1. Introdução: distinções conceituais acerca da interceptação. 1.1.A Interceptação Telefônica, Escuta Telefônica e Gravação Ambiental. 1.2. Comunicação telefônica. 1.3. Direito à prova. 1.3.1 Provas Ilegítimas e Ilícitas. 1.3.2. Das Provas Ilícitas Por Derivação. 1.3.3. Direito À Prova Por Interceptação. 2.4. Dos procedimentos da lei 9.296/96. 2.4.1. Da Legitimidade Para Requerer e Deferir. 2.4.2. Do Requerimento. 2.4.3. Deferimento e Interceptação. 2.4.4. Do Encontro Fortuito. 2.4.5. Do Prazo Para Interceptação. 2.4.6. Dos crimes da Lei de Interceptação Telefônica. Conclusão.
Resumo: Trata, lato sensu, da Lei 9.296/96, Lei de Interceptações Telefônicas. Para tanto, aborda, de maneira perfunctória, aspectos históricos relevantes da interceptação telefônica, bem como os princípios constitucionais que a regem, além de traçar apontamentos acerca dos procedimentos da lei em comento.
Palavras-chave: Lei nº 9.296/96. Interceptação Telefônica.
Abstract: This articles refers, in a wide vision, to the Federal Law 9.296/96, Law of Wiretapping (Electronic Eavesdropping). For so, observes, in a simple manner, to the historical aspects of wiretapping, in general, also to the constitutional principles that regulate this institute, in addition to the procedures utilized in the aforementioned Law.
Key-words: Federal Law nº 9.296/96. Wiretapping (electronic eavesdropping).
APONTAMENTOS ACERCA DA LEI 9.296/96
INTRODUÇÃO
As interceptações telefônicas vêm sendo causa de grandes discussões em nossa nação, principalmente nos últimos anos, sendo tema de extrema polêmica e dúvida por parte da sociedade civil e do meio jurídico. Recentemente, houve grande celeuma acerca de suposta interceptação do Presidente do Supremo Tribunal Federal Ministro Gilmar Mendes, além do próprio Excelso Pretório já ter proferido decisões memoráveis em relação ao tema.
Trata-se de tema fascinante, com extensa literatura, que junta opiniões dissonantes de advogados garantistas a promotores ferrenhos no combate à criminalidade. Envolve o direito criminal e processual, além do direito constitucional, uma vez que a intimidade é valor constitucionalmente protegido.
Este trabalho visa analisar, de maneira não exauriente, a questão das interceptações telefônica, traçando um panorama histórico, desde seus primórdios quando não era regulamentada pelo legislador, até hoje quando é alvo de inúmeras divergências doutrinárias. De maneira tangente, aborda-se a questão das provas ilícitas e de sua validade no processo penal.
1. DISTINÇÕES CONCEITUAIS ACERCA DA INTERCEPTAÇÃO
Interceptar significa, segundo os Dicionários, interromper, impedir a passagem (FERREIRA, 2004). Sob o ponto de vista do direito, não há uma relação de proximidade com o significado literal da palavra. Em verdade, no Direito, a interceptação (telefônica) é o ato de conseguir uma comunicação telefônica, de entrar em contato com ela. Claro, interromper uma comunicação telefônica é interceptá-la (literalmente), porém a Lei 9.296/96 não diz respeito ao corte das comunicações telefônicas e sim, de sua captação e audição por parte de autoridade competente.
Em verdade, a interceptação telefônica, nos dias de hoje, diz respeito a muito mais do que transmissão (por telefone em sentido estrito) de conversas, sons. Quer dizer todo o fluxo de informações transmitido pela informática, por exemplo (CERVINI; GOMES, 1997. p. 99).
Há de se distinguir então a escuta, a gravação ambiental e a interceptação telefônica, antes de adentrarmos a real análise proposta neste trabalho.
1.1.A Interceptação Telefônica, Escuta Telefônica e Gravação Ambiental
A interceptação telefônica em sentido estrito é a entrada (como ouvinte) de uma terceira pessoa (de maneira desconhecida) numa conversa entre dois interlocutores. Na realidade, a intervenção do terceiro é característica indispensável, segundo parte da doutrina, para que ocorra uma interceptação telefônica.
