culpabilidade do agente, não mais se questiona se este é culpado ou inocente, porque tal situação já restou superada na parte dispositiva da sentença penal condenatória. Portanto, a culpabilidade aqui deve ser entendida como um juízo de reprovação da conduta do agente.
Nas lições de Ricardo Augusto Schmitt (2012, p. 155), os elementos da culpabilidade – entendida como integrante do conceito de crime -, são a imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, que não podem e não devem ser confundidos com a culpabilidade disposta no art. 59 do CP, pois esta diz respeito ao agente, referindo-se à censurabilidade da conduta do mesmo.
De acordo com os elementos probatórios produzidos ao longo da instrução criminal, o magistrado terá componentes para mensurar a reprovabilidade da conduta praticada pelo condenado.
Assim, Ricardo Augusto Schmitt (2012, p. 155) conceitua a culpabilidade como sendo um “juízo de reprovação que recai sobre o agente imputável que praticou o fato ilícito de forma consciente, cuja conduta não podia não praticá-la ou evita-la, se quisesse, desde que tivesse atendido aos apelos da norma penal”.
Nesse sentido, o grau de exasperação da pena-base guardará proporcionalidade com a culpabilidade do agente em relação ao crime. Quanto mais merecedora de censura for a culpabilidade, maior será o aumento da pena-base procedido pelo magistrado. Por outro lado, verificado que a culpabilidade do sujeito foi normal, não merecedora de maior reprovação perante a sociedade, a pena-base não poderá ser exasperada com base nesta circunstância, devendo, assim, permanecer no mínimo se as demais circunstâncias forem favoráveis ao réu também.
Com base no exposto, entendida a culpabilidade como um juízo de censura e reprovabilidade da conduta, no qual é valorado o grau de dolo ou de culpa, restando diferenciado e inconfundível com a culpabilidade elemento do crime, conclui-se que ao dosar a pena-base, entendendo esta circunstância como desfavorável ao acusado, não pode o magistrado utilizar de fundamentos relacionados à culpabilidade elemento do crime, como, por exemplo, a “ciência da ilicitude da conduta”.
Nesse sentido, o STJ ao julgar o Habeas Corpus nº 66781 MS 2006/0205731-3, assegurou que:
“HABEAS CORPUS. FURTO. CRIME CONTINUADO. TESE DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS SOBRE A AUTORIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO E NÃO SUBSTITUIÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDA EM PARTE. […]. 3. A consciência sobre a ilicitude da conduta é um dos pressupostos da culpabilidade elemento do crime, não pertencendo ao rol das circunstâncias judiciais especificadas no art. 59 do Código Penal, porquanto a culpabilidade nele referenciada diz respeito à reprovabilidade social […].”
Por fim, ainda acerca da culpabilidade, é importante consignar, que em se tratando de circunstância de cunho subjetivo, em caso de concurso de pessoas, os acusados deverão ter esta circunstância avaliada individualmente, em atenção ao princípio da individualização da pena.
A segunda circunstância judicial prevista no art. 59 do CP diz respeito aos antecedentes criminais do agente. Portanto, consiste em circunstância de cunho eminentemente subjetivo.
Por antecedente se entende tudo aquilo que precede o fato em análise. No que tange à circunstância judicial em comento, são considerados os fatos pregressos na vida do condenado, mas tão somente aqueles de natureza criminal, que dizem respeito ao direito penal, de modo que envolvimentos outros do apenado com o Poder Judiciário não devem ser considerados.
Os antecedentes criminais são, assim, entendidos como os registros passados de cunho criminal na vida do agente, é o histórico criminal da pessoa. Esta circunstância permite avaliar se a vida pregressa do increpado é isenta de outros envolvimentos de natureza criminal, sendo aquele objeto da sentença uma situação esporádica e excepcional, ou se o acusado é contumaz na prática de delitos, revelando seu desrespeito com o ordenamento penal.
Todavia, não basta qualquer tipo de registro na vida pregressa do acusado para que este possa ser considerado de maus antecedentes, a ponto de macular sua primariedade. Tal entendimento é consentâneo do princípio da presunção de inocência.
Não obstante este ser o entendimento hoje pacificado, anteriormente os tribunais brasileiros insistiam em aceitar registros penais sem cunho de imutabilidade, sem revestimento do trânsito em julgado, para macular a vida do acusado. Nesse sentido, José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 166) ensina que, boletins de ocorrência e inquéritos penais em curso, assim como ações criminais pendentes de sentença, ou com estas em fase de recurso, ou seja, sem o advento do trânsito em julgado, anteriormente eram considerados pelo magistrado na hora de valorar os antecedentes criminais do acusado, de modo que eram idôneos a fundamentar os maus antessentes do increpado.
Tal entendimento acima demonstrado encontra-se superado, sendo pacificado na jurisprudência pátria que registros precários de cunho criminal não são idôneos para configurar maus antecedentes.
Nesse sentido, o STJ editou o verbete sumular nº 444, que dispõe in verbis que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.
Na mesma linha de intelecção, é possível destacar o Habeas Corpus nº 66781 MS 2006/0205731-3 julgado pelo STJ.
“HABEAS CORPUS. FURTO. CRIME CONTINUADO. TESE DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS SOBRE A AUTORIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO E NÃO SUBSTITUIÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDA EM PARTE. […]. 4. Resta assentada a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de que "viola o princípio constitucional da presunção da inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF) a consideração, à conta de maus antecedentes, de inquéritos e processos em andamento para a exacerbação da pena-base e do regime prisional" (REsp 675.463/RS, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ 13/12/04), e que, "Por maus antecedentes criminais, em virtude do que dispõe o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição de República, deve-se entender a condenação transitada em julgado, excluída aquela que configura reincidência (art. 64, I, CP), excluindo-se processo criminal em curso e indiciamento em inquérito policial" (HC 31.693/MS, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ 6/12/04).
Insta consignar, que os antecedentes criminais não podem ser confundidos com a reincidência penal, posto que esta última consiste em circunstância agravante, prevista no art. 61, inc. I, do CP.
Do exposto, Celso Delmanto (2010, p. 274), em interpretação constitucional sobre o tema, sobretudo em atenção ao princípio constitucional da presunção de inocência, entende que só é possível considerar como maus antecedentes do agente “a condenação por fato anterior, transitada em julgado após o novo fato”. Isto porque, não seria possível considerar tão situação como reincidência penal, nos moldes do art. 61, I, do CP, mas já existiria contra o apenado uma condenação revestida pelo manto do trânsito em julgado, de elevado grau de certeza, de modo que o referido princípio não seria violado.
Questão interessante acerca dos antecedentes criminais diz respeito ao período de tempo que estes poderão ser considerados, ou seja, até quando um registro pretérito pode ser utilizado pelo magistrado para exasperar a pena-base à título de maus antecedentes.
O Código Penal não regulou o tema, fazendo referência apenas quanto a reincidência penal, que fica sujeita ao prazo depurador de cinco anos. Após o referido lapso temporal, os registros na vida do acusado, embora não possam ser utilizados para efeito de reincidência, podem ser valorados como maus antecedentes.
Tal entendimento não se mostra o mais adequado sob à ótica garantista constitucional, posto que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inc. XLVII, b, dispõe que não serão admitidas penas de caráter perpétuo. Nesse contexto, entender que um registro criminal antigo, que não pode mais ser considerado como reincidência, posto que superado o período depurador de cinco anos, possa ser considerado como maus antecedentes, é violar a garantia constitucional referida. O registro criminal surtiria como uma pena perpétua na vida do condenado, pois sempre agravaria a situação deste, independentemente da época.
