Resumo: O presente artigo é fruto de pesquisa no âmbito das licitações públicas e jurisprudência dos tribunais trazendo a lume discussão acerca da exigência da regularidade fiscal como pressuposto na fase de habilitação nas licitações públicas. Nesse esteio, sua escrita se delimitou na análise das noções conceituais e principiológicas no tocante às licitações públicas, bem como no que diz respeito à habilitação jurídica no procedimento. Trata-se de um trabalho singelo que, de forma alguma, busca exaurir ou trazer todas as respostas acerca da temática. Dessa forma, sua análise se dá mediante a exibição de dois entendimentos diametralmente opostos com suas respectivas argumentações defensivas. Nesse esteio, este breve escrito se propõe, preordenado a contribuir para o fomento de um debate, seja na seara acadêmica, seja na doutrinária e, principalmente, no âmbito dos Tribunais Superiores, onde brotam decisões que tenham enfrentado, direta ou indiretamente, a presente temática.
Palavras-chave: licitações públicas. Habilitação jurídica. Regularidade fiscal.
Sumário: Introdução. 1. Licitações Públicas. 1.1 Delimitação Conceitual. 1.2. Princípios Gerais e Específicos. 2. Habilitação Jurídica. 3. Da análise jurídica da exigência da regularidade fiscal na fase de habilitação no âmbito das licitações públicas. 3.1. Argumentos contrários a sua admissibilidade. 3.2. Argumentos Favoráveis a sua admissibilidade. 3.3 Entendimento dos tribunais superiores. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
Introdução
Licitação Pública pode ser definida como o ato administrativo formal por meio do qual o Poder Público busca selecionar a oferta mais vantajosa para a aquisição de bens ou prestação de serviços de modo a resguardar os princípios constitucionais da isonomia, impessoalidade e economicidade.
Nesse esteio, tem-se que a partir da publicação do instrumento convocatório é propiciada a participação de particulares no procedimento licitatório objetivando a seleção da proposta mais vantajosa ao interesse público. No entanto, mostra-se imperioso assegurar a habilitação do licitante – o que se faz pelas exigências delineadas no art. 27 da Lei 8.666/93 – no sentido de evitar gastos públicos com todo o procedimento para, ao final, o vencedor não possuir os requisitos necessários, tanto do ponto de vista econômico quanto técnico, como também não “premiar” o licitante inadimplente com suas obrigações tributárias.
A exigência da regularidade fiscal nesse sentido, trata-se de tema divergente ocasionando calorosos debates em sede doutrinária. Uma primeira corrente defende a constitucionalidade da exigência, principalmente, ao considerar injusta a possibilidade de relação jurídica benéfica com o Poder Público enquanto descumpre suas respectivas obrigações tributárias, bem como a manifestação do Constituinte Originário ao estabelecer que a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público.
De outra banda, a exigência da regularidade fiscal nos moldes como foi realizada pela Lei 8.666/93, na qual esta é exigida mesmo com relação a entidade federativa diversa da qual se pretende firmar o futuro contrato administrativo, seria imposição dotada de flagrante desproporcionalidade, bem como configuraria forma de sanção política.
De tal forma, o presente trabalho objetiva aclarar os principais pontos de conflito entre as duas correntes diametralmente opostas de forma a expor as críticas e os pontos de vista de doutrinadores especialistas na área e o entendimento emanado dos Tribunais Superiores, mostrando, ademais, os principais argumentos levantados no debate em testilha.
1. Licitações públicas
Licitações públicas podem ser definidas como uma espécie de procedimento administrativo vinculado, conforme mandamento constitucional insculpido no art. 37, XXI, da Magna Carta, por meio do qual o Poder Público seleciona a melhor proposta entre as oferecidas pelos interessados objetivando a celebração de um contrato, sendo julgada e processada em consonância aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, entre outros.
1.1 Delimitação Conceitual.
As licitações públicas decorrem da necessidade lógica advinda do fato de que a Administração, buscando aquisição de bens e contratação serviços, almeja pela seleção da oferta mais vantajosa, de forma a resguardar o interesse público na escolha das melhores propostas – dentre tipos existentes no art. 45, §1o, da Lei 8.666/93[1] para se aferir o que seria “a melhor proposta” – despendendo a menor quantidade de recursos possíveis, respeitando-se todos os atos previstos em lei para tanto.