Sobre isso, Grinover (1997b) assevera:
“É irrelevante indagar a respeito da existência de conhecimento e consentimento de um dos interlocutores. É possível que nenhum deles esteja a par da operação técnica, ou que um consinta com ela. Embora a doutrina prefira falar, só no primeiro caso (interceptação executada à revelia de ambos os interlocutores), em interceptação stricto sensu e, no segundo caso (interceptação conhecida e consentida por um deles), em “escuta telefônica”, em ambos os casos a terzietá (terceiros para o direito italiano – elucidação nossa), e tratar-se á de interceptação submissível à lei.”
A modalidade da escuta telefônica (onde um dos interlocutores sabe que está sendo gravado por terceiro) causa certa celeuma, sendo que Luiz Flávio Gomes (1996, p. 96) afirma que esse tipo de interceptação lato sensu é disciplinada pela lei disciplinadora do tema (Lei 9296/96), com Vicente Greco Filho (1996, p. 6) discordando, afirmando que cabe ao julgador analisar, sua possibilidade, caso a caso.
Se forem seguidos os ditames legais (no caso a Lei 9.695/96), a interceptação será meio de prova lícito ao processo penal.
Diferencia-se da interceptação, a gravação ambiental, que consiste na gravação da conversa por um dos interlocutores. Tal modalidade não está legalmente disciplinada e sua utilização dependerá da verificação, em cada caso, se foi obtida, ou não, com violação da intimidade do outro interlocutor e se há justa causa para a gravação (GRECO FILHO, 1996, p. 7).
É possível se inferir, em suma, o seguinte:
a) Interceptação em sentido estrito, que é a captação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores (CAPEZ, 2007).
b) escuta telefônica, que é a captação da conversa com o consentimento de apenas um dos interlocutores (a polícia costuma fazer escuta em casos de seqüestro, em que a família da vítima geralmente consente nessa prática, obviamente sem o conhecimento do seqüestrador do outro lado da linha). (CAPEZ, 2007)
c) gravação ambiental é aquela onde um dos interlocutores utiliza de uma escuta no ambiente da conversa para gravá-la. (CAPEZ, 2007)
Destas modalidades, a que está abarcada de maneira tranqüila na Lei 9.296/96, é a interceptação em sentido estrito, dependendo as outras (para serem utilizadas como prova) de circunstâncias do caso concreto. Destarte, é de grande importância a diferenciação entre os institutos que existem dentro da interceptação telefônica, uma vez que dentre os três institutos acima analisados, somente a interceptação em sentido estrito é objeto da Lei 9.296-96 (SILVA, 1999), sendo que existe um vácuo legislativo neste sentido, sendo que a tendência é a de aceitação, por parte dos Tribunais, da escuta e da gravação, dentro da proporcionalidade[1].
1.2. COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA
A interceptação será realizada sobre uma comunicação telefônica. Comunicação telefônica esta, que absolutamente pode tratar-se de comunicação através de informática e telemática. O festejado professor Guilherme Nucci (2008) afirma que havendo finalidade de apuração de crime, com autorização judicial, é válida a interceptação de comunicação telefônica efetuada por esses meios.
Difere desta opinião o renomado autor Vicente Greco Filho (1996. p. 11), que interpreta de maneira literal a norma constitucional autorizadora de interceptações e conclui pelo seu não estendimento a comunicações informáticas e telemáticas.
Entende a melhor doutrina, como a dos mestres Luiz Flávio Gomes e Nucci, que é plenamente possível a interceptação de comunicações telemáticas e informáticas, além de que não há dúvidas que essa é a posição dentro dos Tribunais, como por exemplo no HC 10.026-SC/STJ[2].
Agora, após a conceituação das modalidades de interceptação, podemos adentrar a regulamentação jurídica dos mesmos.
1.3. DIREITO À PROVA
Prova deriva-se do latim proba, significando o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo Magistrado, ou por terceiro (peritos), que tem como objetivo convencer o juiz acerca de alguma coisa (CAPEZ, 2009, p. 297). Consistiria, então, a prova, na demonstração de existência ou veracidade, fundamentada em certo direito que se alega (SILVA, 2005, p. 1125).