Nesse contexto, Ricardo Augusto Schmitt (2012, pp. 124-125) aduz que, se os efeitos da reincidência pena estão adstritos ao período depurador de cinco anos, nos moldes do art. 64, I, do CP, os efeitos de uma condenação transitada em julgado também devem ser regulados pelo mesmo lapso temporal, uma vez que não há norma positivando o assunto. Não se mostra justo nem adequado que uma condenação possa propagar seus efeitos por dez anos ou mais, por exemplo. Uma vez que a reincidência, se comparada aos antecedentes criminais, se mostra mais reprovável que aquela, mas mesmo assim está adstrita ao período depurador, fazendo assim desaparecer seus efeitos com o tempo, não se mostra razoável que os antecedentes tenham seus efeitos perpetuados.
A terceira circunstância judicial prevista no art. 59 do CP consiste na conduta social do agente. Trata-se, mais uma vez, de circunstância de cunho subjetivo, pois diz respeito à pessoa do condenado, em nada se relacionando com o fato criminoso.
Se com os antecedentes criminais se investigava a vida pregressa do apenado em relação aos feitos criminais, por meio da presente circunstância judicial a vida pregressa do réu será investigada também, mas desta vez em relação às situações alheias ao direito penal, inerentes ao réu na comunidade.
Insta consignar, que antes do advento da Lei nº 7.209/84, que promoveu a Reforma da Parte Geral do Código Penal, a conduta social era averiguada em conjunto com os antecedentes criminais. Todavia, com o atual art. 59 do CP, consistem em circunstâncias absolutamente distintas.
Por conduta social se entende o comportamento do condenado perante o meio social onde vive, seu relacionamento com seus familiares, vizinhos, colegas de profissão, etc.; consiste em verdadeira circunstância judicial de cunho comportamental, onde o acusado tem avaliado seu relacionamento com seus pares.
Insta consignar que, embora não exista, via de regra, preponderância de uma circunstância judicial sobre a outra no procedimento comum ordinário, na legislação Antidrogas, Lei 11.343/06, o comportamento social é tido como uma das circunstâncias preponderantes, consoante dispõe o art. 42.
Por ser circunstância judicial subjetiva, que diz respeito apenas ao autor do fato, em nada se relacionando com o delito praticado, tal circunstância consagra o famigerado direito penal do autor, onde o réu é punido pelo que é, mas não pelo que fez, a sanção é agravada em decorrência de condições pessoais alheias ao delito praticado.
Nesse sentido, Salo de Carvalho e Amilton Bueno de Carvalho (2001, p. 45) criticam a presente circunstância judicial aduzindo que esta não apresenta consonância com o postulado iluminista de que o réu deve ser punido pelo fato, sendo vedada, consequentemente, qualquer valoração de cunho moral, religioso ou ético.
A quarta circunstância judicial diz respeito à personalidade do agente. Circunstância, também de cunho subjetivo, que consagra o direito penal do autor, sendo aplicável a esta as críticas feitas no parágrafo anterior.
Esta circunstância judicial se revela de elevada dificuldade probatória, pois carece de conhecimentos técnicos inerentes a outras áreas do conhecimento, como por exemplo, a psicologia, para que se possa ser averiguada com precisão.
Por meio da lição de Ricardo Augusto Schmitt (2012, p. 132), é possível compreender a personalidade do agente com sendo as características psicológicas que compõem o padrão de comportamento, ou seja, determinam a forma de pensar e se portar. Tal circunstância diz respeito ao caráter do indivíduo, bem como à sua índole e temperamento.
Assim, por tratar-se de circunstância de cunho extremamente subjetivo, conclui-se que o apenado pode ter sua pena-base agravada em decorrência da pessoa que é, mas não pelo delito que cometeu, conforme já asseverado alhures.
Nesse contexto, José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 176) assevera que “os indivíduos devem ser punidos pelos atos ilegais que praticarem, e não pelo que são ou pensam que são”.
Deste modo, a personalidade da pessoa está intimamente relacionada ao seu psiquê, id, ego e superego, de modo que influencia diretamente na forma da pessoa portar-se perante o meio social, influenciando, assim, na sua liberdade moral. Com base neste entendimento, José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 176) ainda ensina que “eventual deformação da personalidade do réu oriunda de transtorno reconhecido longe de servir como fundamento para a exasperação da pena-base precisaria, isto sim, propiciar o abrandamento da censura penal”, pois o apenado não estaria atuando livremente, mas sim de acordo com suas amarras psicológicas.
Ao magistrado só é dado manifestar-se sobre a personalidade do agente com certa propriedade, quando baseado em laudo psicológico, ou outro estudo semelhante, pois do contrário estará realizando mera adivinhação preconceituosa, de modo que é preferível manifestar-se no sentido de declarar a impossibilidade de avaliar tal circunstância judicial.
A quinta circunstância judicial, também de cunho subjetivo, diz respeito aos motivos do crime. Por tal circunstância o magistrado julgará as razões que moveram o sujeito ativo do delito a descumprir a regra penal. Basicamente, por motivo do crime, se entende o “porquê” do agente ter atuado daquele modo. Os motivos são as ordens que atuaram na consciência do autor e impulsionaram sua atividade, sendo, portanto, de cunho eminentemente subjetivo.
Ao se debruçar sobre esta circunstância judicial, o magistrado precisa ter cautela, pois em muitas vezes os motivos do crime podem englobar o próprio tipo penal. Nesse sentido, é importante destacar um equívoco praticado pelos magistrados ao julgarem, por exemplo, o crime de tráfico de drogas, quando ao valorarem os motivos aduzem que estes são reprováveis, pois tem por objetivo o provento de lucro fácil. O crime de tráfico de drogas, disposto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, consiste em delito de mercancia, de modo que o lucro consiste em resultado lógico, sendo, assim, inerente ao próprio tipo penal, não podendo ser valorado negativamente para prejudicar o condenado.
De igual sorte, à título de exemplo, nos delitos contra o patrimônio, o magistrado não pode valorar os motivos do crime de forma negativa, fundamentando, simplesmente, no intuito do increpado obter vantagem patrimonial, ganância em enriquecer, etc., pois tais circunstâncias são elementares do próprio tipo penal, uma vez que em se tratando de delitos contra o patrimônio, a transferência da res furtiva implica em acréscimo patrimonial para um agente em detrimento do outro. Deste modo, Ricardo Augusto Schmitt (2012, p. 136) diz que “deve ser valorado tão somente o motivo que extrapole o previsto no próprio tipo penal, sob pena de incorrermos em bis in idem”.
No mesmo sentido, os motivos podem estar previstos como qualificadoras do crime, à exemplo do art. 121, § 2º, inc. II, do CP; circunstâncias agravantes ou atenuantes, v.g. do art. 65, inc. III, do CP, e art. 61, inc. II, a, do CP, respectivamente; ou ainda, como causa de aumento ou diminuição de pena.
Deste modo, uma vez conferido ao motivo do crime status de qualificadora, agravante ou atenuante, ou mesmo majorante ou minorante, tal fato não poderá ser considerado pelo magistrado, pois do contrário ocorreria flagrante bis in idem, onde a mesma circunstância seria utilizada duas vezes para prejudicar o réu. Isto porque, o motivo do crime será considerado, nestes casos, já para determinar o patamar mínimo da pena-base (no caso da qualificadora); na segunda fase da dosimetria, atuando sobre a pena-base anteriormente fixada; ou ainda, na última etapa do sistema trifásico.
A sexta circunstância judicial elencada no art. 59 do CP, trata das circunstâncias do crime. Por dizer respeito aos elementos fáticos que contornam o crime perpetrado, tal circunstância possui caráter objetivo. Na lição de José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 179), “as circunstâncias do crime têm natureza objetiva, porque dizem respeito aos aspectos laterais, periféricos, que circundam o fato propriamente dito e fornecem a este um colorido especial […]”.
Por circunstâncias do crime pode-se entender o modus operandi do agente delitivo, a forma como este comportou-se ao longo da empreitada criminosa, o tempo de duração do crime, condições de lugar, condições meteorológicas, dentre outras.