Por Celso Antônio Bandeira De Mello, o instituto é assim conceituado:
“Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e na qual abrem disputa entre os interessados e com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travado isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.”[2]
Em outras palavras, licitação pública pode ser definida como o certame no qual um conjunto de atos administrativos concatenados, em cenário isonômico e favorável a incutir a competitividade entre interessados a contratar com a Administração, objetiva a seleção da proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Com efeito, Ronny Charles, assim se pronuncia:
“Licitação é o procedimento prévio de seleção por meio do qual a Administração, mediante critérios previamente estabelecidos, isonômicos, abertos ao público e fomentadores da competitividade, busca escolher a melhor alternativa para a celebração de um contrato. Sendo um procedimento prévio à realização do contrato, a licitação tem como intuito permitir que se ofereçam propostas e que seja escolhida a mais interessante e vantajosa ao interesse público.”[3]
Outrora, existiram pensamentos estabelecendo que o contrato poderia ser definido como parte do procedimento licitatório. No entanto, atualmente resta pacífica a improcedência de tal argumentação, tendo em vista que os dois institutos são notoriamente independentes. Corroborando o ora esposado, pode-se citar: o fato da decisão de contratar ser discricionária, enquanto o procedimento licitatório, em regra, não o é; o vencedor da licitação não possui direito subjetivo, mas tão somente expectativa de direito no tocante à celebração do contrato; a existência de contrato administrativo sem a feitura de licitação nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade previstas em lei.
1.2 Princípios Gerais e Específicos.
Os fundamentos para a existência da licitação podem ser constatados a partir de uma análise de dois dos denominados princípios diretivos do Direito Administrativo, quais sejam: eficiência e impessoalidade.
No procedimento licitatório, o princípio da eficiência se mostra presente na escolha da melhor contratação possível, ou seja, a celebração de um negócio a partir da escolha da proposta mais vantajosa pressupondo o melhor preço aliado à melhor prestação. A impessoalidade, por sua vez, estabelece critérios objetivos e previamente estabelecidos em lei na contratação dos negócios administrativos, de forma a evitar subjetivismos e favoritismos que possam comprometer o interesse público.
Sob outro prisma, o princípio constitucional da isonomia é responsável por garantir a igualdade de oportunidades a todos que almejam ingressar em situação jurídica especial que possa interessar a mais de um administrado, qual seja contratar com a Administração Pública.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, existiriam, no âmbito do Direito Administrativo, dois princípios considerados de elevada importância, quais sejam: a supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a indisponibilidade do interesse público.
“Os dois princípios, referidos acima, são aqui realçados não em si mesmos, mas em suas repercussões no ordenamento jurídico em geral. Assim, têm importância, sem dúvida, suas justificações teóricas, mas para o jurista, o que interessa mais, como dado fundamental, é a tradução deles nos sistema.
(…) Atribui-se-lhes a importância de pontos fundamentais do Direito Administrativo não porque possuam em si mesmos a virtude de se imporem como fontes necessárias do regime, mas porque, investigando o ordenamento jurídico administrativo, acredita-se que eles hajam sido encampados por ele e nesta condição validados como fonte-matiz do sistema.
Logo, não se lhes dá um valor intrínseco, perene e imutável. Dá-se-lhes importância fundamental porque se julga que foi o ordenamento jurídico que assim o qualificou”.[4]
É mister salientar que a obediência aos princípios gerais e específicos das licitações públicas, não afasta idêntica submissão aos demais princípios aplicáveis no âmbito da Administração Pública de forma mais abrangente.
O princípio da publicidade se mostra presente na divulgação obrigatória dos atos praticados pela Administração Pública como uma das exigências do próprio Estado Democrático de Direito. A licitação, na qualidade de procedimento público, deve ocorrer mediante divulgação do edital de forma a alcançar todos os possíveis interessados que aspirem às contratações nos moldes estabelecidos pelo próprio instrumento convocatório. A inexistência do edital ocorre somente na modalidade convite, sendo o instrumento convocatório a denominada “carta-convite”.
É importante destacar que a existência de sigilo na licitação, dá-se apenas quanto ao conteúdo das propostas, de forma a fomentar a competitividade buscando as melhores propostas, perdurando apenas até o momento da abertura dos envelopes.
Todo o procedimento licitatório é rigorosamente disciplinado em lei, tal como todos os procedimentos administrativos que devem estar em consonância com o denominado princípio da legalidade.
Neste diapasão, o art. 4º da Lei 8.666/93[5] estabelece que todos os participantes da licitação gozam de direito público subjetivo à fiel observância do procedimento legal, dando azo à possível impugnação caso o licitante se sinta prejudicado ou lesado. Como consectários lógicos do princípio, podemos citar: o fortalecimento da participação popular porquanto é concedido ao cidadão diversas formas de controle da legalidade, ampliação das formas de controle interno e externo, bem como o enquadramento de determinados comportamentos como crime – art. 89 a 99 da Lei 8.666/93 -, os quais antes eram considerados tão somente infrações administrativas, sendo, na prática, absorvidos por um crime-fim ou pela Lei de Improbidade Administrativa.