O direito à produção da prova é garantia derivada do devido processo legal, tratando-se de verdadeira garantia constitucional. As provas produzidas no processo são o que leva o julgador ao mais prudente julgamento da lide. Para que o Magistrado declare se alguém receberá ou não, uma sanção de natureza penal deve estar o mesmo convencido de tal, sendo que seu convencimento se dará por meio da prova.
Cintra, Dinamarco e Grinover (2005) pontuam que toda pretensão prende-se a algum fato, sob a qual é fundamentada. Portanto cabe ao autor da demanda jurisdicional provar a ocorrência do fato que embasa seu pedido, qualificando-o juridicamente e dessa afirmação extraindo as conseqüências jurídicas que resultam no seu pedido de tutela estatal.
O direito à prova tem íntima conexão com o direito de ação e com o direito de defesa. Seria inútil para ambas as partes levarem ao Juiz suas súplicas sem que houvesse chance destes provarem suas afirmações (FERNANDES, 2000, p. 67).
Em regra, o ônus de provar será de quem alega. No caso do processo penal, na grande maioria das vezes, o autor será o Ministério Público, sendo que a este caberá provar que o acusado foi, de fato, o efetivo autor daquele delito a ele imputado.
1.3.1. Provas Ilegítimas e Ilícitas
Diz a boa doutrina que se for ferida uma norma de natureza processual quando produzida a prova, será esta considerada ilegítima. Caso como o de apresentação de documentos ao Plenário do Júri que não foram juntados com três dias de antecedência
Nuvolone (apud GRINOVER, 1982, p. 97) assevera, a respeito das provas ilegítimas:
“A proibição tem natureza exclusivamente processual, quando for colocada em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo; tem pelo contrário as provas ilícitas, natureza substancial, quando embora servindo mediatamente também os interesses processuais, é colocada essencialmente em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo.”
De mais interesse neste trabalho são as provas ilícitas, que são as normas produzidas em desacordo com o direito material.
Capez (2009, p. 74) conceitua o que seria a prova ilícita:
“Quando a prova for vedada, em virtude de ter sido produzida com afronta a normas de Direito Material, será chamada de ilícita. Desse modo serão ilícitas todas as provas produzidas mediante a prática de crime ou contravenção, as que violem normas de Direito Civil, Comercial ou Administrativo e aquelas que afrontem princípios constitucionais.”
Muitas vezes alega-se que as interceptações telefônicas são ilícitas, por falta de fundamentação do Magistrado, por ter se interceptado o defensor do réu, ou até por ter se incorrido nos crimes do art. 10 da Lei.
Grinover, Scarance e Gomes Filho, criticam que o princípio da verdade material havia passado a ser a busca, por parte de Magistrado, de obter a condenação, em detrimento do devido processo legal e das provas licitamente obtidas. Reflete-se que a verdade material não pode ser obtida a qualquer custo, e que deve ser seguido um rito válido (FERNANDES; GRINOVER; GOMES FILHO, 2001, p. 132).
É pacificado hoje, que as provas ilícitas, por mais importantes e/ou pertinentes que sejam, não se prestam ao processo penal. Scarance, porém, esclarece que não se podem descartar, de plano, as provas ilícitas. Em primeiro caso, se esta for pro reo[3] e em segundo caso sob a égide e análise do princípio da proporcionalidade.
1.3.2. Das Provas Ilícitas Por Derivação
Questão de manifesta importância hodiernamente. As provas ilícitas por derivação são aquelas a que se chegou após um início probatório ilícito. Exemplifica-se com uma confissão mediante tortura, onde o autor do delito aponta quem foi seu comparsa.
A posição mais garantista originou-se da Suprema Corte Estadunidense, com a teoria dos frutos da árvore envenenada, segundo a qual o vício da planta se estende a todos os seus frutos, tornando imprestáveis as provas lícitas obtidas por derivação de ilícitas.
O mestre Scarance (2000) aponta que posição assaz rigorosa nesse sentido (inadmissibilidade total das provas ilícitas) não se mostrou inteiramente adequada. Já se ventilou a hipótese de pessoas ligadas a organização criminosa, até mesmo policiais, poderem forjar uma prova ilícita, para, com isso, impedir o sucesso de investigação em andamento. Desta feita, tudo que viesse a ser depois obtido seria considerado ilícito.
