Resumo: A presente pesquisa tem por fim demonstrar, através de leis, doutrinas e jurisprudências, a enorme relevância dos direitos fundamentais dentro da atual conjuntura jurídica e social, elucidar possíveis situações de restrições desses direitos, expondo alternativas quando da ocorrência de colisão entre os mesmos. Por fim pretende examinar e inquirir, com toda diligência, ponderação e respeito, porém sob um novo prisma, tópicos relevantes do voto do ilustre ministro Luís Roberto Barroso no HC 124.306/ RJ, evidenciando a desproporcionalidade da liberação do aborto até o primeiro trimestre de gestação frente às “possíveis” violações dos direitos fundamentais das mulheres.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais; limitação; autonomia da mulher; integridade física e psíquica; igualdade de gênero; direitos do nascituro.
Abstract: The present research aims to demonstrate, through laws, doctrines and jurisprudence, the enormous relevance of fundamental rights within the current juridical and social context, to elucidate possible situations of restrictions of these rights, exposing alternatives when a collision occurs between them. Finally, it intends to examine and inquire with all diligence, consideration and respect, but under a new light, relevant topics of the illustrious minister Luís Roberto Barroso vote in HC 124.306 / RJ, evidencing the disproportionality of the abortion liberation when it occurs until the first trimester of pregnancy, considering “possible” violations of women’s fundamental rights.
Keywords: Fundamental Rights; limitation; women’s autonomy; physical and psychological integrity; gender equality; unborn child’s rights.
Sumário: 1 Introdução 2 A Descentralização do Direito Civil e sua Constitucionalização 3 Características dos Direitos Fundamentais 4 Colisão dos Direitos Fundamentais e Meios de Resolução do Conflito 5 Limitação dos Direitos Fundamentais 6 Análise de Pontos Relevantes do Voto do Ilustre Ministro Luís Roberto Barroso acerca dos Direitos Fundamentais – HC 124.306/RJ 6.1 Autonomia da Mulher 6.2 Integridade Física e Psíquica 6.3 Igualdade de Gênero 7. Direitos do Nascituro. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O estudo dos direitos fundamentais é vasto e de extrema respeitabilidade, considerando que trata de questões inerentes à natureza do homem, buscando a sua completude e dignidade.
O estudo dos direitos fundamentais se faz de extrema relevância haja vista que a sociedade está em constante mutabilidade, logo, conceitos que antes preenchiam as lacunas existentes, passam rapidamente a ser alvo de pesquisa para uma melhor adequação à nova realidade.
Desta forma, este artigo tem por fim elucidar os conceitos e fundamentações doutrinárias acerca dos direitos fundamentais, qual sua real utilidade para a defesa da dignidade da pessoa humana, quais os limites para sua utilização, averiguar quais as possíveis soluções para casos de colisão e investigar acerca dos critérios utilizados para resolução desses conflitos.
Trataremos em específico das questões relacionadas ao tema supracitado constante no voto do ilustre ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso no HC 124.306 RJ, ocasião em que se utilizou da proteção dos direitos fundamentais da mulher para justificar a descriminalização do aborto no primeiro trimestre de gestação.
Os direitos fundamentais são aqueles direitos inerentes ao homem, sejam eles de cunho individual, social ou político (direitos do homem), que passaram por um processo de positivação e adquiriram status máximo nas regras de um Estado, ou seja, foram inseridos em sua Constituição (FERNANDES, 2014, p. 307).
O valor do homem e sua primazia em relação ao Estado são concepções que não nasceram nos dias atuais, nem tampouco de maneira repentina, sua valorização fora construída gradativamente no decorrer dos séculos e encontra-se em constante processo de reformulação.
O Cristianismo teve grande contribuição para a valorização do homem e para a preservação de sua dignidade, haja vista que segundo seus ensinamentos o homem fora criado à imagem e semelhança de Deus, concedendo-lhe assim uma posição diferenciada perante outros seres e até mesmo perante o Estado (MENDES: BRANCO, 2015, p. 136).
Porém foi com a transição do Feudalismo para o Capitalismo, nos séculos XIV a XVI, ou seja, com o movimento renascentista, que o homem passou a ser tido como centro do universo, deixando para trás princípios religiosos, progredindo assim para uma concepção contratualista, humanista, onde o ser humano passava a ter primazia perante todas as coisas (ALBUQUERQUE, 2012, p. 95)
E foi sob este contexto histórico e sob sua influência que em 1776 foi elaborada a Declaração de Direitos da Virgínia e mais tarde, em 1789, a Declaração Francesa, concretizando assim as primeiras positivações dos direitos reputados como inerentes ao homem, estabelecendo-o em posição de prioridade perante o Estado (MENDES; BRANCO, 2015, p. 136).
Não obstante, os direitos fundamentais passaram por evoluções, haja vista que com o decorrer do tempo, aqueles direitos antes conquistados já não protegiam o homem em todas as suas relações.
Neste sentido Fabrício Sarmanho de Albuquerque (2012, p. 101) preleciona: “Com a evolução dos direitos fundamentais, novos direitos são incorporados aos já conquistados, ampliando, dessa maneira, a rede de proteção dos direitos naturais universalmente reconhecidos”.
Assim os direitos fundamentais foram divididos em gerações, baseando-se na ordem cronológica em que foram constitucionalmente reconhecidos.
