Direito Administrativo

Aplicabilidade do Instituto da Delação Premiada na Ação de Improbidade Administrativa

Autor: Flávia Conceição Varela Disnar da Silva. Bacharela em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa. Especialista em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito. Mediadora Judicial em formação pelo CNJ. Email: flaviavareladisnar@gmail.com

 

Resumo: O presente trabalho analisa o instituto da delação premiada e os seus reflexos no bojo das ações civis de improbidade administrativa. Fora realizado um estudo da Lei 8.429/1992, diploma que dispõe sobre os atos de improbidade, e dos óbices que os órgãos responsáveis pela apuração dos ilícitos se esbarram durante o trâmite investigatório. Buscou, para isso, demonstrar que para que as ações produzam os efeitos desejados e punam com efetividade os autores dos delitos, existe a necessidade que os mesmos colaborem de forma a fornecer informações relevantes para o deslinde condenatório, haja vista a maioria dos delitos administrativos serem cometidos com utilização de artifícios complexos. Para isso, optou-se pela pesquisa exploratória, realizada através da análise da literatura e legislação. Conjugando aos princípios constitucionais e administrativos, os incontestes benefícios advindos da adoção do instituto da delação premiada no âmbito administrativo, concluiu-se pela possibilidade e legitimidade da aplicação do referido instrumento no bojo da Ação de Improbidade.

Palavras-chave: improbidade administrativa; delação premiada; aplicabilidade; investigação; ação civil.

Abstract: The present work analyzes the institute of the awarding of the award and its reflections in the bosom of civil actions of administrative improbity. A study of Law 8.429 / 1992 had been carried out, a document that deals with acts of impropriety, and of the obstacles that the bodies responsible for the investigation of illicit crimes run into during the investigative process. In order to demonstrate that in order for the actions to produce the desired effects and effectively punish the offenders, there is a need for them to collaborate in order to provide information relevant to the conviction, since most of the administrative offenses are committed with the use of complex devices. For this, we opted for the exploratory research, accomplished through the analysis of the literature and legislation. Combined with the constitutional and administrative principles, the unquestionable benefits of adopting the award-winning institution in the administrative sphere, were concluded by the possibility and legitimacy of the application of said instrument in the context of the Action of Improbity.

Keywords: administrative dishonesty; awarding gift; applicability; investigation; civil action.

Sumário: Introdução; 1 Administração Pública; 1.1 Poderes e deveres dos administradores; 1.2 Princípios que regem a administração pública;  1.2.1 Princípio do Interesse Público; 1.2.2 Princípio da Legalidade; 1.2.3 Princípio da Moralidade; 1.2.4 Princípio da Probidade;  1.2.5 Princípio da Proporcionalidade; 1.2.6 Princípio da Razoabilidade; 2. Improbidade Administrativa; 2.1 Conceito; 2.2 Os atos de improbidade administrativa;  2.3 Elemento subjetivo: dolo ou culpa; 2.4 Sanções aplicáveis;  3 A ação de improbidade administrativa;  3.1. Conceito e legislação pertinente; 3.2 Sujeito ativo da ação de improbidade 3.3 Sujeito passivo da ação de improbidade; 3.4 Da competência para julgamento; 3.5 Concomitância entre as instâncias; 3.6 Prescrição da ação de improbidade; 4 O instituto da delação premiada na ação de improbidade; 4.1 Conceito; 4.2 Breve escorço histórico do instituto; 4.3 Previsão normativa;  4.4 Natureza jurídica da delação premiada; 4.5 A eficácia objetiva da delação premiada, 4.6 O acordo de delação; 4.7 A aplicabilidade do instituto da delação premiada na ação de improbidade administrativa.; 5 Considerações finais.

 

Introdução

É inegável o fato de que os noticiários diários são compostos por um turbilhão de escândalos públicos que evidenciam a corrupção no seio da Administração. São constantes as informações de desvios de verbas, licitações fraudulentas e uma gama de outras situações que sinalizam que a improbidade encontra-se entranhada na esfera administrativa.

Não obstante a constatação que a corrupção possui a tendência a se enraizar enquanto não encontrar barreiras eficazes, o Estado tem encontrado dificuldade no trâmite investigatório das ações que tem por objeto a apuração da improbidade administrativa, haja vista muitos dos ilícitos praticados contra a Administração Pública serem cometidos com artifícios complexos.

Embora a Lei 8.429/1992 deva ser considerada um exímio instrumento coibidor da corrupção, a mesma esbarra em constantes óbices durante o seu percorrer investigatório, fato que reflete na efetividade da punição do infrator e, consequentemente, ocasiona resultados considerados aquém dos esperados.

Neste cenário de dificuldade na obtenção de lastro probatório suficiente para embasar o deslinde do caso posto em evidência, nasceu a discussão acerca da aplicabilidade do instituto da delação premiada na Ação de Improbidade Administrativa.

Apesar de bastante criticado, o instituto da delação premiada encontra-se em absoluto desenvolvimento, em termos de aplicabilidade, na esfera do direito penal. No entanto, dúvidas restam em saber se o referido instituto possui plena eficácia e aplicação no bojo de uma ação civil de improbidade administrativa, vez que vozes doutrinárias sustentam a impossibilidade da sua aplicação.

Diante de tudo quanto explicitado, o presente estudo teve por objetivo geral analisar a importância do instituto da delação premiada bem como os benefícios práticos que o mesmo pode propiciar no deslinde de situações postas à investigação. O objetivo específico deste trabalho foi analisar a possibilidade da aplicação do instituto em voga, de natureza penal, no bojo de uma ação civil que verse sobre improbidade administrativa.

Para isso, foi realizada uma pesquisa exploratória, através de materiais publicados, sobretudo, livros, artigos e material disponibilizado na Internet.

Enfim, associando a principiologia constitucional e administrativa, aos incontestes benefícios advindos da adoção do instituto da delação no âmbito do Direito Administrativo, concluiu-se pela possibilidade e legitimidade da aplicação do referido instrumento no bojo da Ação de Improbidade.

 

1 Administração Pública

  • Poderes e deveres dos administradores

O Estado, como instituição política, atua a serviço da coletividade, atendendo as necessidades básicas dos cidadãos, promovendo o bem comum.

De maneira ampla, administrar significa gerir. Segundo Gasparini, em se tratando da atividade administrativa, a mesma pode ser compreendida como “gestão, nos termos da lei e da moralidade administrativa, de bens interesses e serviços públicos visando o bem comum”. [1]

De forma intuitiva, para a promoção das suas atividades inerentes, a Administração Pública necessita se valer de elementos físicos e volitivos, ou seja, para consecução das suas atividades o Estado necessita dos seus agentes. Neste sentido, o ordenamento jurídico brasileiro conferiu a tais agentes uma gama de prerrogativas peculiares e indispensáveis à consecução dos fins públicos. Estas prerrogativas são os denominados poderes administrativos.

Segundo Carvalho Filho: “O poder administrativo representa uma prerrogativa especial de direito público outorgada aos agentes do Estado. Cada um desses terá a seu cargo a execução de certas funções. Ora, se tais funções foram por lei cometidas aos agentes, devem eles exercê-las, pois que seu exercício é voltado para beneficiar a coletividade. Ao fazê-lo, dentro dos limites que a lei traçou, pode dizer-se que usaram normalmente os seus poderes.” [2]

Cabe salientar que, em que pese o vocábulo “poder” venha a sugerir que o mesmo diga respeito a uma mera faculdade, na verdade o mesmo refere-se a um poder-dever, já que o mesmo é reconhecido ao poder público para consecução de atividades a favor da coletividade.

Nestes termos, cabem aqui as irretocáveis palavras de Meirelles, segundo qual “ se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade. ”[3]

Assim, levando em consideração que os poderes administrativos são verdadeiras obrigações a serem cumpridas, infere-se que os mesmos são irrenunciáveis e devem ser, obrigatoriamente, exercidos pelos seus titulares.

Por oportuno, cabe aqui apontar a diferença existente entre poderes administrativos e poderes do Estado. Os poderes do Estado, conceituados através da clássica tripartição dos poderes de Montesquieu, divide o Poder em Executivo, Legislativo e Judiciário, diferenciando-se, portanto, dos poderes administrativos, que, conforme asseverado, são instrumentos postos à consecução do interesse da sociedade.[4]

Em contrapartida, ao mesmo tempo que são conferidas prerrogativas aos agentes públicos, o ordenamento jurídico pátrio impõe deveres específicos aos mesmos: os deveres administrativos.

A doutrina costuma listar os seguintes deveres da Administração Pública: o dever de agir, o dever de eficiência, o dever de prestação de contas e também ao dever de probidade.[5]

É mister salientar, sobretudo porque o objeto do presente trabalho paira sobre a questão da probidade administrativa, que o dever de probidade deve ser considerado, talvez, como o mais importante dos deveres do administrador público, vez que a sua atuação, deve sempre pautar-se pelos princípios da honestidade e moralidade.

1.2 Princípios que regem a administração pública

Princípios administrativos são premissas fundamentais que imprimem todo o modo de agir da Administração Pública. São axiomas que norteiam a conduta do Estado no exercício das atividades administrativas, buscando a satisfação do interesse da coletividade.

Segundo Cretella Júnior, “princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturações subsequentes. Princípio, neste sentido, são os alicerces, os fundamentos da ciência”.[6]

Os princípios são as concepções centrais de um sistema, formando um sentido lógico, racional e harmonioso, o que oportuniza uma correta compreensão do modo como organizar-se. Os princípios definem o sentido e alcance das regras de um determinado ordenamento jurídico.[7]

Quanto à definição, bem como quanto aos desdobramentos da violação de um dos princípios informadores do Direito, expõe Bandeira de Mello que: “Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema normativo, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico. Eis porque: violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”[8]

O estudo destes princípios orientadores da atuação estatal é denominado regime jurídico administrativo. O regime jurídico administrativo pode ser entendido como conjunto harmônico de princípios determinantes na atuação do ente público, o qual se sustenta na existência de prerrogativas e sujeições em face do interesse público. Tais premissas devem guardar entre si uma compatibilidade lógica, havendo entre elas, um ponto convergente.[9]

Os doutrinadores não são unânimes quanto a tais preceitos, no entanto, como a Constituição Federal de 1988, dedicou um capítulo específico à Administração Pública (Capítulo VII do Título III), a mesma trouxe, expressamente, alguns princípios norteadores do Direito Administrativo, de observância obrigatória para todos os poderes.

A Carta Constitucional, no seu artigo 37, caput, traz que qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além desses princípios expressos, a Constituição traz também em seu bojo outros preceitos, como o princípio do contraditório e ampla defesa e também o da isonomia. Frise-se que existem princípios do Direito Administrativo também em normas infraconstitucionais.

Sendo o Direito Administrativo, um ramo do Direito não codificado, os princípios representam papel de extrema relevância, de forma a permitir que tanto a Administração, quanto o Judiciário estabeleçam o necessário equilíbrio entre as prerrogativas da Administração e os direitos dos administrados.

Os dois princípios fundamentais e que derivam da bipolaridade do Direito Administrativo (soberania da Administração versus a liberdade do indivíduo) são os princípios da supremacia do interesse público sobre os interesses privados e o da legalidade.[10]

Nestes termos, o Direito Administrativo nasceu e se desenvolveu baseado em duas ideias divergentes: de um lado a necessidade na satisfação dos interesses tidos como coletivos, que consequentemente remetem à outorga de privilégios para a Administração Pública; e de outro lado a proteção dos direitos individuais frente ao Estado, que serve como critério do princípio da legalidade, um dos arrimos do Estado de Direito.

1.2.1 Princípio da Supremacia do Interesse Público

O interesse público é supremo em face dos interesses particulares e todas as práticas estatais têm como objetivo a satisfação das necessidades coletivas. Neste sentido, o princípio da supremacia do interesse público, de acordo com relevante parcela da doutrina administrativista brasileira, embora implícito, é o fundamento do regime do Direito Administrativo.

O princípio da supremacia do interesse público é informador de todos os ramos do Direito Público, e possibilita que nas relações que figurem o Estado como mandatário da sociedade, seus interesses prevaleçam. De acordo com esse princípio, são permitidos sacrifícios e restrições aos interesses dos particulares.

