Resumo: O princípio da insignificância, sucintamente, deve ser entendido como uma forma por meio da qual será afastada a ocorrência do crime, uma vez que não será observada tão-somente a subsunção da conduta à descrição legal do crime. Assim, a análise da ocorrência do crime não deve ser feita apenas pela tipicidade formal, qual seja, da subsunção do fato à norma, mas também pela tipicidade material, de modo a afastar a tipicidade de condutas irrelevantes, ou de pouca importância, por lesionarem de forma insignificante o bem jurídico tutelado. Por tratar-se de tema de extrema relevância, o presente artigo tem o desiderato de tecer breves considerações acerca do instituto da bagatela, evidenciando sua aplicação pelos Tribunais Superiores do País.
Palavras-chave: Princípio da Insignificância. Tipicidade. Aplicação. Jurisprudência.
Abstract: The principle of insignificance, briefly, must be understood as a means by which it will be removed the occurrence of the crime, since it will not be seen as only the subsumption of conduct to cool crime description. Thus, the analysis of the occurrence of the crime should not be made only by formal typicality, which is, the subsumption of the fact the norm, but also for materials typicality, so as to remove the typical features of irrelevant behaviors, or minor, by injure negligibly legal and safeguarded. Because it is extremely important topic, this article is the desideratum brief considerations about the trifle Institute, showing their application by the Superior Courts of the country.
Keywords: Bickering principle . Typicality . Application. Jurisprudence.
Sumário: Introdução. 1. Conceito. 2. Requisitos teóricos para aplicação do princípio da insignificância. 3. Aplicação prática da insignificância na jurisprudência dos tribunais superiores. Conclusão. Referência.
Introdução:
Consoante entendimento doutrinário amplamente dominante, o princípio da insignificância teve sua origem no Direito Romano, onde se entendia que o julgador deveria desprezar as ofensas mínimas que provocassem lesões insignificantes aos bens jurídicos tutelados.
Com efeito, ao discorrer sobre a origem do instituto, José Henrique Guaracy Rebêlo assim se manifestou:
“A mencionada máxima jurídica anônima, da Idade Média, eventualmente usada na forma minimis non curat praetor, significa que um magistrado deve desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis”.[1]
Ora, desprezar os casos insignificantes nada mais é do que aplicar, ou ao menos reconhecer, o princípio da insignificância. Logo, as ofensas insignificantes não devem sofrer reprimenda pelo Direito Penal. Por isso se atribui o nascimento do referido instituto bagatelar ao Direito Romano, possuindo o instituto, portanto, origem romano-germânica.
Cumpre ressaltar, no entanto, que o princípio da insignificância, não obstante esse nascimento remoto, só foi reintroduzido na doutrina moderna na segunda metade do século XX, por meio de Claus Roxin, o qual desenvolveu um reconhecido estudo sobre o referido princípio, influenciando toda a Europa e até mesmo o resto do mundo, procedendo a uma releitura atualizada do referido princípio.
De acordo com o princípio da insignificância, a análise da tipicidade do crime deve ser formal e também material, ou seja, não basta que o fato praticado pelo agente seja formalmente típico, será necessário que a lesão provocada seja relevante, que ofenda gravemente o bem jurídico tutelado, com ofensa injusta do direito de outrem, sob pena da conduta praticada não ser materialmente típica se a ofensa for mínima, com reduzido grau de reprovabilidade social.
Destarte, a intervenção do Direito Penal deve ser mínima, a última ratio, visto que a repressão estatal deve vir, se possível, por meio dos outros ramos do direito, como o civil, o administrativo, o trabalhista etc.
A essência punitiva do Direito Penal, portanto, sofre uma releitura, em consonância com outros princípios do Direito Penal, tais como os princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima, da adequação social, da proporcionalidade e da razoabilidade, que preconizam a ideia de, sempre que possível, deixar a solução dos conflitos para os outros ramos do direito, só devendo o Direito Penal intervir nos casos mais graves, sérios e urgentes, quando indispensável para a própria existência em sociedade, sendo, portanto,como já dito, a última ratio.