Os direitos de primeira geração consideraram o homem na sua individualidade, objetivando conceder-lhe maior autonomia e consequentemente maior abstenção do Estado, referem-se aos direitos individuais e políticos. Os de segunda geração referem-se aos direitos sociais, econômicos e culturais que, contrariamente aos de primeira geração obrigam o Estado a prestações positivas, visando conquistar uma real liberdade e igualdade entre os homens. Por fim surgem os direitos de terceira geração, chamados de direitos de solidariedade ou fraternidade, orientados pela proteção da coletividade, são os chamados direitos difusos (MENDES; BRANCO, 2015, p. 137).
Consoante preleciona Gilmar Mendes e Paulo Branco (2015, p.138):
“Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica.”
Isto posto, nota-se que os direitos fundamentais são inerentes à pessoa humana, fazem parte da sua própria natureza, não são absolutos como veremos posteriormente, porém devem resguardar ao máximo os direitos fundamentais do homem a fim de preservar sua dignidade e sua vida como um todo, sendo esses direitos inseparáveis tanto das suas individualidades como do seu convívio social, proporcionando-lhe assim segurança nas suas relações e no desfrutar da vida
2. A DESCENTRALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E SUA CONSTITUCIONALIZAÇÃO
É a parte mais extensão do trabalho e pode ser organizada em seções e subseções. Neste item, o pesquisador, discorre acerca da fundamentação teórica, a metodologia, os resultados e a discussão.
O Código Civil por longo tempo estava no centro de toda e qualquer relação privada, regendo as relações particulares de maneira singular sem qualquer diálogo ou flexibilização diante das mudanças da sociedade.
Neste sentido, Orlando Gomes (APUD GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 90) já elucidava os temores diante de um código imutável, senão vejamos:
“No mundo instável, inseguro e volúvel de hoje, a resposta normativa não pode ser a transposição para um código de fórmulas conceituais habilmente elaboradas no século passado, mas comprometidas com uma realidade muito distinta”.
Não obstante este contexto legal, a nova realidade do século XX, onde a intervenção do Estado na economia trazia incertezas econômicas, insegurança nos negócios, restrições na autonomia privada, impõe uma reforma generalizada do código vigente, ocasionando assim a descodificação ou descentralização do Código Civil (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 90).
Sobre o tema disciplina Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 90):
“Por tudo isso, a dificuldade em proceder a uma reforma generalizada de nosso código desencadeou, pois, o (inverso) fenômeno da descentralização ou descodificação do Direito Civil. Marcado pela proliferação assustadora, à velocidade da luz, de estatutos e leis especiais que disciplinariam não somente as novas exigências da sociedade industrializada, mas também velhas figuras que se alteraram com o decorrer dos anos, sob o influxo de novas ideias solidaristas e humanitárias, e que não poderiam ser plena e eficazmente reguladas por um código ultrapassado e conservador”. (Grifo do autor)
Foi nesta conjuntura que surgiram verdadeiros microssistemas jurídicos, com o objetivo de resguardar as novas relações e interpretar as relações já existentes sob uma nova ótica, modernizando e adequando as leis para a nova realidade.
No ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira (APUD GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 91):
“A celeridade da vida não pode ser detida pelas muralhas de um direito codificado. Acontecimentos, ora na simplicidade da existência cotidiana, ora marcados pelos de maior gravidade, exigem novos comportamentos legislativos. Em consequência, um edifício demoradamente construído, como é um Código, vê-se atingido por exigências frequentes, necessitando de suprimentos legislativos”.
Porém, surge a necessidade de convivência harmônica entre esses microssistemas e é neste ponto que a Constitucionalização do Direito Civil adquire sua relevância, fazendo com que todos os microssistemas jurídicos sejam analisados à luz da Constituição.
Nas palavras de Flavio Tartuce (2016, p. 59):
“O Direito Civil Constitucional nada mais é do que um novo caminho metodológico, que procura analisar os institutos privados a partir da Constituição, e, eventualmente, os mecanismos constitucionais a partir do Código Civil e da legislação infraconstitucional, em uma análise de mão dupla”.(Grifo do autor)
Ainda segundo Gustavo Tepedino (APUD TARTUCE, 2016, p. 60) são três os princípios que regem o Direito Civil Constitucional, quais sejam: a proteção da dignidade da pessoa humana em detrimento do patrimônio; a solidariedade social, inclusive com a erradicação da pobreza e a isonomia ou igualdade lato sensu. Esta última traduzida pela seguinte frase, atribuída à Aristóteles e à Rui Barbosa: “A lei deve tratar de maneira igual os iguais, e de maneira desigual os desiguais” (TARTUCE, 2016, p. 61).
Por conseguinte, não mais há que se falar em independência dos ramos do direito, ao invés disso, deve-se falar em interação entre os mesmos, haja vista que a interpretação de toda e qualquer norma segundo a Constituição traz segurança às relações, ao enfrentamento das novas realidades e à preservação da dignidade do homem.
3. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais estão elencados no art. 5º da Constituição Federal de 1988, no entanto, trata-se apenas de rol numerus apertus, tendo em vista que não excluem àqueles decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil faz parte ou ainda daqueles decorrentes dos princípios praticados pelo Poder Público (LENZA, 2010, p. 743).
Canotilho (APUD MORAES 2009, p. 30) assim aduz sobre as funções dos direitos fundamentais:
“A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).”