Sobre o princípio em voga, expõe Cunha Júnior: “A posição de supremacia é muitas vezes expressada através da afirmação de que vigora a verticalidade nas relações entre Administração e particulares, ao contrário da horizontalidade, típica das relações entre os particulares. Isso significa que o Poder Público se encontra em situação de comando e autoridade relativamente aos particulares, como indispensável condição de gerir os interesses públicos postos em confronto. Isso implica o reconhecimento de uma desigualdade jurídica entre Administração e os administrados. Compreende, em face da sua desigualdade, a possibilidade, em favor da Administração, de constituir os privados em obrigações por meio de ato unilateral daquela e também o direito de modificar, também unilateralmente, relações já estabelecidas.” (grifos do autor) [11]

Sobre a situação de autoridade e comando do Poder Público em relação aos particulares, como indispensável condição para administrar os interesses públicos, Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, expõe com brilhantismo que: “A manifestação da vontade do Estado, internamente, se faz, de regra, de forma unilateral, tendo em vista o interesse estatal como expressão do interesse do todo social, em contraposição a outra pessoa por ela atingida ou com ela relacionada. E mesmo quando as situações jurídicas se formam acaso por acordo entre as partes de posição hierárquica diferente, isto é, entre o Estado e outras entidades administrativas menores e os particulares, o regime jurídico a que se sujeitam é de caráter estatutário. Portanto, a autonomia da vontade só existe na formação do ato jurídico. Porém, os direitos e deveres relativos à situação jurídica dela resultante, a sua natureza e extensão são regulamentados por ato unilateral do Estado, jamais por disposição criadas pelas partes. Ocorrem através de processos técnicos de imposição autoritária da sua vontade, nos quais se estabelecem as normas adequadas e se conferem os poderes próprios para atingir o fim estatal que é a realização do bem comum. É a ordem natural do Direito interno, nas relações com outras entidades menores ou com particulares.”[12]

Ainda sobre o princípio em comento, tem-se que o mesmo está presente tanto no momento da criação dos mandamentos legais, como no momento da sua execução, no plano concreto, pela Administração Pública. Ou seja, em linhas gerais, tal princípio tanto inspira o legislador quanto vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação.[13]

Na doutrina italiana, é clássica a diferenciação entre interesse público primário e interesse público secundário, enquanto o primeiro reflete os interesses da coletividade como um todo, o segundo diz respeito aos interesses do Estado, como sujeito de direitos. O princípio da supremacia aplica-se apenas aos interesses públicos primários, os únicos que podem ser considerados como verdadeiros interesses públicos.[14]

Ressalte-se ainda que a atuação do administrador não pode ser alicerçada nos interesses do indivíduo, mas sim, nos interesses da sociedade como um todo. Caso o administrador execute algum ato visando interesses que não os que refletem os interesses da sociedade, tal conduta estará eivada pelo vício do desvio de finalidade.

Em face do exposto, os interesses secundários não serão acolhidos, senão quando coincidentes com os interesses primários; os únicos que devem verdadeiramente serem perseguidos. Assim sendo, percebe-se que a Administração Pública não possui a mesma liberdade para atuar com que agem os particulares, sob pena de violar a sua missão.[15]

São nesses termos, que Carvalho Filho expõe, que “algumas vozes se têm levantado atualmente contra a existência do princípio em foco, argumentando-se no sentido da primazia de interesses privados com suporte em direitos fundamentais quando ocorrem determinadas situações específicas”.[16] Para este autor, não assiste razão à essa visão modernista, entendendo que “se é evidente que o sistema jurídico assegura aos particulares garantias contra o Estado em certos tipos de relações jurídicas, é mais evidente ainda que, como regra, deva-se respeitar o interesse coletivo quando em confronto com o interesse particular”.[17]

De certo, a aplicabilidade e tal princípio não corresponde ao completo desrespeito ao interesse privado, vez que a Administração Pública, obrigatoriamente, consoante o disposto no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal[18], deve respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e também à coisa julgada.

1.2.2 Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade deve ser entendido como a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que a Administração Pública, em todas as suas atividades, deve estar alicerçada nos ditames legais, deles não podendo se afastar, sob pena de invalidade do ato e também responsabilidade do seu autor.

Em outras palavras, o princípio da legalidade tem como objetivo combater o poder exorbitante do Estado, na medida que eventual conflito deva ser resolvido com base na lei.

No direito positivo brasileiro, esse primado, além de mencionado no artigo 37, está inserido no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.

Com efeito, Celso Antônio Bandeira de Mello entende que “o princípio da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria, por isso é considerado basilar para o Regime Jurídico-Administrativo”.[19]

Neste mesmo sentido, Di Pietro expõe que, “este princípio, juntamente com o de Controle da Administração pelo Poder Judiciário, constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade. ”[20]

Sobre a conotação política do princípio em foco, vejamos mais uma vez a elucidativa lição de Mello: “Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismo, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização dessa vontade geral. O princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes.” [21]

São nestes termos, que se faz imperioso mencionar que a noção de legalidade administrativa é diversa da noção do princípio da legalidade. A primeira é aplicada à Administração Pública, tanto no seu sentido subjetivo, quanto no seu sentido objetivo; já a segunda, dirige-se aos indivíduos considerados isoladamente.[22]

Assim sendo, nas relações públicas o princípio da legalidade envolve a noção que a Administração só poderá agir quando expressamente autorizada ou permitida por lei. De outro turno, no âmbito das relações privadas, vige a ideia de que tudo que não está proibido, está permitido. A Administração Pública deve agir em estrita conformidade com lei, enquanto que os particulares devem agir observando, apenas, a compatibilidade legal, isto é, sem contrariar a lei.

Este princípio, entretanto, pode vir a sofrer estreitamentos provisórios e excepcionais, em situações expressamente previstas na Carta Magna, como nas hipóteses de vigência de Estado de Sítio e Estado de Defesa; bem como nas hipóteses permissivas de medida provisória.

1.2.3 Princípio da Moralidade

A Constituição Brasileira, de forma inovadora, trouxe, entre outros princípios, o da moralidade administrativa como postulado a ser observado pela Administração.

A existência do princípio da moralidade administrativa é questionada por muitos doutrinadores; haja vista alguns entenderem que o conceito de moral administrativa é muito impreciso e vago ou, ainda, que acaba por ser absorvido pelo princípio da legalidade.

Em que pese o conteúdo do princípio da moralidade seja diverso do princípio da legalidade, o fato é que, inegavelmente, um está associado ao outro. Em determinadas situações, a imoralidade consistirá em uma afronta direta à lei, fato que consequentemente, ocasionará a violação ao princípio da legalidade. [23]

Sobre a inclusão do princípio da moralidade na Constituição Federal de 1988 e a sua aceitação pela sociedade, expõe Carvalho Filho que: “O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense preceitos éticos que devem estar presentes na sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir entre o honesto e o desonesto.[…] O art. 37 da Constituição Federal também a ele se referiu expressamente, e pode-se dizer, sem receio de errar, que foi bem aceito no seio da coletividade, já sufocada pela obrigação de ter assistido aos desmandos de maus administradores, frequentemente na busca de seus próprios interesses ou interesses inconfessáveis, relegando para o último plano os preceitos morais de que não deveriam afastar-se. “

E conclui: “O que pretendeu o constituinte foi exatamente coibir essa imoralidade no âmbito da Administração. Pensamos, todavia, que somente quando os administradores estiverem realmente imbuídos de espírito público é que o princípio será efetivamente observado. Aliás, o princípio da moralidade está indissociavelmente ligado à noção de bom administrador, que não somente deve ser conhecedor da lei como dos princípios éticos regentes da função administrativa.” [24]

Professor Dirley da Cunha Júnior[25], ensina que foi Manoel de Oliveira Franco Sobrinho quem primeiro defendeu a moralidade administrativa como princípio de observância obrigatória no desempenho da atividade administrativa, no ano de 1974. De acordo com o autor, a atividade administrativa, ainda que desempenhada conforme as disposições legais, não se justifica quando motivadas por razões diversas que não a observância do interesse público. Nestes termos, defende com propriedade a lisura e a exação nas práticas administrativas.

Ainda sobre o princípio da moralidade, compreende-se que em se bojo inclui-se os chamados princípios da lealdade e boa-fé. De acordo com os mencionados cânones, a Administração deverá se relacionar com os seus administrados com sinceridade e lisura, sendo-lhe vedada comportamentos astuciosos, produzidos para minimizar os direitos dos cidadãos.[26]

Em suma, o princípio da moralidade administrativa deve ser compreendido como um composto de valores éticos aptos a fixarem um padrão de conduta que deve ser, obrigatoriamente, observado pelos agentes públicos quando no desempenho das suas atividades, para que haja uma proba e íntegra gestão da coisa pública. Este princípio impõe que o administrador atue no desempenho das suas atividades com caráter, decência, lealdade, decoro e boa-fé. [27]

Ressalte-se que da mesma forma que a Carta Magna inovou ao trazer o princípio da moralidade em seu bojo, tal diploma garantiu também a sua proteção através do art. 5º, LXXIII, que prevê o cabimento de Ação Popular para anulação “do ato lesivo ao patrimônio público à moralidade administrativa”. Tal inovação apresentou tamanha relevância que deu ensejo ao surgimento da Lei 8.429/1992 que versa sobre improbidade administrativa e que tem base no art.37, § 4º da Carta Constitucional.[28]

Por derradeiro, não se pode deixar de mencionar a Ação Civil Pública, prevista no art. 129, III, da Constituição, regulamentada pela Lei 7.347/1985, como outro instrumento que agasalha a moralidade administrativa.

1.2.4. Princípio da Probidade

Em que pese serem conceitos bastantes próximos, a doutrina faz diferença entre o princípio da moralidade e o princípio da probidade administrativa.

Alguns autores fazem distinção entre os princípios supramencionados, entendendo que o princípio da probidade é um subprincípio da moralidade; já para outros doutrinadores, a probidade é um conceito mais amplo do que o princípio da moralidade.

De uma forma divergente, evitando estabelecer uma diferenciação entre o princípio da probidade e o da moralidade administrativa, posicionou-se Di Pietro nos seguintes termos: “Não é fácil estabelecer distinção entre a moralidade administrativa e a probidade administrativa. A rigor, pode-se dizer que são expressões que significam a mesma coisa, tendo em vista que ambas se relacionam com a ideia de honestidade na Administração Pública. Quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei; é preciso também a observância de princípios éticos, de lealdade, boa-fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública.” [29]

Na verdade, o princípio da probidade administrativa estabelece o dever funcional do agente que, atuando em nome do Estado, deve exercer as suas funções com zelo ao patrimônio público, buscando sempre o interesse comum.

Em outras palavras, a probidade administrativa consiste na obrigação do agente público servir à Administração com honestidade, atuando no exercício das suas funções, sem usufruir dos poderes ou facilidades postas à sua disposição, em proveito pessoal ou de outrem a quem deseje de algum modo favorecer.

No entanto, não se deve perder de vista, que a noção de improbidade não se confunde com a noção de imoralidade.

Ao se fazer um comparativo entre o conceito de probidade e o de moralidade administrativa, considerando os mesmos como princípios, pode-se afirmar que ambos são praticamente a mesma coisa. No entanto, quando se fala em improbidade administrativa como ato ilícito, deixa de haver correspondência entre os as expressões improbidade e imoralidade, haja vista a primeira expressão ter sentido muito mais amplo e preciso, que abarca não só os atos imorais, mas também os ilegais.

Em síntese, o princípio da probidade e o da moralidade administrativa possuem relação direta com os atos de improbidade administrativa, no entanto, estes não se esgotam naqueles.

1.2.5 Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade, em linhas gerais, traz consigo a ideia de que as competências administrativas apenas serão validamente exercidas quando corresponderem ao que seja realmente demandado para o cumprimento da finalidade do interesse público.

Sobre o princípio em voga, tem-se que o mesmo ainda se encontra em evolução e tem sido acatado em apenas alguns ordenamentos jurídicos, dentre eles: o brasileiro.

No que tange ao seu fundamento, o princípio da proporcionalidade tem como pedra de toque o excesso de poder, tendo por finalidade a moderação dos atos, decisões e condutas de agentes públicos que extrapolem os limites adequados compatíveis com os objetivos almejados pela Administração.

De acordo com Bandeira de Mello, quando determinado ato ultrapassa o necessário para alcançar os seus objetivos “ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da competência, ou seja; superam os limites que naquele caso lhes corresponderiam. ”[30]

Segundo Cunha Júnior, o referido princípio é: “Utilizado, habitualmente , para aferir a legitimidade das restrições de direitos, o princípio da proporcionalidade, consubstancia, em essência, uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins, procede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a nível constitucional; e, ainda enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.”[31]

De acordo com a doutrina alemã, para que qualquer conduta estatal observe o princípio da proporcionalidade, faz-se necessário que a mesma esteja revestida de tríplice fundamento: adequação; exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.[32]

Adequação visando que o meio empregado na atuação seja compatível com o fim colimado; exigibilidade porque a conduta em questão precisa ser necessária, não existindo meio menos gravoso para se atingir o objetivo e, por fim, obedecendo a proporcionalidade em sentido estrito para que as vantagens a serem conquistadas sejam superiores às desvantagens.

Ou seja, a observância do princípio em foco faz com que os agentes públicos atuem de forma proporcional, pautados no equilíbrio entre os motivos ensejadores da prática de determinado ato e as consequências imediatas da conduta adotada.

1.2.6 Princípio da razoabilidade

A razoabilidade é um princípio implícito do Direito Administrativo, que, embora previsto no projeto original da Constituição Federal de 1988, não fora incluído no bojo do artigo 37.

