Resumo: Este trabalho analisa o instituto dos maus antecedentes à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e dos princípios informadores do direito penal nela contidos. Passando em revista ao conceito dos maus antecedentes e da reincidência e aos diversos efeitos sobrevindos de sua adoção, tanto aqueles observados na aplicação da pena quanto na sua execução, procura-se inquirir sobre sua compatibilidade com os princípios da legalidade, da vedação às penas de caráter perpétuo, da humanidade das penas, do non bis in idem e da dignidade da pessoa humana. Estudam-se ainda os institutos do Direito Penal do Autor e do Fato e do Direito ao Esquecimento sob a perspectiva dos maus antecedentes. Por fim, é abordada a questão da responsabilidade do Estado pela reincidência e a posição dos principais tribunais brasileiros sobre o caráter perpétuo dos maus antecedentes
Palavras-chave: Maus antecedentes. Caráter perpétuo. Inconstitucionalidade
Abstract: This paper analyzes the institute of poor record in the light of the Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988 and informative principles of criminal law contained therein. Reviewing the concept of bad history and recurrence and the various sobrevindos effects of its adoption, both those observed in the application of the penalty and the execution thereof, seeks to inquire about its compatibility with the principles of legality, sealing the perpetuity of feathers, the feathers of humanity, the non bis in idem and the dignity of the human person. It is still studying the institutes of the Criminal Law of the Author and apparel and the Right to Oblivion from the perspective of poor record. Finally, we discuss whether the State's responsibility for recurrence and the position of the main Brazilian courts on the perpetuity of the bad record.
Keywords: Bad history. Perpetuity. Unconstitutionality
1 INTRODUÇÃO
O agente, ao praticar uma ação típica, ilícita e culpável, faz com que surja para o Estado o ius puniendi[1], importando na aplicação de sanções ao infrator da norma penal.
Ocorre que tal atuação estatal encontra limites na própria Constituição da República de 1988, que em seu art. 5º elenca uma série de princípios aplicáveis ao processo penal, tais como o princípio da presunção de inocência, da individualização da pena e da legalidade, visando coibir a atuação arbitrária do Poder Judiciário e das Polícias Administrativa e Judiciária.
Deste modo, o inciso XLVII do art. 5º da CR/88 prevê que não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.
Assim, surge uma discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da vedação constitucional às penas de caráter perpétuo frente ao instituto dos maus antecedentes.
Isso porque foi convencionado pela doutrina e tem sido adotado pelos Tribunais o entendimento de que as condenações penais transitadas em julgado que não se prestam para efeitos de reincidência devem ser utilizadas para caracterizar “maus antecedentes”, acarretando o endurecimento da pena e a restrição de vários benefícios penais. Ocorre que tal efeito da condenação não possui uma limitação temporal, sendo perpetuamente considerado como circunstância desfavorável na aplicação da pena e no processo criminal como um todo.
Assim, revela-se de grande relevância um estudo mais aprofundado sobre o tema em questão, considerando, principalmente, que o Estado falha em seu dever de propiciar a reintegração do apenado na sociedade de forma digna, sendo que o estigma dos maus antecedentes em nada contribui para a diminuição da violência.
A abordagem crítica acerca da aplicação dos maus antecedentes perpetuamente, para agravar a punição do infrator, justifica-se pela necessidade de se delinear a correta aplicação do direito penal sob a égide da Constituição Cidadã de 1988, uma vez que tal instituto não coaduna com os princípios basilares nela esculpidos.
Este trabalho apresenta aspectos relevantes e atuais, uma vez que o poder judiciário tem frequentemente se utilizado da interpretação doutrinária que estende perpetuamente os efeitos da condenação através dos maus antecedentes para endurecer a punição do agente, em flagrante violação aos princípios constitucionais da legalidade, da vedação às penas de caráter perpétuo e da dignidade da pessoa humana.
Deste modo, vislumbra-se a necessidade de se refletir sobre a legitimidade da atual aplicação dos maus antecedentes, sendo que estudar e debater o assunto é uma necessidade iminente que contribuirá para o fomento ao pensamento crítico e a melhor aplicação do direito pelos seus operadores.
Em função disso, serão abordados os principais temas ligados ao instituto dos maus antecedentes, como seu conceito, conseqüências, princípios correlatos e direito ao esquecimento, passando ainda pelas teorias do Direito Penal do Fato e do Autor, bem como a responsabilidade do Estado pela reincidência e, por derradeiro, a posição dos tribunais pátrios acerca do tema.
2 CONCEITO DE MAUS ANTECEDENTES
Os maus antecedentes, conforme ensina Rogério Greco (2008, p. 2013), “dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência”.
A reincidência, por sua vez, surge no momento em que o agente comete um novo crime após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória (art. 63, CPB), desde que não tenha perpassado um lapso temporal superior a 5 (cinco) anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior (art. 64, I, CPB) e que o crime anterior não seja militar próprio ou político (art. 64, II, CPB).
O Superior Tribunal de Justiça, restringiu a aplicação dos maus antecedentes ao firmar entendimento, através do enunciado nº 444 de sua súmula, de que inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser utilizados para agravar a pena-base, não podendo, pois, serem considerados como maus antecedentes.