Nas palavras de Alexy (APUD MENDES; BRANCO, 2015, p. 158): “O direito fundamental assume o conteúdo de garantia orientada a que o Estado não derrogue determinadas normas”.
Logo, os direitos fundamentais exigem do Estado tanto um dever de agir, quanto um dever de se abster, a depender da situação apresentada, no entanto, em qualquer destas circunstâncias deverá atuar para a defesa da dignidade da pessoa humana e para o livre exercício dos direitos conquistados ao longo de séculos.
Apesar da grande dificuldade de delimitação dos direitos fundamentais, pode-se citar algumas características que se repetem com maior frequência entre os mesmos, dentre as quais estão a sua relatividade, inalienabilidade, constitucionalização, vinculação, historicidade e aplicabilidade imediata (MENDES; BRANCO, 2015, p. 142-153).
Os direitos fundamentais foram construídos e desenvolvidos paulatinamente, com o decurso do tempo e evolução das relações, o que certamente ocasionou a necessidade de sua proteção para além dos limites anteriormente propostos, haja vista a intensa e constante transformação da sociedade e de suas relações. Neste sentido podemos citar julgado que inclui a proteção de estrangeiros não residentes no país. Senão vejamos trecho do voto do ministro Gilmar Mendes no HC 94477/PR que elucida este entendimento: “Há, portanto, direitos que se asseguram a todos, independentemente da nacionalidade do indivíduo, porquanto são considerados emanações necessárias do princípio da dignidade da pessoa humana”.
Depreende-se, a partir do trecho mencionado, que direitos fundamentais não caminham paralelamente aos indivíduos, à sua margem, mas fazem parte da própria natureza humana, permitem a sua vivência em sociedade, por isso não podem ser negociados ou renunciados, características que impõem ao Poder Público a constante busca por seu completo respeito e preservação a fim de salvaguardar a dignidade das pessoas e da coletividade.
4. COLISÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E MEIOS DE RESOLUÇÃO DO CONFLITO.
Os direitos fundamentais tem por finalidade a proteção de todo e qualquer indivíduo, tanto na esfera particular quanto na sua relação com os demais, almejando estabelecer um patamar mínimo de proteção da dignidade humana (MAZZUOLI, 2010, p. 163).
Pra que alcancem tais objetivos, referidos direitos se harmonizam e conjuntamente resguardam os direitos dos indivíduos, pois, isoladamente, não amparariam o homem em toda a sua completude, no entanto, nenhum direito é absoluto, nem mesmo aqueles denominados como fundamentais, eles poderão ser restringidos, porém, de forma excepcional.
Dentre essas excepcionalidades está a colisão de direitos fundamentais, muito bem conceituada por Gilmar Mendes (2015, p.236) da seguinte forma:
“Fala-se em colisão de direitos fundamentais quando se identifica conflito decorrente do exercício de direitos fundamentais por diferentes titulares. A colisão pode decorrer de conflito entre (a) direitos individuais, (b) direitos individuais e bens jurídicos da sociedade e (c) entre bens jurídicos coletivos”.
No entanto, a restrição de referidos direitos não poderá proceder de maneira incerta, o aplicador do direito deverá respaldar seus atos, seguindo determinados parâmetros, que serão explanados mais adiante.
Neste sentido estatui FERNANDES (2014, p. 337):
“… a limitação deve surgir para desenvolver o direito fundamental ou outros direitos fundamentais previstos constitucionalmente em caso de colisão. Certo é que a restrição (limitação) não pode ser tal que, ao invés de desenvolver (dar mais efetividade), prejudique o direito fundamental (ou direitos fundamentais em questão), amesquinhando-o (s) de tal forma (de tal monta) que torne o ato (do legislador ou do administrador) inconstitucional” (Grifo do autor)
Os parâmetros retro mencionados refere-se ao princípio da ponderação, princípio que parte da ideia de que todas as normas possuem a mesma hierarquia, porém em alguns casos com pesos diferentes (MENDES; BRANCO, 2015, p. 184).
O princípio da ponderação está adstrito à regra da proporcionalidade e consequentemente com suas sub-regras (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), propiciando ao intérprete a via necessária para uma justificação da preponderância de um direito sob outro (FERNANDES, 2014, p. 342).
Para Gilmar Mendes e Paulo Branco (2015, p. 184) o princípio da proporcionalidade exige que o sacrifício de um direito seja indispensável à solução do problema e que não haja outro meio menos gravoso para solucioná-lo; prescreve ainda que o encargo imposto à parte sacrificada não poderá sobrepujar ao benefício pretendido com a solução do conflito, desta forma, uma parte não será amplamente beneficiada à custa de grande sacrifício da outra.
Consoante o tema, preleciona Fabrício Sarmanho de Albuquerque:
“Dessa forma, a redução do âmbito de proteção de um determinado direito fundamental não deve levar a uma redução que não respeite o “núcleo essencial” do direito (como se convencionou chamar), isto é, uma espécie mínima de proteção do direito que, se invadida, desnatura sua própria concepção”. (Grifo do autor)
Para Alexy (APUD MENDES: BRANCO, 2015, p. 210-241) a ponderação deverá ser realizada a começar pela definição da intensidade da intervenção, somente após este primeiro passo é que se verificaria a importância dos fundamentos justificadores da intervenção, para enfim realizar a ponderação. Nas palavras do referido autor “quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, mais significativos ou relevantes hão de ser os fundamentos justificadores dessa intervenção”.