Segundo Carvalho Filho, “ razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa”.[33]

Na realidade, o princípio da razoabilidade busca, sobretudo, que eventual valoração feita pelo administrador público, efetivada dentro de certa margem de discricionariedade, situe-se dentro de standards de aceitabilidade. Este princípio veda que a Administração aja com excessos

A razoabilidade deve ser compreendida como um aspecto da legalidade, uma vez que a interpretação do Direito, do ponto de vista hermenêutico, extirpa do universo jurídico as opções desarrazoadas.

Nestes termos, quando determinada decisão administrativa for tomada sem a observância do princípio em voga, esta mesma decisão, além de desarrazoada, será ilegal e ilegítima, afinal, ofende a lei na sua finalidade.

Assim, todas as vezes, que o mérito de determinado ato administrativo exorbitar os limites legais, seja por afronta direta aos ditames legais, seja por violação ao princípio da razoabilidade, caberá ao judiciário sanar o ato eivado de vício.

No entanto, cabe salientar que ao Judiciário, nestes casos em que instado a analisar as decisões que violem a razoabilidade, não será lícito substituir o juízo de valor do administrador público, vez que, se assim agir, estará violando a separação dos poderes. Desse modo, cabe ao judiciário apenas o controle dos aspectos legais das decisões impugnadas.[34]

 

2 Improbidade administrativa

2.1 Conceito

A inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituição Federal de 1988 foi, sem dúvidas, uma consequência da preocupação com a ética na Administração Pública, bem como com o combate à corrupção e à impunidade no setor público.

Inicialmente, cabe apontar que a improbidade administrativa tem sustentáculo no §4º do artigo 37 da Carta Magna, que estabeleceu que a lei sancionará os atos de improbidade administrativa, relacionando também algumas penalidades a serem aplicadas em caso de prática de ato que configure improbidade.

Para dar cumprimento ao §4 do artigo 37, foi expedida lei que regulamenta os atos de improbidade administrativa, que faz menção a um rol mais amplo de sanções, levando em consideração o rol mínimo disposto na Carta Constitucional. Hoje, a matéria referente a improbidade administrativa, conforme aventado em linhas anteriores, encontra-se positivada na Lei 8.429, de 2 de junho de 1992.

Indagando-se em que consistiria a improbidade administrativa, Osório expõe que a mesma configura-se: “[…] como espécie de má gestão pública que abarca tanto a grave desonestidade quanto a grave ineficiência funcional, à luz do princípio da legalidade inscrito na LIA. Nesse sentido, estamos diante de uma categoria ético-normativa superior que abarca tanto a corrupção (equivalente a uma espécie peculiar de desonestidade funcional extremamente grave) quanto a grave ineficiência funcional. Cuida-se de uma patologia singular, que se traduz por transgressões dolosas ou culposas. “[35]

De acordo com Justen Filho, “a improbidade administrativa consiste na ação ou omissão violadora do dever constitucional de moralidade no exercício da função pública, que acarreta a imposição de sanções civis, administrativas e penais, de modo cumulativo ou não, tal como definido em lei”.[36]

Antes da inclusão do princípio da moralidade no rol dos princípios constitucionais, a improbidade administrativa consistia em infração prevista apenas para os agentes políticos: para os demais agentes públicos, a punição era apenas aplicada nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do cargo, que sujeitava o agente ao sequestro e perda de bens em favor da Fazenda Pública.

Com a mencionada inserção do princípio da moralidade no rol dos princípios constitucionais de observância obrigatória, a submissão ao primado da probidade administrativa, estendeu-se a toda Administração Pública e com isso passou a ser prevista e sancionada para todas as categorias de servidores e abranger outras infrações que não apenas o enriquecimento ilícito.[37]

Com efeito, da leitura da Lei 8.429/1992 infere-se que a violação à moralidade administrativa é apenas umas das hipóteses previstas nesse diploma como configuradora de ato de improbidade administrativa. Trocando em miúdos, a improbidade administrativa engloba a violação do princípio da moralidade administrativa, bem como de todos os demais princípios que regem a Administração Pública.

Ainda levando em consideração o diploma legal acima mencionado, tem-se que ato de improbidade administrativa é todo aquele que importa, à custa da Administração, em enriquecimento ilícito (art. 9º); que causa prejuízo ao erário (art. 10º); bem como aquele que atenta contra os princípios da Administração Pública (art. 11º).

Frise-se que para um ato ser classificado como de improbidade, não se faz necessária a demonstração da ilegalidade do ato, bastando a lesão à moralidade administrativa.

No que tange à configuração do ato de improbidade administrativa, mais uma vez, servimo-nos da brilhante lição de Justen Filho: “A improbidade se configura como a violação a um dever específico, que é o respeito à moralidade. Não se confunde improbidade com ilicitude em sentido amplo. Pode haver ilicitude sem haver improbidade. A improbidade pressupõe um elemento subjetivo reprovável. Como regra, a improbidade se aperfeiçoa mediante um elemento doloso, admitindo a forma culposa como exceção. A improbidade não se configura pela mera atuação defeituosa do agente – o que não significa reconhecer a regularidade jurídica de ações e omissões culposas. […] Mas isso não significa que que sua conduta caracterize de modo automático, improbidade. A improbidade envolve infração.” [38]

Nestes termos, infere-se que a configuração de improbidade pode derivar tanto de uma atuação ativa, quanto de uma atuação omissiva. No entanto, cabe aqui mencionar que só haverá improbidade se o sujeito ativo do ato tiver violado, de forma consciente, o dever de moralidade: isso ocorre porque a vontade consciente é da própria essência da noção de moralidade.[39]

Em outras palavras, para que haja configuração da improbidade administrativa faz-se imperioso o agente público tenha agido ou se omitido imbuído na má-fé.

2.2 Os atos de improbidade administrativa

Para que haja a ocorrência de ato de improbidade administrativa previsto na Lei 8.429/1992, são necessários três elementos: sujeito ativo, o sujeito passivo e a ocorrência de um dos atos danosos previstos na lei como ato de improbidade.

Conforme esposado em linhas anteriores, o texto legal estabelece três modalidades de atos de improbidade administrativa: os que importam enriquecimento ilícito; os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Tais atuações encontram-se dispostas, respectivamente, nos artigos 9, 10 e 11 da Lei de improbidade. Faz-se de valia esclarecer que a Lei 8.429/1992 estabelece uma gradação ao dispor sobre os atos de improbidade, ou seja, os primeiros atos (atos que geram enriquecimento ilícito) são considerados os mais graves de todos, enquanto os últimos (atos que violam os princípios da Administração Pública), os mais leves.

Em que pese a lei falar de ato de improbidade, deve-se ter em mente que o termo ato não é utilizado na acepção de ato administrativo. O ato de improbidade administrativa pode equivaler a uma ação, a uma omissão, e a inda, a um ato administrativo.[40]

Ainda para que haja a configuração do ato como de improbidade administrativa, faz-se necessário que o mesmo tenha sido praticado no exercício da função pública, em seu sentido amplo, de forma a abarcar as três funções do Estado. Saliente-se que um ato de improbidade administrativa pode ser praticado também por um terceiro que não se enquadre no conceito de agente público.

Com efeito, nota-se que o texto da lei de improbidade administrativa traz um rol de atos, insertos nos seus incisos, em cada um dos artigos acima mencionados.

De acordo com o entendimento uníssono, os incisos demarcam exemplos de atos de improbidade, não os dispondo de forma taxativa. Assim sendo, ainda que um ato não se encaixe em uma das hipóteses previstas, de forma expressa, nos diversos incisos dos três dispositivos, a improbidade administrativa poderá ser configurada, desde que o mesmo se enquadre no caput dos artigos 9, 10 e 11 da Lei 8.429/1992.

O art. 9º dispõe que “constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função ou emprego nas entidades mencionadas no art. 1º e notadamente” os que vêm indicados nos incisos insertos no dispositivo legal.

Esta categoria, como dito anteriormente, abarca as hipóteses mais reprováveis de improbidade administrativa, concernentes a atos orientados a produzir acréscimos no patrimônio de um agente público, ou ainda, de um terceiro.

Esse elenco exemplificativo funda-se em doze incisos, que dispõem sobre as mais diversas situações, sendo possível organizar as hipóteses configuradoras em quatro grupos a saber: atos de percepção de vantagens indevidas de terceiros (incs. I, II, III, V, VI, IX e X); atos de apropriação indevida (incs. IV, XI e XII); atos em conflitos de interesses (inc. VIII) e atos evidenciadores de enriquecimento sem justificativa (inc. VII).[41]

Nos termos do art. 10º, “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, notadamente” as que vêm previstas nos incisos do artigo em voga.

Esse segundo grupo de atos de improbidade, é o daqueles que causam lesão ao erário, fruto de uma ação ou omissão. Faz-se de extrema valia salientar que não existe ficção de lesão aos cofres público, sendo necessário, portanto, o resultado danoso para que haja efetivamente a configuração.

Nesta senda, mostra-se elucidativo colacionar julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR. PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDENAÇÃO PELO ART. 10 DA LEI 8.429/92. EXIGÊNCIA DE DANO EFETIVO AO ERÁRIO. DANO NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1.   O periculum in mora encontra-se presente, pois, no caso em apreço, haveria o iminente risco da proibição de contratação com o Poder Público, o que afetaria mais de 500 contratos da empresa, o que, certamente, como consectário lógico, afetará as suas atividades empresariais. 2.   Da mesma forma, à primeira vista, a fumaça do bom direito estaria presente, uma vez que o acórdão recorrido condenou a ora requerente por atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, II, IV e VIII da Lei de Improbidade, o que exige o efetivo dano ao Erário. 3.   A configuração dos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10 da Lei 8.429/92 exige a presença do efetivo dano ao erário e, ao menos, culpa.  4.   Agravo Regimental do MPF a que se nega provimento. (Agravo Regimental na Medida Cautelar n.º 24630 / RJ, Primeira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 20/10/2015, grifo nosso)

Por derradeiro, de acordo com a inteligência do art. 11º, “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições e notadamente” as que vêm dispostas nos incisos do dispositivo.

No que diz respeito ao art. 11 da Lei 8.429/1992, tem-se que existe uma definição bastante ampla que exige uma interpretação restritiva, sob pena de generalização e, consequentemente, a tipificação de qualquer ato como sendo de improbidade administrativa.

Assim sendo, nesta hipótese específica, a ofensa aos princípios honestidade, lealdade, imparcialidade e legalidade, só adquirirá relevância, quando o fato evidenciar-se como meio de realização de ato improbo.

2.3 Elemento subjetivo: dolo ou culpa

Conforme exposto alhures, a matéria que envolve o estudo do elemento subjetivo do ato de improbidade administrativa, possui como regra a exigência de dolo. De acordo com Justen Filho, “a improbidade pressupõe a atuação maliciosa preordenada à obtenção do resultado conhecido como indevido”.[42]

Do estudo cuidadoso da Lei 8.429/1992, precisamente dos três dispositivos reguladores dos atos de improbidade, extrai-se que apenas o artigo 10 dispõe sobre a possibilidade de determinado ato (ação ou omissão) caracterizar-se como um ato de improbidade, baseando-se apenas na culpa.

São nestes termos, que se faz imperioso salientar que o dispositivo acima mencionado possui extrema relevância, uma vez que é partir dele que se chega à conclusão que é inadmissível a configuração dos atos de improbidade administrativa que causam enriquecimento ilícito e que violem os princípios norteadores da Administração Pública com base no elemento culpa.

Foi nesse mesmo sentido que se posicionou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça em recentíssimo julgado:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTIGO 11 DA LEI 8429/92. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ELEMENTO SUBJETIVO DO ATO ÍMPROBO EXPRESSAMENTE RECONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DAS SANÇÕESIMPOSTAS. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.

  1. A hipótese em questão diz respeito ao ajuizamento de ação civil pública, pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em face de agente penitenciário, pela suposta prática de ato ímprobo, consistente na permissão para que um albergado masculino dormisse na cela da ala feminina junto de outras detentas, mediante recebimento e quantia, bem como teria requerido empréstimo de um albergado, além de comunicar indevidamente falta disciplinar de um detento.
  2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é a ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Assim, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92 é indispensável, para a caracterização de improbidade, que o agente tenha agido dolosamente e, ao menos, culposamente, nas hipóteses do artigo 10.
  3. Os atos de improbidade administrativa descritos no artigo 11 da Lei nº 8429/92, como visto, dependem da presença do dolo genérico, mas dispensam a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública ou enriquecimento ilícito do agente.
  4. Na hipótese dos autos, verifica-se que Corte a quo concluiu pela presença do dolo genérico na conduta do agente, tendo consignado que “diante dos fatos e provas apresentados, é notória a ofensa do apelante na consecução de ato que deveria promover, especialmente em se tratando de situação que tinha pleno conhecimento em razão de sua participação”. A reversão de tal entendimento é tarefa que demandaria, necessariamente, incursão no acervo fático-probatório dos autos o que é vedado ante o óbice preconizado na Súmula 7 deste Tribunal.
  5. No que concerne à apontada violação ao art. 12 da Lei 8429/92, a análise da pretensão recursal no sentido de que sanções aplicadas não observaram os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, com a consequente reversão do entendimento manifestado pelo Tribunal de origem, exige o reexame de matéria fático-probatória dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
  6. Agravo regimental não provido. (Agravo Regimental no Agravo no Recurso Especial 768394 / MG, Segunda Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Min Mauro Campbell Marques, Julgado em 13/11/2015, grifo nosso)

Assim sendo, em apertada síntese, apenas os atos de improbidade que causem prejuízo ao erário podem ser sancionados a título de dolo ou culpa, sendo os demais atos de improbidade sancionados apenas quando comprovado o dolo.

