Resumo: O presente artigo tem como objetivo examinar as principais características do Acordo sobre Agricultura no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC), como também verificar o estado atual das negociações da Rodada de Doha sobre o tema. Para tanto, parte-se de noções preliminares sobre a OMC, destacando as dificuldades do longo processo de negociações multilaterais e o importante papel da República Federativa do Brasil no seio do mundo em desenvolvimento em prol de uma efetiva e justa liberalização do comércio agrícola mundial.
Resumen: Este artículo tiene por objetivo analizar las principales características del Acuerdo sobre la Agricultura en el marco de la Organización Mundial del Comercio (OMC), así como comprobar el estado actual de las negociaciones de la Ronda de Doha sobre el tema. Para ello, parte de nociones preliminares sobre la OMC, poniendo de relieve las dificultades del largo proceso de negociaciones multilaterales y el importante rol de la República Federativa del Brasil en el mundo en desarrollo hacia una liberalización efectiva y justa del comercio agrícola mundial.
Sumário: Introdução. 1. Noções preliminares sobre a Organização Mundial do Comércio. 2. Principais características do Acordo sobre Agricultura. 3. Negociações multilaterais sobre agricultura: o impasse da Rodada de Doha. Considerações Finais. Referências
INTRODUÇÃO
Pode-se afirmar que a agricultura sempre foi um tema recorrente e sensível nas negociações comerciais multilaterais. Certamente, por representar um setor fundamental para o desenvolvimento dos Estados e por estar ligado à segurança alimentar.
A República Federativa do Brasil atua como um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do mundo, sendo reconhecida como um dos principais atores nas negociações multilaterais sobre agricultura, sobretudo no âmbito na Organização Mundial do Comércio (OMC), com relevante e crescente poder de articulação e mobilização da Comunidade Internacional.
O presente trabalho tem como objetivo examinar as principais características do Acordo sobre Agricultura no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC), como também verificar o estado atual das negociações da Rodada de Doha sobre o tema, dando destaque para o papel e as posições adotadas pela República Federativa do Brasil.
Para tanto, proceder-se-á uma explanação inicial sobre a Organização Mundial do Comércio, em seguida definir-se-á os pontos essenciais tratados no Acordo sobre Agricultura e por fim tratar-se-á do estado atual das negociações e das posições assumidas pelo Brasil.
1. Noções preliminares sobre a Organização Mundial do Comércio
A Organização Mundial do Comércio (OMC), tal como se conhece, surgiu de uma evolução do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT[1], 1947). Recorde-se que após a Segunda Guerra Mundial foram realizadas várias conferências internacionais buscando reorganizar o contexto econômico internacional. Entre as principais, encontra-se a emblemática Conferência de “Bretton Woods” que tinha como meta equilibrar a economia mundial e o sistema financeiro. Como resultado desta Conferência, surgiram instituições financeiras como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, além de uma proposta de criação da Organização Internacional do Comércio (OIC) que não avançou naquele momento.
Considerando que a Conferência de Havana, em 1947, que oficializava a criação da citada OIC definitivamente não prosperou, o Conselho Econômico e Social da recém criada Organização das Nações Unidas convocou uma Conferência sobre Comércio e Emprego na qual os Estados Unidos da América e o Reino Unido apresentaram um texto-base para negociações multilaterais no âmbito comercial que resultou no GATT durante a Rodada de Genebra do mesmo ano. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio foi assinado e ratificado por 27 governos, entre os quais a República Federativa do Brasil[2]. Note-se que o objetivo desse acordo era diminuir barreiras comerciais e garantir o acesso equânime ao mercado mundial como um instrumento para a paz.
Rêgo assinala que o GATT tinha um aspecto provisório enquanto não era criada a Organização Internacional do Comércio, como pactuado em Bretton Woods. Porém, o governo dos Estados Unidos da América não ratificou a Carta de Havana, o que inviabilizou a constituição da Organização Internacional do Comércio naquele instante[3]. O GATT acabou incorporando várias disposições contidas nas negociações anteriores, inclusive expandindo-se e adquirindo os contornos de uma organização internacional embrionária, visto que não era dotado de personalidade jurídica internacional.
Ao longo do tempo, o GATT foi sendo modificado e seu espectro temático foi sendo alargado pelas Rodadas de Negociações Multilaterais que seguiram. Por exemplo, na Rodada Kennedy (1963-1967), assuntos relativos às “comoditties” agrícolas e barreiras não-tarifárias passaram a fazer parte dos temas de negociação.