No Brasil, a Suprema Corte também adota o princípio da ponderação/ proporcionalidade como pressuposto para resolução de conflitos de direitos fundamentais, conforme pode se verificar em diversos julgados, tais como HC 122694/ SP; ARE 801676 AgR/PE; HC 71373/RS; HC 94477/PR; ADI 4650/DF; ADPF 347 MC/DF; RE 592581/RS/ ADI 4815/ DF; RE 658312/SC; RE 636941/SC; HC 115613/SP entre outros.
Nas palavras de Gilmar Mendes (2015, p.247):
“Fica evidente aqui, que no direito brasileiro, o princípio da dignidade humana assume relevo ímpar na decisão do processo de ponderação entre situações de conflito. É certo, outrossim, que o Supremo Tribunal Federal está a se utilizar, conscientemente, do princípio da proporcionalidade como “lei de ponderação”, rejeitando a intervenção que impõe ao atingido um ônus intolerável e desproporcional.”
Vale ressaltar que existem posicionamentos divergentes do acima supracitado, sobre o tema estatui Bernardo Gonçalves Fernandes (2014, p. 342) que o critério da ponderação e proporcionalidade para resolução de conflitos entre direitos fundamentais podem ocasionar “consequências desastrosas para o direito” haja vista que este critério parte de uma visão individualista, tratando referidos direitos como valores, criando assim uma hierarquização dos mesmos. Ainda sobre o tema, preleciona que: “uma decisão a partir da técnica de ponderação é sempre uma leitura individualista, solipsista e presa a uma visão de mundo apenas – a visão do magistrado decisor”.
De acordo com Dworkin (APUD FERNANDES, 2014, p. 344) existe outro problema com a tese da proporcionalidade; para ele, a interpretação formada com base nesta tese prejudica a noção do dever/ser do direito, haja vista que cria um caminho diverso daquilo que o direito estabelece como lícito ou ilícito, fazendo com que a sociedade perca a noção real do que é permitido ou proibido.
Para Fernandes (2014, p. 344-345) a resolução do conflito fundada na teoria supramencionada deixa em evidência que os direitos fundamentais não existem de fato, o que realmente existe é a decisão do magistrado, tendo em vista que será sua decisão que prevalecerá no caso concreto, concedendo-lhe completa discricionariedade para decidir, corrompendo assim a construção do Estado Democrático de Direito, tendo em conta que a máquina coercitiva estatal foi utilizada de forma autoritária.
5. LIMITAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais têm por escopo a proteção do homem tanto na sua vida privada quanto na sua relação em comum com os demais, logo deve proteger o desenvolvimento de todas as pessoas.
Por conseguinte, os direitos fundamentais não podem ser absolutos, considerando que em determinados momentos entram em conflito direto com os interesses da sociedade, devendo, portanto ser relativizados para melhor atender os objetivos para o quais foram criados.
Diversas são as possibilidades de restrição dos direitos, tendo em conta as inúmeras situações em que sua completa utilização prejudicaria imensamente todo o desenvolvimento da sociedade.
No entanto necessário se faz compreender que existe um limite para o poder de limitar, denominado “Limite dos limites”, teoria desenvolvida para preservar os indivíduos de abusos legislativos ou interpretativos.
Esta teoria aduz que o núcleo essencial do direito deve ser protegido, no entanto a ideia de proteção deste núcleo essencial não é unânime na doutrina e na jurisprudência, existem posicionamentos divergentes quanto ao assunto.
O primeiro posicionamento refere-se à teoria absoluta, esta tese entende que o direito fundamental possui um núcleo rígido, intocável por qualquer situação fática, impossível de ser restringido pelo poder estatal, porém, nada obsta que a parte maleável do direito sofra restrições (MENDES; BRANCO, 2015, p.213).
O segundo posicionamento trata da teoria relativa, onde o núcleo essencial seria definido de acordo com o caso em comento, levando em consideração o princípio da proporcionalidade e o objetivo almejado pela norma; diferentemente da teoria absoluta, neste o núcleo essencial, ou seja, a parte imutável varia de acordo com as circunstância em que está envolto (MENDES; BRANCO, 2015, p.213).
No entanto para que não haja um desvirtuamento dos direitos fundamentais, tendo em vista a mobilidade permitida no núcleo essencial, afirma Hesse (APUD MENDES; BRANCO, 2015, p.214) que a proporcionalidade além de verificar a adequação da medida limitadora ao fim da norma, deve também cuidar da harmonização dessa finalidade com o direito atingido pela medida.
No ensinamento de Gavara de Cara (APUD MENDES; BRANCO, 2015, p.213) para a teoria relativa “o conteúdo essencial não é uma medida preestabelecida e fixa, uma vez que não se trata de um elemento autônomo ou parte dos direitos fundamentais”.
6. ANÁLISE DE PONTOS RELEVANTES DO VOTO DO ILUSTRE MINISTRO LUIS ROBERTO BARROSO ACERCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – HC 124.306/RJ
6.1 AUTONOMIA DA MULHER
O conceito de autonomia se traduz na liberdade que tem o indivíduo de poder exteriorizar seus ideais, interesses, projetos, sem sofrer imposições de ordem externa que possam limitar suas decisões (BARROSO, 2016, p. 82).