Assim, ao manifestar-se sobre as circunstâncias do crime, Leonardo Massud (2009, pp. 170-171) assevera que:
“São consideradas circunstâncias do crime as condições de tempo, lugar, modo de execução, as características físicas e psicológicas da vítima (excluídas, evidentemente, como já dito, aquelas já estabelecidas pelo legislador) e do autor, a eventual relação de um com o outro, o comportamento do autor durante a atividade criminosa. As circunstâncias pode, nesse sentido, revelar maior ou menor covardia, audácia, preparação para o delito – tratando-se de uma ação mambembe e desastrada, de uma organização indigna de maior nota, ou ainda uma atuação meticulosamente organizada – ou de maior potencialidade lesiva.”
De forma semelhante com outras circunstâncias legais acima mencionadas, as circunstâncias do crime podem configurar, eventualmente, qualificadoras, agravantes ou atenuantes, majorantes ou minorantes, de modo que o magistrado não poderá considera-las na dosimetria da pena-base. Igualmente, se a circunstância do crime for inerente ao próprio tipo penal, como elementar deste, o magistrado não poderá aumentar a pena-base valorando tal circunstância como negativa em desfavor do crime, em atenção ao princípio do ne bis in idem.
A sétima circunstância judicial consiste nas consequências do crime, ou seja, nos efeitos que o delito produz, os danos decorrentes do crime, sejam estes de cunho material ou moral.
É importante destacar o cuidado que o magistrado precisa ter ao valorar as consequências do delito, posto que pode incorrer em considerar algo que é próprio do tipo penal como sendo a circunstância judicial ora em destaque. Neste caso, por exemplo, a simples morte da vítima não pode ser aduzida como consequência do delito. Todavia, o magistrado tem de avaliar o caso concreto, com base nas provas que lhe são fornecidas. Assim, se a vítima do homicídio deixou uma família desamparada, tal fato pode perfeitamente configurar uma grave consequência do crime.
Por fim, a última circunstância judicial elencada no art. 59 do CP diz respeito ao comportamento da vítima.
O comportamento de vítima foi incorporado ao rol de circunstâncias judiciais pela Lei nº 7.209/84, que introduziu a Nova Parte Geral do Código Penal, conferindo, portanto, maior destaque e importância à vítima do delito.
O sujeito passivo do crime vem ganhando relevância no ordenamento jurídico brasileiro, podendo citar, à título de exemplo, os dispositivos legais constantes da Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais. Não obstante tal fato, o ordenamento jurídico criminal confere amplo destaque às garantias do acusado, e não da vítima.
A presente circunstância se relaciona com os ensinamentos da vitimologia, revelando, assim, a importância desta matéria para o Direito Penal moderno, com ampla aplicação prática.
Por comportamento da vítima se entende a conduta desta em momento anterior ao delito, bem como durante o crime. Ou seja, consiste de que modo a vítima colaborou ou não com a empreitada criminosa, podendo esta ter “provocado” ou “negligenciado” para o crime, ou ainda ter adotado todas as ações de cautela possíveis e ter sofrido, não obstante, o delito.
É por meio desta circunstância que, consoante ensina Ricardo Augusto Schmitt (2012, p. 142), o magistrado vai avaliar de qual maneira a conduta da vítima colaborou para a ação delitiva do condenado. Todavia, esta circunstância não pretende justificar a ação criminosa, mas não há como negar que em determinadas ocasiões o comportamento da vítima contribui ou facilita para o intento criminoso.
Por dizer respeito à vítima e seu comportamento, única e exclusivamente, tal circunstância, com base na moderna doutrina, não pode ser considerada para exasperar a pena-base do apenado.
Se a vítima não contribuiu para o delito, a punição que lhe será atribuída já será suficiente e necessária para prevenção e reprovação do crime, ao tempo em que se a vítima contribuiu de alguma forma para o crime, não há que se pensar em aumentar a pena-base do réu, pois este estaria sendo prejudicado com base em elemento alheio ao seu poder de controle.
Deste modo, existe corrente doutrinária que discorda a respeito do quantum de aumento atribuído à cada circunstância judicial, conforme exposto anteriormente ao tratar sobre o cálculo da pena-base.
Em virtude do comportamento da vítima não pode agravar a pena-base do apenado, esta não deveria nunca ser considerada no cálculo. Ainda sobre a valoração do comportamento da vítima, existe corrente doutrinária que entende que o valor de acréscimo destinado á ela deveria ser distribuído entre as demais circunstâncias judicias.
Todavia, o entendimento mais correto acerca do assunto é o que assevera que as circunstâncias judiciais devem ser valoradas igualmente, mas o magistrado não poderá exasperar a pena-base do réu em decorrência do comportamento da vítima, apenas.
4. As circunstâncias atenuantes e agravantes
Encerrada a primeira etapa da dosimetria da pena e estabelecida a pena-base cabível ao condenado, o magistrado dá início às considerações acerca das circunstâncias legais, valorando-as e as fundamentando quando incidentes.
Por circunstâncias legais entendem-se as atenuantes e agravantes, que proporcionam o estabelecimento da pena provisória ou intermediária aplicável ao apenado. Tais circunstâncias encontram-se positivadas nos artigos 61 usque 67 do Código Penal.
Assim como as circunstâncias judiciais mencionadas no tópico anterior, as circunstâncias legais possuem caráter objetivo – quando dizem respeito ao fato em si considerado –, ou subjetivo, quando fazem menção à pessoa do criminoso, podendo, ainda, trazer aspectos de política criminal, como, por exemplo, na prevista no art. 65, inc. III, alínea d, do CP, que diz respeito à confissão espontânea do crime perante autoridade.
Insta consignar, que embora algumas circunstâncias agravantes possuam semelhanças com outras qualificadoras do delito, como, à título de exemplo, o homicídio qualificado pelo motivo fútil e a qualificadora prevista no art. 61, inc. II, a, do CP, estas não devem ser confundidas aquelas. As circunstâncias legais, ainda que possuam alguma semelhança no que tange à expressão literal, não pode ser confundida com as qualificadoras, majorantes e minorantes, posto que as fases de incidência e forma de alterar a pena são completamente distintas.
Sobre a diferenciação entre as figuras qualificadas do delito e as circunstâncias agravantes, bem como com as causas de aumento, José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 200) assevera que “as qualificadoras reposicionam o juiz diante de margens especiais distintas das do tipo básico e as últimas determinam aumento ou diminuição da pena provisória, com vista à concreta determinação da pena definitiva”.
Não obstante, um crime pode ser qualificado por mais de uma circunstância, de modo que o magistrado para fixar a pena-base se valerá de apenas uma qualificadora, utilizando as demais como circunstância agravante. Vale fazer a ressalva que não pode ser a mesma circunstância, sob pena de inobservância do princípio do ne bis in idem.
Mesmo com advento da Lei 7.209/84, que promoveu a Reforma da Parte Geral do Código Penal, o rol das agravantes e atenuantes restou, praticamente, inalterado, possuindo poucas modificações. Assim, como bem anotou Alberto Franco (1995, p. 752), a expressão “asfixia” foi retirada, pois era, apenas, exemplificativa em última essência de meio cruel ou insidioso; de igual forma, relocou-se a ordem de enumeração das agravantes, tornando a última hipótese o caso em que o agente se embriaga propositalmente, conferindo o nome jurídico para tal situação de “embriaguez preordenada”.
As circunstâncias legais, conforme dito alhures, encontram-se dispostas entre os arts. 61 e 67 do CP, de forma que José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 200) diz que “as agravantes e atenuantes caracterizam-se como circunstâncias legais, genéricas, taxativas e obrigatórias”. De acordo com a lição do autor em referência, são legais por serem regidas pelo princípio da legalidade, de modo que só podem ser consideradas circunstâncias legais, a ponto de serem valoradas na segunda etapa do cálculo penal, aquelas que se encontram previamente dispostas em lei, como ocorre nos artigos 61 e 65 do CP.