Há mitigações quanto à teoria dos frutos da árvore envenenada a saber, a attenuation doctrine (RAMOS, 2006), inevitable discovery e a independent source. A última trata de relação muito tênue entre a prova ilícita e a sua derivada, sendo que a Justiça Pública chegaria a tal prova (em tese) mesmo sem a prova ilícita. A segunnda se a prova ilícita derivada poderia ter sido descoberta de qualquer maneira (FERNANDES; GOMES FILHO; GRINOVER, p. 138). Já a doutrina da atenuação prescreve que a ilegalidade original de uma prova se transmite a outra, contudo a prova posterior tem sua ilicitude atenuada, podendo até tornar lícita a prova, dependendo da atenuação (RAMOS, 2006, p. 124).
Ou seja, não funciona de maneira estanque o sistema dos frutos da árvore envenenada. Em determinados casos, com base no princípio da proporcionalidade, pode-se considerar que a prova ilícita valerá.
Posicionamento dissonante é do membro do Ministério Público do Estado de São Paulo Fernando de Almeida Pedroso (2001, p. 413), que assevera:
“Revelando a prova um conteúdo verdadeiro e trazendo a vislubre a verdade real, merece o réu a condenação com fulcro nessa prova, se seu teor lhe é desfavorável. E, de outro lado, determinada a autoridade autora da violação dos direitos do acusado, e que trouxe a berço a prova ilícita, merecerá ela a devida punição pelo ilícito penal eventualmente cometido.”
No mesmo norte, o ex-presidente da mais alta corte brasileira, Ministro Cordeiro Guerra (apud PEDROSO, 2001, p. 412) aduzia que entre os direitos humanos não se encontrava o direito de ficar impune pelos delitos cometidos, ainda que provados doutra maneira no processo, apenas porque o agente público agiu com excesso no cumprimento de seu dever legal e deva ser responsabilizado.
Por óbvio que restou superado pela jurisprudência do Supremo o entendimento de Pedroso e de Cordeiro Guerra, consagrando assim o entendimento dos mestres Scarance, Grinover e Gomes Filho, entre outros. Pode-se citar como exemplo o HC 80949-RJ, julgado no Excelso Pretório.
1.3.3. Direito À Prova Por Interceptação
Sabendo-se da dificuldade de encontrar provas contra os membros do crime organizado, a interceptação telefônica mostra-se muitas vezes como o único meio possível de prova contra tais organizações. Em inferioridade numérica e financeira, a Polícia e o Ministério Público travam batalha inglória contra a criminalidade. Na esteira das polêmicas do ano de 2008, vem o legislador buscando tornar ainda mais exceção a interceptação telefônica e a produção de provas pelo Estado.
A finalidade da interceptação, como se denota no art. 5º, XII da Constituição Federal, é a produção de prova, seja em instrução penal ou investigação criminal, com o intuito de se afastar o princípio da presunção da inocência (CERVINI; GOMES, 1997, p. 116). A interceptação é feita de maneira cautelar, tratando-se de medida de coação realizada resultando numa apreensão imprópria (CERVINI; GOMES, 1997, p. 116).
Em suma, a interceptação telefônica é meio de prova, em regra por parte do Estado, que se concretiza numa gravação ou transcrição e tem como objetivo participar do convencimento do Magistrado quanto à culpabilidade[4] de um agente.
2.4. DOS PROCEDIMENTOS DA LEI 9.296/96
2.4.1. Da Legitimidade Para Requerer e Deferir
A legitimidade para requerer está caracterizada no art. 3º da Lei 9.296/96 que estabelece que a interceptação telefônica poderá ser determinada mediante requerimento da autoridade policial (em sede de investigação criminal) ou por membro do Ministério Público durante investigação criminal ou para instrução processual penal. Note-se que só é possível o pedido de interceptação se o crime for apenado com pena de reclusão (em que pese a infeliz redação negativa constante no art. 2º da citada Lei).
Com base, entre outros, no princípio do juiz natural (artigo 5º, XXXVII) é patente que a medida interceptatória não pode ser realizada de ofício, nem pela Polícia e nem pelo Ministério Público.