Assim, não devem ser considerados como maus antecedentes: absolvição anterior; inquéritos policiais e ações penais em andamento; má conduta social ou personalidade desajustada e processos com trânsito em julgado emanados de fatos posteriores aos narrados na denúncia.
Referido entendimento está de acordo com o princípio constitucional da presunção de inocência, o qual determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII).
Cumpre ressaltar que, caso o acusado possua mais de uma sentença penal condenatória transitada em julgado e caracterizadora da reincidência, o julgador pode se utilizar de uma delas como agravante da reincidência (art. 61, I, CP[2]), e outra como maus antecedentes na fixação da pena-base (art. 59, CP[3]), desde que não tenham, como fundamento, as mesmas condenações.
Nesse sentido é o enunciado nº 241 da Súmula do STJ: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.
Deste modo, pode-se concluir que apenas as condenações penais transitadas em julgado que não se prestam para efeitos de reincidência são consideradas como maus antecedentes.
3 REFLEXOS DA APLICAÇÃO DOS MAUS ANTECEDENTES NO PROCESSO PENAL E NA CONDENAÇÃO CRIMINAL
O réu portador de maus antecedentes não é tratado pela legislação penal da mesma forma que o acusado tecnicamente primário. Assim, sendo verificada na certidão de antecedentes do acusado a presença de alguma condenação penal transitada em julgado, o mesmo sofrerá uma série de restrições em virtude de sua condição pessoal.
Dentre os principais efeitos que ocasionam os maus antecedentes no processo penal e na execução penal, podemos ressaltar os seguintes: a) impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do Código Penal[4]); b) agravamento da pena na primeira fase de sua fixação (art. 59 do Código Penal); c) vedação à concessão da suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal[5]); d) vedação à concessão de livramento condicional (art. 83, I do Código Penal[6]); e) vedação à concessão de suspensão condicional do processo e transação penal (arts. 76, § 2º e 89, ambos da Lei 9.099/95)[7]; f) impossibilidade de aplicação de algumas causas de diminuição de pena, como a prevista no art. 33, § 4º[8] da Lei 11.343/06 (tráfico privilegiado) ;
4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PENAIS CORRELATOS
A Constituição da República de 1988, como norma fundamental do Estado e limitadora do poder, impõe que a intervenção penal deve observar os limites traçados pelas normas e princípios nela esculpidos, com o fito de se preservar os direitos e garantias fundamentais.
Assim, torna-se imprescindível tecer uma análise acerca dos princípios constitucionais que regem o direito penal e, em especial, aqueles ligados ao instituto dos maus antecedentes.
4.1 Princípio da Legalidade ou da reserva legal
Também chamado de princípio da anterioridade da lei penal, o princípio da Legalidade ou da reserva legal, possui previsão no art. 1º do Código Penal[9] e tem sua base constitucional no art. 5º, XXXIX, que diz: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Em que pese as leis penais se utilizaram frequentemente da expressão maus antecedentes, a extensão dada a ela e até mesmo seu conceito, são fruto de uma construção doutrinária e jurisprudencial. Assim, a interpretação de que os maus antecedentes se referem às condenações penais transitadas em julgado que não se prestam para efeitos de reincidência e sua utilização indistintamente no tempo para agravar a reprimenda do agente, não estão previstas em qualquer diploma legal, o que faz com que se afirme que tal interpretação fere o princípio da legalidade.
O princípio da legalidade no âmbito penal ainda impõe que a lei penal deve ser precisa, delimitando a conduta lesiva e suas consequências e assim, impossibilitando a utilização do processo integrativo da analogia para preencher eventuais lacunas. Tal vedação, conduto, não alcança a analogia in bonam partem, mas somente a analogia que resulta em prejuízo ao réu (analogia in malam partem), vez que essa interfere no direito de liberdade constitucionalmente consagrado.
Assim, considerando que o Direito Penal não comporta interpretação extensiva ou analogia que prejudique o réu, a interpretação do instituto dos maus antecedentes deveria utilizar analogicamente a previsão do art. 64, I do Código Penal, no sentido de que não deve prevalecer para fins de endurecimento das penas as condenações cujo cumprimento ou extinção da pena tenha ocorrido há mais de 5 (cinco) anos, por ser tal interpretação mais benéfica ao réu.
Por derradeiro, os efeitos gerados pelos maus antecedentes não possuem previsão legal expressa, razão pela qual não se mostram compatível com o princípio da legalidade esculpido no art. 5º, inciso XXXIX, da Carta Magna[10] e no art. 1º do Código Penal[11].
4.2 Princípio da Vedação às Penas de Caráter Perpétuo
A vedação às penas de caráter perpétuo está contida no art. 5º, XLVII, ‘b’, da Constituição da República de 1988[12], e é um direito individual que coaduna com as garantias constitucionalmente asseguradas da dignidade da pessoa humana e da liberdade, conforme lição de Alexandre de Moraes (2006, p. 336):
“A vedação às penas de caráter perpétuo decorre do princípio da natureza temporária, limitada e definida das penas e compatibiliza-se com a garantia constitucional à liberdade e à dignidade humana.”