Feitas tais considerações no atinente aos princípios gerais das licitações, passar-se-á a uma análise de seus princípios específicos, quais são: vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo, competitividade, sigilo das propostas, formalismo procedimental e vedação à oferta de vantagens.
O princípio da vinculação ao instrumento convocatório determina que, tanto os licitantes quanto a própria Administração, estão sujeitos à observância das normas contidas no ato que inaugura o procedimento licitatório, o qual pode se dá de duas formas diferentes: edital ou carta-convite, esta última ocorrendo somente na modalidade convite.
A observância de tal princípio poderia ser considerada uma das decorrências da isonomia, pois as mesmas regras são impostas para a observância de todos que desejem participar do procedimento.
O princípio do julgamento objetivo prescreve que a proposta na licitação será julgada conforme os critérios pré-estabelecidos no instrumento convocatório, conforme preleciona o art. 45, caput, da Lei nº 8.666/93: “O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle”. Nota-se, portanto, forte inter-relação do aludido princípio com a vinculação do instrumento convocatório, bem como a impessoalidade que rege as licitações públicas.
O princípio do formalismo procedimental estabelece a existência de uma série de atos previstos em lei a serem seguidos, não podendo o administrador subvertê-los. Como exemplo, poder-se-ia citar os contratos verbais como sendo a exceção, e não a regra, no âmbito das licitações públicas, conforme dispõe o parágrafo único, art. 60, da Lei 8.666/93: “É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.”
Por último, o princípio da vedação à oferta de vantagens seria a impossibilidade do licitante para ofertar outras vantagens não contidas na sua proposta, da forma prevista no art. 44, §2º, da Lei 8.666/93. [6]
2. Habilitação Jurídica
Habilitação jurídica pode ser definida como meio pelo qual o Poder Público busca garantir, mediante critérios objetivos estabelecidos na Lei de Licitações, que o vencedor do certame possua todas as condições de cumprir o avençado em futuro contrato administrativo, de modo a resguardar o interesse público evitando o dispêndio de recursos e a refeitura do procedimento.
Em outras palavras, a fase de habilitação jurídica tem o intuito de comprovar a idoneidade e capacidade do licitante de executar satisfatoriamente as exigências do contrato, de modo a permitir o avanço nas demais etapas do procedimento licitatório.
Desta feita, o Superior Tribunal de Justiça possui salutar entendimento quanto efetiva repercussão prática com relação a exigências realizadas na fase de habilitação jurídica, conforme o seguinte julgado:
“EMENTA: ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA.EDITAL. 1. As regras do edital de procedimento licitatório devem ser interpretadas de modo que, sem causar qualquer prejuízo à administração e aos interessados no certame, possibilitem a participação do maior número possível de concorrentes, a fim de que seja possibilitado se encontrar, entre várias propostas, a mais vantajosa. 2. Não há de se prestigiar posição decisória assumida pela Comissão de Licitação que inabilita concorrente com base em circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato,fazendo exigência sem conteúdo de repercussão para a configuração da habilitação jurídica, da qualificação técnica, da qualificação econômica-financeira e regularidade fiscal. 3. Se o edital exige que a prova da habilitação jurídica da empresa deve ser feita, apenas, com a apresentação do "ato constitutivo e suas alterações, devidamente registrada ou arquivadas na repartição competente, constando dentre seus objetivos a exclusão de serviços de Radiodifusão…", é excessiva e sem fundamento legal a inabilitação de concorrente sob a simples afirmação de que cláusulas do contrato social não se harmonizam com o valor total do capital social e com o correspondente balanço de abertura, por tal entendimento ser vago e impreciso. 4. Segurança concedida”. (STJ – MS: 5606 DF 1998/0002224-4, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 13/05/1998, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 10/08/1998 p. 4).[7]
Nesse esteio, os critérios da referida fase se encontram no art. 27 da Lei 8.666/93, in verbis:
“Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:
I – habilitação jurídica;
II – qualificação técnica;
III – qualificação econômico-financeira;
IV – regularidade fiscal e trabalhista;
V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.”
É mister salientar que os critérios não podem se configurar meras formalidades de indesejável impertinência para o fim ao qual se propõe, de forma que o administrador se mostra obrigado a utilizar, além de razoabilidade e proporcionalidade, quesitos que, de fato, demonstrem a capacitação do interessado e estejam previstos no instrumento convocatório conforme o comando do art. 40, VI, da Lei 8.666/93.
Quanto às críticas existentes especificamente à regularidade fiscal, tem-se que a exigência constitucional da fase de habilitação jurídica teria se limitado à qualificação técnica e econômica.
“XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”
Nesse sentido, respeitáveis vozes doutrinárias – incluindo Di Pietro até 2011 – consideram inconstitucionais as demais exigências que não sejam a qualificação técnica e econômica:
“O que não parece mais exigível a partir da Constituição de 1988, é a documentação relativa à regularidade jurídico-fiscal, ou seja, prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC), prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal e prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal, pois isto exorbita do que está previsto na Constituição; com efeito, trata-se de exigências não essenciais à execução do contrato. Além disso, não se pode dar à licitação – procedimento já bastante complexo – o papel de instrumento de controle fiscal, quando a lei prevê outras formas de controle voltadas para essa finalidade.” [8].
No entanto, trata-se, atualmente, de posição minoritária.
2. Regularidade fiscal
Consoante o art. 29, III, da Lei 8.666/93, a regularidade fiscal pode ser traduzida como a “prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei”.
Destaca-se que não há de se confundir a prova de regularidade fiscal com a prova de quitação de tributos perante a Fazenda Federal, Estadual e Municipal. No mesmo sentido dispõe o Tribunal de Contas da União:
“TCU – Súmula 283: Para fim de habilitação, a Administração Pública não deve exigir dos licitantes a apresentação de certidão de quitação de obrigações fiscais, e sim prova de sua regularidade.”
Muito embora tanto a quitação de tributos quanto a regularidade fiscal possam ser comprovadas mediante certidão negativa, tais expressões não são equivalentes. Isso porque a regularidade fiscal abrange outras denominadas obrigações acessórias de natureza tributária, ou seja, trata-se de expressão mais abrangente do que a quitação dos tributos. Assim como pode existir a regularidade mediante a expedição de uma certidão positiva com efeitos de negativa, ainda que o não tenha havido o pagamento do tributo.
“Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.
Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição.
Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”
Dessa forma, para fins de exigência na habilitação no procedimento licitatório, deve-se exigir a regularidade fiscal, não sendo suficiente a comprovação de pagamento de tributos perante a Fazenda Federal, Estadual e Municipal.
É importante destacar que, no que concerne às empresas em recuperação judicial, o Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial nº 1.173.735 julgado em 2014 da Relatoria do Min. Luis Felipe Salomão – entende por dispensar a exigência ao argumento de que, caso contrário, a recuperação judicial não poderá ser tida como efetiva, verbis:
“DIREITO EMPRESARIAL, TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSTRUÇÃO E MONTAGEM DE INSTALAÇÕES INDUSTRIAIS DE PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL COM A PETROBRAS. PAGAMENTO DO SERVIÇO PRESTADO. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA PRESTADORA DOS SERVIÇOS. IMPOSSIBILIDADE. SOCIEDADE EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ARTS. 52 E 57 DA LEI N. 11.101/2005 (LF) E ART. 191-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). INOPERÂNCIA DOS MENCIONADOS DISPOSITIVOS. INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA A DISCIPLINAR O PARCELAMENTO DA DÍVIDA FISCAL E PREVIDENCIÁRIA DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. 1. O art. 47 serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica". 2. Segundo entendimento exarado pela Corte Especial, em uma exegese teleológica da nova Lei de Falências, visando conferir operacionalidade à recuperação judicial, é desnecessário comprovação de regularidade tributária, nos termos do art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e do art. 191-A do CTN, diante da inexistência de lei específica a disciplinar o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial (REsp 1187404/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/06/2013, DJe 21/08/2013). 3. Dessarte, o STJ, para o momento de deferimento da recuperação, dispensou a comprovação de regularidade tributária em virtude da ausência de legislação específica a reger o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. Nessa linha de intelecção, por óbvio, parece ser inexigível, pelo menos por enquanto, qualquer demonstração de regularidade fiscal para as empresas em recuperação judicial, seja para continuar no exercício de sua atividade (já dispensado pela norma), seja para contratar ou continuar executando contrato com o Poder Público. 4. Na hipótese, é de se ressaltar que os serviços contratados já foram efetivamente prestados pela ora recorrida e, portanto, a hipótese não trata de dispensa de licitação para contratar com o Poder Público ou para dar continuidade ao contrato existente, mas sim de pedido de recebimento dos valores pelos serviços efetiva e reconhecidamente prestados, não havendo falar em negativa de vigência aos artigos 52 e 57 da Lei n. 11.101/2005. 5. Malgrado o descumprimento da cláusula de regularidade fiscal possa até ensejar, eventualmente e se for o caso, a rescisão do contrato, não poderá haver a retenção de pagamento dos valores devidos em razão de serviços já prestados. Isso porque nem o art. 87 da Lei n. 8.666/1993 nem o item 7.3. do Decreto n. 2.745/1998, preveem a retenção do pagamento pelo serviços prestados como sanção pelo alegado defeito comportamental. Precedentes. 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp: 1173735 RN 2010/0003787-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 22/04/2014, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/05/2014)