Há divergência doutrinária acerca da possibilidade da decretação de ofício pelo juiz. O membro do Ministério Público Polastri Lima (apud CERVINI; GOMES, 1997, p. 198) afirma:
“Na fase inquisitorial ou investigatória só poderá (o juiz) atuar em medida cautelar requerida pelas partes, e outra conclusão faria incidir a lei em flagrante inconstitucionalidade, tornando-a conflitante, por outro lado, com o sistema acusatório abraçado pelo sistema processual pátrio.”
Luiz Flávio Gomes também pensa de maneira semelhante, dizendo que a Constituição Federal colocou os limites da atuação do Magistrado ao inúmeras vezes utilizar a palavra jurisdição, que classicamente possui o sentido de ‘dizer o direito’.
De maneira contrária entende Paulo Rangel, que entende ser possível sim, a decretação de ofício da interceptação, fundamentando-se no princípio da verdade real e do livre convencimento (RANGEL, 1997). Também partilha do mesmo entendimento Guilherme de Souza Nucci.
Resta cristalino que dentro do atual modelo processual penal brasileiro, medida tal qual a de interceptação que envolve a violação da garantia à intimidade, se realizada de ofício, em razão da violação do sistema acusatório (que prevê que o juiz receba as provas de maneira absolutamente imparcial) viola a Carta Magna.
A legitimidade para requerimento da interceptação, em regra, é da Polícia Judiciária (em sede de investigação criminal) ou do Ministério Público em sede de investigação criminal e/ou instrução processual penal.
Em caso de ação penal privada a lei silenciou. Porém, sabendo que no caso da ação penal privada o titular da ação penal é o querelante, por uma questão de lógica, seria justo pensar que este seria legitimado a requerer perante o Magistrado.
Quanto à possibilidade do assistente de acusação habilitado nos autos requerer a interceptação telefônica, o entendimento é negativo, da doutrina majoritária. Entende-se que, nos moldes do art. 271 do CPP, pode o assistente propor meios de prova à autoridade policial ou ao Ministério Público, todavia não é legítimo para fazer o pedido de interceptação.
2.4.2 Do Requerimento
O procedimento se inicia com o requerimento, ou pela autoridade policial ou pelo Ministério Público. Em caso de instrução processual penal, o contraditório é diferido, uma vez que, por óbvio, haveria perda do objeto quando da ciência ao defensor do réu.
O requerimento deverá descrever com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a identificação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada (GRECO FILHO, 1996, p. 29).
Tratando-se de medida cautelar, necessários se fazem a demonstração do fumus boni juris e do periculum in mora. Tal como se lê nos artigos 2º e 4º da Lei em comento. O fumus boni juris se mostra presente com a demonstração, por parte do subscritor do pedido, seja ele Delegado ou Promotor de Justiça, dos indícios de autoria por parte do interceptado. O periculum é mostrado através da impossibilidade da produção de outro tipo de prova, tornando a interceptação o único recurso contra aquele acusado. Nota-se também que por ser requisito a impossibilidade da produção de outra prova, torna a interceptação a exceção e nunca a regra.
Também é necessário, para que se proceda à interceptação, que o crime seja apenado com reclusão. Inúmeros doutores criticam essa limitação, havendo críticas no sentido de que crimes que podem ser consumados pelo telefone, não são apenados com reclusão (crime de ameaça, crime de injúria perpetrado pelo telefone), inviabilizando assim, a interceptação em casos onde seria plenamente necessária.
Sobre isso, Vicente Greco (1996, p. 15):
“A possibilidade de interceptação telefônica com relação a todos os crimes de reclusão precisa ser restringida, porque muito ampla. Há muitos crimes punidos com reclusão que, de forma alguma, justificariam a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, considerando-se especialmente o “furor incriminatório” de que foi tomado o legislador nos últimos anos, e, em muitos casos, a desproporcionalidade da pena cominada.”
Nucci (2008, p. 727) lembra que a jurisprudência vem procurando resolver a celeuma ao autorizar a interceptação em crimes apenados com detenção, desde que estes sejam conexos aos de reclusão [5].