Conforme se infere da preciosa lição de ZAFFARONI e PIERANGELI (2008, p. 673), a vedação constitucional às penas de caráter perpétuo não diz respeito somente à pena em si, mas também aos seus efeitos:
“A exclusão da pena perpétua de prisão importa que, como lógica conseqüência, não haja delitos que possam ter penas ou conseqüências penais perpétuas. Se a pena de prisão não pode ser perpétua, é lógico que tampouco pode ser ela a conseqüência mais branda do delito. Isto resulta claro quanto às conseqüências acerca da reincidência, que o inciso I do art. 64 limita em cinco anos. De outro modo, se estaria consagrando a categoria de “cidadão de segunda”, ou uma capitis diminutio inaceitável no sistema democrático ou republicano. Por mais grave que seja um delito, a sua consequência será, para dizê-lo de alguma maneira, que o sujeito deve “pagar a sua culpa”, isto é, que numa república se exige que os autores de delitos sejam submetidos a penas, mas não admite que o autor de um delito perca a sua condição de pessoa, passando a ser um indivíduo “marcado”, “assinalado”, estigmatizado pela vida afora, reduzido à condição de marginalizado perpétuo.”
Ainda, infere-se da lição de Antônio José F. de S. Pêcego (2014, p. 08), que é ilógico etiquetar o agente pelo resto de sua vida com o estigma dos maus antecedentes em um país em que se veda a prisão perpétua e o mesmo não ocorre com a reincidência. Em suas palavras:
“Aceitar esse efeito estigmatizante dos maus antecedentes, é ir de encontro a tudo que a moderna visão da criminologia crítica recomenda, colocando o condenado de outrora por toda a sua vida à margem da sociedade, esta que financia o Estado para que promova a sua ressocialização que inexiste na prática, por isso mesmo sustentamos que em respeito à dignidade da pessoa humana, princípio básico de um Estado Democrático e Social de Direito, essa mácula dos maus antecedentes criminais devem sumir dos registros do agente decorridos o igual prazo de cinco anos, aplicável aos reincidentes, tendo como termo ad quo a data do cumprimento ou extinção da pena”.
Assim, não se mostra em consonância com o preceito constitucional enfocado a utilização de uma mesma condenação para se agravar a pena de um condenado durante toda sua vida e em qualquer condenação posterior. Conforme explanado anteriormente, os maus antecedentes não interferem apenas na condenação penal, mas em todo procedimento criminal, o que nos faz concluir que até mesmo aquele que ainda não pode ser considerado culpado é cerceado de benefícios processuais em razão de uma condenação que pode ter ocorrido há 5, 10, 20 anos, ou mais.
Neste enfoque, os maus antecedentes, quando utilizados para agravar a sanção penal do agente sem qualquer limite temporal, ferem o princípio da natureza temporária da pena e consequentemente o preceito constitucional que veda a aplicação de penas de caráter perpétuo.
4.3 Princípio da Humanidade das Penas
O princípio da Humanidade das Penas está implícito na CR/88 e decorre da vedação à tortura e ao tratamento desumano ou degradante (Art. 5º, III[13]); da proibição da pena de morte, da pena de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e das penas cruéis (art. 5º, XLVII); do respeito e proteção à figura do preso (art. 5º, XLVIII, XLIX e L[14]) e ainda, de normas disciplinadoras da prisão processual (art. 5º, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV e LXVI[15]). Assim, tal princípio impõe ao legislador infraconstitucional e ao intérprete, mecanismos de controle de tipos legais, vedando a imposição de penas e de condutas que vão de encontro às limitações acima enfocadas.
Acerca do tema, ZAFFARONI e PIERANGELI (2011, p. 161) ensinam maestralmente que o princípio da humanidade impede que um delito tenha consequências jurídicas permanentes. Em suas palavras:
“O princípio de humanidade é o que dita a inconstitucionalidade de qualquer pena ou consequência do delito que crie um impedimento físico permanente (morte, amputação, castração ou esterilização, intervenção neurológica etc.), como também qualquer consequênciajurídica indelével do delito. Como veremos oportunamente com mais detalhe, a república pode ter homens submetidos à pena, “pagando suas culpas”, mas não pode ter “cidadãos de segunda”, sujeitos considerados afetados por uma capitís diminutio para toda a vida. Toda a consequênciajurídica de um delito – seja ou não uma pena – deve cessar em algum momento, por mais longo que seja o tempo que deva transcorrer, mas não pode ser perpétua no sentido próprio da expressão”.
Assim, verifica-se que a condenação criminal, ao ser utilizada perpetuamente para caracterizar os maus antecedentes vai de encontro ao princípio da humanidade das penas, uma vez que afronta a vedação constitucional às penas de caráter perpétuo.
4.4 Princípio do non bis in idem
Noutro norte, o princípio do non bis in idem[16], apesar de não estar previsto expressamente no texto constitucional, consagrou-se no direito penal pátrio ao estabelecer que ninguém poderá ser duplamente punido pelo mesmo fato, sendo plenamente compatível com o atual Estado Democrático de Direito e atento aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena.