No referido julgado, o voto do Min. Luis Salomão expôs a controvérsia da seguinte maneira:
“VOTO: (…) Portanto, ao que se vê, a Lei previu, em um primeiro momento, a dispensa da apresentação de certidão negativa para o devedor continuar exercendo as suas atividades, ressalvando a isenção no tocante a contratação com o Poder Público e recebimento de incentivos fiscais; e, em um segundo momento, a exigência da apresentação da CND para o deferimento da recuperação da empresa. Como visto, o STJ, para o momento de deferimento da recuperação, dispensou a comprovação de regularidade tributária em virtude da ausência de legislação específica a reger o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. Nessa linha de intelecção, por óbvio, parece ser inexigível, pelo menos por enquanto, qualquer demonstração de regularidade fiscal para as empresas em recuperação judicial, seja para continuar no exercício de sua atividade (já dispensado pela norma), seja para contratar ou continuar executando contrato com o Poder Público. É que, como dito naquele oportunidade, em se tratando de recuperação judicial, a nova Lei de Falências traz uma norma-programa de densa carga principiológica, constituindo a lente pela qual devem ser interpretados os demais dispositivos. A inovação está no art. 47, que serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, vale dizer, ‘viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica’. Com feito, a hermenêutica conferida à Lei n. 11.101⁄2005, no particular relativo à recuperação judicial, deve sempre se manter fiel aos propósitos do diploma, isto é, nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resultar circunstância que – além de não fomentar – inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objetivo de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não atender a nenhum interesse legítimo dos credores, sob pena de tornar inviável toda e qualquer recuperação judicial, sepultando o instituto. Isso porque é de se presumir que a empresa que se socorre da recuperação se encontra em dificuldades financeiras para pagar seus fornecedores e passivo tributário e, por conseguinte, em obter a emissão de certidões negativas de débitos; não podendo isso, contudo, significar a impossibilidade de sua recuperação, máxime para recebimento de crédito a que faz jus por ter cumprido integralmente sua obrigação contratual. Ao revés, pelos primados da lei, deve-se possibilitar meios e condições econômicas para que a empresa supere a situação de crise.” (STJ, Recurso Especial nº 1.173.735, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 22.04.2014)
3. Da análise jurídica da exigência da regularidade fiscal na fase de habilitação no âmbito das licitações Públicas
Consabido que com o intuito de resguardar a exeqüibilidade e evitar dispêndio de recursos públicos de forma a ir de encontro ao interesse da coletividade, principalmente ao se considerar, que a fase da habilitação segue uma tendência iniciada com a Lei 10.520/02 para que ocorra após a apreciação das propostas, a documentação quanto a regularidade fiscal é estabelecida no art. 29 da Lei 8.666/93.
A regularidade fiscal objetiva informar a adimplência do licitante no que diz respeito às suas obrigações fiscais por meio, principalmente, da análise dos seus cadastros públicos.
Segundo Jorge Munhós Souza[9], não há consenso sobre o que se pode exigir a título de regularidade fiscal, pendendo questionamentos sobre os seguintes pontos: i) seria possível se exigir a comprovação de inexistência de débitos não-fiscais? Como, por exemplo, a multa? ii) seria possível inabilitar o licitante em função da inexistência de débitos fiscais não reclamados ao objeto da contratação? Como, por exemplo, empresa que foi contratada para a realização de obra, mas se encontra inadimplente quanto ao pagamento do IPTU. iii) a comprovação da regularidade fiscal está limitada à órbita em que se realiza a licitação, ou seria possível se exigir do licitante a comprovação da regularidade fiscal perante todos os entes federativos? Iv) se o licitante tiver diversas inscrições fiscais (matriz e diversas filiais), a irregularidade fiscal de uma delas terá efeitos em relação às demais?
É mister salientar que a condição regularidade fiscal que, a priori, permitiu a continuidade do licitante no procedimento, deve ser mantida durante toda a execução do contrato, a teor do artigo 55, inciso XIII, da Lei 8.666/93, sob pena de incorrer em descumprimento contratual ensejando motivo para rescisão.
3.1 Argumentos Contrários a sua Admissibilidade
Conforme supracitado, parcela da doutrina defende a inconstitucionalidade da exigência de regularidade fiscal com base no argumento de que a lei federal teria extrapolado o comando constitucional explanado no art. 37, XXI, da Carta Magna, a qual apenas exige a qualificação técnica e econômica para efeito de habilitação jurídica.
Nessa mesma esteira de análise dos dispositivos constitucionais, defende-se que, fora a qualificação técnica e qualificação econômica, poderia ser exigida a regularidade fiscal apenas no tocante aos débitos existentes com o sistema de seguridade social, conforme preleciona o art. 193, § 3º, da Constituição Federal, que “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.”