Uma exceção à legalidade das circunstâncias em estudo encontra-se disposta no art. 66 do CP, que autoriza o magistrado atenuar a pena-base em decorrência de circunstância relevante, trata-se de verdadeira circunstância atenuante inominada, sem previsão taxativa em lei.
O art. 66 do CP dispõe in verbis que “a pena poderá ser anda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”.
Deste modo, se o magistrado ao analisar o caso constatar fato relevante, que não tenha sido concomitante com o crime, mas que diga respeito ao acusado – tratando-se, portanto, de circunstância atenuante de cunho extremamente subjetivo, pois diz respeito à condição pessoal do agente -, está autorizado a reduzir a pena-base, desde que indique tal circunstância fundamentadamente, em atenção o princípio da fundamentação das decisões judiciais.
A previsão do reconhecimento de circunstância atenuante inominada por parte do magistrado revela-se louvável, posto que não é possível o legislador abarcar todas as situações da vida humana, dada a impossibilidade de norma de clausura. Assim, confere-se discricionariedade ao magistrado para reconhecer fato relevante, que redima um pouco a conduta do apenado. Se não existisse o referido dispositivo legal, alguns fatos que abonariam de certa forma os atos criminosos praticados pelo apenado seriam desconsiderados.
O dispositivo legal em comento, qual seja, o art. 66 do CP, que prevê a possibilidade de reconhecimento de circunstância atenuante inominada, consagra a teoria da coculpabilidade preconizada por Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (1999, p. 610), que entende que “ao lado do homem culpado por seu ato, existe uma coculpabilidade – da reprovação pelo fato – com a qual a sociedade deve arcar em razão das possibilidades sonegadas”.
Sobre a teoria da coculpabilidade e a circunstância atenuante inominada prevista no art. 66 do CP, José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 240) assevera:
“A coculpabilidade, sendo uma valorização compensatória, propõe que se aceitem como fator de redução de pena essas variáveis sociais que alijaram ou contribuíram para o alijamento do indivíduo do processo de inserção e o colocaram à margem do consumo, da educação, da saúde, do emprego, da renda, etc.
O STJ[1] e o TJRS têm resistido, conservadoramente, à proposta, afirmando, por exemplo, que a culpabilidade não está prevista como atenuante na Parte Geral do Código Penal, que não se pode ‘responsabilizar a sociedade’ pela pobreza, sob pena de se estar autorizando a desordem e a impunidade, também porque a criminalidade é democrática e atinge a todos os seguimentos sociais indistintamente e que não se pode presumir que a ‘ausência de um direito não concretizado do Estado’ tenha sido a causa da vontade criminosa.
Os fundamentos eleitos nesses julgados denotam, máxima vênia, o equívoco na compreensão da teoria de Zaffaroni, que jamais pretendeu deslocar responsabilidades para a sociedade, nem ignorar os elevados níveis de criminalidade em países como o nosso, mas que justifica a menor reprovação ao autor do crime vítima de anomalias sociais (p. ex., carência de empregos, dificuldades de acesso à educação, ambientes degradantes das prisões, desigualdades),, as quais reproduzem pobreza, fome, miséria e marginalização social, ou seja, as condições propícias para o despertar da vontade criminosa.”
As circunstâncias legais são consideradas, ainda, genéricas, pois se aplicam irrestritamente a todos os delitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Neste aspecto, uma ressalva merece ser feita quanto aos crimes culposos, uma vez que quanto à estes as de cunho subjetivo não podem ser aplicadas, em decorrência da ausência de vontade para praticar o ato criminoso. Não obstante tal entendimento, que excepciona a regra. No que tange à reincidência, a jurisprudência apresenta entendimento majoritário no sentido de ser aplicável aos crimes culposos também, posto que possui caráter objetivo, podendo ser aplicada aos delitos culposos.
Por sua vez, a taxatividade das circunstâncias legais decorre, também, do princípio da legalidade dos crimes e da pena, uma vez que não podem ser aplicadas de forma análoga, ampliada ou extensiva.
Por fim, a obrigatoriedade das circunstâncias legais decorre da impossibilidade do magistrado aplica-las ou não, se uma vez reconhecidas. Ou seja, não há discricionariedade ao magistrado para fazer incidir ou não uma circunstância legal. Se restar comprovado dos autos a presença de circunstância legal, esta deve, obrigatoriamente, fazer incidir seus efeitos.
No que tange ao reconhecimento das circunstâncias agravantes não descritas na exordial acusatória, a jurisprudência brasileira ainda não apresenta um entendimento pacífico, senão vejamos:
“As circunstâncias agravantes podem ser reconhecidas pelo Juiz, na sentença, embora não tenham sido apontadas na denúncia, porque a reincidência não é elementar do delito. Não incidência do art. 384 do CPP”. (Apelação-Crime nº 696059021, 3ª Câmara Criminal TJRS, Rel. José Eugênio Tedesco, j. 29.08.96, un).
Em sentido contrário:
“PENAL. FRAUDE CONTRA O FGTS. CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE NÃO DESCRITA NA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. VIOLAÇÃO DA CORRELAÇÃO ENTRE IMPUTAÇÃO E CONDENAÇÃO. 1. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito de fraude ao FGTS, é de confirmar-se o decreto condenatório, ainda que com ajustes em relação á dosimetria da pena. Se a denúncia não descreve a agravante "com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão" (art. 61, g – CP), a sua aplicação, pela sentença, viola o princípio da correlação entre a imputação e a condenação e, portanto, a ampla defesa, impondo-se a correção. 2. Provimento parcial das apelações.” (TRF-1 – ACR: 199732000025519 AM 1997.32.00.002551-9, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, Data de Julgamento: 17/06/2013, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.24 de 01/07/2013).
Nesse contexto, nas lições de José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 202), seria defeso ao juiz reconhecer pela existência de circunstância agravante que não estivesse descrita na exordial acusatória, ainda que se invoque a regra contida no art. 385 do CPP, posto que o magistrado não poderia extrapolar os limites formulados pela acusação. Embora a circunstância agravante atue apenas sobre a pena-base, em atenção ao princípio da ampla defesa, esta não poderia ser reconhecida apenas ao final.
De igual sorte, não pode o magistrado ao proferir decisão de pronúncia, no sentido de submeter o réu à julgamento perante o Tribunal do Júri, manifestar-se acerca das agravantes, uma vez que o juízo procedido nesta etapa, no judicium accusationis, é de mera procedibilidade da acusação.
Uma vez reconhecida a presença da circunstância legal, sua incidência é condicionada à fundamentação legal, em atenção ao princípio da fundamentação das decisões judiciais.
Assim como as circunstâncias judiciais, as circunstâncias legais não possuem valores de abrandamento ou agravamento predefinidos, de modo que fica à cargo do magistrado, que utilizando-se das provas dos autos, bem como da discricionariedade inerente a função do julgador, irá especificar o quantum vai diminuir ou acrescer da pena. Entretanto, ainda que não seja um consenso, a jurisprudência, sobretudo dos Tribunais Superiores, vem manifestando-se no sentido de aplicar o coeficiente imaginário de um sexto por cada circunstância legal reconhecida e valorada.
“APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA BASE. POSSIBILIDADE. EQUÍVOCO NA ANÁLISE DE ALGUMAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. INCIDÊNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO. APLICAÇÃO DO PATAMAR DE 1/6 (UM SEXTO). PLEITO DE INCIDÊNCIA DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º DA LEI Nº 11.343/06. NÃO ACOLHIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA REDUZIR A PENA APLICADA. […].2. Embora não haja consenso quanto ao patamar ideal a ser adotado, torna-se mais aceito por Doutrina e Jurisprudência a aplicação do coeficiente imaginário de 1/6 (um sexto) para cada circunstância atenuante ou agravante reconhecida.[…].” (TJBA, APL 00015620620118050176 BA, da Segunda Câmara Criminal – Primeira Turma do TJBA, Rel. Des. Carlos Roberto Santos Araújo. Bahia, BA, 05 de setembro de 2013).