Acerca da violação do princípio do non bis in idem decorrente da majoração da pena em face de uma condenação anterior, disserta o ilustre doutrinador argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, ao lado do não menos aclamado José Henrique Pierangeli (2008, p. 718):
“…em toda agravação da pena pela reincidência existe uma violação do princípio do non bis in idem. A pena maior que se impõe na condenação pelo segundo delito decorre do primeiro, pelo qual a pessoa já havia sido julgada e condenada. Pode-se argumentar que a maior pena do segundo delito não tem seu fundamento no primeiro, e sim na condenação anterior, mas isso não passa de um jogo de palavras, uma vez que a condenação anterior decorre de um delito, e é uma consequencia jurídica do mesmo. E, ao obrigar a produzir seus efeitos num novo julgamento, de alguma maneira se estará modificando as conseqüências jurídicas de um delito anterior.”
Neste aspecto, considerando que os maus antecedentes dizem respeito a uma condenação por crime anterior cuja pena foi cumprida ou extinta há pelo menos 5 (cinco) anos, sua utilização em um novo crime tem por consequência a dupla punição pelo primeiro, contrariando o princípio do non bis in idem.
Tal interpretação dos maus antecedentes está longe de alcançar o ideal supremo de justiça, vez que cria uma dupla punição pelo delito e até mesmo uma vingança “legal”.
4.5 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A dignidade da pessoa humana, além de princípio norteador de todo ordenamento jurídico pátrio, é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil previsto no Art. 1º, III, da CR/88[17].
Nessa medida, a dignidade da pessoa humana é o núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo, sendo o valor constitucional supremo que irá corroborar a criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa constitucional, especialmente o sistema de direitos fundamentais, conforme leciona NOVELINO (2010).
Trazendo o princípio da dignidade da pessoa humana para o direito penal e em paralelo com os maus antecedentes criminais, o ilustre magistrado BRUNONI (2014) defende que o estigma perene da condenação criminal contraria o aludido princípio da dignidade da pessoa humana. Em suas palavras:
“Diferentemente da reincidência, no entanto, os maus antecedentes são cunhados ainda pela característica da perpetuidade, pois para eles inexiste limitação temporal para que sejam considerados pelo magistrado. Assim, aderimos ao setor da doutrina que, sem negar que a Carta Magna não recepcionou os maus antecedentes como fator de aumento de pena (art. 59 do CP), pugna de forma imediata a relativização do instituto para fixar a sua temporalidade nos moldes da reincidência, por meio do recurso da analogiain bonam partem. O estigma da condenação criminal não pode ser perene; a perpetuidade é contrária ao princípio da dignidade da pessoa e da humanidade das penas.”
Conforme preleciona Rogério Greco (2008), a Carta Magna proibiu a aplicação de algumas espécies de penas, dentre elas as de caráter perpétuo, por entender que estas ofendiam a dignidade da pessoa humana e fugiam à sua função preventiva.
Dessarte, o direito à liberdade, como um escopo do princípio da dignidade de pessoa humana, se vê restringido em face da perpetuidade dos maus antecedentes, havendo uma flagrante afronta à CR/88.
5 DIREITO AO ESQUECIMENTO
O direito ao esquecimento, também chamado de direito de ser deixado em paz ou direito de estar só, possui fundamento constitucional no direito à vida privada (privacidade), intimidade e honra, previsto no art. 5º, X e decorre do princípio da dignidade da pessoa humana. Em âmbito infraconstitucional o aludido princípio é assegurado no Código Civil, art. 21, que assim dispõe: “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.Trazendo tal instituto para o âmbito penal e, mais precisamente para a questão dos maus antecedentes, surgem alguns questionamentos: o indivíduo condenado que já tenha cumprido sua pena, deve ser eternamente lembrado pelo delito cometido, ainda que tenham se passado muitos anos? O próprio Estado ao reconhecer o esgotamento de seu direito de punir após o transcurso de certo lapso temporal (prescrição), não estaria sendo contraditório em não limitar o período em que uma condenação poderá ser considerada como maus antecedentes?Cumpre trazer à colação um trecho do voto do Ministro Dias Toffoli (STF) no qual reconheceu que os efeitos nefastos de uma condenação não podem perdurar eternamente, fazendo ele jus ao ‘direito ao esquecimento’:
“O homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado, pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda que lhe foi imposta em regular processo penal.
Faz ele jus ao denominado ‘direito ao esquecimento’, não podendo perdurar indefinidamente os efeitos nefastos de uma condenação anterior, já regularmente extinta.” (Min. Dias Toffoli).
A utilização dos maus antecedentes sem qualquer limitação temporal não permite que o indivíduo seja deixado em paz pelo Estado e possa se desvincular de delitos do passado cuja pena já foi extinta ou cumprida. Assim, se o agente estiver respondendo a um processo criminal por qualquer infração, ainda que de menor potencial ofensivo, e em sua Certidão de Antecedentes constar uma condenação anterior ocorrida há, por exemplo, 15 anos, será cerceado de benefícios processuais penais como o da suspensão condicional do processo e da transação penal e, caso condenado, terá sua reprimenda elevada na primeira fase de fixação da pena[18].Se até mesmo o Estado, detentor do ius puniendi[19], possui um prazo para impor uma sanção a quem infringe as normas penais, por que o indivíduo condenado criminalmente pode sofrer eternamente os efeitos dessa condenação?Ao indivíduo deve ser assegurada a garantia de que, tendo cumprido sua reprimenda ou sendo extinta sua punibilidade, não possa ser rotulado eternamente como delinquente, condenado perpetuamente a ostentar maus antecedentes.Assim, a aplicação dos maus antecedentes deve sofrer uma limitação temporal também em homenagem ao Direito ao esquecimento.