Quanto ao acervo jurídico inicial do GATT, herdado posteriormente pela Organização Mundial de Comércio, merece destaque os dois principais princípios sobre os quais se assentam. O primeiro é o Princípio da Nação Mais Favorecida (NMF), igualmente conhecido como Cláusula NMF, segundo o qual um país não pode criar preferências ou restrições a um parceiro comercial que não seja aplicável aos demais, estando posto logo no artigo primeiro do GATT.
O segundo princípio basilar é o Princípio do Tratamento Nacional, segundo o qual um país não pode criar restrições aos produtos estrangeiros dentro do seu mercado nacional que não seja igualmente aplicável aos produtos nacionais, estando essa garantia dispersa ao longo de todo o acordo.
Há, porém, exceções a esses princípios, notadamente quando se refere a sua aplicação a países de desenvolvimento tardio. Ao longo do próprio GATT podem ser encontradas várias concessões que as Partes desenvolvidas fazem em relação às Partes menos desenvolvidas, sem que com isso estejam ferindo os princípios basilares da liberalização comercial[4].
Essas garantias configuram o chamado direito do desenvolvimento, entendido exatamente como um conjunto de normas que garantem aos países em desenvolvimento, ou de desenvolvimento tardio, condições mais favoráveis para ampliarem seu comércio exterior e dessa forma favorecer o crescimento interno de suas economias nacionais. Aplica-se mediante um abrandamento dos princípios basilares acima referidos, como por exemplo a possibilidade de um país desenvolvido conceder determinadas condições mais favoráveis a produtos oriundos de país com desenvolvimento tardio sem com isso ter que estender essa condição a todos os países com quais comercializa, mitigando assim o princípio da nação mais favorecida.
Recorde-se que no âmbito do GATT, previsões desse tipo vão surgir apenas depois da Rodada de Tóquio, em 1979, quando os denominados países do Sul conseguem forçar a entrada de previsões dessa natureza no acervo jurídico do GATT. Cria-se assim a Parte IV do acordo, que sob o título “Comércio e Desenvolvimento, trata exatamente da mitigação das provisões do GATT em relação aos países menos desenvolvidos[5].
Por outro lado, vale recordar também, que os resultados da Rodada do Uruguai (1986-1994), levaram à criação da atual Organização Mundial do Comércio, oficialmente criada em 1° de Janeiro de 1995, valendo-se da estrutura do antigo GATT, mas ampliando sensivelmente seu espectro e contando com o “status” de organização internacional em razão de sua personalidade jurídica internacional.
Nessa Rodada, as Partes compreenderam que o comércio internacional estava de tal modo diversificado e desenvolvido que as provisões do GATT não o acompanhavam mais, principalmente no que tocava ao comércio de serviços, questões relativas a barreiras não-tarifárias, “comoditties” agrícolas, propriedade intelectual, entre outros temas.
Assim sendo, deve-se anotar ainda, que o Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio, firmado em Marrakesh como conclusão da Rodada do Uruguai, estabeleceu os objetivos, funções e estrutura da OMC, como também sua relação com outras organizações internacionais, sua secretaria, orçamento, personalidade jurídica, processo decisório e outras previsões relativas aos acordos multilaterais e plurilaterais.
Na República Federativa do Brasil, ele foi ratificado pelo Decreto n° 1.355, de 30 de Dezembro de 1994, que promulgou a Ata Final que incorpora os resultados da Rodada Uruguai.
Por uma parte, o Acordo determina, entre outras coisas, que a OMC deve servir como instituição-quadro para negociações comerciais multilaterais, tendo como função gerir os acordos comerciais, servir de fórum para negociações, administrar o Entendimento Relativo sobre a Solução de Controvérsias, vigiar a política comercial de seus Membros e cooperar com outros organismos internacionais.
Por outra parte, quanto aos principais órgãos da OMC, tem-se: a) a Conferência Ministerial, composta de representantes de todos os Membros que se reune a cada dois anos; e b) o Conselho-Geral, composto por representantes de todos os Membros, que se reúne quando necessários nos intervalos entre as Conferências Ministeriais e pode exercer suas funções. Além disso, o Conselho-Geral exerce funções de solução de controvérsias e exame da política comercial dos Membros. Além desses dois referidos órgãos, o Acordo de Marrakesh refere-se a vários outros comitês, inclusive aqueles estabelecidos pelos acordos multilaterais e plurilaterais.