No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci (2005, p. 285) entende que o quantum razoável para valoração das circunstâncias legais seja um sexto, por corresponder à fração mínima das causas de aumento ou de diminuição, embora a base de incidência seja diferente.
Sobre o patamar de um sexto, José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 243) faz a perspicaz observação de que é “prático e útil, mas, infelizmente, ainda é insuficiente”.
Neste ponto, é importante fazer uma ressalva no sentido que o cálculo penal não pode ser entendido como um simples procedimento aritmético. Ao proceder com a dosimetria da pena, o magistrado deve ter em consideração o sistema trifásico, no sentido de que a fase posterior sempre exacerbe ou abranda mais a pena do que a etapa anterior. Assim, o critério supracitado de um sexto não deve ser aplicado irrestritamente, devendo ser entendido como um padrão norteador.
O que se deve ter em consideração sempre, é que o princípio da culpabilidade deve influir na definição do quantum de agravamento ou atenuação da pena. O magistrado, ainda que revestido da discricionariedade inerente ao cargo, não pode desconsiderar o referido princípio na segunda etapa do cálculo da pena.
As circunstâncias legais podem estar presentes no caso concreto de forma isolada, mas também podem ocorrer de forma conjunta, em verdadeiro concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes.
Uma vez ocorrendo o supracitado conflito entre circunstâncias legais, tendo de um lado determinada circunstância agravante e do outro uma circunstância atenuante, o magistrado deverá observar certas regras de dosimetria, a fim de valora-las corretamente.
Constatado o conflito entre circunstâncias legais, o magistrado poderá, nas lições de José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 247), identificar as quantidades de da agravante e da atenuante e, então, aplicá-las sobre a pena-base, cumulativamente, ou seja, uma sobre a outra, de forma que o resultado do agravamento sobre a pena-base sirva como novo patamar de incidência para a subtração da atenuante.
Pode ocorrer, também, não sendo o caso de conflito entre circunstâncias preponderantes, a compensação entre elas, de modo que o magistrado estaria autorizado a compensar ou neutralizar os efeitos de uma sobre a outra, ou seja, a quantidade de aumento da circunstância agravante restaria anulada pelo quantum de subtração da circunstância atenuante.
Não obstante, ocorrendo o conflito entre circunstâncias legais, algumas podem ser consideradas como preponderantes, de modo que a regra estatuída no art. 67 do CP deve ser observada, a fim de que prevalecer a circunstância que diga respeito aos motivos do crime, personalidade do agente e a reincidência. Estas se sobrepõem sobre as demais, causando, portanto, maior agravamento ou atenuação na pena.
Insta consignar, que havendo concurso entre duas circunstâncias legais preponderantes, como, por exemplo, a reincidência e a confissão espontânea, óbice não seria encontrado pelo magistrado ao reconhecer pela neutralização de ambas. Neste sentido, o STF e STJ se posicionam.
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA. COMPENSAÇÃO DA ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. A decisão agravada, que concedeu a ordem, de ofício, para reformar o acórdão impugnado, compensando a atenuante da confissão com a agravante da reincidência, está em consonância com a jurisprudência desta Corte, que firmou entendimento, a partir do julgamento, pela Terceira Seção, do EREsp 1.154.752/RS, de relatoria do Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, no sentido de que a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência, por serem ambas preponderantes, devem ser compensadas. Precedentes do STJ. II. Agravo Regimental improvido.” (STJ – AgRg no HC: 242195 DF 2012/0096692-4, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 15/08/2013, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/05/2014)
Insta consignar, ainda, que as circunstâncias atenuantes devem ser valoradas e aplicadas, via de regra, primeiro do que as circunstâncias agravantes, em atenção ao disposto no art. 68 do CP.
Questão polêmica no que tange às circunstâncias atenuantes diz respeito à possibilidade de estabelecimento da pena intermediária aquém do mínimo legal previsto em abstrato para o crime.
Antes do advento da Lei nº 7.209/84, que implementou a Reforma da Parte Geral do CP, era entendimento pacífico, tanto na doutrina especializada, quanto na jurisprudência, de que as circunstâncias atenuantes não poderiam influenciar a pena abaixo do limite legal previsto pelo legislador.
Tal entendimento era decorrência de simples interpretação literal do dispositivo supracitado, que vedava expressamente a redução aquém da barreira mínima, impondo ao magistrado estrita observância ao limite mínimo legal. Todavia, em que pese a Reforma da Parte Geral do CP, e alteração dos dispositivos legais pertinentes à aplicação da pena, o presente entendimento pela impossibilidade da redução da pena aquém do limite mínimo em abstrato por força de circunstância atenuante permanece.
Atualmente, invoca-se o respeito ao princípio da legalidade para justificar o óbice da redução aquém do mínimo por força de incidência de circunstância atenuante.
De acordo com a doutrina e jurisprudência que segue por este entendimento, o magistrado não poderia reduzir a pena, na fase intermediária, abaixo do mínimo previsto abstratamente, pois do contrário estaria violando o preceito secundário da norma penal, e, assim, estaria criando um novo tipo penal.
Para esta corrente, o magistrado, ainda que dotado de discricionariedade, deve obedecer a lei, lhe sendo vedado alterar ou criar tipo penal diverso. Entender de modo diverso, consoante este posicionamento, ofenderia, além do princípio da legalidade, o princípio da separação dos Poderes.
Ao ser possibilitada a redução da pena em comento, o princípio da legalidade restaria violado, atualmente, pois o art. 59, inc. II, do CP, dispõe que a pena deverá ser aplicada “dentro dos limites previstos”.
De igual sorte, outro dispositivo legal indicado como passível de violação seria o art. 53 do CP, que dispõe que “as penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime”.
E ainda, a fim de justificar a observância das barreiras impostas pelo legislador, a doutrina e jurisprudência que entendem pela impossibilidade da redução aduzem que o art. 67 do CP é claro ao indicar que a pena deve “aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes”, sendo vedado, portanto, qualquer rompimento desse limite.
Outra justificativa invocada pela doutrina e jurisprudência acerca da impossibilidade da redução da pena, na segunda etapa do procedimento trifásico, é de que entender pela redução ensejaria, consequentemente, entender pelo aumento da além do máximo por incidência de circunstância agravante.
As penas, mínima e máxima, previstas em abstrato servem como limites a serem observados pelo magistrado. Assim, se este pode reduzir a pena abaixo do mínimo previsto pelo legislador, não haveria obstáculo para proceder com o aumento além do mínimo por força de circunstância agravante.
A segurança jurídica ainda é invocada para justificar a impossibilidade de redução aquém do mínimo legal na segunda etapa do procedimento trifásico, pois do contrário não haveria como ter noção ou ao menos previsão de como as decisões judiciais seriam tomadas, possibilitando, inclusive, a prolação de sentença penal condenatória sem um quantum de tempo a ser cumprido pelo apenado. Segundo este entendimento, poderia ocorrer “pena zero”, o que afrontaria o princípio da segurança jurídica.
Assim, consoante assevera Paulo José da Costa Júnior (1989, p. 358), “a aplicação das circunstâncias legais haverá de respeitar sempre os limites punitivos expressos no tipo. A adoção de posicionamento diverso equivaleria a trocar a certeza do direito pelo arbítrio judicial”. Ou seja, a discricionariedade conferida ao magistrado seria tanta que poderia transformar-se em arbítrio, ofendendo a segurança jurídica, que é indispensável para o ordenamento jurídico pátrio.