No entanto, não se deve perder de vista que a configuração do ato de improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito, com base apenas na culpa, só pode ocorrer em algumas hipóteses dispostas no artigo disciplinador, não abarcando todas as possibilidades ali previstas.[43]

Sobre a importância de se analisar a intenção do agente, sob pena de sobrecarregar o Judiciário, expõe Di Pietro: “A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias, regulamentos, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de que todos conhecem a lei. Além disso, algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores públicos estranho à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações quem tenha um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. “[44](grifo nosso)

Por fim, insta salientar que, no caso da lei de improbidade administrativa, a análise do elemento subjetivo se torna ainda mais especial, haja vista o objetivo do legislador ser o de assegurar a moralidade e honestidade no âmbito da Administração Pública.

2.4 Sanções aplicáveis

Conforme esposado em linhas anteriores, o parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que os atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Da leitura do dispositivo mencionado, depreende-se que um ato de improbidade administrativa pode corresponder a um ilícito penal, caso haja a possibilidade de enquadramento do ato em algum crime previsto no Código Penal ou em sua legislação complementar.

Sobre essa questão, pontua Di Pietro: “(a) O ato de improbidade, em si, não constitui crime, mas pode corresponder também a um crime definido em lei; (b) as sanções indicadas no artigo 37, §4º, da Constituição não têm natureza de sanções penais, porque, se tivessem, não se justificaria a ressalva contida na parte final do dispositivo, quando admite a aplicação das medidas sancionatórias nele indicadas “sem prejuízo da ação penal cabível”;(c) se o ato de improbidade corresponder também a um crime, a apuração da improbidade pela ação cabível será concomitante com o processo criminal.”[45]

Na lei de improbidade, as sanções estão previstas no art. 12 e vão além daquelas previstas na Constituição Federal.

Sobre a natureza jurídica das sanções disciplinadas na lei de improbidade, dispõe Carvalho Filho: “As sanções da Lei de Improbidade são de natureza extrapenal e, portanto, têm caráter de sanção civil. Esse é um ponto sobre o qual concordam praticamente todos os especialistas. Assim o legislador deveria ter evitado o título “Das Penas” atribuído ao Capítulo III da lei, o que poderia dar a falsa impressão de tratar-se de penalidades inerentes à prática de crimes. Não obstante, adiante-se que, em situações específicas, algumas sanções têm sofrido restrição em sua aplicação por terem inegável conteúdo penal. O fato, porém, não lhes retira a natureza civil de que se reveste.”[46]

Assim sendo, muitos dos atos administrativos podem corresponder, simultaneamente, a tipos penais estabelecidos na legislação penal, bem como a infrações administrativas definidas em estatutos que regulam os servidores.

O artigo 12 da lei de improbidade dispõe, além daquelas sanções já disciplinadas pela Carta Constitucional, que o responsável pelo ato de improbidade administrativa estará sujeito à perda dos bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (hipótese direcionada aos casos de enriquecimento ilícito), à multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

Da leitura do supramencionado artigo, percebe-se claramente, conforme já exposto, que o legislador estabeleceu uma gradação em termos de gravidade, considerando mais graves, e consequentemente tendo penas mais severas, as condutas que acarretem enriquecimento ilícito e mais leve os atos que atentem contra os princípios da Administração.

Outro aspecto, quanto às sanções, que merece atenção diz respeito à possibilidade de um mesmo ato se enquadrar nos três tipos de improbidade administrativa. Ocorrendo essa possibilidade, a sanção aplicável será aquela disciplinada para a infração mais grave.

Ainda sobre as sanções, cabe aqui fazer referência à possibilidade de aplicação cumulativa das penas previstas no artigo 12 da Lei 8.429/1992. Essa cumulatividade se deve ao fato da possibilidade de um mesmo ato de improbidade administrativa afetar valores de naturezas diversas.

Além do artigo 12, a Lei 8.429/1992 traz também nos seus artigos 5º e 6º o tratamento da matéria das sanções aplicáveis.

Com efeito, o artigo 5º estabelece que, ocorrendo lesão ao patrimônio público, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou do terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.[47] Já o artigo 6º estabelece que, no caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.

Por fim, importa observar que, na fixação das penas previstas na lei de improbidade, o juiz deverá levar em conta a extensão do dano causado, exigindo, portanto, a observância do princípio da proporcionalidade.

 

  1. A ação de improbidade administrativa

3.1 Conceito e legislação pertinente

Consoante o disposto no §3 do artigo 37 da Carta Magna, a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta regulando especialmente, dentre outras hipóteses, a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.

Regulamentando a disposição constitucional mencionada, a Lei 8.429/1992, no seu artigo 14, prevê que qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de improbidade administrativa.

O artigo 22 do mesmo diploma dispõe que para apurar qualquer ato de improbidade administrativa ou ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação, poderá requisitar instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo.

Por fim, o artigo 17 da Lei 8.429/1992 prevê a ação judicial visando a aplicação das sanções pela prática de ato de improbidade administrativa. O § 1º desse mesmo dispositivo prevê que é vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações dessa natureza.

De acordo com as lições do Professor Matheus Carvalho, “a ação de improbidade é uma ação civil que visa punir os agentes públicos e particulares que atuem em colaboração, ou se beneficiando da atuação do agente, por atos de improbidade”.[48]

Já segundo Carvalho Filho, “ a ação de improbidade administrativa é aquela em que se pretende o reconhecimento judicial de condutas de improbidade na Administração, perpetradas por administradores públicos e terceiros, e a consequente aplicação das sanções legais, com o escopo de preservar o princípio da moralidade administrativa”. Em conclusão, expõe o mesmo doutrinador que a ação de improbidade, “sem dúvida, cuida-se de poderoso instrumento de controle judicial sobre atos que a lei caracteriza como de improbidade”.[49]

Sobre a natureza jurídica da ação de improbidade administrativa, cabe aqui ressaltar que, atualmente, vem se firmando o entendimento que esta ação possui natureza de ação civil pública, motivo pelo qual, é aplicada, subsidiariamente, a Lei 7.347/1985 (Lei de Ação Civil Pública), desde que não haja contrariedade com os dispositivos expressos da Lei 8.429/1992.

3.2 Sujeito ativo da ação de improbidade

Consoante a dicção do artigo 1º da Lei 8.429/1992 extrai-se que o sujeito ativo da ação de improbidade é a pessoa jurídica que a lei indica como vítima do ato de improbidade.

O mencionado artigo, indica as entidades que podem ser atingidas por ato de improbidade administrativa, abarcando “ a administração direta, indireta, fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio e da receita atual. ”

Com efeito, o parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece que “estão também sujeitos às penalidades da Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que recebe subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”.

No entanto, não se deve perder de vista que a legitimidade ativa para a propositura da ação de improbidade administrativa não se encerra nas pessoas jurídicas mencionadas, o Ministério Público também possui legitimidade para propositura das ações civis dessa natureza, motivo pelo qual conclui-se que a Ação de Improbidade Administrativa possui legitimidade ativa concorrente.

Levando em consideração a citada legitimidade ativa concorrente, deve-se mencionar que caso a ação seja proposta pelo Ministério Público, a entidade lesada deverá ser intimada para que, havendo interesse, atue como litisconsorte ativa. Por sua vez, caso a pessoa jurídica lesada proponha a ação, o parquet, necessariamente, deverá atuar na condição de custus legis sob pena de nulidade, de acordo com o disposto no § 4º do artigo 17 da Lei de Improbidade administrativa.[50]

3.3 Sujeito passivo da ação de improbidade administrativa

A lei 8.429/1992, dispõe de um rol de sujeitos ativos que respondem pela prática de atos eivados por improbidade. O artigo 1º do mencionado diploma, afirma que o ato de improbidade administrativa pode ser praticado por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta, fundacional ou autárquica de qualquer dos poderes da União, Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios e de empresas incorporadas ao patrimônio público.

Com efeito, faz-se imperioso observar que comete atos de improbidade, quem também, atua em nome da Administração temporariamente com ou sem remuneração.[51]

Nestes termos, da leitura do dispositivo mencionado, verifica-se que não se faz necessário ser servidor público com vínculo “empregatício”, para que o agente se encaixe como sujeito ativo da improbidade administrativa, consequentemente, sujeito passivo de uma ação movida para apurar tal fato. Qualquer pessoa que preste serviço ao Estado é agente público, podendo, portanto, ser sujeito passivo de uma ação que vise apurar a prática de um ato de improbidade.

Assim sendo, podem ser sujeitos passivos da ação de improbidade os agentes políticos, os servidores públicos, os militares e também os particulares em colaboração com o Poder Público.

No que tange aos servidores públicos, todas as categorias são incluídas, independentemente do vínculo firmado, podendo ser o servidor detentor de cargo efetivo, em comissão ou vitalício.

Ademais, os membros do Ministério Público, da Magistratura e do Tribunal de Contas também se incluem como sujeitos passivos da ação de improbidade, sejam eles considerados servidores públicos ou agente políticos, como alguns doutrinadores preferem classificá-los. De acordo com Di Pietro, “ o fato de gozarem de vitaliciedade não impede a aplicação das sanções previstas na lei, inclusive a perda de cargo, já que uma das hipóteses de perda de cargo, para os servidores vitalícios, é a que decorre de sentença transitada em julgado (art. 95, I, e art. 128, § 5º, II, d, da Constituição)”.[52]

No entanto, ainda sobre os agentes políticos, faz-se de extrema valia mencionar que, de acordo com as recentes decisões proferidas, a Corte Suprema vem firmando o posicionamento no sentido que os agentes políticos que, porventura, respondam por crime de responsabilidade não estarão sujeitos à Lei de Improbidade. Esse entendimento deve-se ao fato que os crimes de responsabilidade estipulam sanções de natureza civil e ocorreria um verdadeiro bis in idem, ao se admitir as duas punições.

Neste sentido foi o julgamento da Reclamação 2138/DF pelo Supremo Tribunal Federal:

RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS.

PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM. I.1. Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justificou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato novo da cessação do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da prerrogativa de foro perante o STF, conforme o art. 102Ic, da Constituição. Questão de ordem rejeitada. I.2. Questão de ordem quanto ao sobrestamento do julgamento até que seja possível realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema, com participação de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em vista a possibilidade de que o pronunciamento da Corte não reflita o entendimento de seus atuais membros, dentre os quais quatro não têm direito a voto, pois seus antecessores já se pronunciaram. Julgamento que já se estende por cinco anos. Celeridade processual. Existência de outro processo com matéria idêntica na sequência da pauta de julgamentos do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada. II. MÉRITO. II.1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei nº 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei nº 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, c, (disciplinado pela Lei nº 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37§ 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102Ic, da Constituição. II.3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102I, c; Lei nº 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). II. 4.Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102Ic, da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.5. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102Ic, da Constituição. III. Reclamação julgada procedente. (Reclamação 2138/DF, Tribunal Pleno, Supremo Tribunal Federal, Relator: Min Nelson Jobim, Julgado em 13/06/2007, grifo nosso)

De forma diversa, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem firmando entendimento no sentindo que inexiste óbice quanto à imputação de responsabilidade aos agentes políticos nos casos em que os mesmos respondam por crimes de responsabilidade e também pela prática de atos de improbidade administrativa. Excetua-se, neste particular, a atuação do Presidente da República e dos Ministros do Estado, estes em crimes conexos com aquele.

Neste sentido, vale colacionar o julgado referente à Reclamação 2790/SC:

CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO. DUPLO REGIME SANCIONATÓRIO DOS AGENTES POLÍTICOS: LEGITIMIDADE. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO: RECONHECIMENTO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STJ. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA RECLAMAÇÃO.