6 MAUS ANTECEDENTES E DIREITO PENAL DO AUTOR
Em face de sua relação com o tema em estudo, cumpre tecer alguns comentários acerca do Direito Penal do Fato em contraposição ao Direito Penal do Autor.
Acerca do que vem a ser o Direito Penal do Autor, o juiz federal Nivaldo Brunoni (2007) disserta que, apesar de não haver consenso sobre tal conceito, pode-se dizer que pelo direito penal do autor o que é preponderante para configurar o delito é o modo de ser do agente, como sintoma de sua personalidade. Sob essa ótica, a característica do autor é que justifica a pena e o ato criminoso em si não possui muito valor, sendo preponderante a “atitude interna jurídica corrompida do agente”. De acordo com o magistrado, para o Direito Penal do Autor, “o delito em si tem um significado sintomático. O ato é apenas uma lente que permite ver alguma coisa daquilo onde verdadeiramente estaria o desvalor e que se encontra em uma característica do autor.”
O Direito Penal do Autor está intimamente relacionado ao Direito Penal do Inimigo idealizado por Günther Jakobs, no qual, segundo LEITE (2012), o inimigo é submetido a uma legislação de exceção e é condenado pelo que é, e não pelo fato cometido. De acordo com o autor, no direito penal do inimigo se pretende a eliminação daqueles que se opõe ao cidadão comum, sendo eleitos como inimigos e relativizadas ou suprimidas as suas garantias. Nele defende-se a punição do “inimigo” e não apenas do fato definido como crime.Não obstante, o legislador pátrio optou pela adoção do direito penal do fato em detrimento do direito penal do autor, sendo vedada a punição do agente em razão de sua condição pessoal.O Direito Penal do Fato se conforma melhor com nosso atual paradigma do Estado Democrático de Direito, que tem como princípios, dentre outros, o Estado de Inocência e a Dignidade da Pessoa Humana. Para tal teoria, o que se pune não é o delinqüente, mas o delito. Assim, a análise detida dos fatos criminosos é que prepondera na condenação, e não as circunstâncias pessoais do infrator.Considerando que o Direito Penal do Autor é desprezado em nosso ordenamento jurídico, se mostra incoerente a utilização de condições pessoais do autor, como os maus antecedentes, para se aumentar a pena-base e cercear a aplicação de benefícios processuais e de execução penais. Tal situação se agrava quando tais condições são consideradas perpetuamente, como é o caso da atual interpretação dada aos maus antecedentes.A utilização de condenações transitadas em julgado para agravamento da reprimenda do agente coaduna com o direito penal do autor, vez que se afasta da análise estrita do delito praticado para se punir mais duramente o indivíduo em razão de suas condições pessoais. Assim, sua aplicação no direito penal pátrio merece ser revista.Isso porque, é certo que os maus antecedentes dizem respeito às condições pessoais do autor, já que se referem às condenações anteriores, pelas quais o agente já cumpriu sua pena. O indivíduo portador de maus antecedente passa então a ser mais duramente punido em virtude de uma causa não relacionada ao delito cometido, mas à sua pessoa. Assim, a utilização do referido instituto se aproxima do direito penal do autor, o qual, nas palavras de Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2008, p. 107) é uma “corrupção do direito penal”.Com efeito, ao utilizarmos uma condição pessoal do autor para majorar sua pena ou cercear um benefício processual ou, até mesmo levá-lo ao cárcere, estamos punindo de forma especial uma pessoa em virtude de uma circunstância pessoal estranha ao delito praticado, nos aproximando assim do direito penal do autor, ou, por que não, do direito penal do inimigo.
6.1 Princípio da responsabilidade pelo fato
O Princípio da responsabilidade pelo fato impõe que o Estado deve se prestar a punir como infrações apenas os fatos previamente descritos em lei, e não elementos alheios aos fatos, como a personalidade do agente, seus pensamentos, ideologias e condições pessoais. O Estado não deve estereotipar os autores, mas sim as infrações penais.
O que deve preponderar em matéria penal é o fato tipificado como crime e não as condições pessoais do indivíduo. Assim, qualquer atuação legislativa, doutrinária e jurisprudência que faça prevalecer uma circunstância pessoal desfavorável do acusado em detrimento do fato definido como crime, macula o princípio da responsabilidade pelo fato e, consequentemente, do Direito Penal do Fato, sendo tal comportamento incompatível com a atual ordem jurídica brasileira.
O Direito Penal, assim como toda a legislação infraconstitucional, deve mirar seu campo de atuação nos preceitos constitucionais norteadores, aplicando suas normas com o objetivo de proteger os bens jurídicos tutelados, e não rotular pessoas eternamente por circunstâncias alheias ao fato definido como crime.
O Princípio da responsabilidade pelo fato, portanto, impõe que a responsabilidade penal deve se dar com base nos fatos praticados, renegando assim o Direito Penal do Autor e buscando a efetivação do Direito Penal do Fato.
7 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA REINCIDÊNCIA EM FACE DA FRUSTRADA RESSOCIALIZAÇÃO DO CONDENADO
O principal objetivo da execução penal é fazer cumprir o comando emanado da sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, com vistas a promover a integração social do condenado.