Assim, defende-se que as restrições não poderiam extrapolar o conteúdo dos únicos dois dispositivos de estatura constitucional, quais sejam:
“Artigo 37 – […] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Artigo 195 – […] § 3º – A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.”
Celso Antônio Bandeira de Mello defende que a exigência seria um percalço no aspecto da competitividade do certame e que a inabilitação só deveria ocorrer nos casos em que o adimplemento contratual possa se mostrar efetivamente comprometido.
“No que tange à prova de regularidade com as Fazendas Públicas, anotou que já não mais se fala em “quitação” com a Fazenda Pública, mas em “regularidade” com o Fisco, que pode abranger a existência do débito consentido e sob o controle do credor. Donde, será ilegal o edital que exija prova de quitação. Além disto, o licitante pode haver se insurgido contra o débito por mandado de segurança ou outro meio pelo qual o questione ou questione seu montante. Há de se ter por certo que “a exigência de regularidade fiscal não pode sobrepor-se à garantia da universalidade e do monopólio da jurisdição”. Donde, se a parte estiver litigando em juízo sobre o pretendido débito, tal circunstancia não poderá ser um impedimento a que participe de licitações.” [10]
No mesmo sentido, pronuncia-se Marçal Justen Filho quanto a drasticidade da medida de inabilitação que exige circunstâncias excepcionais para sua aplicação.
“Em qualquer caso, porém, a exigência de regularidade fiscal não pode sobrepor-se à garantia da universalidade e do monopólio da jurisdição. Significa que a submissão do litígio à apreciação do Poder Judiciário afasta qualquer laivo de irregularidade. Não é constitucional impor a perda do direito de licitar enquanto a matéria estiver sob apreciação do Poder Judiciário.”[11]
Um dos principais argumentos contrários à exigência da regularidade fiscal pode ser traduzido na configuração de sanção política. Assim, merecem maiores considerações os contornos e a definição do instituto. Afinal, o que seria sanção política?
Consoante pacífica jurisprudência dos Tribunais Superiores, o Poder Público não poderia se valer de meios coercitivos indiretos e desproporcionais para realizar a cobrança de tributos. Isso porque a Fazenda Pública já possui os meios idôneos, que respeitam o devido processo legal e seus respectivos consectários para atingir o patrimônio do contribuinte.
Em outras palavras, ao dispor da execução fiscal e de todos seus benefícios previstos na Lei 6.830/80, bem como a cobrança em sede administrativa do crédito tributário, a entidade pública não poderia se valer de vias oblíquas que ofendem a livre iniciativa e o livre exercício de qualquer trabalho e ofício ou profissão a ponto de obrigar o sujeito passivo a realizar o pagamento, sob pena de sanções de tal natureza.
Nesse sentido, os Tribunais Superiores assim possuem o entendimento de forma sumulada:
“STF – Súmula 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
STF – Súmula 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
STF – Súmula 547: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
STJ – Súmula 127: É ilegal condicionar a renovação da licença de veiculo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.”
O posicionamento do Supremo Tribunal Federal é uníssono no sentido de vedação do instituto enquanto meio para cobrança indireta do pagamento de tributos, conforme os seguinte julgados ora colacionados:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOR AO CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A OBRIGAÇÃO DO RECOLHIMENTO ANTECIPADO DO TRIBUTO. FORMA OBLÍQUA DE COBRANÇA. VIOLAÇÃO AOS PRÍNCIPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DA LIBERDADE DE TRABALHO E COMÉRCIO. AGRAVO IMPROVIDO. I – Impor ao contribuinte inadimplente a obrigação de recolhimento antecipado do ICMS, como meio coercitivo para pagamento do débito fiscal, importa em forma oblíqua de cobrança de tributo e em contrariedade aos princípios da livre concorrência e da liberdade de trabalho e comércio. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.” (RE 525.802-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski).
“DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SANÇÃO POLÍTICA COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. 1. Nos termos da jurisprudência da Corte, é inconstitucional a sanção política visando ao recolhimento de tributo, tal como ocorre com o ato de condicionar a expedição de notas fiscais à prestação de fiança, garantia real ou fidejussória por parte do contribuinte. Matéria decidida no RE 565.048, Rel. Min. Marco Aurélio. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.“ (AI 623.739-AgR, Rel. Ministro Roberto Barroso)
“DÉBITO FISCAL – IMPRESSÃO DE NOTAS FISCAIS – PROIBIÇÃO – INSUBSISTÊNCIA. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsa.” (RE 413.782, Rel. Min. Marco Aurélio)
“CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. 1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição . É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes.” (ADI 173/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa)
Assim, no sentido da exigência da regularidade fiscal se tratar de forma indireta de cobrança de tributo, tal corrente defende que o requisito da regularidade fiscal na fase de habilitação poderia ser classificado como sanção política repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio. Dessa feita, o Poder Público estaria se utilizando de via oblíqua de cobrança quando já detém os meios legítimos, quais sejam: execução fiscal ou cobrança em sede administrativa.