Por fim, de modo a justificar o entendimento pela impossibilidade de redução ora em comento, o Superior Tribunal de Justiça criou a Súmula nº 231, que preconiza que “a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Tal entendimento sumular só fez refletir a forma de entendimento dos tribunais pátrios, que de modo reiterado e praticamente pacífico já vinham decidindo pela impossibilidade.
A jurisprudência dominante, porém não a mais correta, entende pela impossibilidade desta fixação.
“HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. 1. A questão controvertida neste writ – acerca da possibilidade (ou não) da fixação da pena abaixo do mínimo legal devido à presença de circunstância atenuante – já foi objeto de vários pronunciamentos desta Corte. 2. Na exegese do art. 65, do Código Penal, "descabe falar dos efeitos da atenuante se a sanção penal foi fixada no mínimo legal previsto para o tipo (HC n 75.726, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.12.1998). 3. De acordo com a interpretação sistemática e teleológica dos arts. 59, 67 e 68, todos do Código Penal, somente na terceira fase da dosimetria da pena é possível alcançar pena final aquém do mínimo cominado para o tipo simples ou além do máximo previsto. 4. Há diferença quanto ao tratamento normativo entre as circunstâncias atenuantes/agravantes e as causas de diminuição/aumento da pena no que se refere à possibilidade de estabelecimento da pena abaixo do mínimo legal – ou mesmo acima do máximo legal. 5. O fato de o art. 65, do Código Penal, utilizar o advérbio sempre, em matéria de aplicação das circunstâncias ali previstas, para redução da pena-base em patamar inferior ao mínimo legal, deve ser interpretado para as hipóteses em que a pena-base tenha sido fixada em quantum superior ao mínimo cominado no tipo penal. 6. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da impossibilidade de redução da pena aquém do mínimo legal quando houver a presença de alguma circunstância atenuante. 7. Ordem denegada.” (STF – HC 94540 RS, Relator: Ministra Ellen Gracie, Data de Julgamento: 27/05/2008, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 12/06/2008).
Em sentido diametralmente oposto, a mais abalizada doutrina entende pela possibilidade de redução da pena-base abaixo do mínimo legal por força de circunstância atenuante.
A possibilidade de redução da pena aquém do mínimo legal por incidência de circunstância atenuante está cada vez mais aceita perante a doutrina penal mais abalizada, uma vez que este entendimento apresenta estreita consonância com os postulados garantistas incorporados pela Constituição Federal, de modo que os fundamentos deste entendimento apresentam cunho principiológico.
A base do presente entendimento é formada pelo princípio da individualização da pena, disposto no art. 5º, inc. XLVI, da CF, que assegura a garantia de todo acusado criminalmente de ter sua pena individualizada, valorada e aplicada de acordo com o caso concreto e as particularidades do indivíduo.
Deste modo, de acordo com o fundamento ora em análise, entender pela impossibilidade da redução ofenderia o princípio da individualização da pena, pois estaria sendo aplicado ao condenado uma pena privativa de liberdade incompatível com a condição pessoal do mesmo, uma pena que não guardou proporcionalidade com as características do sujeito ou às condições pessoais do mesmo.
Uma vez fixada a pena-base no mínimo legal e desconsiderando eventual incidência da circunstância atenuante, estar-se-ia o magistrado a ignorar por completo o princípio garantia em comento.
Nesse contexto, em caso hipotético de corréus de determinado processo, acusados de roubo, ambos possuidores de todas as circunstâncias judiciais favoráveis, mas sendo que apenas um deles à época do fato menor de vinte e um anos e na audiência de instrução confessou perante a Autoridade Judicial o delito. Assim, na hora de dosar-lhes a pena, o magistrado aplicará a pena-base em igual patamar para ambos, ou seja, no mínimo legal, em face das boas circunstâncias judicias. Mas na hora de verificar a possibilidade de redução da pena por força de circunstância atenuante, se o magistrado entender pela impossibilidade estará violando o princípio da individualização da pena. Isto porque será aplicada pena para determinado sujeito igual à de outro, sendo que ambos possuíam características diversas no caso apreço.
De acordo com o princípio da individualização da pena, para que o juiz possa estabelecer a reprimenda suficiente e necessária para reprimir e reeducar o apenado. Em atenção à culpabilidade do agente, é preciso que avalie as características do caso concreto, eliminando, qualquer barreira prévia sem justificativa razoável. Ao se ignorar a incidência da circunstância atenuante, não se estará aplicando uma pena proporcional e justa, muito menos uma pena devidamente individualizada.
O segundo fundamento utilizado pela corrente favorável a redução da pena é o respeito ao princípio da legalidade. Da análise dos dispositivos legais, sobretudo os pertinentes à dosimetria da pena, não se encontra nenhum óbice expresso e taxativo no sentido de indicar a impossibilidade de redução, mas muito pelo contrário. Consoante uma interpretação dos dispositivos legais, até mesmo por uma simples interpretação literal, conclui-se pela perfeita possibilidade de redução da pena.
O art. 68 do CP estabelece três fases distintas de redução da pena, apresentando nítida diferença entre as circunstâncias judiciais e legais, bem como entre as fases de incidências das mesmas, de modo que os marcos limitadores da pena-base não se aplicam às circunstâncias atenuantes.
Ademais, o art. 65 do CP utiliza do advérbio “sempre”, conferindo, portanto, o entendimento de que em todas as ocasiões de individualização da pena, a circunstância atenuante deverá incidir e abrandar a pena imposta ao condenado.
O legislador não utiliza de palavras supérfluas ou sem real significado, de modo a apresentarem sobrando no dispositivo legal. Todas as expressões utilizadas no ordenamento jurídico são pensadas e incluídas propositalmente. Assim, entender que a expressão “sempre” deve corresponder com “às vezes” é um entendimento absurdo, para não dizer contra legem.
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal vêm firmando jurisprudência no sentido de reconhecer pela impossibilidade da redução da pena abaixo do mínimo legal por força de circunstância atenuante. Todavia, este entendimento consagrado pelos Tribunais Superiores não se mostra o mais correto, de modo que a doutrina mais abalizada acerca do assunto vem rechaçando-o veementemente, bem como algumas decisões judiciais, ainda que isoladas e amplamente minoritárias, mas de cunho garantista.
De início é importante consignar a mudança de entendimento preconizada por Cezar Roberto Bitencourt (2016, p. 788), uma vez que este no passado defendia a impossibilidade de redução da pena abaixo do mínimo durante a segunda etapa do procedimento trifásico, mas agora já admite perfeitamente esta possibilidade, asseverando, inclusive, que este entendimento é o que se encontra em consonância com os preceitos básicos do Estado Democrático de Direito.
No mesmo sentido, é válido destacar o posicionamento de Rodrigo Duque Estrada Roig (2015, pp.208-209) ao comentar a famigerada Súmula nº 231 do STJ:
“De fato, o entendimento sumular se vale de uma concepção superada do ponto de vista legal para sustentar a finalidade político-criminal pretendida, qual seja, impedir o arrefecimento penal pela atenuação […].
Em adendo, tem-se que a vedação à redução da pena abaixo do mínimo legal fere o princípio constitucional da individualização da pena não somente por negar vigência ao art. 65 do CP, mas ao próprio art. 59, que estabelece a necessidade de avaliação judicial de todas as circunstâncias do delito. A negativa de vigência, nesse caso, produz ainda desproporcionalidade e quebra da isonomia no tratamento entre aqueles que preencheram faticamente a hipótese de incidência da minorante e os que não lograram fazê-lo, favorecendo estes últimos.
A atenuação da pena, presente uma hipótese autorizativa constitui autêntico direito público subjetivo do acusado, do qual decorre o dever jurídico-constitucional da agência judicial de minimizar a afetação existencial produzida pela inflição da pena privativa de liberdade.”