Neste espeque, o art.1º da Lei de Execução penal, prevê que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
Não obstante o preceito supracitado, a pena privativa de liberdade não vem cumprindo a sua função ressocializadora, sendo que os altos índices de reincidência verificados atualmente são uma prova da ineficácia do atual sistema prisional.
O Estado se mostra negligente em adotar uma postura preventiva em relação à criminalidade e falha na elaboração de políticas públicas que minimizem as desigualdades sociais e a marginalização. Além disso, o Estado não possibilita ao egresso do sistema prisional uma reinserção digna ao meio social.
7.1 A função da pena e a realidade do sistema prisional brasileiro
Conforme lição de NUCCI (2009), pena é uma sanção imposta pelo Estado ao criminoso por meio de ação penal, cuja finalidade é a retribuição pelo delito praticado e a prevenção de novos delitos, tendo como objetivo a reeducação do delinqüente, bem como intimidar a sociedade para que o crime seja evitado e reforçar os valores protegidos pelo Direito Penal.
Apesar da deficiência dos dados estatísticas encontrados, não há como se questionar o fato de que o sistema penitenciário tradicional apenas faz com que a delinquência aumente a cada ano e não consegue reabilitar os segregados. Em sentido contrário, o sistema prisional, na atual situação em que se encontra (superlotação, ausência de condições dignas de higiene, saúde, educação e trabalho), apenas serve para avigorar os valores negativos do condenado.
Assim, não é razoável atribuir exclusivamente ao condenado a culpa pela reincidência, uma vez que normalmente esse sai do sistema prisional, criminologicamente falando, pior do que entrou.
Não obstante o fracasso da pena privativa de liberdade em promover a ressocialização do apenado, a reincidência e, consequentemente os maus antecedentes, são amplamente utilizados em âmbito penal como fator agravante em vários estágios da pena e do processo penal. Dentre as várias consequências da reincidência e dos maus antecedentes, podemos citar a negativa de benefícios penitenciários (v.g. sursis, livramento condicional) e processuais, como a possibilidade de responder ao processo em liberdade, a concessão de suspenção condicional do processo e, no momento de fixação da pena, a sujeição do apenado a regime inicial mais brando, a substituição da pena e a fixação da pena-base em patamar mínimo. O Código de Trânsito Brasileiro em seu art. 296 chega ao extremo de cominar pena apenas pelo fato de ser o réu reincidente.
Ao deixar de cumprir seu papel ressocializador, o Estado promove a marginalização do apenado, estigmatizando-o e etiquetando-o com a pecha de criminoso, o que faz com que seja pouco provável sua reabilitação.
Na atual estrutura penitenciária que vemos no Brasil, o sistema penal faz o papel de uma escola do crime, pois segrega o apenado em celas pequenas, mal iluminadas e superlotadas, nas quais o delinquente não faz outra coisa senão alimentar sua tendência criminosa.
Logo, não se mostra razoável que o estado puna de forma mais severa o indivíduo em razão de seus antecedentes quando o seu papel ressocializador e preventivo não vem sendo cumprido.
7.2 A co-culpabilidade do Estado pela reincidência e a seletividade do direito penal
Salo de Carvalho e Amilton Bueno de Carvalho (2002) ensinam que apenas poderíamos estabelecer juízos isonômicos de reprovabilidade individual pelo ato criminoso se fosse constatado que houve uma satisfação mínima dos direitos fundamentais do acusado por parte do Estado. Coso contrário, estaria sendo observada somente a igualdade formal de todos perante a lei, e não a igualdade material. Assim, surgem os Princípios de Co-culpabilidade e de Culpabilidade pela Vulnerabiliade, que determinam que pessoas que possuem papéis diferentes na estrutura social, principalmente em decorrência da condição econômica, não podem ser responsabilizadas com a mesma intensidade.
Assim, considerando que o Estado vem sendo incapaz de possibilitar a ressocialização do condenado, não é razoável que o mesmo puna mais duramente o indivíduo que não se reinseriu na sociedade, utilizando como argumento a ordem pública e a defesa social.
Conforme leciona GOMES (2008) a atual ideologia do Direito Penal opta, na criminalização primária, por um tratamento desigual em relação as classes sociais, punindo preferencialmente os indivíduos de classes sociais de menor patamar representativo. Assim, as classes detentoras de maior poder reclamam uma tipificação mais dura das condutas que atingem seus interesses, geralmente praticadas pelo grupo social mais frágil e com menor capacidade de influência, o que faz com que tais demandas se tornem uma reclamação de todos. Tais comportamentos, segundo o autor, acabam acentuando e projetando uma maior perspectiva dos conflitos, ao invés de resolvê-los ou contê-los.
De outro lado, vemos um encobrimento legislativo sobre crimes praticados por uma parcela mais abastada da sociedade, como desvios de verbas públicas, fraudes financeiras e em procedimentos licitatórios, abuso de poder, entre outros. Além disso, os textos legais que contemplam esses tipos de infrações não possuem o mesmo vigor vislumbrado nos crimes comuns, principalmente os patrimoniais. Para ilustrar, em nosso atual sistema, o sonegador de impostos é mais bem visto que o indivíduo que furta um bem particular, e dificilmente será processado e levado ao cárcere com a mesma prontidão.