  1. Excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.º. Seria incompatível com a Constituiçãoeventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. 2. Por decisão de 13 de março de 2008, a Suprema Corte, com apenas um voto contrário, declarou que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade contra seus membros (QO na Pet. 3.211-0, Min. Menezes Direito, DJ 27.06.2008). Considerou, para tanto, que a prerrogativa de foro, em casos tais, decorre diretamente do sistema de competências estabelecido na Constituição, que assegura a seus Ministros foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns, na própria Corte, quanto em crimes de responsabilidade, no Senado Federal. Por isso, “seria absurdo ou o máximo do contra-senso conceber que ordem jurídica permita que Ministro possa ser julgado por outro órgão em ação diversa, mas entre cujas sanções está também a perda do cargo. Isto seria a desestruturação de todo o sistema que fundamenta a distribuição da competência” (voto do Min.Cezar Peluso).3. Esses mesmos fundamentos de natureza sistemática autorizam a concluir, por imposição lógica de coerência interpretativa, que norma infraconstitucional não pode atribuir a juiz de primeiro grau o julgamento de ação de improbidade administrativa, com possível aplicação da pena de perda do cargo, contra Governador do Estado, que, a exemplo dos Ministros do STF, também tem assegurado foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns (perante o STJ), quanto em crimes de responsabilidade (perante a respectiva Assembleia Legislativa). É de se reconhecer que, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (CF, art. 105, I, a), há, em casos tais, competência implícita complementar do Superior Tribunal de Justiça. 4. Reclamação procedente, em parte. (Reclamação 2790/SC, Corte Especial, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Min Teori Albino Zavascki, Julgado em 02/12/2009, grifo nosso

Por fim, ressalte-se que, além dos agentes públicos, os particulares também podem responder por improbidade administrativa, desde que, de alguma forma, induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma. Estes particulares podem atuar mediante delegação, requisição ou espontaneamente.

3.4 Da competência para julgamento

Inicialmente deve-se mencionar que o procedimento da ação de improbidade administrativa é o especial de jurisdição contenciosa, previsto na lei que disciplina a ação civil pública (Lei 7.374/1985), devendo ser aplicadas as regras inseridas no artigo 17 da Lei 8.429/1992, que estabelecem particularidades.

Quanto à competência para julgamento da ação de improbidade administrativa, tem-se que a mesma deverá ser proposta em juízo singular (primeiro grau), com jurisdição na sede da lesão. A ação será distribuída perante a Justiça Federal caso haja interesse da União, autarquias ou empresas públicas federais, devendo, nos demais casos, a ação ser proposta perante a Justiça Estadual.

Com efeito, levando em consideração a natureza civil das sanções aplicadas, não existe a prerrogativa de foro para a propositura da ação, não sendo possível a utilização da competência constitucional para as ações penais movidas em face de agentes públicos.

No entanto, questão polêmica adveio com a Lei 10.628/2002 que, inserindo o §2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal[53], estabeleceu o foro especial de prerrogativa de função, concebendo que a ação de improbidade administrativa deveria ser proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade no caso de prerrogativa de foro em razão do exercício da função pública.

Diante da situação esposada, o Supremo Tribunal Federal declarou, na ADI 2797, a inconstitucionalidade do dispositivo em comento, sob o argumento de que cabe exclusivamente à Constituição Federal a criação de foro especial de prerrogativa de função.

Neste sentido, faz-se de valia colacionar parte da ementa do acordão proferido na referida Ação Direta de Inconstitucionalidade:

EMENTA:[….] III. Foro especial por prerrogativa de função: extensão, no tempo, ao momento posterior à cessação da investidura na função dele determinante. Súmula 394/STF (cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal). Lei 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do C. Processo Penal: pretensão inadmissível de interpretação autêntica da Constituição por lei ordinária e usurpação da competência do Supremo Tribunal para interpretar a Constituição: inconstitucionalidade declarada. […]

  1. Não pode a lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição: a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de hierarquia superior. […] 5. Inconstitucionalidade do § 1º do art. 84 C.Pr.Penal, acrescido pela lei questionada e, por arrastamento, da regra final do § 2º do mesmo artigo, que manda estender a regra à ação de improbidade administrativa.
  2. Ação de improbidade administrativa: extensão da competência especial por prerrogativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário (§ 2º do art. 84 do C Pr Penal introduzido pela L. 10.628/2002): declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição: inconstitucionalidade.
  3. No plano federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à lei a sua fixação. 2. Essa exclusividade constitucional da fonte das competências dos tribunais federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em relação às dos Estados, detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a competência originária dos Tribunais é, por definição, derrogação da competência ordinária dos juízos de primeiro grau, do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a pode excetuar. 4. Como mera explicitação de competências originárias implícitas na Lei Fundamental, à disposição legal em causa seriam oponíveis as razões já aventadas contra a pretensão de imposição por lei ordinária de uma dada interpretação constitucional. 5. De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. 6. Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal -salvo as hipóteses dos seus arts. 29, X e 96, III -, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a definição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal ordinária.
  4. Ação de improbidade administrativa e competência constitucional para o julgamento dos crimes de responsabilidade.
  5. O eventual acolhimento da tese de que a competência constitucional para julgar os crimes de responsabilidade haveria de estender-se ao processo e julgamento da ação de improbidade, agitada na Rcl 2138, ora pendente de julgamento no Supremo Tribunal, não prejudica nem é prejudicada pela inconstitucionalidade do novo § 2º do art. 84 do C.Pr.Penal. 2. A competência originária dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é bem mais restrita que a de julgar autoridades por crimes comuns: afora o caso dos chefes do Poder Executivo – cujo impeachment é da competência dos órgãos políticos – a cogitada competência dos tribunais não alcançaria, sequer por integração analógica, os membros do Congresso Nacional e das outras casas legislativas, aos quais, segundo a Constituição, não se pode atribuir a prática de crimes de responsabilidade.3. Por outro lado, ao contrário do que sucede com os crimes comuns, a regra é que cessa a imputabilidade por crimes de responsabilidade com o termo da investidura do dignitário acusado.

Ademais, como bem colocado pelo Professor Dirley da Cunha Júnior a dicção de tal dispositivo “viola o princípio constitucional do juiz natural, posto que a competência por prerrogativa de função existe apenas para proteger a função pública e não a pessoa que a exerce ou a exerceu. Tem-se na espécie, uma lei que destina um privilégio inaceitável, não admitido pela Carta Política”.[54]

Proposta a ação de improbidade no foro competente, deverá ser aplicado o artigo 17 da Lei 8.429/1992, que prevê a notificação do acusado para apresentação de defesa prévia no prazo de 15 dias. Dentro do aludido prazo, o acusado deverá persuadir o juiz acerca do deferimento ou não da petição inicial, considerando a inadequação da via eleita, a improcedência da ação ou, ainda a inexistência do ato de improbidade.

Recebida a petição inicial, o Réu será citado para apresentar contestação. Da decisão que receber a petição inicial caberá agravo de instrumento (art. 17, §10).

Como regra, o juiz deve receber a petição inicial, bastando apenas que o fato se enquadre em um dos tipos insertos na Lei 8.429/1992 e que haja indícios suficientes que fundamentem a prática do ato de improbidade. Presentes tais pressupostos, deve o juiz proceder com a fase instrutória.

Após a fase de instrução processual, o juiz proferirá a sentença. Ressalte-se que, em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem exame do mérito.

3.5 Concomitância entre as instâncias

É cediço que as instâncias civil, penal e administrativa são independentes e que determinado ato de improbidade pode ser sancionado nas três instâncias. Dito isso, faz importante saber que as sanções para improbidade administrativa dispostas da Lei 8.429/1992 possuem natureza civil, fato que não impede a apuração da responsabilidade na esfera administrativa e também na esfera penal.

Conforme esposado no tópico 3.4 do presente trabalho, o § 4 do artigo 37 da Constituição Federal preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Da leitura do dispositivo mencionado infere-se que um ato de improbidade administrativa pode corresponder a um ilícito penal, caso possa ser enquadrado em tipo definido no Código Penal ou em sua legislação complementar.

Nestes termos, fica claro que não há impedimento que haja a instauração simultânea de processos nas instancias penal, administrativa e civil. A primeira instância irá cuidar de apurar o ilícito penal segundo as normas do Código de Processo Penal; a segunda vai apurar o ilícito administrativo segundo as normas dispostas no respectivo estatuto funcional; e a terceira vai aplicar as disposições contidas na Lei 8.429/1992.

Havendo a instauração simultânea de processos, em mais de uma esfera, deverá ser observada a comunicabilidade entre as instâncias.

A regra fundamental sobre a matéria está inserta no artigo 935 do Código Civil.[55] De acordo com esse dispositivo, quando uma questão se achar decidida no juízo criminal, no que toca a existência do fato ou quem se seja o autor, esses termos não poderão ser mais questionados.

Comungando com os termos do mencionado artigo, o artigo 126 da Lei 8.112/1990, determina que “ a responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou da sua autoria.

Por sua vez, o artigo 65 do Código de Processo Penal determina que “faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito”. E, o artigo 66 do mesmo digesto estabelece que “não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não estiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato. ”

3.6 Da prescrição da ação de improbidade administrativa

No que diz respeito à prescrição da Ação de Improbidade Administrativa, a mesma encontra-se disciplinada no artigo 23 da Lei 8.429/1992.[56] Consoante a dicção do mencionado dispositivo, existe distinção entre duas hipóteses.

O inciso I do retro mencionado artigo, dispõe que a prescrição ocorrerá cinco anos após o término do mandato, de cargo de comissão ou de função de confiança; para os que exercem cargo efetivo.

Da análise do dispositivo, extrai-se que, primeiramente, se faz necessário o exaurimento do mandato, para então se iniciar a contagem do prazo prescricional.

De acordo com Professor Matheus Carvalho, nestes casos, “ a intentatio legis é evitar que o agente se valha da própria torpeza e evite a sanção de improbidade administrativa enquanto ainda está no exercício da função, ensejando a sua prescrição”.[57]

Já o inciso II estabelece que a prescrição ocorrerá no prazo de prescrição disposto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público.

Quanto a este inciso, insta salientar que o mencionado prazo irá variar de acordo com a esfera de governo ao qual o servidor encontre-se vinculado. Por exemplo, a lei que disciplina os servidores públicos federais (Lei 8.112/1990) dispõe que o prazo de prescrição é de cinco anos contados do conhecimento da ação infracional pela Administração Pública. Caso o sujeito passivo da ação de improbidade, seja servidor público estadual o estatuto do respectivo Estado será o apto a disciplinar o prazo em questão.

Por fim, importa saber que, quanto aos particulares, a lei é silente no que tange o prazo prescricional. Valendo mais uma vez dos ensinamentos de Carvalho, o mesmo esclarece que: “Nesse caso, duas são as interpretações possíveis. O entendimento majoritário, é de que a prescrição para aplicação da penalidade é a mesma prevista para o agente público que atuou em concurso com o particular. Isso porque, é cediço que o particular somente pratica atos de improbidade em concurso com agente público e figura no pólo passivo da ação em litisconsórcio. No entanto, importa saber que existe doutrina no sentido que se aplica prazo de 10 anos, por ser previsto no Código Civil como prazo genérico.[58]

Vale ressaltar que, no que diz respeito a ação de ressarcimento por danos causados por agentes públicos (servidor ou não), a Constituição Federal, no seu artigo 37, §5[59]º, dispõe que as mesmas são imprescritíveis. Assim sendo, ainda que a Ação de Improbidade esteja prescrita a ação de ressarcimento de danos não estará.

 

4 O instituto da delação premiada na ação de improbidade administrativo

4.1 Conceito de delação premiada

Delatar, em termos claros, significa incriminar, denunciar ou acusar. Do ponto de vista processual, somente tem sentido em falar de delação, quando alguém, assumindo a prática delituosa, revela que outra pessoa também o ajudou.

Em que pese o tema central do presente trabalho vincule-se, especificamente, ao instituto da delação premiada, faz-se necessário situá-lo dentro do que vem se convencionando chamar de colaboração premiada.

De acordo com Professor Renato Brasileiro, faz-se necessária a distinção entre delação premiada e colaboração premiada, sendo a primeira espécie da segunda.[60]

Neste contexto, Vladimir Aras[61] aponta a existência de quatro subespécies de colaboração premiada, sendo elas: delação premiada (chamamento corréu), colaboração para libertação, colaboração para localização e recuperação de ativos e colaboração preventiva.

Por delação premiada, Nucci entende que a mesma nada mais é do que uma: “[…] denúncia que tem como objeto narrar às autoridades o cometimento de delito e, quando existentes, os coatores e partícipes, com ou sem resultado concreto, conforme o caso, recebendo, em troca, do Estado, um benefício qualquer, consistente em diminuição de pena ou, até mesmo, um perdão judicial.”[62]

Já Brasileiro, de forma mais técnica, conceitua o instituto como: “Espécie do direito premial, a colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de investigação por meio do qual o coator e/ou partícipe da infração penal, além de confessar o seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos da lei, recendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.[63]

Assim sendo, em outras palavras, ocorrerá a delação premiada quando um réu, ao ser inquirido, não só admitir a prática de um ato delituoso, mas também imputar sua autoria a uma outra pessoa ou a diversas pessoas. Nesse interim, conclui-se que a confissão do fato delituoso é um pressuposto da delação premiada; do contrário, haveria apenas um simples testemunho.

A delação passa a ser premiada, conforme dito em linhas anteriores, quando a mesma é incentivada pelo legislador, por meio de um prêmio conferidor ao acusado delator, na forma de benefícios processuais ou penais (redução da pena, perdão judicial, fixação de regime prisional mais brando, isenção de processo).