3. Principais características do Acordo sobre Agricultura
As discussões sobre agricultura e comércio multilateral de “comoditties” agrícolas sempre fizeram parte da pauta de negociações do antigo GATT, porém foi somente na Rodada do Uruguai que as Partes acordaram discutir mais pontualmente esse tema e enfrentar algumas questões que vinham distorcendo o mercado mundial de produtos agrícolas, tais como os subsídios que os países desenvolvidos concediam às suas produções internas.
Recorde-se que o termo subsídio consiste no mecanismo através do qual os governos incentivam financeiramente a produção agrícola injetando recursos junto ao produtor e assim obtendo um produto final com um preço artificialmente abaixo do mercado, fato que inviabiliza a concorrência de produtos importados, notadamente aqueles advindos de Membros em desenvolvimento ou com desenvolvimento tardio. Neste sentido, se deve considerar a importância que a agricultura tem para o crescimento interno das economias nacionais, e conseqüentemente para o desenvolvimento dos Estados.
Com efeito, pode-se afirmar que esse Acordo rompeu um vácuo jurídico no âmbito do GATT. Tal ausência de normas precisas favoreceu que os países desenvolvidos implementassem subsídios e outras medidas protecionistas às suas produções nacionais que provocaram e ainda provocam um alto nível de protecionismo, afetando substancialmente aqueles países que tinham e tem na agricultura a sua principal fonte de exportação, notadamente os países em desenvolvimento e os países em desenvolvimento tardio[6].
No âmbito do Acordo sobre Agricultura, os Membros acordaram compromissos sobre subsídios, apoio doméstico e acesso aos mercados, sendo que os Membros com desenvolvimento tardio ficaram desobrigados. Foram criadas diferentes obrigações também para os Membros em desenvolvimento e para os Membros desenvolvidos.
Os compromissos relativos ao acesso a mercados estão previstos nos artigos 4 e , assim como no anexo 5. O primeiro compromisso é a chamada tarificação, através da qual os Membros deveriam converter todas as suas barreiras não-tarifárias em barreiras tarifárias. Com a tarificação, os Membros desenvolvidos comprometeram-se em reduzir essas tarifas em 36%, com uma redução mínima de 15%, no período de seis anos. Por outro lado, os Membros em desenvolvimento comprometeram-se em diminuir 24%, como no mínimo 10% por produto, em até dez anos.
Entretanto, um Membro poderia recusar-se à tarificação e com isso deveria assegurar a chamada Cláusula de Acesso Mínimo, ou acesso mínimo especial, permitindo a importação de determinado produto em determinadas quantidades com tarifas mais baixas. Para aqueles produtos em que houve a tarificação, os Membros poderiam invocar salvaguardas especiais nos termos no artigo 5º do Acordo, objetivando proteger seus produtores diante de qualquer instabilidade do cenário internacional.
Como se sabe, a redução do apoio doméstico afeta diretamente as políticas agrícolas internas dos Membros, questões como investimentos, programas de ciência e tecnologia aplicada à agricultura, entre outras. Desta forma, essas políticas foram divididas e classificadas na denominadas “Caixas”, de acordo com o impacto que elas poderiam provocar no comércio internacional através de uma distorção do preço final do produto.
Assim sendo, quanto aos apoios internos que provocam pouca ou nenhuma distorção ao comércio internacional, os mesmos estão incluídos na chamada Caixa Verde e são concedidos por intermédio de um programa governamental financiado com fundos públicos (incluindo renúncia fiscal) que não implique transferências de consumidores, através de programas governamentais e pagamentos dissociados da produção. Observe-se que duas previsões referem-se diretamente aos Membros em desenvolvimento, tais como a formação de estoques alimentares e ajudas alimentares concedidas à população.
O artigo 6.2 do Acordo em tela prevê que as medidas governamentais de assistência, direta ou indireta, para estimular o desenvolvimento agrícola e rural constituem parte integrante dos programas de desenvolvimento de países em desenvolvimento, os subsídios para investimento que estejam geralmente disponíveis à agricultura nos países em desenvolvimento Membros e os subsídios aos insumos agrícolas que estejam geralmente disponíveis aos produtores de baixa renda ou de recursos limitados em países em desenvolvimento Membros ficam isentos dos compromissos de redução do apoio interno que seriam normalmente aplicáveis a tais medidas, assim como também ficam isentos de compromissos o apoio interno dado a produtores nos países em desenvolvimento.