2.4.3. Deferimento e Interceptação
A decisão do magistrado acerca do pedido de interceptação deverá ser dada num período de até 24 horas, fundamentadamente. Em caso de renovação da interceptação, é defeso ao juiz apenas deferir a medida, sendo necessária fundamentação, mesmo que exígua (em razão da já anterior manifestação). Após o deferimento por parte do magistrado, será iniciada a interceptação, com a Polícia Judiciária e o Ministério Público atuando, lado a lado.
No art. 6º da Lei 9.296/96, há certo debate acerca da obrigatoriedade ou não da gravação da conversa interceptada. Nucci entende que é facultativa, sendo apenas obrigatória a degravação (transcrição por escrito). Este, todavia, é um entendimento isolado, sabendo-se que toda a doutrina entende de maneira contrária. Não poderia ser diferente, em vritude do valor menor que seria dado à uma prova que não contém corroboração, uma transcrição sem o acesso à coisa transcrita. Todavia, para arrepio da lógica e da celeridade processual, no mesmo art. 6º, só que em seu 2º parágrafo, a citada lei dispõe sobre a obrigatoriedade das transcrições. A respeito disso, a jurisprudência do STJ já manifestou-se, autorizando a não-degravação quando a interceptação tiver volume excessivo[6]. O Superior Tribunal de Justiça entendeu de maneira perfeita. Imaginemos interceptações contra organizações criminosas envolvidas no tráfico de entorpecentes, com dezenas de telefones interceptados e de uma complexidade imensa. A mão-de-obra empregada para transcrever as gravações, tornaria inviável a produção da prova, sendo que por fim acabariam as autoridades por desistir das interceptações por pura impossibilidade fática.
Caso indeferido o pleito para interceptação, o recurso cabível, por parte do Ministério Público é o de apelação, nos termos do art. 593, II do Código de Processo Penal.[7]
O auto circunstanciado, citado no art. 8º § 2º da Lei em estudo, serve também como meio de prova, uma vez que resume as operações realizadas (exemplificando: o tempo gasto na diligência, o telefone interceptado, um resumo da conversa, etc).
2.4.4. Do Encontro Fortuito
Encontro fortuito, nas palavras de Damásio de Jesus (1997) é o que acontece quando ocorre conhecimento fortuito de outro crime, novação do objeto da interceptação ou resultado diverso do pretendido.
Imagine-se que foi decretada a interceptação de comunicações telefônicas de Caio, suspeito de ser o chefe de uma quadrilha especializada na prática de roubos. No transcurso da captação telefônica surgem outros fatos de importância penal, que diferem do objeto primário da investigação. Estes fatos envolvem Caio e outros, ligados ao delito de roubo investigado. Poderia também aparecer outros envolvidos em fatos em todo diversos do investigado. Estes seriam exemplos do encontro fortuito. A questão é: qual a validade de tais provas?
O entendimento doutrinário é controverso. Damásio (1997) entende pela invalidade total. Marcelo Leal (2008) [8], causídico paranaense, entende que no caso de encontro fortuito, sempre deve ser iniciada nova investigação através de notitia criminis. Vicente Greco Filho que é válida a prova obtida pelo encontro fortuito, desde que conexa com a infração sob investigação. Em caso de o encontro fortuito topar com infrações diversas da investigada (quadrilha especializada em extorsão mediante seqüestro é interceptada e discorre sobre roubo a banco) o entendimento do Professor da Faculdade de Direito da USP é também pelo aceite da prova, desde que o crime seja apenado com reclusão, nos termos do art. 2º, III da Lei 9.296/96. Luiz Flávio Gomes[9] entende pela validade somente no encontro fortuito em que o crime seja conexo, comungando do entendimento de Vicente Greco, salientando que deverá ser elaborada notitia criminis[10]. Façamos nossas as palavras de Grinover (2007, p. 188):
“Outra questão que tem sido levantada diz respeito à possibilidade de aproveitamento de prova conseguida por meio de interceptação em relação a pessoa não mencionada na autorização judicial. Aqui a solução deve ser no sentido da admissão dos elementos obtidos, desde que ligados ao fato que está sendo investigado, até porque o mencionado parágrafo único do art. 2º admite a autorização mesmo nos casos em que não tenha sido possível a indicação e qualificação dos investigados.”