Dificilmente um crime de “colarinho branco” é objeto de um processo criminal, e quando isso acontece, arrastam-se longos anos até uma decisão definitiva. Assim, os indivíduos que praticam tais crimes dificilmente serão reincidentes ou terão maus antecedentes, o que faz com que as respectivas agravantes incidam mais frequentemente sobre os delinquentes de classes mais baixas, onde o poder punitivo do Estado incide com maior rigidez.
Ainda, conforme se infere da lição de Cláudio do Prado Amaral (2003), o Estado se mostra negligente em relação à política carcerária e tenta compensar a deficiência econômica, educacional e social do Estado que gera o aumento da criminalidade com uma política criminal totalitária que pune os “produtos individualizados do sistema defeituoso”.
Dessa forma, o egresso se vê marginalizado e rotulado como criminoso em face do sentimento punitivo e preconceituoso que a própria população lhe insere, imbuída pelo terror que a mídia propaga sobre o suposto delinquente. Resta ao egresso, já estigmatizado pela degradação do sistema prisional, acolher a etiqueta a ele atribuída e retornar ao submundo do crime.
Logo, o Estado não deve punir mais duramente o condenado portador de maus antecedentes, mas sim trabalhar na realização de uma reforma penitenciária de modo a humanizar o atual sistema, com a implementação de políticas de reinserção social e penas alternativas, além de trabalhar na prevenção do crime com educação de qualidade e assistência social à população mais vulnerável.
É direito do egresso do sistema prisional encontrar na vida em liberdade oportunidades para se redescobrir como cidadão dotado de valores, direitos e deveres
Conforme leciona GRECO (2008), “o Estado deve procurar acenar-lhe com a esperança do retorno à sua família, aos seus amigos, ao seu trabalho enfim, fazer com que, efetivamente, traga consigo a esperança de dias melhores, fora do cárcere”.
Além disso, a mídia e a sociedade são aliados na reintegração do egresso à sociedade. A primeira, através de uma programação que não instigue a cultura punitiva e a intolerância e a segunda por meio do acolhimento e respeito ao egresso que cumpriu sua pena, de modo a evitar que ele se sinta parte do submundo do crime e a ele retorne.
8 A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS EM RELAÇÃO AOS MAUS ANTECEDENTES
Acerca do tema da possibilidade de as condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos serem consideradas como maus antecedentes para efeito de fixação da pena base, o Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário nº 593.818/SC, de relatoria atual do Ministro Luis Roberto Barroso, reconheceu a repercussão geral do tema, que se encontra pendente de julgamento pelo plenário daquela corte. Na ocasião, o excelso tribunal reconheceu que a questão se mostra relevante do ponto de vista jurídico, ultrapassando o interesse subjetivo das partes.
In casu, o recurso extraordinário foi impetrado pelo Ministério Público de Santa Catarina de acórdão que não considerou como maus antecedentes sentenças condenatórias transitadas em julgado há mais de 5 (cinco) anos. O Tribunal de origem (TJSC) entendeu que as condenações cujas penas foram cumpridas ou extintas há mais de 5 (cinco) anos não repercutem para fins de fixação da pena, por força do princípio da não culpabilidade. Dessa forma, evidenciou-se a necessidade da Corte Constitucional delimitar a extensão de tal princípio.
Em outro contexto, o Ministro Dias Tóffoli (STF), no habeas corpus 119.200/PR, STF, concedeu a ordem de ofício determinando o decote do acréscimo de 6 (seis) meses sobre a pena-base do Paciente Pedro Lemes. Isso porque o ilustre ministro relator alinhou-se ao entendimento preconizado pelo Ministro Gilmar Mendes no HC nº 110.191/RJ, de que, decorrido lapso temporal superior a 05 anos do cumprimento ou extinção da pena (CP, art. 64, I), não há que se falar em reconhecimento de maus antecedentes.
De acordo com o Ministro, a interpretação do disposto no inciso I do art. 64 do Código Penal precisa ser no sentido de “se extinguirem, no prazo ali preconizado, não só os efeitos decorrentes da reincidência, mas qualquer outra valoração negativa por condutas pretéritas praticadas pelo agente.” E prossegue dizendo que eventuais deslizes na vida pregressa do condenado, que há mais de cinco anos não tenha voltado a delinquir, não podem ser sopesados como circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, art. 59), “sob pena de perpetuação de efeitos que a lei não prevê, e que não se coadunam com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e do caráter socializador da reprimenda penal.”
E conclui de forma memorável:
“O homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado, pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda que lhe foi imposta em regular processo penal.
Faz ele jus ao denominado “direito ao esquecimento’, não podendo perdurar indefinidamente os efeitos nefastos de uma condenação anterior, já regularmente extinta.
Para tanto delimitou expressamente o legislador o prazo de cinco (5) anos necessário ao desaparecimento dos efeitos da reincidência (CP, art. 64). Se essas condenações não mais prestam para o efeito da reincidência, que é o mais, com muito maior razão não devem valer para os antecedentes criminais, que é o menos.”