A chamada Caixa Azul se refere às medidas de apoio capazes de distorcer o comércio internacional, mas mesmo assim permitidas. Está inscrito no artigo 6.5 do Acordo, de modo que os pagamentos diretos realizados no âmbito de programas de limitação da produção não estão sujeitos ao compromisso de redução do apoio interno se: i) tais pagamentos se basearem em área e produção fixas; ii) forem feitos em relação a 85 por cento ou menos do nível de produção de base; ou iii) no caso de pagamentos relativos a rebanhos que forem feitos em relação a um número fixo de cabeças.
Existe igualmente subsídios de apoio interno que distorcem o comércio internacional e podem ser concedidos quando, se específicos em relação a um produto, não ultrapassarem 5% do valor total de sua produção de um produto agrícola básico durante o ano correspondente, ou, quando não especificado, não ultrapassar 5% do valor de sua produção agrícola total. Para os Membros em desenvolvimento, esse percentual é de 10%.
Se as medidas de apoio interno forem superiores aos índices mencionados, estes incidirão na chamada Caixa Amarela, sendo considerados nocivos ao comércio internacional, ensejando que o Membro prejudicado invoque o Órgão de Solução de Controvérsias.
Quanto aos subsídios à exportação, nos seus artigos 8, 9, 10 e 11, o Acordo estabelece que os Membros desenvolvidos reduzissem suas políticas de subsídios em 36% o valor e em 24% o volume, e os Membros em desenvolvimento se comprometeram em diminuir em 24% o valor e 10% o volume. Essa redução aconteceu no período de 10 anos e teria como parâmetro os valores/volumes apurados entre 1986-1990.
Tecnicamente, para uma definição mais precisa de subsídio dentro na normativa da OMC, o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias caracteriza a existência de um subsidio como a uma contribuição financeira conferida por um governo ou agência governamental que beneficia quem o recebe[7].
Finalmente, o artigo 9.1 lista seis categorias de subsídios à exportação considerados danosos, e mais a frente traz consideração especificas sobre a implementação dessas obrigações de redução e no artigo anterior os Membros se comprometem a não conceder subsídios à exportação fora dos casos previstos.
3. Negociações multilaterais sobre agricultura: o impasse da Rodada de Doha
Em sintonia com o item anterior, diversos estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam que o Acordo sobre Agricultura não logrou nenhum êxito no seu intento de diminuir os subsídios agrícolas e liberalizar o comércio nesse setor tão sensível da economia mundial.
Segundo dados da OCDE, fazendo-se um estudo comparativo sobre o volume de subsídio concedido pelos países-membros da organização no período anterior ao Acordo, usado como parâmetro pelo próprio, vê-se que entre 1986-88 foram concedidos US$ 298,4 bilhões de dólares em subsídios, enquanto entre 1999-2002 foram concedidos US$ 340,5 bilhões de dólares em subsídios agrícolas![8]
Com efeito, os compromissos assumidos pelos Membros no Acordo sobre Agricultura, conforme sua redação na Rodada do Uruguai, não eram ambiciosos e nem tinham como objetivo tornar, por si só, o comércio internacional de “comoditties” agrícolas mais equânime. Sem dúvida, verifica-se que tinha o objetivo menos ambicioso de dar início a uma reforma no âmbito do comércio internacional relacionado à agricultura.
Configura-se a insuficiência do Acordo sobre Agricultura, visto que o seu artigo 20 reconhece a necessidade de negociações contínuas acerca de novas reformas no âmbito do comercio agrícola a fim de produzir um sistema verdadeiramente equânime e livre.
Segundo o referido artigo, novas negociações seriam iniciadas um ano antes do período de implementação do referido acordo. Contudo, as negociações oficialmente tiveram início no final de 1999 e em fevereiro de 2000 o Conselho Geral da OMC lançou uma nova rodada sobre agricultura, sendo que a própria OMC dividiu essas negociações em cinco fases[9].
Na primeira fase, que foi de fevereiro de 2000 até março de 2001, os Membros apresentaram propostas para marcar o início das negociações. Na fase seguinte, que foi até março de 2002, as discussões foram mais técnicas, realizarando reuniões informais e as discussões deu-se por tópicos.
Durante esse intercurso, aconteceu a 4ª Conferência Ministerial da OMC, em Doha, e no mandato surgido dessa conferência, adotado em 14 de novembro de 2001, prescreve sobre a agricultura[10].
No seu ponto décimo terceiro e décimo quarto, a Conferência reafirma os princípios do Acordo de estabelecer uma reforma no comércio multilateral agrícola de modo gradual e reconhece os esforços dos Membros até aquela data em suas negociações para obter um sistema comercial mais equânime e justo.