Hamilton Pessota Nicolao em seu artigo sobre direitos fundamentais descreve autonomia privada como:
“A autonomia privada se trata de um princípio geral do ordenamento, pois subtende a dignidade da pessoa humana, e, desta forma, deve ser observada para além dos negócios jurídicos, ou seja, é dedicada à obtenção da dignidade através da liberdade no agir, e como já fora dito antes, a torna um valor basilar para o ordenamento jurídico”.
Naturalmente que esta faculdade não poderá ser exercida de forma plena, tendo em vista que o usufruto de tais faculdades inviabilizaria o exercício dos direitos de outrem, afinal, é sabido de todos a seguinte frase: “o meu direito termina onde começa o do outro”.
Gagliano e Pamplona Filho (2014, p.217) mencionam um brocardo latino que referencia acerca do uso da liberdade, senão vejamos:
“Libertas est naturalis facultas ejus quod cuique facere libet nisi si quid vi out jure prohibetur”… que significa que a “liberdade é a faculdade natural de fazer o que se deseja, desde que não haja proibição da força ou direito”, já nos traz um indício de onde encontraremos as limitações ao exercício absoluto da liberdade.
É irrefutável que o uso da liberdade ou da autonomia não podem subsidiar atos degradantes, ilícitos, imorais, que possam estar comprometidos apenas com um “bem estar” individual sem levar em consideração as normas vigentes e o direito do outro.
Bernardo Gonçalves Fernandes (2014, p. 367), lecionando sobre o tema e utilizando-se da doutrina de Kant, assim aduz:
“Aqui, liberdade é compreendida como autonomia (capacidade de autodirigir sua vida e suas escolhas a partir da razão). Nesse aspecto, o direito no pensamento do filósofo prussiano tem um papel fundamental, que é o de limitar arbítrios através do conceito de legalidade. Sendo assim, o direito demarcaria um espaço dentro do qual diversas ações são lícitas – o que não quer dizer que seja impossível a prática do ilícito, mas que tal conduta é inaceitável socialmente e por isso mesmo punível pelo Estado”.
A personalidade jurídica impõe às pessoas não só direitos, mas também obrigações. Somos todos responsáveis por nossos atos (com algumas exceções estabelecidas em lei), senão vejamos: se alguém decide cursar uma faculdade de direito, ao término será bacharel em direito e não em pedagogia, consequência lógica de sua escolha; se alguém vende seu apartamento a outrem seguindo corretamente os meios exigidos em lei, esta venda terá sua plena eficácia, mesmo que com o decorrer do tempo o antigo proprietário se arrependa do negócio, afinal ninguém pode ser prejudicado pelas más escolhas que possivelmente se possa fazer; ou ainda, se alguém em momento totalmente conturbado entende por bem cortar os pulsos, estes estarão cortados mesmo que em momento posterior tenha a oportunidade de se arrepender.
Importante salientar que mesmo em situações não planejadas, as consequências são sofridas da mesma maneira daquelas em que se teve opção de escolha, como por exemplo, quando comemos um alimento impróprio para consumo, mesmo sem desejar passar por um mal estar, este irá ocorrer, simplesmente porque é consequência lógica da má ingestão que foi feita.
Desta forma, não se pode justificar a interrupção da gestação com fundamento na autonomia da mulher, haja vista que a liberdade não pode servir de “válvula de escape” ou até mesmo como “borracha” para ocasiões que passaram a existir por escolhas feitas pela própria mulher, afinal a “a ninguém é dado beneficiar-se da sua própria torpeza”.
Não parece razoável afirmar que a dignidade de alguém está sendo restringida quando uma pessoa sofre consequências óbvias de suas escolhas.
6.2. INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA
A integridade física e psíquica da mulher está relacionada com a sua completude física e psíquica, relaciona-se com o estado em que se encontra seu corpo e sua mente, está intimamente vinculado ao direito à saúde, liberdade, intimidade e segurança. Assim, é inquestionável que a ordem jurídica deve procurar meios viáveis para proteção da incolumidade física e psíquica das pessoas.
Acerca da integridade física, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2014, p. 205) assim aduzem: “De fato, o direito tutelado é, no final das contas a higidez do corpo humano no sentido mais amplo da expressão, mantendo-se, portanto, a incolumidade corpória e intelectual, repelindo-se as lesões causadas ao funcionamento normal do corpo humano”.
“Ainda sobre integridade psíquica, referidos autores assim elucidam (2014, p. 214): “toma-se a pessoa como ser psíquico atuante, que interage socialmente, incluindo-se nessa classificação direito à liberdade, inclusive de pensamento, à intimidade, à privacidade, ao segredo, além do direito referente à criação intelectual, consectário da própria liberdade humana”.
Em seu voto no HC 124.306/RJ, o ministro Luís Roberto Barroso assim expõe acerca do tema:
“A integridade física da mulher é abalada porque é o corpo da mulher que sofrerá as transformações, riscos e consequências da gestação. Aquilo que pode ser uma benção quando se cuide de uma gravidez desejada, transmuda-se em tormento quando indesejada. A integridade psíquica, por sua vez, é afetada pela assunção de uma obrigação para toda a vida, exigindo renúncia, dedicação e comprometimento profundo com outro ser… Ter um filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física e psíquica de uma mulher”.