Em estreita consonância com o quanto asseverado em contrapartida a Súmula nº 231 do STJ, Rogério Greco (2010, p. 534), aduz que o entendimento pela impossibilidade da redução é contra legem, posto que o art. 65 do CP, não fez qualquer tipo de ressalva ao utilizar a expressão “sempre”. Os limites impostos à pena-base não se aplicariam as circunstâncias legais.
Por sua vez, José Antonio Paganella Boschi (2014, p. 250) ao discorrer sobre a Súmula nº 231 e a possibilidade de redução, afirma que “em que pese a autoridade da Súmula, o sistema trifásico, a nosso ver, não põe obstáculo à hipótese sugerida, que bem reflete, aliás, o sentido e a finalidade do princípio da individualização da pena”. De início o magistrado deverá observar os limites impostos no preceito secundário pelo legislador, mas na segunda e terceira etapa, deve cumprir o quanto asseverado em lei federal.
Posicionamento idêntico assume Ricardo Augusto Schmitt (2012, p. 242):
“Ora, ao se aplicar o sistema bifásico, o qual trazia previsão à primeira fase da dosimetria a análise simultânea das circunstâncias judiciais, além das atenuantes e agravantes para composição da pena-base, intocável estaria o entendimento sumulado, uma vez que sempre houve consenso que a pena-base deverá se balizar entre o mínimo e o máximo previstos em abstrato ao tipo e, nesse caso, as atenuantes e agravantes seriam computadas para formação dessa própria pena-base.
No entanto, diante da adoção pelo legislador do sistema trifásico, não subsiste mais essa razão de ser; vez que as circunstâncias atenuantes e agravantes são analisadas na segunda fase de aplicação da pena, depois de já ter sido fixada a pena-base, a partir da análise isolada das circunstâncias judiciais (art. 59 do CP), não revelando qualquer óbice à sua redução ou majoração fora dos limites em abstrato previstos.
Repita-se: não é outro o entendimento que se extrai do quanto disposto pelo inciso II do art. 59 do Código Penal.
Assim, se as circunstâncias judiciais determinam a punição no mínimo legal e se reconhece, em favor do acusado, alguma das atenuantes previstas nos artigos 65 ou 66 do Código Penal, estas devem incidir sobre a pena fixada na primeira fase, em vista da inexistência de qualquer vedação a respeito,
Conforme defendido, somente a pena-base deverá ficar entre os limites de pena previstos em abstrato ao tipo (art. 59, II, do CP), não se aplicando tal exigência à segunda fase de aplicação da sanção corporal” (art. 68, caput, do CP).
A doutrina que se posiciona favorável à redução está em perfeita consonância com o princípio da individualização da pena, da legalidade e da proporcionalidade, bem como possui uma visão garantista do direito e processo penal, pois objetiva a mínima afetação do increpado, no sentido de ser atribuído ao mesmo apenas a reprimenda justa e necessária, em atenção aos aspectos do caso concreto.
Ao seu turno, a jurisprudência amplamente majoritária entende pela impossibilidade da redução em questão, conforme já asseverado anteriormente, tendo, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já se posicionado favorável à famigerada Súmula nº 231 do STJ.
Não obstante tal fato, alguns magistrados brasileiros de vanguarda começam a reavaliar a questão, de modo a coadunar com o entendimento doutrinário que entende pela possibilidade de redução. Assim, ainda que de modo minoritário, começam a surgir no cenário jurídico decisões favoráveis à redução da pena na fase intermediária abaixo do mínimo legal, em perfeita consonância com o princípio da individualização penal.
“As circunstâncias atenuantes são de aplicação obrigatória ou cogente, segundo dicção do art. 65 do Código Penal, e devem ser reconhecidas, ainda que a pena-base se encontre fixada no patamar mínimo previsto para o tipo, por se tratar de direito subjetivo do réu”. (TJPR, Apelação 301.886-2, Rel. Jorge Wagih Massad, j. 19-4-2007).
No mesmo sentido:
“Cálculo de pena. Critério trifásico. Art. 68, CP. Pena aquém do mínimo. Possibilidade. O sistema trifásico para dosimetria da pena é cogente e não admite alteração pelo magistrado. Antecede ao cálculo da causa geral de modificação da pena – Art. 71, CP – a determinação da atenuante (Art. 65, II, d, CP). O princípio da proporcionalidade abriga a possibilidade de, estando a pena-base fixada no mínimo legal, romper com este limite se presente atenuante.” (TJRS, Apelação 70017823337, Rel. Aramis Nassif, j. 12-9-2007).
Assim, cada vez mais a doutrina brasileira vem se tornando majoritária no sentido de entender perfeitamente viável a redução da pena, no segundo momento do cálculo penal, por força de circunstância atenuante, pois somente desta maneira que se estará individualizando a pena do increpado, bem como se estará atendendo ao princípio da legalidade e proporcionalidade.
Ao seu turno, a jurisprudência, ainda que de forma tímida, começa a rechaçar o entendimento o posicionamento da impossibilidade de redução, adequando-se, portanto, com a mais abalizada doutrina moderna.
Proceder com a redução em comento, rompendo com o limite mínimo nesta etapa da dosimetria, é atender, conforme já asseverado alhures, os postulados garantistas incorporados pelos princípios penais, sobretudo o da legalidade, proporcionalidade e individualização da pena.
No que se refere a impossibilidade da fixação da pena intermediária em patamar além do máximo previsto em abstrato, dúvidas não restam sobre a impossibilidade, sendo a jurisprudência pacífica neste sentido.
Deste modo, uma vez procedendo o magistrado com a observância das peculiaridades aqui elencadas, sobretudo com atenção ao princípio da culpabilidade e da individualização da pena, além do próprio princípio da legalidade, restará fixada a pena intermediária, resultante da segunda etapa da dosimetria da pena, servindo esta de base e patamar para a etapa subsequente.
5 As causas de diminuição e aumento da pena
Por fim, a última etapa do cálculo penal diz respeito à valoração das causas de diminuição e aumento de pena, consoante determina o art. 68 do CP. É nesta etapa em que será fixada a pena em definitivo do condenado, será aplicada a pena em concreto, em ampla consagração ao princípio da individualização das penas.
As causas de diminuição e aumento de pena, também denominadas de minorantes e majorantes, encontram-se insertas tanto na Parte Geral, quanto na Parte Especial do Código Penal, e apresentam a particularidade de, diferentemente das circunstâncias judiciais e legais, trazer o quantum de diminuição ou aumento já indicado no texto normativo. As minorantes e agravantes são encontradas já em patamares fixos, indicados por meio de frações, cabendo ao magistrado, a depender do caso, escolher apenas em qual patamar fixar a diminuição ou o aumento.
Ademais, diferentemente da impossibilidade mencionada no tópico anterior, pertinente à diminuição aquém do mínimo legal previsto em abstrato por força de circunstância atenuante, mas que será melhor demonstrada no capítulo seguinte, com o reconhecimento e incidência de determinada causa de diminuição ou aumento de pena, óbice não há para o estabelecimento da pena aquém ou além do máximo legal previsto em abstrato.
Ou seja, no caso concreto, o magistrado ao verificar a incidência de determinada causa de diminuição ou aumento de pena, poderá estabelecer fração que minore ou majore a pena rompendo as barreiras do mínimo ou máximo legal previsto em abstrato.
“[…] Individualização da pena: causa especial de aumento ou diminuição. Ao contrário das atenuantes ou agravantes genéricas, que diminuem ou elevam a pena-base, nos limites da escala penal editalícia – as causas especiais de diminuição podem reduzi-la aquém do mínimo, assim como as causas especiais de aumento podem alçá-la acima do máximo cominado ao crime. […].” (STF – HC: 85673 PA, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 31/05/2005, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 24-06-2005)
Conforme asseverado alhures, a minorante ou majorante será aplicada sobre a pena intermediária, resultante da incidência das atenuantes ou agravantes, a fim de então ser encontrada a pena em concreto cabível ao apenado.