Trata-se, portanto, de um princípio que se coaduna com a própria ideia de só punir criminalmente o infrator quando estritamente necessário, em obediência aos imperativos de segurança jurídica, paz social e convívio harmônico em sociedade.
1– Conceito:
Na medida em que os princípios, ao contrário das regras, são concebidos como sendo mandamentos de otimização de alta abstração e generalidade, não há um conceito uníssono e fechado do que venha a ser o princípio da insignificância, não obstante seja possível delimitar o seu enquadramento, traçando um panorama do que seja o referido princípio e do seu alcance. Sucintamente, é o que faremos.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF delineia o alcance do princípio da insignificância, nos seguintes termos:
“O princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena”[2].
O professo Fernando Capez, por seu turno, assim se manifestou sobre o instituto da bagatela:
“Segundo tal preceito, não cabe ao Direito Penal preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o bem jurídico”.[3]
Assim, o indigitado princípio atuará como um vetor interpretativo restritivo do tipo penal, de modo a afastar do conceito de tipicidade as condutas tidas por irrelevante. Nesse sentido, inclusive, é a doutrina de Rogério Greco, senão vejamos:
[…] o princípio da insignificância serve como instrumento de interpretação, a fim de que o exegeta leve a efeito uma correta ilação do tipo penal, dele retirando, de acordo com a visão minimalista, bens que, analisados no plano concreto, são considerados de importância inferior àquela exigida pelo tipo penal quando da sua proteção em abstrato[4].
2 – Requisitos teóricos para aplicação do princípio da insignificância:
Para que não haja uma indevida banalização do princípio da insignificância, com sua excessiva aplicação, o que acabaria por violar a própria segurança jurídica e até mesmo o princípio da legalidade estrita que norteia o direito penal, faz-se necessário entender quais são os requisitos que permitem a aplicação do referido princípio, para, posteriormente, perquirir se sua aplicação ao caso concreto mostra-se pertinente e plausível.
Frise-se, de antemão, que não há previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro do princípio da insignificância, apesar de sua aplicação ser reconhecida por nossos tribunais.
Desta feita, mister se faz conhecer o entendimento do guardião da Constituição acerca do referido princípio, o qual já se manifestou reiteradas vezes sob os fundamentos que escoram a exclusão da tipicidade do crime bagatelar, senão vejamos.
Consoante entendimento pacífico da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF, os requisitos para que seja possível aplicar o princípio da insignificância são os seguintes:
a) Mínima ofensividade da conduta do agente;
b) Nenhuma periculosidade social da ação;
c) Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e
d) Inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Essas são as vertentes, as balizas, portanto, que fundamentam a aplicação do princípio da insignificância, delineadas pela jurisprudência do Pretório Excelso. Ocorre, todavia, que na prática mostra-se difícil saber quando a conduta praticada provocará mínima ofensividade, nenhuma periculosidade, reduzido grau de reprovabilidade e lesão inexpressiva, razão pela qual se acentua a importância de conhecer a jurisprudência dos Tribunais Superiores.
3 – Aplicação prática da insignificância na jurisprudência dos tribunais superiores:
Com escopo exemplificativo, mencionaremos algumas situações fáticas que ensejam ou não a aplicação do princípio em voga, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Especificamente com relação aos crimes tributários, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF diverge da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, isso porque para o STF o valor a ser considerado insignificante deve ser R$ 20.000,00 (vinte mil reais), consoante determinado pela Portaria do Ministério da Fazenda (Artigo 1º, II, da Portaria MF 75/2012)[5], ao passo que para o STJ o valor deve ser R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme determinado pelo Artigo 20 da Lei 10.522/2002[6].
Assim, os respectivos valores mencionados acima são utilizados como critérios para aferir a insignificância ou não dos crimes contra a ordem tributária.