A afirmação “ter um filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física e psíquica de uma mulher” transparece equivocadamente que o ordenamento jurídico está impondo às mulheres um dever, sem qualquer causa anterior que o tenha originado; não estamos aqui a tratar de uma inseminação artificial imposta, ou ainda de casos de estupro ou fetos anencéfalos, estamos a tratar de mulheres que tiveram uma relação sexual desprotegida, da qual ocorreu uma gestação, logo, não se trata de qualquer imposição legal, se trata apenas de causa e consequência.
Importante ressaltar que esta pesquisa não tem a intenção de questionar os desejos, perspectivas ou princípios das mulheres que desejam realizar um aborto, não se pretende aqui levantar hipóteses de penalização à mulher que tem a vida sexual ativa, ou que possui vários parceiros, o que está a se questionar, são as justificativas levantadas para o cometimento do aborto.
Quanto à afirmação de agressão ao corpo da mulher tendo em conta que este “sofrerá as transformações, riscos e consequências da gestação”, não há o que se questionar que realmente ocorrerá, todavia é o mesmo que acontece com a privação da liberdade de alguém que cometeu homicídio, ou ainda de alguém que andou descalço sobre cacos de vidro ou que atravessou a rua sem olhar para o fluxo de carros; necessário se faz questionar onde está a proporcionalidade na decisão de se permitir o cometimento do aborto como forma de extinguir consequências do ato cometido em momento anterior, seja pela relação que se teve, seja pela densa relação de métodos contraceptivos que não foram utilizados.
De maneira exemplificativa, vejamos: quando alguém é privado de sua liberdade porque cometeu um ilícito penal, esta pessoa está sendo privada de um dos seus principais direitos fundamentais (sua liberdade), no entanto, ninguém almeja retirar sua pena por esta estar ferindo direitos fundamentais do condenado, afinal a privação da liberdade é uma consequência do ato cometido anteriormente. Será que o ordenamento jurídico é capaz de preservar as pessoas das escolhas que fazem e lhes resguardar das consequências dos seus atos para poder lhe assegurar seus direitos fundamentais e sua dignidade? Questionamento a ser feito para melhor entender os fundamentos do voto em análise.
No que se refere à agressão psíquica e seu abalo diante da “assunção de uma obrigação para toda a vida, exigindo renúncia, dedicação e comprometimento profundo com outro ser”, pode-se levantar como hipótese de resolução da referida lesão, a entrega da criança para adoção pelos meios legais existentes.
A entrega de um filho para adoção é um direito concedido às mães e gestantes pelo parágrafo único do artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura às mesmas a ausência de qualquer constrangimento pela decisão que possa tomar. Em todo este processo de entrega, prevalece o respeito à decisão tomada pela gestante, no entanto lhe é concedido o apoio multidisciplinar necessário para que tenha melhores condições de escolha.
Também não se pode deixar de suscitar algumas questões levantadas pelo respeitável ministro Luís Roberto Barroso; em seu voto, o douto ministro alega que uma gravidez indesejada gera lesões ao corpo e mente da mulher o que, segundo ele, lhe “constitui grave violação à integridade física e psíquica”, mas a questão é: essa gravidez passará a ser desejada sem ocasionar os danos mencionados após o primeiro trimestre de gestação? Após este período as lesões deixarão de ocorrer? É com brevidade que se chega à conclusão de que se o aborto é a resposta correta à gravidez indesejada e o meio eficaz para que direitos fundamentais da mulher não sejam violados, ele, necessariamente deveria ocorrer em qualquer estágio da gestação, haja vista que somente assim o dano emergente seria interrompido.
Isto posto, conclui-se que o aborto definitivamente não é a solução para uma gestação indesejada ou para o término de possíveis afrontas à direitos fundamentais, haja vista que o filho não passará a ser desejado após o primeiro trimestre de gestação, e as prováveis lesões também não serão interrompidas após este período.
6.3 IGUALDADE DE GÊNERO
Para tratarmos acerca da igualdade de gênero, primeiramente precisaremos entender alguns conceitos sobre igualdade.
O artigo 5º, caput da CF/88 assim consagra: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. A aludida norma traz um objetivo a ser perquirido pelo Estado e sociedade, considerando que os indivíduos são dotados de valores intrínsecos, devendo ser respeitados em todas suas individualidades.
No entanto para que os indivíduos sejam tratados de forma igualitária, necessário se faz que suas individualidades sejam respeitadas e protegidas. As pessoas são iguais em sua essência (características da espécie humana), no entanto existem distinções dentro dessa espécie. Existem pessoas que enxergam, que andam, que são altas, que ouvem, no entanto existem pessoas cegas, paralíticas, baixas, surdas, dessa forma, é evidente que o Estado precisa intervir, de forma a concretizar a igualdade estabelecida na Constituição na vida de todas as pessoas indistintamente.
Nas palavras de Albuquerque (2011, p. 41): “A igualdade material… consiste em tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida das suas desigualdades”.
O sistema de cotas, o estatuto da criança e do adolescente, o estatuto do idoso, o estatuto da pessoa com deficiência, o código de defesa do consumidor, a lei Maria da Penha, são alguns exemplos de leis em que o Estado procura minimizar as desigualdades daqueles que se encontram desprotegidos e em situação de fragilidade.
O art. 5º, I da CF/88 ainda afirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, dispositivo que torna evidente a intenção do legislador em trazer equivalência entre os sexos, dispensando assim atenção especial à mulher, considerando todo o contexto histórico e discriminatório em relação à mesma.