Algumas causas de diminuição ou de aumento de pena trazem um patamar mínimo e máximo a ser utilizado pelo julgador, consoante já dito anteriormente. Deste modo, o magistrado utilizando da discricionariedade inerente a função jurisdicional deverá, com observância do princípio da culpabilidade, escolher a fração que melhor se adeque ao caso, atendendo os fins da pena, quais sejam, de reprovação e prevenção do crime, fundamentando, ainda, sua decisão, a fim de possibilitar a exposição das razões de convencimento que o levaram naquele sentido.
Ou seja, com influência do princípio da culpabilidade, o magistrado irá escolher a fração que melhor se adeque ao caso concreto, a fim de incidir sobre a pena intermediária, resultando na pena em definitivo, consagrando o princípio da individualização da pena, e, para tanto, deverá proceder sempre de forma fundamentada.
As hipóteses de concurso de crimes, elencadas nos artigos 69, 70 e 71 do CP, não são causas de aumento da pena. Estes dispositivos trazem regramento próprio para o caso do agente ter cometido mais de um delito, de modo que a pena em concreto será encontrada, tão somente, após a realização do procedimento trifásico aqui exposto, disposto no art. 68 do CP, e aplicada a regra de um dos supracitados artigos.
As minorantes e majorantes previstas na Parte Geral do Código Penal podem ser aplicadas em todos os delitos do ordenamento jurídico brasileiro, ao passo em que as dispostas na Parte Especial do Código, em atenção ao princípio da legalidade, incidem apenas naquele crime específico, no qual estão insertas.
Por sua vez, o art. 68, parágrafo único, do CP, traz a hipótese de concurso entre minorantes ou majorantes previstas na Parte Especial, de modo em que o magistrado estaria autorizado a proceder com uma só minoração ou majoração da pena, observando, apenas, aquela que mais diminui ou aumente a reprimenda.
Da intelecção do supracitado parágrafo único, conclui-se que ocorrendo concurso entre causa de diminuição e causa de aumento, ambas devem ser valoradas e aplicadas. De igual sorte, quando o concurso for de causas de diminuição ou de aumento, mas previstas ambas na Parte Geral do Código, todas devem ser valoradas e aplicadas.
Insta consignar, ainda, que em atenção ao disposto no art. 68 do CP, as causas de diminuição devem ser valoradas primeiro do que as causas de aumento de pena.
6. CONCLUSÃO
O Código Penal vigente nos dias de hoje é datado de 1940, tendo sido outorgado por meio do Decreto-Lei 2.848. Assim, o período histórico em que restou inserido o referido Codex era marcado por um governo forte, de nítidos traços ditatoriais.
Em face da evolução social e normativa, surgiu a Lei nº 7.209/84, que promoveu a Reforma da Parte Geral do Código Penal, revogando, consequentemente, a Parte Geral criada pelo Decreto-Lei 2.848.
Antes da Reforma, a doutrina e jurisprudência se dividiam acerca de qual método seguir, se o bifásico proposto por Roberto Lyra ou o trifásico, que era idealizado por Nelson Hungria. Tal fato era decorrência da omissão normativa do Código Penal, que, inclusive, não distinguia as circunstâncias judiciais e legais, regulando a dosimetria da pena de forma precária por meio de dois artigos, tão somente.
Assim, com a Reforma da Parte Geral, diversos artigos foram reformulados, outros foram criados, e, finalmente, foi consagrado o sistema trifásico para o cálculo da pena privativa de liberdade do réu. Esta consagração é louvável, posto que o método trifásico de dosimetria da pena proposta por Nelson Hungria é mais vantajosa ao condenado, posto que permite ao mesmo saber especificamente as etapas seguidas pelo magistrado, bem como de que forma exatamente resultou-se na pena aplicada.
Posteriormente, surgiu a Constituição Federal de 1988, em período no qual a sociedade ganhava força para questionar e reivindicar seus direitos, posto que estava recém liberta da ditadura militar. Assim, a Carta Magna, denominada de Constituição Cidadã trouxe em seu texto diversos direitos e garantias fundamentais ao ser humano, inclusive de cunho criminal, como, por exemplo, o direito ao contraditório e a ampla defesa, de não ser punido com pena perpétua, de ter prévia noção do que é crime, de só ser considerado culpado após o trânsito em julgado da ação, de ter uma pena individualizada de acordo com o caso concreto, dentre outras.
A não observância do princípio da individualização da pena para o cálculo penal pode acarretar em eventual arbitrariedade e injustiça por parte do magistrado, redundando, ainda, em possível ilegalidade
Este trabalho pretendeu demonstrar as peculiaridades do sistema trifásico preconizado por Nelson Hungria, mas sob a ótica do princípio da individualização da pena.
De início foi feita a análise do cálculo da pena-base do réu, sendo constatado que aquele possui direito de ter a reprimenda fixada no mínimo legal, desde que favoráveis as circunstâncias judiciais. Não é possibilitado ao magistrado exasperar a pena-base sem que para tanto tenha reconhecido e valorado alguma circunstância judicial como desfavorável ao apenado. Nesse aspecto, restou demonstrado que este é o entendimento majoritário da jurisprudência.
Posteriormente, foi procedida uma análise das circunstâncias legais, com todas as suas implicações. Nesse ponto foi abordada a possibilidade de redução da pena-base abaixo do mínimo legal por incidência de circunstância atenuante, já no segundo momento do cálculo.
Foram demonstrados os fundamentos da corrente que entende pela impossibilidade, bem como procedida uma análise da jurisprudência. De igual sorte, foram analisados os fundamentos doutrinários da possibilidade de redução da pena abaixo do mínimo por força de circunstância atenuante, bem como analisados alguns julgados favoráveis à esta corrente.
Em terceiro momento, foram analisadas as causas de diminuição e de aumento de pena, bem como as peculiaridades inerentes a esta etapa.
O sistema trifásico restou amplamente abordado, mas sempre sendo feita referência aos princípios penais incidentes na atividade do magistrado de dosar a pena privativa de liberdade.
Assim, conclui-se que o sistema trifásico de cálculo da pena é melhor do que o proposto por Roberto Lyra, qual seja, o sistema bifásico, de modo que por meio do presente método o réu tem assegurado mais garantias.
De igual sorte, conclui-se que a tarefa judicante não é fácil, de modo que não pode o cálculo da pena ser entendido apenas como uma simples operação aritmética, mas muito pelo contrário. É certo que o Código Penal deve indicar um caminho a ser seguido pelo magistrado, mas o texto legal não pode retirar deste a discricionariedade necessária e inerente da função jurisdicional. A linha que separa a discricionariedade e o arbítrio judicial é tênue, de modo que o princípio da fundamentação das decisões judiciais apresenta-se como garantia do acusado criminalmente de não ser submetido ao arbítrio do julgador.
Já no que tange à problemática analisada, pertinente a possibilidade de redução da pena abaixo do mínimo legal por força de circunstância atenuante, conclui-se que entender pela possibilidade de redução é consagrar os princípios penais inerentes à aplicação da pena privativa de liberdade, sobretudo o da legalidade, proporcionalidade e individualização da pena. A corrente que entende pela possibilidade de redução é a mais abalizada e encontra-se em estreita consonância com os postulados penais garantistas insculpidos na Constituição Federal.
Ao seu turno, a corrente que entende pela impossibilidade é desprovida de fundamentação atual, posto que se apega à entendimento pretérito e ultrapassado, muito embora a jurisprudência majoritária confira guarida para esta corrente.
Assim, não obstante o posicionamento majoritário da jurisprudência ser no sentido da impossibilidade da redução, o entendimento contrário é o que se mostra mais correto.
Advogado. Pós-graduado em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito
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