Em suma, a delação premiada é um instituto do Direito Penal que confere benesses ao réu que colabora com Estado na persecução penal, propiciando a aplicação da justiça.

Sob o ponto de vista da ética e da moral, parte da doutrina posiciona-se veementemente contra o instituto da delação premiada. Tal fatia doutrinária considera a delação premiada como verdadeira extorsão premiada.[64]

Neste sentido, expõe Silva Franco: “A delação premiada, qualquer que seja o nome que se lhe dê, e quaisquer que sejam as consequências de seu reconhecimento, continua a ser indefensável, do ponto de vista ético, pois se trata da consagração legal da traição, que rotula, de forma definitiva, o papel do delator. Nem, em verdade, fica ele livre em nosso País, do destino trágico que lhe é reservado – quase sempre a morte pela traição – pois as verbas orçamentárias reservadas para dar-lhe proteção são escassas e contingenciadas.”[65]

Seguindo esta mesma linha de raciocínio, posiciona-se Natália Oliveira de Carvalho: “Lastreada num critério puramente pragmático, tomando o investigado como fonte preferencial da prova, a institucionalização da delação ampara-se numa relação entre custo e benefício em que somente são valoradas as vantagens advindas para o Estado com a cessação da atividade criminosa, pouco importando as consequências que esta prática possa ter em nosso sistema jurídico, fundado na dignidade da pessoa humana. Ao preconizar a tomada de uma postura infame (trair) pode ser vantajosa para quem a pratica, Estado premia a falta de caráter do codelinquente, convertendo-se em autêntico incentivador de antivalores ínsitos à ordem social. […] Não se pode, em definitivo, tolerar, em nome da segurança pública – “falida” devido à inoperância social do poder – a edição maciça de diplomas legais repressivos, os quais, pautados na retórica da eficiência, rompem com os preceitos de ordem constitucional democrática estabelecida.”[66]

Adotando uma postura não tão radical, Nucci, ao comentar o §4.º do art. 159 do Código Penal, pondera que a delação premiada seja um: “[..] ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade.”[67]

Em que pese, sob certo aspecto, a presença no ordenamento jurídico da delação premiada represente o reconhecimento, por parte do Estado, da sua ineficiência em solucionar, por si só, todos os delitos praticados, entendemos não haver qualquer violação à ética ou à moral, pois parece ser contraditório a sustentação da tese da existência de uma ética criminosa.

Corroborando com a ideia que inexiste violação à ética ou à moral quando da utilização do instituto da delação premiada, posicionou o juiz Sergio Moro em brilhante trabalho sobre a Operação Mãos Limpas: “Sobre a delação premiada não se está traindo a pátria ou alguma espécie de “resistência francesa”. Um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio”.[68]

Sem embargo de opinião, a despeito da delação premiada tratar-se de verdadeira traição institucionalizada, não se deve perder de vista que a mesma se trata de um instituto de capital importância no combate à criminalidade, uma vez que se presta a romper com o silencio mafioso, além de beneficiar o colaborador.[69]

4.2 Breve escorço histórico do instituto

Não é de hoje, que a humanidade é açoitada pela traição entre os seres humanos. A história mundial aponta célebres relatos de traição, sendo o episódio mais amplamente divulgado aquele em que o apóstolo Judas Iscariotes vende nosso Senhor Jesus Cristo pelas trinta moedas de ouro. No Brasil, o cenário não é diferente, a história nacional também aponta diversos episódios de traição, dentre eles o de Joaquim Silvério dos Reis que denunciou Tiradentes, fato que levou este último à forca.

Com o passar dos anos, mais especificamente com incremento da criminalidade, os ordenamentos jurídicos passaram a prever a possibilidade de premiar a traição: daí surgiu a colaboração premiada.

A origem histórica do instituto da delação premiada não é recente. A delação foi francamente utilizada nos Estados Unidos (plea bargain) durante o tempo marcado pelo acirramento da batalha contra o crime organizado, bem como na Itália. Em ambos os países a colaboração premiada nasceu da necessidade de se combater o terrorismo e também o crime organizado.[70]

Na Itália, o pentitismo (arrependimento) tornou-se consagrado, na década de 90, no contexto da Operação Mãos Limpas (mani pulite) que é apontada como uma autêntica cruzada judiciária contra a corrupção política e administrativa.

A Operação Mãos Limpas compôs o ápice da história contemporânea do Judiciário. Tal ação judiciária comprovou que a vida política e administrativa de Milão, e da própria Itália, encontrava-se afundada na corrupção, com o pagamento de propinas para a outorga de todo contrato público.[71]

Não obstante pelos seus sucessos e fracassos identificados, a Operação Mani Pulite produziu efeitos incisivos na vida institucional do país, redesenhando, assim, o quadro político da Itália.

Sobre a estratégia adotada na Operação Mani Pulite, esclarece o Juiz Sérgio Moro: “A estratégia da ação adotada pelos magistrados incentivava os investigados a colaborar com a Justiça: A estratégia de investigação adotada desde o início do inquérito submetia os suspeitos à pressão de tomar decisão quanto a confessar, espalhando a suspeita de que outros já teriam confessado e levantando a perspectiva na prisão pelo menos pelo período da custódia preventiva no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata […] Para um prisioneiro, a confissão pode aparentar a decisão mais conveniente quando outros acusados em potencial já confessaram ou quando ele desconhece o que os outros fizeram e for do seu interesse precede-los. Isolamento na prisão era necessário para prevenir que suspeitos soubessem da confissão de outros: dessa forma acordo da espécie “eu não vou falar se você também não”, não eram mais uma possibilidade.”[72]

Na esfera pátria, de modo distinto do que ocorreu em outros países, a colaboração premiada nasceu do reconhecimento da ineficácia dos métodos tradicionais de investigação.

Os legisladores pátrios atentos à necessidade de colaboração para a obtenção de informações relevantes na persecução penal, e também impelidos pelos meios de comunicação e também pela opinião pública, editaram uma gama de leis mais duras.

Verifica-se que o referido instituto fora introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, no ano de 1990, quando da edição da Lei 8.072, a chamada Lei dos Crimes Hediondos.

Após essa introdução, seguiu-se a edição de outros diplomas legais que preveem a possibilidade da utilização da delação premiada.

Fazendo-se uma análise do repertório legal que abarca tal instituo tem-se que, em mais ou menos duas décadas, houve o surgimento de sete leis que trataram da delação premiada, alguma delas, inclusive, fazendo alterar diplomas legislativos preexistentes, incluindo entre eles o Código Penal. [73]

4.3 Previsão normativa

Diferentemente dos Estados Unidos e da Itália que instituiu a delação premiada como forma de combater o terrorismo e o crime organizado, no Brasil tal instituto fora implementado devido ao incremento da criminalidade.

Conforme asseverado no tópico anterior, a partir da década de 90, reconhecendo explicitamente a ineficácia dos métodos tradicionais de investigação, e consequentemente, da necessidade da delação premiada, o legislador pátrio, em atenção, principalmente, à opinião pública passou a editar uma gama de leis penais mais severas. As referidas leis dispunham sobre a colaboração premiada, variando apenas o seu objetivo, bem como os benefícios concedidos ao colaborador.

A primeira Lei que cuidou da delação premiada foi a Lei 8.072/1990, Lei dos Crimes Hediondos, cujo artigo 8º, parágrafo único, ainda hoje vigente e válido, dispôs que “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços”. A referida lei determinou, também, a inclusão do §4 ao artigo 159 do Código Penal, que passou a dispor: “Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o coautor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.”

Também existia previsão legal da delação premiada na Lei que tratava sobre a utilização dos meios para prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas (revogada Lei 9.034/1995, art. 6º, caput), que assim dispunha: “nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de 1(um) a 2/3(dois terços), quando a colaboração espontânea de agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”.

Seguindo a linha cronológica da edição de leis que versam sobre o tema em voga, foi editada a Lei 9.080/1995, cujos artigos 1º e 2º introduziram modificações na Lei que define os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/1986) e no diploma legal que define os crimes contra a ordem tributária econômica e contra as relações de consumo (Lei 8.137/1990).

Com vigência a partir de 4 de março de 1998, também consta na Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/1998), no seu artigo 1º, §5º, a possibilidade da utilização do instituto da delação premiada.

No mesmo sentido, a nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006, art. 41, caput) prevê que “o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal da identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços”.

Por fim, também há previsão da delação premiada na Lei que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei  nº 12.529/2011, com vigência a partir de 29 de maio de 2012.

4.4 Natureza jurídica da delação premiada

Questão bastante intricada diz respeito à natureza jurídica do instituto da delação premiada. A divergência doutrinária gira em torno da classificação da delação como fonte de prova, como meio de prova ou como meio de obtenção de prova.

Consoante as lições de Renato Brasileiro, a expressão fonte de prova é utilizada “ para designar as pessoas ou coisas das quais se consegue a prova. Cometido fato delituoso, tudo aquilo que possa servir para esclarecer alguém acerca da existência desse fato pode ser conceituada como fontes de prova. ”[74]

Já no que diz respeito ao conceito de meios de prova, nas palavras de Nestor Távora, os mesmos “são os recursos de percepção da verdade e formação do convencimento. É tudo aquilo que pode ser utilizado, direta ou indiretamente, para demonstrar o que se alega no processo”[75]. Trocando em miúdos, meios de prova são os mecanismos pelos quais as fontes de provas são dirigidas ao processo, produzindo resultados probatórios que podem ser utilizados na decisão judicial.

Por sua vez, meio de obtenção de prova, seria o mecanismo processual que permite o acesso à fonte de prova ou a meio de prova. As medidas de busca e apreensão, interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário ou fiscal são exemplos de meios de obtenção de prova. A principal característica do meio de obtenção de prova é a sua instrumentalidade.[76]

Especificamente no que diz respeito à natureza jurídica do instituto em voga, Jaques de Camargo entende que a delação premiada é um meio de prova, corporificando-se no processo através do interrogatório.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, posiciona-se Natália Oliveira Carvalho[77] também no sentindo da delação premiada ser um meio de prova. A referida autora classifica a natureza da delação premiada de tal forma por considerar que os meios de prova não estão taxativamente dispostos no Código de Processo Penal, fato que possibilitaria o encaixe deste instituto nesta seara.

Com a devida vênia aos posicionamentos supramencionados, há que se perceber que não é tão simples sustentar a premissa da natureza jurídica da delação premiada ser de meio de prova.

Conforme dito alhures, a delação premiada é materializada no processo através do interrogatório; levando-se em consideração que o interrogatório, em si, possui natureza jurídica específica de meio de defesa, não há como se sustentar que tal instituto, simultaneamente, seja um meio de prova.

Quanto a considerar a delação premiada como meio de obtenção de prova, parece ser o enquadramento que melhor se integra com os fins a que ela se destina.

A delação por si só é neutra, o que preserva nexo com o conceito de meio de obtenção de prova e poderá, a depender do resultado, advindo das palavras do imputado, contribuir para a atividade estatal.

De outro turno, levando em consideração que do ato de delação não advenha qualquer resultado processual, tal fato, ainda assim, faz conservar a natureza do instituto como meio de obtenção de prova.

Foi neste mesmo sentido que se posicionou Brasileiro: “ A colaboração premiada funciona como importante técnica especial de investigação, enfim, um meio de obtenção de prova. Por força dela, o investigado (ou acusado) presta auxílio aos órgãos oficiais de persecução penal na obtenção de fontes materiais de prova. Por exemplo, se o acusado resolve colaborar com as investigações em um crime de lavagem de capitais, contribuindo para localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime, e se essas informações efetivamente levam à apreensão ou sequestro de tais bens, a colaboração terá funcionado como meio de obtenção, e a apreensão como meio de prova.”[78]

Nestes termos, conclui-se que a natureza jurídica do instituto da delação premiada se adequa de forma mais plausível como meio de obtenção de provas.

4.5 A eficácia objetiva da delação premiada

Conforme já afirmado em outras oportunidades no bojo do presente trabalho, para que o agente colaborador faça jus as benesses penais e processuais penais possibilitadas pelo instituto da delação, faz-se imperioso verificar a relevância e a eficácia objetiva das declarações prestadas.

Destes termos, infere-se que a mera confissão não possui o condão de conferir a benesse legalmente estabelecida. Para que seja possível a obtenção de qualquer prêmio por força da colaboração prestada, o órgão responsável pela persecução penal deve ter obtido algum resultado prático objetivo.

Corroborando com o quanto sustentado, vale colacionar recente julgado do Superior Tribunal de Justiça que negou a concessão do perdão judicial ao colaborador devido ao fato das declarações prestadas não terem se revestido de imprescindibilidade:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DELAÇÃO PREMIADA. AUSÊNCIA DE EFETIVA COLABORAÇÃO DO ACUSADO. PERDÃOJUDICIAL. ART. 35-B DA LEI N. 8.884/94. ART. 13 DA LEI N. 9.807/99.VAZIO NORMATIVO. AUSÊNCIA DE PONTO DE COINCIDÊNCIA. ANALOGIA. INVIABILIDADE. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ARESTO PARADIGMA. MESMO TRIBUNAL DE ORIGEM.SOLUÇÃO IDÊNTICA. NÃO CONHECIMENTO.