Faz-se notório o esforço do Estado no combate à discriminação da mulher e da sua equivalência em relação ao sexo masculino, seja nos dispositivos da própria Constituição (arts. 7º, XVIII e XIX; 40 §1º; 143 §§1º e 2º; 201 §7º), seja nas normas infraconstitucionais.
A respeito do tema, preleciona Alexandre de Moraes (2009, p. 37): “A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas”.
Diante de todo o exposto, entende-se que todos são iguais, porém possuem características diferentes entre si, por este motivo devem ser protegidas de modo a tornar efetiva a sua igualdade frente aos demais.
Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso assim aduz sobre o tópico em relevo: “Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não”.
Neste caso, parece inequívoco que no caso em análise, o excelentíssimo ministro propõe a possibilidade do aborto para trazer a equivalência entre sexos, o que mostra-se completamente desproporcional e sem coerência, considerando-se que existem características inatas ao homem e à mulher por sua própria natureza (a mulher pode engravidar e o homem não), logo, a equivalência não está em fazer com que a mulher não esteja grávida, mas sim respeitá-la e protegê-la nessa circunstância.
Para conseguir fazer com que uma criança, um idoso, um deficiente esteja em situação de igualdade em relação aos demais, não se exige que se tornem adultos, ou jovens ou ainda sem deficiência, o que se faz é protegê-los dentro das circunstâncias em que se encontram no momento.
Ademais, inúmeras são as possibilidades ofertadas atualmente como métodos contraceptivos, os quais previnem a gravidez, a saber: camisinha masculina, camisinha feminina, dispositivo intrauterino (DIU), pílula anticoncepcional, implantes, espermicida, tabelinha, temperatura basal, coito interrompido, diafragma, esponjas, contraceptivos injetáveis, anel vaginal, adesivos cutâneos, pílula do dia seguinte, vasectomia, laqueadura, entre outros, o que proporciona à mulher o direito de engravidar quando desejar.
Outrossim, diversas são as formas legais de proteção à mulher nas fases após a concepção (gestação, parto e pós-parto), dentre as quais podemos citar: estabilidade no emprego, dispensa para consultas médicas, transferência de função quando necessário, licença maternidade, auxílio creche, intervalos de amamentação, exercícios em casa para gestantes estudantes, entre outros.
Assim, incontestável é que existem diversas formas de proteção da mulher gestante, porém respeitando e preservando suas características intrínsecas, como exige os fundamentos da igualdade material, proporcionando-lhe, por conseguinte, a igualdade a que faz jus.
7. DIREITOS DO NASCITURO
Antes de adentrarmos em questões específicas acerca do nascituro, necessário se faz tratar a respeito da sua condição no ordenamento jurídico em vigor.
O art. 2º do Código Civil assim aduz: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção, os direitos do nascituro” (Grifo nosso).
O propósito deste artigo não está em finalizar as discussões existentes quanto ao marco inicial da personalidade, mas de elucidar a importância da proteção do nascituro dentro de um contexto jurídico e social.
Apesar de a discussão quanto ao início da personalidade do nascituro não ser o propósito deste artigo, necessário se faz esclarecer ponto relevante no voto do ministro Luís Roberto Barroso, senão vejamos:
“De acordo com o regime adotado em diversos países (como Alemanha, Bélgica, França, Uruguai e Cidade do México), a interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada, pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação. Durante este período, o córtex cerebral – que permite que o feto desenvolva sentimentos e racionalidade – ainda não foi formado, nem há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno”.
A respeito da matéria, segue trecho de importante artigo da Universidade Federal de Minas Gerais:
“O córtex cerebral no feto torna-se identificável com cerca de oito semanas. Daí em diante, ele aumenta gradualmente em espessura, primeiro uniformemente, mas por volta da 2° semana aumenta diferenciadamente em cada parte. Por volta da 26° semana a maior parte do córtex mostra a estrutura típica de seis camadas, um tanto indeterminadas, de células nervosas com uma camada de fibra no centro” (Grifo nosso).
Neste sentido também ensina Persaud (2004, p. 108):
“O aspecto externo do embrião é grandemente influenciado pela formação do encéfalo, do coração, do fígado, dos somitos, dos membros, das orelhas, do nariz e dos olhos. Com o desenvolvimento destas estruturas, o aspecto do embrião muda de tal modo que, ao final da oitava semana, ele possui características indubitavelmente humanas” (Grifo nosso).
Ainda sobre o tema, leciona o biólogo Botella Lluziá (APUD MORAES, 2009, p. 36): “O embrião ou feto representa um ser individualizado, com uma carga genética própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da mãe, sendo inexato afirmar que a vida do embrião ou do feto está englobada pela vida da mãe”.
Impossível é imaginar um ordenamento jurídico tão constitucionalizado, que tem por fundamento a proteção da dignidade da pessoa humana, negar proteção ao início daquilo que em momento posterior será o centro de toda a complexidade jurídica, o próprio ser humano.
Silmara Chinelato e Almeida (APUD GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2014, p. 133) assim aduz sobre o tema:
“…juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de atribuir capacidade ao nascituro ‘por este não ser pessoa’. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti-lo. Não há nação que se preze (até a China) onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código Chinês, art. 1º). Ora, quem diz direitos, afirma capacidade. Quem afirma capacidade, reconhece personalidade”.