No caso dos crimes ambientais, mesmo havendo lesão a um indeterminado número de sujeitos, já que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito essencialmente difuso, também é admitido o princípio da insignificância, tanto pelo STF[7] como pelo STJ[8].
Também se admite a aplicação da insignificância para a prática de atos infracionais, cometidos por menores, consoante jurisprudência tranquila do STF.[9]
Para o crime de descaminho, tipificado pelo Código Penal como “Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”, a jurisprudência também admite a aplicação do princípio da insignificância, por se tratar de um crime tributário. Assim, para o STF[10], se o valor for inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), será cabível a aplicação do princípio, ao passo que para o STJ, como já dito, o valor aferido deve ser R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Para os casos de furto de pequeno valor, a jurisprudência do STF também admite a aplicação do instituto da bagatela[11], não obstante restrinja sua aplicação quando caracterizada sua prática reiterada pelo agente, de modo a evidenciar que se trata de um criminoso contumaz.
Há casos, no entanto, em que a aplicação do princípio da insignificância será afastada pela jurisprudência, como, por exemplo, no crime de contrabando, o qual, frise-se, não se trata de crime tributário. Assim, não se aplica o princípio da insignificância no caso de contrabando (“importar ou exportar mercadoria proibida”), tendo em vista o desvalor da conduta do agente, conforme jurisprudência pacífica do STF.[12]
De forma semelhante, não se aplica o princípio da insignificância aos crimes de estelionato contra o INSS (estelionato previdenciário),[13] estelionato envolvendo o FGTS[14] e estelionato envolvendo o seguro-desemprego[15], consoante firme jurisprudência do Pretório Excelso.
Com efeito, também não se aplica o princípio da insignificância para o crime de posse/porte de droga para consumo pessoal (art. 28 da Lei 11.343/2006), consoante jurisprudência do Tribunal da Cidadania[16].
Vale ressaltar, ainda, que o ato de vender ou expor à venda CDs e DVDs falsificados é conduta formal e materialmente típica, estando prevista no Artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal. Sendo assim, não se pode alegar que tal conduta deixou de ser crime levando-se em conta o princípio da adequação social, conforme entendimento do STJ[17], que acabou sendo sumulado nos termos do verbete de súmula 502, que estatui que “presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no Artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas”.
Por fim, cumpre observar que o princípio da bagatela também não se aplica no caso de infração disciplinar. Logo, deverá ser aplicada a penalidade de demissão ao servidor público federal que obtiver proveito econômico indevido em razão do cargo, independentemente do valor auferido, pois segundo o STJ[18] não se aplica a insignificância na esfera administrativa quando constatada falta disciplinar prevista no Artigo 132 da Lei 8112/1990. A título de curiosidade, cabe destacar que no caso concreto julgado o valor auferido era apenas R$ 40,00 (quarenta reais).
Conclusão:
A realidade dos dias coevos demonstra, a toda evidência, que o Direito Penal, na prática, não cumpre sua finalidade de ressocializar nem de reintegrar o criminoso à sociedade. Desta feita, a intervenção do Direito Penal deve ser mínima, atuando apenas nos casos mais sérios, em que haja uma ofensa injusta e expressiva ao bem jurídico tutelado, de modo a ensejar uma repressão estatal apta a assegurar a pacificação social.
Com efeito, na análise da ocorrência do crime, deve ser aferido não apenas a tipicidade formal, qual seja, a subsunção do fato à norma penal incriminadora, mas também a tipicidade material, perquirindo se a ofensa foi grave o suficiente, merecendo reprovação social.
Assim, se a conduta praticada pelo agente contiver mínima ofensividade, com reduzido grau de reprovabilidade, por inexistir periculosidade social e expressividade da lesão jurídica, o fato deverá ser considerado atípico, por não preencher os requisitos da tipicidade material do crime. Logo, pena alguma deverá ser aplicada ao agente, salvaguardando a garantia fundamental de liberdade assegurada pela Constituição.
Advogado pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Pós-graduado em Direito Público.
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