Por último, entende-se existir nefasta desproporcionalidade ao se exigir a quitação em todos os âmbitos do Estado Federado, conforme o art. 29, III, da Lei 8.666/93 ao impor a prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei.
3.2 Argumentos Favoráveis a sua Admissibilidade
Em sentido diametralmente oposto, tem-se a exigência da regularidade fiscal como medida salutar e uma forma de prestigiar os licitantes adimplentes e não “premiar” aqueles que se encontrem em débito com o fisco.
Nessa toada, não parece se coadunar com o sistema republicano e nem com o princípio da isonomia a possibilidade de oferecimento de melhores propostas por aqueles que não levam em consideração em seus cálculos certos gastos fiscais. Assim, tais licitantes só estariam em condições de assim fazê-lo por estarem inadimplentes com suas obrigações tributárias ofertando lances que se mostrem economicamente mais atraentes, mas não melhores para o interesse público.
É de ressaltar que não se trata de sanção política, pois o licitante ainda pode discutir o crédito tributário de forma que se mostra igualmente possível a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa para a participação no procedimento licitatório. Dessa forma, caso exista alguma pendência tributária que possa comprometer sua habilitação jurídica, o Poder Judiciário poderá apreciar a ameaça ao direito expedindo decisão liminar e conseqüente suspensão da exigibilidade do crédito tornando viável sua participação.
Assim, o instituto em si não se mostra inconstitucional ou sequer ilegal, mas, em determinados casos, é necessário cautela nos critérios de análise de exigência da regularidade fiscal, sob pena de atuação desproporcional ou desprovida de razoabilidade.
3.3 Entendimento dos Tribunais Superiores
O Supremo Tribunal Federal na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 173-6/DF acabou por enfrentar a temática relacionada à exigência da regularidade fiscal no âmbito das licitações públicas:
“CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR.1º A 3º, E ART. 2º. 1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par.1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes”. (STF – ADI: 173 DF , Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 25/09/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00001; grifou-se).[12]
É de se notar, portanto, que o Supremo Tribunal Federal veda categoricamente o instituto da sanção política, a qual não se confunde com a exigência da regularidade fiscal, principalmente, daqueles que se mostram inadimplentes contumazes na busca de vantagens econômicas no ambiente concorrencial.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica e reiterada quanto a legalidade do instituto:
“ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. REGULARIDADE FISCAL. CERTIDÕES. PRAZO DE VALIDADE. NÃO-FORNECIMENTO PELO MUNICÍPIO. ART. 535 DO CPC. EFEITOS INFRINGENTES DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. O art. 535 do CPC, ao dispor sobre as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, não veda a atribuição de efeitos infringentes, com alteração da decisão embargada, quando o Tribunal conclui deva ser sanada omissão, contradição, obscuridade ou, ainda, deva ser corrigido erro material. 2. Não configura afronta ao art. 535 do CPC se o Tribunal a quo entende ter havido "contradição em seu corpo, associada a erro relevante na apreciação dos elementos constantes do caderno processual" e conclui que o acórdão exarado no mandado de segurança incorreu em vício, mais especificamente, em contradição, motivo pelo qual os embargos de declaração foram acolhidos com efeitos modificativos, resultando na reforma do julgado embargado. 3. A exigência de regularidade fiscal para habilitação nas licitações (arts. 27, IV, e 29, III, da Lei nº 8.666/93) está respaldada pelo art. 195, § 3º, da C.F., todavia não se deve perder de vista o princípio constitucional inserido no art. 37, XXI, da C.F., que veda exigências que sejam dispensáveis, já que o objetivo é a garantia do interesse público. A habilitação é o meio do qual a Administração Pública dispõe para aferir a idoneidade do licitante e sua capacidade de cumprir o objeto da licitação. 4. É legítima a exigência administrativa de que seja apresentada a comprovação de regularidade fiscal por meio de certidões emitidas pelo órgão competente e dentro do prazo de validade. O ato administrativo, subordinado ao princípio da legalidade, só poderá ser expedido nos termos do que é determinado pela lei. 5. A despeito da vinculação ao edital a que se sujeita a Administração Pública (art. 41 da Lei nº 8.666/93), afigura-se ilegítima a exigência da apresentação de certidões comprobatórias de regularidade fiscal quando não são fornecidas, do modo como requerido pelo edital, pelo município de domicílio do licitante. 6. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp: 974854 MA 2007/0177953-2, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 06/05/2008, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2008; grifou-se).[13]
Em outro julgado o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que a regularidade fiscal adviria da própria Constituição Federal:
“ADMINISTRATIVO. CONTRATO. ECT. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE MANTER A REGULARIDADE FISCAL. RETENÇÃO DO PAGAMENTO DAS FATURAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A exigência de regularidade fiscal para a participação no procedimento licitatório funda-se na Constituição Federal, que dispõe no § 3º do art. 195 que “a pessoa jurídica em débito com o sistema da Seguridade Social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”, e deve ser mantida durante toda a execução do contrato, consoante o art. 55 da Lei n. 8.666⁄93. 2. O ato administrativo, no Estado Democrático de Direito, está subordinado ao princípio da legalidade (CF⁄88, arts. 5º, II, 37, caput, 84, IV), o que equivale assentar que a Administração poderá atuar tão somente de acordo com o que a lei determina. 3. Deveras, não constando do rol do art. 87 da Lei n. 8.666⁄93 a retenção do pagamento pelos serviços prestados, não poderia a ECT aplicar a referida sanção à empresa contratada, sob pena de violação ao princípio constitucional da legalidade. Destarte, o descumprimento de cláusula contratual pode até ensejar, eventualmente, a rescisão do contrato (art. 78 da Lei de Licitações), mas não autoriza a recorrente a suspender o pagamento das faturas e, ao mesmo tempo, exigir da empresa contratada a prestação dos serviços. 4. Consoante a melhor doutrina, a supremacia constitucional “não significa que a Administração esteja autorizada a reter pagamentos ou opor-se ao cumprimento de seus deveres contratuais sob alegação de que o particular encontra-se em dívida com a Fazenda Nacional ou outras instituições. A Administração poderá comunicar ao órgão competente a existência de crédito em favor do particular para serem adotadas as providências adequadas. A retenção de pagamentos, pura e simplesmente, caracterizará ato abusivo, passível de ataque inclusive através de mandado de segurança” (Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2002. p. 549). 5. Recurso especial a que se nega provimento”. (REsp n. 633.432/MG, 1. T., rel. Min. Luiz Fux, j. 22.02.2005, DJ de 20.06.2005.-STJ; grifou-se)
Dessa feita, tem-se que o entendimento emanado dos Tribunais Superiores se mostra favorável à exigência da regularidade fiscal, uma vez que a medida, desde que respeitado o princípio da proporicionalidade e da razoabilidade a ser aplicado no caso concreto, não configura sanção política, assim como se mostra como medida que resguarda o interesse público e não, de certa forma, “premia” aqueles que estão inadimplentes com o fisco ocasionando violação ao princípio da isonomia.
Considerações Finais
Ao longo do texto, foram realizadas explanações conceituais concernentes ao instituto das licitações, que se trata de mecanismo de extrema importância quanto à utilização dos recursos públicos na feitura de compras e nas contratações de serviços. Deixou-se claro a existência da habilitação jurídica que se trata de um meio que busca propiciar o acautelamento das propostas feitas pelos licitantes de forma a resguardar o efetivo cumprimento do contrato administrativo.
A regularidade fiscal, existente na fase de habilitação jurídica, proporciona calorosos debates quanto a sua exigência dividindo a doutrina administrativista.
Por um lado, tem-se que é desproporcional e desarrazoado ferindo a competitividade nos certames públicos, bem como se trata de forma de sanção política vedada pelo ordenamento jurídico.
Do outro, entende-se que o instituto se mostra favorável ao interesse público na medida em que estimula o adimplemento com o fisco e não compensa aqueles que se mostram em situação irregular com suas obrigações tributárias. Entender de modo diverso, seria ir de encontro ao princípio da isonomia na medida em que aqueles que estariam em condições de oferecer propostas economicamente mais interessantes assim o fizessem por estarem negligenciando seus compromissos com o fisco.
Durante a exposição do trabalho, foi feita menção ao entendimento dos Tribunais Superiores acerca da exigência da regularidade fiscal, os quais se filiam a este último posicionamento afirmando sua coadunação com o ordenamento jurídico pátrio, o que parece ser o juízo mais acertado quanto ao instituto.
A exigência da regularidade fiscal, além de censurar aqueles que se desviam de suas obrigações com o fisco, mostra-se como norma de caráter promocional aos adimplentes além de viabilizar a existência da isonomia no âmbito do procedimento licitatório.
No entanto, não se pode desconsiderar seu afastamento de forma peremptória porquanto a aplicação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade podem assim fazê-lo diante das peculiaridades do caso concreto.
Nota-se, portanto, que seu afastamento na fase habilitatória somente poderia ocorrer como medida excepcional em situações nas quais as circunstâncias exigissem a tomada de medidas drásticas.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Advogada. Pós-graduada em Direito Administrativo e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Analista de Controle Externo – Atividade Jurídica e Assessora do Vice-Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Ceará
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