Nessa perspectiva, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais também decidiu pelo afastamento dos maus antecedente que embasaram a elevação da pena base de uma condenação por roubo qualificado, por entender que a Carta Magna veda a pena de caráter perpétuo. In verbis:
“[…] A Constituição Federal, em seu art. 5º, XLVII, alínea b, veda terminantemente a pena de caráter perpétuo, donde decorre que se a pena principal não pode ter perpetuidade, muito menos os efeitos da condenação que a originou podem perdurar eternamente. Maus antecedentes afastados. Pena-base reduzida. Pena total redimensionada. – Recursos providos em parte […]” (TJ-MG – APR: 10002120009150001 MG , Relator: Doorgal Andrada, Data de Julgamento: 12/07/2013, Câmaras Criminais / 4ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 17/07/2013)
Nesse contexto, verifica-se que a jurisprudência, ainda que não seja de forma maciça ou vinculante, vem reconhecendo a contrariedade da atual interpretação dada aos maus antecedentes frente à Constituição da República de 1988, especialmente no que tange à vedação às penas de caráter perpétuo.
CONCLUSÃO
Os maus antecedentes criminais são definidos pela doutrina majoritária como o histórico criminal do agente que não se presta para fins de reincidência, estando pacificado através do enunciado nº 444 da súmula do STJ, o entendimento de que inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser utilizados para agravar a pena-base.
Como consequência, englobam a definição de maus antecedentes, apenas as condenações criminais transitadas em julgado, cujo cumprimento ou extinção da pena se deu há mais de cinco anos.
Referido efeito da condenação é utilizado de forma negativa na individualização da pena, agravando particularmente a sanção do acusado. Como consequência do reconhecimento dos maus antecedentes no processo penal e na fixação da pena, podemos ressaltar: a não aplicação das medidas despenalizadoras previstas na Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais); o agravamento da pena na primeira fase de sua fixação; a impossibilidade de aplicação de algumas causas de diminuição de pena, como a prevista no art. 33, § 4º da Lei 11.343/06 (tráfico privilegiado); a impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a vedação à concessão da suspensão condicional da pena.
Avulta notar que, ao contrário da reincidência, a lei penal não previu um limite temporal para o reconhecimento dos maus antecedentes, o que resultou no entendimento de que tal efeito da condenação pode ser utilizado eternamente como circunstância prejudicial.
Todavia, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5º, inciso XLVII, alínea ‘b’, vedou expressamente a aplicação de penas de caráter perpétuo. Tal vedação não engloba apenas a pena em si, mas também seus efeitos. Deste modo, sendo os maus antecedentes efeitos da pena, não podem perdurar eternamente, sob pena de afronta à norma constitucional acima enfocada.
Por outro lado, a utilização perpétua dos maus antecedentes para agravar a reprimenda do agente, não está amparada em qualquer diploma legal, sendo uma interpretação doutrinária e jurisprudencial. Ocorre que o princípio constitucional da legalidade impõe que a lei penal deve ser precisa, delimitando a conduta lesiva e suas consequências e assim impossibilitando a utilização do processo integrativo da analogia para preencher eventuais lacunas. A partir dessa reflexão, tem-se que a atual interpretação dada aos maus antecedentes vai de encontro ao princípio da legalidade, que tem como uma de suas consequências a proibição de interpretação extensiva e da analogia em prejuízo do réu.
Noutro norte, o princípio do non bis in idem impõe que ninguém poderá ser duplamente punido pelo mesmo fato, sendo um dos corolários dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena. Considerando que os maus antecedentes dizem respeito a uma condenação por crime anterior cuja pena já foi cumprida ou extinta, ao serem empregados como circunstância agravante em uma nova condenação, acarretam a dupla punição pela primeira, em oposição ao princípio do non bis in idem.
Nessa mesma direção, o ordenamento jurídico pátrio adotou a teoria do direito penal do fato em detrimento do direito penal do autor, o que significa dizer que a condenação penal deve se restringir à análise do fato típico cometido, e não das características pessoais do acusado. Por conseguinte, a atual interpretação dada aos maus antecedentes não coaduna com o direito penal do fato, vez que se refere a condições pessoais do autor.
Calha acentuar que o Estado vem falhando em seu dever de ressocializar o condenado e prevenir, por meio da efetivação de direitos individuais e sociais, a prática de novos crimes. A partir dessa reflexão, questiona-se se o mesmo Estado que não proporciona a ressocialização do condenado, pode exigir-lhe que não reincida e puni-lo mais duramente em razão disso.
Por derradeiro, considerando que após o prazo de 5 (cinco) anos previsto no art. 64, I do CP cessam os efeitos da reincidência, que é mais grave, com maior razão não devem tais efeitos prevalecer para fins de antecedentes criminais.
Advogada sócia e fundadora do escritório TerraViana Advogados Associados com sede em Formiga-MG. Pós graduanda em Direito Processual Civil pelo UNIFOR-MG. Professora do curso de Técnico em Segurança do Trabalho no programa Pronatec. É membro efetivo vitalício da Academia Formiguense de Letras cadeira n 14 possuindo diversas publicações literárias. Durante a graduação estagiou na assessoria da Vara Criminal Infncia e Juventude e Execuções Penais da Comarca de Formiga-MG Fórum Magalhães Pinto no Ministério Público de Minas Gerais e na Justiça do Trabalho ambos na cidade de Formiga-MG
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