Aliás , o disposto no voto do ilustre ministro está em completa desarmonia com o ordenamento jurídico em vigor, haja vista que o art. 2 do CC/02 põe a salvo os direitos do nascituro desde a sua concepção, os arts. 1.779 e 1798 também do mesmo código, estabelecem proteção ao nascituro, estabelecendo curador para o mesmo e direitos de sucessão. Os artigos 650 e 733 do CPC/15 também garantem proteções específicas ao nascituro.
Ainda neste sentido estabelece os artigos 7º e 8º do Estatuto da Criança e Adolescente:
“Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. 8º É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde” (Grifo nosso).
Necessário se faz compreender que todo ciclo tem um início, o qual precisa ser preservado para que o fim seja alcançado com sucesso, tudo que se começa e é interrompido de alguma forma será impedido de ao fim chegar. Logo, se uma gestação, fase imprescindível para o feto, é interrompida, o fim está totalmente prejudicado.
O ciclo da vida ocorre em todas as espécies de seres, muitos deles, com extrema proteção do Poder público e organizações não governamentais, para a prevenção da extinção de inúmeras espécies, o que avoluma ainda mais a desproporcionalidade do voto do ministro Luís Roberto Barroso.
Ainda em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso aduz que “a criminalização do aborto promove um grau reduzido (se algum) de proteção dos direitos do feto, uma vez que não tem sido capaz de reduzir o índice de abortos” elucidação que procura demonstrar a possível ineficácia da norma.
A questão é: todas as normas ineficazes do ordenamento jurídico devem ser desconsideradas porque não produzem o efeito perquirido em sua elaboração? Homicídios, fraudes, roubos, estelionatos, corrupção, tráficos de influência devem ser descriminalizados porque não produzem os efeitos esperados?
A solução para o fim do acidente de trânsito ocasionado por embriaguez é amplo e demanda inúmeras ações de conscientização por parte do poder público e da sociedade, e apesar de todo o esforço, os acidentes continuam a acontecer; será que a resposta para a solução deste caso seria a descriminalização de tal conduta?
Ademais a de se considerar a grandiosidade da questão que está a se tratar no caso em comento, trata-se do próprio direito à vida do nascituro.
Como se pode questionar o direito à vida do nascituro, se esta é condição primária para que ele seja titular dos direitos que a legislação lhe confere? Nas palavras de Bernardo Gonçalves Fernandes (2014, p. p. 358) “Umbilicalmente ligado – e, até mesmo, confundido – à noção de dignidade da pessoa humana está o direito à vida, como elemento intrínseco à condição de pessoa e de sujeito de direitos” (Grifo nosso).
Estatui Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco sobre a titularidade do direito à vida (2015, p. 257):
“A ideia de igual dignidade de todos os seres humanos ficaria ferida se fosse possível graduar o direito à vida segundo aspectos acidentais que marcam a existência de cada pessoa. Não se concilia com a proposição de que todos os seres humanos ostentam igual dignidade classificá-los, segundo qualquer ordem imaginável, para privar alguns desse direito elementar”. (Grifo nosso)
José Roberto Goldin, biólogo e professor da UFRGS, afirma “o feto é obviamente humano, a questão é decidir quando ele se torna uma pessoa com direitos, e isso não pode nem deve ser estabelecido pela ciência”.
Ainda sobre o tema, afirma Dalton Luiz de Paula Ramos, professor titular de bioética da Unifesp “Ao nascer, a criança não fala, não anda e carece de diversas características que só vai ganhar mais tarde. Mas nem por isso negamos a ela a mesma dignidade de um adulto, portanto, temos de reconhecer que a vida intrauterina tem o mesmo valor, embora faltem ao feto vários traços que ele irá adquirir depois”.
Dessa forma e por todo o exposto, conclui-se que o nascituro é titular de diversos direitos explicitamente previstos pelo ordenamento jurídico vigente, entre os quais está o mais elementar de todos, o de continuar vivo.
CONCLUSÃO
Hodiernamente, os direitos fundamentais fazem parte da proteção da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da nossa Constituição, porém sabe-se que este reconhecimento foi fruto de grandes discussões e lutas, o que não quer dizer que esteja concluído, tendo em vista a constante mutabilidade da sociedade.
A proteção dos indivíduos requer constante análise, estudo e discussão, para somente assim chegar ao fim almejado, a saber, fazer com que todos os seres humanos possam não somente viver, mas viver com dignidade.
Para tanto, necessário se faz que se estabeleçam princípios que garantam a evolução da proteção dos direitos fundamentais, impedindo, por conseguinte, seu retrocesso.
O caso que foi deslindado na presente pesquisa envolve não somente os direitos fundamentais do nascituro, mas também direitos fundamentais da mulher, o que demanda grande esforço, pesquisa, questionamentos e principalmente ponderação.
Verificar os aspectos intrínsecos do caso, analisar se realmente direitos fundamentais da mulher são violados dentro do contexto da gravidez indesejada, ponderar se a melhor solução é a viabilização do aborto, são questionamentos essenciais para uma releitura do voto do ilustre ministro Luís Roberto Barroso, haja vista que as respostas às mencionadas questões determinam o futuro daqueles que ao menos podem se defender.
em Direito pelas Faculdades Integradas da União do Planalto Central – FACIPLAC Pós-graduando no curso de Direito Civil da rede de ensino LFG/Anhanguera. Advogada.
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