O ilustre constitucionalista gaúcho Lênio Streck (2001, p. 123-124) entende da matéria de maneira interessante:
“Trata-se da “prova diversa daquela autorizada e colhida durante a interceptação. Imagine-se que o juiz autorize a interceptação a respeito da prática de tráfico de entorpecentes e, durante a operação, descobre-se a ocorrência de um delito de homicídio. Interpretação mais rigorosa da lei não permitiria que se utilizasse a prova obtida, porque não inserida no âmbito da autorização judicial”. Para responder a essa indagação, duas questões devem ser examinadas: se o homicídio descoberto está dentro de uma cadeia de fatos atribuídos ao(s) autor(es) cujas comunicações telefônicas foram interceptadas, parece não haver problema na utilização da prova. Isto porque, embora o parágrafo único do art. 2º exija a descrição com clareza da situação objeto da investigação, é evidente que essa exigência objetiva evitar devassas na intimidade de pessoas sem que haja fatos concretos a investigar. Ou seja, o objetivo da Lei é evitar que se faça autorizações “no atacado”, para tentar descobrir delitos e autores “no varejo”. Há de se ter claro, porém, que na investigação de grandes quadrilhas é impossível que todas as situações concretas sejam especificadas no pedido de “escuta”. O mesmo se diga a respeito da investigação de grandes fraudes fiscais, em que outros delitos como corrupção, falsidade etc., poderão ser descobertos mediante os dados recolhidos na escuta.”
O jovem processualista Nucci entende que como já foi realizada violação do direito à intimidade, nada mais que óbvio utilizar-se da prova encontrada para continuar a investigação.
Em memorável voto, o Min. Felix Fischer atacou a questão, decidindo, ultimamente, que se no encontro fortuito, a infração citada ainda não foi cometida, a prova é válida. Em relação à infração pretérita, com base no HC-STF 83.515-RS, o entendimento é que somente é lícita a prova em caso de crime conexo.
Veja-se o corpo do voto:
“Analisando, contudo, especificamente a hipótese dos autos, tenho que, em princípio, havendo o encontro fortuito de notícia da prática futura de conduta delituosa, durante a realização de interceptação telefônica devidamente autorizada pela autoridade competente, não se deve exigir a demonstração da conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, a uma, porque a própria Lei nº 9.296/96 não a exige, a duas, pois o Estado não pode se quedar inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado e, a três, tendo em vista que se por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita. A discussão a respeito da conexão entre o fato porquanto que concerne as infrações futuras o cerne da controvérsia se dará quanto a licitude ou não do meio de prova utilizado e a partir do qual se tomou conhecimento de tal conduta criminosa.”
Coaduna-se com tal entendimento. Em suma, o que a jurisprudência dos Tribunais Federais diz: encontro fortuito de infração penal já ocorrida, somente pode ser utilizado como meio de prova se houver conexão (ou continência); se o crime for futuro, prova inteiramente válida.
2.4.5. Do Prazo Para Interceptação
O prazo para interceptação é questão em voga no mundo jurídico nacional, sabendo que na imensa maioria das operações de grande porte deflagradas pela Polícia Federal o principal meio de prova são as interceptações telefônicas. São exemplos recentes as “Operação Narciso”, que levou à prisão pessoas ligadas à empresa Daslu, “Operação Cevada”, que prendeu representantes da Schincariol, “Operação Confraria”, com a prisão, dentre outros, do ex-Prefeito de João Pessoa/PB, Hurricane: venda de sentenças judiciais favoráveis aos jogos ilegais, Sanguessuga: compra superfaturada de ambulâncias com dinheiro público, “Anaconda”, venda de sentenças judiciais, “Pandora” extorsão de empresários, “Vampiro”, fraude em licitação de hemoderivados
Face tantas operações, houve certo esperneio por parte da mídia e da classe da advocacia em relação aos grandes prazos em que havia violação da intimidade dos particulares. Afinal, seria realmente válido devassar, em alguns casos por anos, a intimidade das pessoas, mesmo que o fim fosse uma sociedade hígida e segura?
A celeuma era grande. De um lado delegados e promotores; do outro, os advogados e grande parte da mídia.