  1. A colaboração efetiva é imprescindível para a concessão do perdão judicial, ainda que sob o jugo da legislação apontada pelo recorrente como de aplicação analógica na espécie (art. 35-B da Lei n. 8.884/94), vigente à época dos fatos.
  2. Por outro lado, a aplicação da benesse, segundo a Lei de Proteção à Testemunha – que expandiu a incidência do instituto para todos os delitos – é ainda mais rigorosa, porquanto a condiciona à efetividade do depoimento, sem descurar da personalidade do agente e da lesividade do fato praticado, a teor do que dispõe o parágrafo único do art. 13 da Lei n. 9.807/99.
  3. A Corte de origem, a partir da análise dos elementos probatórios da demanda, concluiu que a colaboração do delator foi prescindível para a elucidação do ato de improbidade, pois a condenação “seria alcançada com a documentação oriunda do Tribunal de Contas do Distrito Federal, mesmo que não houvesse confissão do apelante.” (e-STJ fl. 1147). Essa constatação consignada no acórdão recorrido, além de não ter sido impugnada no apelo especial, não poderia ser modificada na instância extraordinária por envolver reexame de provas, o que atrai os óbices das Súmulas 7/STJ e 283/STF.
  4. O aresto trazido como paradigma provém do mesmo Tribunal em que prolatado o acórdão hostilizado, o que não caracteriza dissídio pretoriano para o fim de cabimento do apelo nobre pela alínea “c” do permissivo constitucional. Precedentes.
  5. Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial 1477982/DF, Segunda Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Min OG Fernandes, Julgado em 14/04/2015, grifo nosso)

Dizendo de outra forma, o que se pretende demonstrar no presente tópico é que para que haja a concessão do prêmio, existe a necessidade do colaborador ter prestado seu depoimento de maneira fidedigna sobre todos os fatos que tinha conhecimento. Ou seja, deverá haver uma consequência concreta advinda diretamente das informações prestadas.

4.6 O acordo de delação premiada

Em um passado recente, não havia no ordenamento jurídico brasileiro nenhum dispositivo legal que tratasse expressamente do acordo de colaboração premiada. Por consequência, a delação premiada era realizada de maneira informal com o investigado, que passava a ter, apenas, mera expectativa de premiação, caso as informações prestadas fossem eficazes para o deslinde da situação.

Em que pese ter pairado, até então, o silêncio legal sobre a matéria em foco, diversos acordos passaram a ser travados entre o Ministério Público e os acusados sempre na presença da defesa técnica. [79]

Para tanto, era utilizado como fundamento o artigo 129, inciso I, da Constituição Federal bem como os artigos 13 a 15 da Lei 9.807/1999[80], sem contar as leis especificas que tratavam do crime cometido em particular.[81]

No que tange ao procedimento adotado para a pactuação desse acordo, tem-se que o mesmo fora construído através do direito comparado, de regras do direito internacional (Convenção de Mérida e Convenção de Palermo) e da aplicação analógica de institutos similares, como, por exemplo, a transação penal.

Em que pese a existência formal desse acordo não seja condição que garanta, de forma inconteste, a concessão dos prêmios legais decorrentes da colaboração, sua celebração mostra-se de fundamental importância, inclusive para acautelar a segurança das garantias conferidas ao acusado.

Foram nestes termos, que o legislador, atento à importância do referido acordo, dispôs expressamente sobre o assunto através da Lei 12.850/2013.

Consoante o artigo 6º da Lei supramencionada, o acordo deverá ser travado por escrito e deverá conter o relato da colaboração e seus possíveis resultados, as condições da proposta do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, a declaração de aceitação do colaborador e seu defensor, as assinaturas do representante do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, bem como a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

No que toca à legitimidade para a celebração do acordo de delação premiada, tal matéria é tratada por dois dispositivos da Lei. 12.850/2013: os §2 e §6 do art. 4º.

O § 2 do artigo 4º da mencionada lei, dispõe que o Ministério Público, a qualquer tempo, e o Delegado de Polícia, nos autos do inquérito policial, com manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 CPP.

Consoante o §6 do artigo 4º, o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o Delegado de Polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso entre o Ministério Público e o investigado ou o acusado e seu defensor.

No que toca à participação do Delegado de Polícia no acordo de delação premiada, cabe aqui pontuar que a mesma se restringe à sugestão ao investigado da possibilidade de celebração do acordo. Saliente-se que a premissa da mera sugestão não confere ao Delegado a legitimação ativa para firmar acordo alicerçados em uma simples manifestação do Ministério Público, vez que esta simples manifestação não possui o condão de validar o acordo firmado exclusivamente pela autoridade policial. [82]

Consolidada a premissa que a autoridade policial não possui legitimidade ativa, por si só, para celebrar um acordo de delação premiada, admite-se que o Parquet é o detentor exclusivo da legitimidade ativa para celebração do acordo, durante as investigações e também no curso do processo judicial.

Outro ponto de relevância que, necessariamente, precisa ser ventilado quanto ao acordo de delação premiada diz respeito à possibilidade de retratação do mesmo.

Conforme visto em tópicos anteriores, só há como se falar na existência de um acordo quando se é possível verificar a convergência de vontades. Em particular, no caso da delação premiada, o Estado tem interesse em informações que só podem ser fornecidas por um dos coautores ou partícipes do fato delituoso, enquanto que os colaboradores possuem interesse nas benesses previstas em lei.

Por consequência, tomando por base a própria ideia do que seja um acordo, tem-se que antes da homologação do acordo pela autoridade judiciária é perfeitamente viável que as partes resolvam se retratar da proposta realizada, nos termos do artigo 4º, §10, da Lei 12.850/13.

Ainda sobre o acordo de delação premiada, cumpre afirmar que o mesmo não precisa ser firmado, necessariamente, até o encerramento da instrução probatória, em juízo, não se podendo afastar a possibilidade de se firmar o acordo mesmo após o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.

4.7 A aplicabilidade do instituto da delação premiada na ação de improbidade administrativa

No que concerne aos crimes contra a Administração Pública tem-se que, ao lado dos apetrechos punitivos do direito penal, o Estado possui, ao seu dispor, a Lei nº 8.429/1992, que garante a punição aos executores de atos de improbidade administrativa.

Conforme já definido, a ação de improbidade é uma ação civil que visa punir os agentes públicos e particulares que atuam em colaboração, ou se beneficiando da atuação do agente, por atos de improbidade.

Quanto à regência, a ação de improbidade administrativa é orientada pelo processo civil, possuindo uma tramitação assemelhada com processualística penal. Nesta senda, tal ação guarda muitos pontos em comum com o rito de instrução dos processos que versam sobre crimes cometidos por agentes públicos.

Ao se estabelecer um quadro comparativo entre os ilícitos penais e os ditos ilícitos administrativos, há que se perceber que existe similaridade em termos de conduta e suas consequências, de seus sujeitos ativos e passivos, além de não ser inusitado a tutela de idênticos bens jurídicos. No entanto, faz-se imperioso observar que, em que pese a sanção em um e em outro ter a mesma finalidade, há divergência quanto ao foco de incidência.[83]

Como conceitua Osório: “ a sanção administrativa consiste em um mal ou castigo, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pública, considerada materialmente, pelo Poder Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado(r), agente público, indivíduo ou pessoa jurídica, expostos ou não a relações especiais de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora, ou disciplinar, no âmbito formal ou material do direito administrativo.”[84]

Superado esse ponto, cabe aqui consignar que, embora a lei de improbidade Administrativa deva ser considerada um exímio instrumento coibidor da corrupção, a mesma esbarra em constantes óbices durante o seu percorrer investigatório, fato que reflete na efetividade da punição do infrator e, consequentemente, ocasiona resultados considerados aquém dos esperados pela sociedade.

Sobre as dificuldades investigatórias existentes no trâmite processual da Ação de Improbidade Administrativa, colocou-se Faria: “Os atos de improbidade muitas vezes envolvem organizações criminosas ou uma cadeia de agentes com características piramidais (mentores da fraude no topo e muitos subordinados na base da pirâmide). Dessa forma, são vários os envolvidos, principalmente na base das fraudes administrativas, ficando os principais autores impunes ante a ausência de provas e a impossibilidade de obtenção de confissões importantes acerca das práticas ímprobas ocorridas em determinado caso concreto.”[85]

Ainda no sentido de demonstrar as dificuldades investigatórias, mostra-se elucidativo colacionar posicionamento do juiz Sérgio Moro: “Registre-se que crimes contra a administração pública são cometido às ocultas e, na maioria das vezes, com artifícios complexos, sendo difícil desvela-los sem a colaboração de um dos participantes. Conforme Piercamilo Davigno, um dos membros da equipe milanesa da operação mani pulite: A corrupção envolve quem paga e quem recebe. Se eles se calarem, não vamos descobrir jamais.”[86]

Neste cenário de dificuldade na obtenção de lastro probatório suficiente para embasar o deslinde do caso posto em evidência, nasceu a discussão acerca da aplicabilidade do instituto da delação premiada na Ação de Improbidade Administrativa.

Sobre o tema em foco, insta salientar que não existe uma definição jurisprudencial nem doutrinária solidificada.

Conforme analisado, o instituto da delação premiada ocorre quando o acusado argui a autoria do crime a um terceiro, municiando as autoridades competentes de informações necessárias a respeito das práticas delituosas promovidas, permitindo, assim, o deslinde do caso posto e também a concessão de benesses ao colaborador que poderá ter a sua pena reduzida ou, até mesmo, auferir o perdão judicial.

Apesar de bastante criticada por parte da doutrina, o instituto da delação premiada encontra-se em absoluto desenvolvimento, em termos de aplicabilidade, na esfera do direito penal. No entanto, dúvidas restam em saber se o referido instituto possui plena eficácia e aplicação no bojo de uma ação civil de improbidade administrativa, vez que vozes doutrinárias sustentam que na Ação de Improbidade Administrativa não há espaço para a transação, acordo ou conciliação, posição adotada embasada na inteligência do § 1º, do artigo 17, da Lei 8.429/1992[87].

Conforme já dito em linhas anteriores, existem grandes similitudes entre os ilícitos penais e os ilícitos administrativos.

Considerando que para os ilícitos penais existe a possibilidade de atenuação da pena através da confissão espontânea, não se mostra razoável aplicar uma penalidade, vista do prisma administrativo, sem que haja a possibilidade de a colaboração efetivamente prestada pelo acusado reverberar na dosimetria da pena a ser aplicada.

Sobre a delação premiada e seus efeitos nos feitos que versem sobre improbidade administrativa, posicionou-se a promotora de justiça Karina Cherubini: “Se a confissão nos processos cíveis, especificamente nos feitos de improbidade administrativa, fosse reconhecida como atenuante da sanção e mais, se fosse estendido a esse tipo de feito os demais benefícios da delação premiada, haveria um avanço na instrução do inquérito civil e na própria instrução processual, obtendo-se peças de um quebra-cabeça que, de outra forma, pode seguir incompleto, mesmo que se obtenha um deslinde condenatório.”[88]

Sedimentada a posição que a delação premiada possui inconteste papel na adequada instrução processual da Ação de Improbidade Administrativa, cabe aqui colocar que não se vislumbra qualquer empecilho legal na aplicação da delação premiada nos casos de improbidade administrativa.

Como é cediço, a lei de improbidade administrativa garante a aplicação de sanções civis. No entanto, embora a lei preveja sanções de tal natureza, e também vede, expressamente, a transação ou conciliação nas ações respectivas, a aplicabilidade da delação não se mostra prejudicada ante a possibilidade da aplicação da analogia

O artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro preceitua que quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.

Sobre a analogia, posiciona-se Dinamarco: “Consiste a analogia em resolver um caso não previsto em lei, mediante a utilização de regra jurídica relativa a hipótese semelhante. Fundamenta-se o método analógico na ideia de que, num ordenamento jurídico, a coerência leva à formulação de regras idênticas onde se verifica a identidade da razão jurídica: ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio. Distingue-se a interpretação extensiva da analogia, no sentido de que a primeira é extensiva do significado textual da norma e a última é extensiva da intenção do legislador, isto é, da própria disposição.”[89]

No que toca a aplicação da analogia com fundamento no princípio da igualdade jurídica, tem-se que, de forma geral, os doutrinadores a aceitam de forma harmoniosa. No entanto, de forma acertada pontua o autor Maximiliano a existência de duas hipóteses que inviabiliza a aplicação da lei através da analogia: nos casos da lei de natureza criminal, bem como no caso de direito singular.[90]

Levando em consideração que a Lei 8.429/1992 não versa sobre direito singular ou excepcional, tampouco que a Ação de Improbidade possui natureza penal, dúvidas não restam que inexiste qualquer óbice na aplicabilidade do instituto da delação premiada em ações dessa natureza.