A Declaração afirma um compromisso com negociações detalhadas objetivando melhoras substanciais no acesso aos mercados, reduções com vistas a eliminação, de todas as formas de subsídios às exportações, além de uma redução substancial no suporte doméstico distorsivo do mercado. Ainda, reafirma-se a questão de um tratamento diferenciado aos países em desenvolvimento, considerando suas necessidades particulares.
A terceira fase de negociações teve início em março de 2002 e foi até o mesmo mês do ano seguinte. Essa fase tinha como intenção materializar os objetivos fixados no mandato de Doha. Porém, poucos meses após, as negociações sofreram um revés pela atitude de alguns países desenvolvidos, notadamente os Estados Unidos da América e França.
O Mandato de Doha, contudo, estabeleceu um prazo para as negociações onde os participantes deveriam apresentar suas propostas até a próxima Conferência Ministerial, em setembro de 2003 e que aconteceu em Cancún, México.
Em agosto de 2003 teve início a quarta fase de negociações, com a apresentação de propostas e suas discussões em Cancún. Nesse momento começam a ser formar as grandes coalizões de países, sendo que o Brasil terá um papel relevante nesse cenário, com uma posição marcada pela liberalização do comércio agrícola.
Quanto aos diferentes grupos de interesses e posições adotadas pelos países e grupos de países negociadores, cabe destacar no âmbito das negociações multilaterais em curso, o denominado G-20, articulado durante os preparativos da Conferência de Cancún e composto pelos seguintes países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Equador, Egito, Guatemala, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Peru, Filipinas, África do Sul, Tanzânia, Tailândia, Uruguai, Venezuela e Zimbábue. Anote-se que esse grupo é formado por países em desenvolvimento que juntos representam cerca de 60% da população mundial, 70% da população rural e 26% das exportações agrícolas no mundo.
Quanto à proposta do G-20 – do qual o Brasil faz parte e tem um papel relevante – é no sentido da liberalização comercial agrícola, do fim dos subsídios à exportação e do apoio interno concedido pelos países desenvolvidos aos seus produtores nacionais, visto que tais estímulos acarretam distorções na realidade do comércio internacional e torna impossível que os produtos de países em desenvolvimento possam entrar nesses mercados[11].
Ainda quanto à diplomacia negociadora, o Brasil também faz parte do grupo Cairns, formado por 19 exportadores agrícolas, entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, sob o compromisso de promover uma reforma do comércio agrícola internacional e por uma liberalização do mesmo[12].
A quinta fase de negociações começou em setembro de 2004 e teve como meta o estabelecimento de modalidades como base para a finalização de um acordo sobre a matéria.
Atualmente, as negociações em torno da agricultura ainda se apresentam bastante sensíveis em função do protecionismo de alguns países e grupos de países, notadamente os Estados Unidos da América e a União Européia, no que se refere à redução de subsídios e políticas de apoio doméstico aos seus produtores nacionais.
Considerações Finais
A promoção de um comércio agrícola internacional equânime e justo, diminuindo ao máximo os impactos distorcivos de subsídios à exportação e políticas de apoio interno representa um grande desafio ao bom senso e solidariedade internacionais.
O Acordo sobre Agricultura, firmado na Rodada Uruguai, foi um primeiro passo no sentido de promover a reforma desse sistema e representa um importante marco inicial para as negociações multilaterais em curso.
A inconclusa Rodada de Doha marca as grandes dificuldades encontradas no setor com a crescente pressão dos produtores estado-unidenses e europeus por mais políticas de apoio interno.
No quadro das negociações multilaterais em curso e diante de uma reconfiguração da geopolítica planetária, a República Federativa do Brasil através de sua diplomacia destaca-se em legitimidade e competência para ser ouvido e atendido pelos países que tanto relutam em aceitar a inviabilidade dos subsídios para o crescimento sustentável de todos os povos da Terra.
Neste sentido, um dos principais desafios da República Federativa do Brasil é a busca incessante de construção do consenso harmônico a partir do próprio G-20 e do mundo em desenvolvimento, sob pena de que as negociações multilaterais sejam uma vez mais dominadas pelos Membros desenvolvidos e novamente a Terra e seus bilhões cidadãos venham a ser penalizados com a riqueza concentrada de poucos que necessariamente deve ser distribuída e multiplicada para todos.
Doutor em Direito Internacional e Comunitário pela Universidad Pontificia Comillas, Espanha; Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina; Pesquisador do CNPq e CAPES; Consultor em Direito Público Interno e Internacional, Cooperação e Negócios Internacionais.
Mestrando em Direito Internacional no Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, Brasil
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