Mas não é só.

A extensão da aplicabilidade do instituto da delação premiada à Ação de Improbidade Administrativa pode ser, também, justificada sob o prisma da ética utilitarista.

Revisitando o que fora sustentado em linhas anteriores, em determinadas situações, tão somente com a colaboração de agentes que já fizeram parte dos atos rotulados como ímprobos é que será viável aclarar a conduta de cada um dos sujeitos envolvidos e o prejuízo causado. E para isso, a legislação pátria permite que seja travado acordo de delação premiada como instrumento que, mesmo tendo efeito de conferir a exclusão da punibilidade para o acusado, estimula o colaborador a ajudar no deslinde da situação. É justamente esse o ponto que a ética utilitarista busca robustecer.

A denominada ética utilitarista ou ética consenquencialista, leva em consideração os efeitos reais produzidos, qualificando-os com base na utilidade. De acordo com esse prisma, o maior valor ético deve fundamentar-se em buscar o maior bem possível para o maior número de pessoas, ou, em outros termos, já que não se pode favorecer a todos, que se favoreça o maior número realizável. [91]

Nestes termos, posicionou-se Cherubini: “[…]uma ação é tanto melhor quanto mais positivas forem as consequências para o agente moral e para o maior número de pessoas, onde se busca a maximização dos benefícios e minimização dos prejuízos, importa questionar se, para a sociedade, não é mais vantajoso premiar um colaborador ou fazer o uso negociado da confissão do que deixar de punir, por falta de provas, os demais infratores. Ao não se admitir a delação premiada na seara de improbidade administrativa, retrai-se a intenção de colaboração do agente público ou do terceiro e não se obtêm dados que somente seriam conhecidos com o completo esclarecimento do esquema da organização. Deixa-se, por vezes, de tutelar bem jurídico importante, como a moralidade administrativa, para garantir a impunidade de outros participantes. E impunidade para quem desvia dinheiro público significa menos escolas, menos saúde, menos infraestrutura viária, menos infraestrutura elétrica, menos cultura, menos saneamento básico, impedindo, em última análise, o desenvolvimento do país.”[92]

Por fim, aliado aos outros argumentos anteriormente esposados, sustentamos ainda a aplicabilidade do instituto da delação premiada nas Ações de Improbidade Administrativa com base na observância dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.

Conforme dito, o trâmite investigatório de uma Ação de Improbidade Administrativa muitas vezes se esbarra em óbices, fato que impõe a atuação de acusado colaborador para o desenrolar da intricada situação e sucesso no deslinde do caso e também na efetividade da punição dos infratores.

Levando em consideração que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade impõe, na tomada da decisão do agente público, a adoção de meios coerentes para se atingir meios adequados, não se mostra plausível que a efetiva colaboração do agente não influa na dosimetria da sua pena.

Neste sentido, vale colacionar a jurisprudência do Egrégio. TJDFT:

“[…] 11. Ainda que o instituto da delação premiada não se destine ao caso dos autos, em que se discute a improbidade administrativa cometida pelo réu, que é de natureza cível, política e administrativa, não resta dúvida que o magistrado poderá levar em conta a colaboração do réu para a fixação das penalidades previstas na Lei nº 8.429/92.

  1. Neste aspecto, correto o posicionamento do juiz a quo que, atento aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, fixou as penalidades do apelante em patamar inferior às dos demais réus.
  2. Apelos improvidos.” (Acórdão n.694786, 20050111347466APC, Relator: JOÃO EGMONT, Revisor: Luciano Moreira Vasconcellos, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 12/06/2013, Publicado no DJE: 22/07/2013. Pág.: 171)

Assim, diante da patente dificuldade investigatória existente no desenrolar do trâmite processual das ações de improbidade, aliada a ausência de qualquer empecilho legal na sua aplicabilidade, a delação premiada mostra-se instrumento legítimo e necessário à desarticulação de organizações criminosas instaladas na democracia contemporânea.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A corrupção é uma constante no cenário nacional. Diariamente a nação é açoitada por notícias de desmandos ocorridos no seio da Administração Pública, que faz com que a sociedade tenha a sensação que a corrupção e a impunidade jamais terão fim.

É inegável que as autoridades competentes tentam, muitas vezes, apurar os atos classificados como ímprobos penalizando os infratores e também aqueles que de alguma forma colaboraram na ação delituosa.

No entanto, não se pode perder de vista que para apurar e, consequentemente, apenar os responsáveis de forma pertinente faz-se necessário que os órgãos responsáveis pela persecução instruam de forma adequada a relação processual.

Nesse interim, faz-se imperioso chamar atenção que muitos dos delitos configuradores da improbidade administrativa são cometidos às ocultas e, na maioria das vezes, mediante a utilização de artifícios complexos, fato que mobiliza as investigações e deixa de produzir, a contento, os resultados práticos e objetivos que a sociedade almeja.

É neste contexto de carência probatória e de consequente mobilização investigativa, que se coloca como de relevância o instituto da delação premiada no bojo da Ação de Improbidade Administrativa.

É inconteste que se à confissão nos feitos de improbidade administrativa, fossem garantidos os benefícios da delação premiada, haveria um avanço na instrução processual, obtendo-se informações primordiais que, de outra forma, poderia seguir sem que houvesse um deslinde condenatório.

Em que pese vozes doutrinárias sustarem que o instituto da delação premiada não possua espaço na ação civil de improbidade administrativa, tal posição não pode prosperar. Primeiramente porque inexiste qualquer óbice legal que retire a possibilidade de aplicar o instituto em voga em ações civis e, também, porque faz-se necessário levar em consideração os efeitos reais a serem produzidos: o maior valor ético deve fundamentar-se em buscar o maior bem possível para o maior número de pessoas.

Dessa forma, não se mostra razoável aplicar uma penalidade, vista do prisma administrativo, sem que haja a possibilidade de a colaboração efetivamente prestada pelo acusado reverberar na dosimetria da pena a ser aplicada.

Faz-se imperioso reconhecer que a impunidade de quem desvia dinheiro público, ou cometa qualquer outro ilícito administrativo, muitas vezes importa em prejuízos concretos à sociedade, que afetam o desenvolvimento do país

Assim sendo, não se admitir a aplicabilidade da delação premiada na seara administrativa, significa, muitas vezes, deixar de tutelar bem jurídico primordial, como a moralidade administrativa, em garantia da impunidade.

Nesta senda, brilhantes foram as palavras do magistrado Sérgio Moro, que em meio a mais marcante investigação sobre corrupção ocorrida no Brasil, resumem o que o presente trabalho buscou sustentar: “ A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.

O que se busca demonstrar é que a sociedade não pode ser caprichosa ao ponto de não se valer de provas validamente produzidas por aqueles que vivem na intimidade da violação das leis.

 

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[3] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p.82-23.

[4] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 114.

[5] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. Salvador: Jus Podivm, 2014, p.68

[6] CRETELLA JÚNIOR, José. Os Cânones do Direito Administrativo. Revista de Informação Legislativa, n.97, v.25, jan./mar.,1988, p. 7.

[7] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 14 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 137.

[8] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p.54.

[9] CARVALHO, op. cit., p. 54.

[10] DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.26 ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.62.

[11] CUNHA JÚNIOR, op. cit., p.35.

[12] MELLO, Aranha apud MELLO, Celso op. cit., p. 71 e 72.0

[13] DI PIETRO, op. cit., p. 65.

[14] CUNHA JÚNIOR, op. cit., p. 35.

[15] MELLO, op. cit., p.102.

[16] CARVALHO FILHO, op. cit., p.34.

[17] CARVALHO FILHO, op. cit., p. 34.

[18] Dispõe o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal Brasileira: a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

[19] MELLO, op cit, p. 103

[20] DI PIETRO, op. cit., p. 64.

[21] MELLO, op. cit., p. 103.

[22] GASPARINI, op. cit., p.61.

[23] CARVALHO FILHO, op.cit., p. 22.

[24] Ibid., p. 22

[25] CUNHA JÚNIOR, op.cit., p. 39.

[26] MELLO, op. cit., p. 123.

[27] CUNHA JÚNIOR, op .cit., p. 40.

[28] O art. 37§,4º, da Constituição Federal assim dispõe: Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

[29] DI PIETRO, op. cit., p. 885

[30] BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.113

[31] CUNHA JÚNIOR, op. cit., p.50.

[32] CARVALHO FILHO, op. cit., p.43

[33] CARVALHO FILHO, op. cit., p. 41.

[34] Ibid, loc. cit.

[35] OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade dos Fiscalizadores. Revista IOB de Direito Administrativo, n 29, v. 3, maio, 2008, p.51.

[36] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1083.

[37]  DI PIETRO, op. cit., p.885.

[38] JUSTEN FILHO, op. cit., p. 1084.

[39] Neste sentido, mostra-se elucidativo colacionar parte do julgado proferido pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, em sede do Recurso Especial 841.421/MA, expõe que: “ A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade[..]”.

Ainda neste mesmo sentido, a mesma Turma do STJ, sob a relatoria do Ministro José Delgado, no bojo do Recurso Especial 604.151/RS julgou que: “Tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STJ associam a improbidade administrativa à noção de desonestidade, má-fé do agente público”.

[40] DI PIETRO, op. cit., p. 902.

[41] JUSTEN FILHO, op. cit., p. 1095.

[42] JUSTEN FILHO, op cit, p. 1096.

[43] JUSTEN FILHO, op. cit., p.1084.

[44] DI PIETRO, op. cit., p. 905.

[45] DI PIETRO, op. cit., p. 892.

[46] CARVALHO FILHO, op. cit., p.1129.

[47] De acordo com a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, as disposições contidas no art. 5º nada acrescentam, vez que para aplicação da medida (integral ressarcimento do dano) bastaria a aplicação do artigo 186 do Código Civil que assim dispõe: Aquele que, por ação ou omissão volutária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ilícito.

[48] CARVALHO, op. cit., p. 903.

[49] CARVALHO FILHO, op. cit., p 1111.

[50]  O § 4º do artigo 17 da Lei 8.429/1992 preceitua: O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

[51] O artigo 2º da Lei 8.429/1992 dispõe: Reputa-se agente público, para efeito desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

[52] DI PIETRO, op. cit., p.897.

[53] Assim dispõe o §2º o artigo 84 do Código de Processo Penal: A ação de improbidade, de que trata a lei 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no §1º.

[54] CUNHA JÚNIOR, op. cit., p.569.

[55]  O art. 935 do Código Civil assim dispõe: A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

[56]  Art. 23 da Lei 8.429/1992: As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

III – até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1ºdesta Lei

[57] CARVALHO, op. cit., p. 906.

[58] CARVALHO, op. cit., p. 908.

[59] §5, art. 37 da Constituição Federal: A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

[60] LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Comentada. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 514.

[61] ARAS, Vladimir. Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2011, p.427.

[62] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 12ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 395.

[63]  BRASILEIRO, op. cit., p. 513

[64] Ibid., p. 515.

[65] FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 221.

[66] CARVALHO, Natália Oliveira. A delação Premiada no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p.131.

[67] NUCCI, Guilherme de Souza.  Código Penal Comentado. 12.ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 825.

[68] MORO, Sérgio Fernando Moro. Considerações Sobre a Operação Mani Pulite. Revista CEJ, Brasília, n 26, jul./set., 2004, p. 58.

[69] BRASILEIRO, op. cit., p. 515.

[70] Ibid., p. 512.

[71] MORO, op. cit., p. 57.

[72] Ibid., p. 58

[73] SARCEDO, Leandro. A Delação Premiada e a Necessária Mitigação do Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, n 27, 2011, p. 195.

[74] BRASILEIRO, op. cit., p. 498.

[75] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 349.

[76] ESSADO, Tiago Cintra. Delação Premiada e Idoneidade Probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2013, p. 209.

[77] CARVALHO, op. cit., p.97

[78] BRASILEIRO, op. cit., p. 532.

[79] Art. 129, I, da Constituição Federal assim dispõe: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

[80] Apenas à guisa de orientação, a Lei 9.807/1999 estabelece normas sobre proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.

[81] BRASILEIRO, op. cit., p. 540.

[82] BRASILEIRO, op. cit., p. 542.

[83] CHERUBINI, Karina Gomes. A ampliação da delação premiada aos atos de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi. Teresina, ano 12, n. 1519, 2007, p. 1.

[84] OSORIO, Medina Fábio. Direito administrativo sancionador. 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 227.

[85] FARIA, Antonio Celso Campos de Oliveira. Colaboração premiada na Ação de Improbidade Administrativa, p. 1

[86] MORO, op.cit., p. 58

[87] Dicção do §1º, do artigo 17 da Lei 8429: Art. 17 – A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.”

[88] CHERUBINI, op. cit., p. 1.

[89] CINTRA, Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 105.

[90] CHERUBINI, op. cit., p. 1.

[91] CHERUBINI, op. cit., p. 1.

[92]Ibid., p.2.

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