A doutrina dividia-se. Damásio de Jesus, Vicente Greco Filho, Ada Grinover, Antonio Scarance e Luiz Flávio Gomes posicionavam-se a favor de prorrogações ilimitadas enquanto doutores como Paulo Napoleão Quezado, Clarisier Cavalcante e Altamiro Lima Filho.
As discussões ferviam, sendo a questão resolvida em espetacular debate no Excelso Pretório pelo HC 83.515-RS, relatado pelo Min. Nelson Jobim, vencido Min. Marco Aurélio, em que foi considerada legal a renovação da interceptação por mais de uma vez.
Pede-se vênia aos Ministros. Em que pese haja obscuridade na redação do art. 5 da Lei 9.296-96, e essa obscuridade é notória, não é crível tal debate, não na realidade brasileira, não na realidade atual. Por óbvio que o nosso sistema penal é garantista e que a interceptação é a exceção, sempre. Contudo, frente à complexidade dos delitos e das organizações criminosas, que têm braços em dezenas de países, em todas as esferas da Federação, além de um sem-fim de recursos ilícitos visando ao crime, parece irresponsável a discussão acerca de limitação ao prazo da interceptação.
Suponha-se que, sim, fosse admitido o limite de quinze dias renováveis apenas uma vez. Impossível seria a investigação de crimes complexos, uma vez que o tempo se esvairia e as conclusões ficariam comprometidas. Aliás, em 2008, ocorreu esdrúxulo julgamento pelo STJ de causa semelhante (HC 76.686-PR), sendo que o rel. Min. Nílson Naves, de maneira incompreensível, fez interpretação gramatical do art. 5 da Lei de Interceptação Telefônica, mudando seu anterior entendimento, para que fosse limitado o número de de interceptações. Tudo isso e mais, sendo que fez uso de uma entrevista do Presidente do Supremo Tribunal Federal perante a Revista Veja para embasar seu voto.
Afortunadamente, o Supremo Tribunal Federal ainda não mudou seu entendimento e o prazo para interceptação continua renovável por mais de uma vez, por ora.
2.4.6. Dos crimes da Lei de Interceptação Telefônica
Em se tratando de regime de absoluta exceção, o legislador, para inibir a violação da intimidade do particular entendeu por criminalizar certas condutas afetas ao regime de interceptação previsto na lei.
O bem da vida tutelado nos crimes do art. 10 é, indubitavelmente, a intimidade. Tanto no crime de interceptação ilícita, tanto no de divulgação ilícita do conteúdo da interceptação. O bem jurídico primordial tutelado no art. 10 é a liberdade de comunicação telefônica ou telemática, que é a expressão do direito à privacidade (CERVINI; GOMES, 1997).
Contrasta o crime de interceptação ilegal previsto no art. 10, com a previsão da interceptação autorizada judicialmente no art. 2º. A previsão legal do art. 2 torna o fato atípico.
Acerca do verbo núcleo do tipo lemos Nucci (2008, p. 735):
“Há duas condutas criminosas: a) realizar (efetuar, concretizar) interceptação (intromissão em comunicação alheia, com o fito de colheita de informes, registrados ou não). Os objetos de interceptação são a comunicação telefônica (conversação mantida por telefone), comunicação telemática (conversação mantida pelo computador, fazendo uso de outros meios, formando um conjunto, como ocorre com o modem) e comunicação de informática (conversação mantida por meios de computador, como ocorre em sites específicos para a comunicação, desvinculando-se o mecanismo de transmissão de dados da linha telefônica; b) quebrar (violar, romper) é a segunda conduta, cujo objeto é o segredo da justiça (situação sigilosa concernente à Justiça, entendido o termo no sentido amplo, ou seja, investigação ou processo). As duas partes ligam-se à inexistência de autorização judicial ou a propósitos não permitidos por lei. Torna-se, pois atípica a conduta daquele que realiza a interceptação telefônica em decorrência da autoridade judiciária competente e a concretiza com o objetivo de investigar um crime ou instruir um processo penal.”
Considera-se cristalino que o art. 10 da Lei em comento derrogou a parte final do inc. II do art. 151 do Código Penal[11]. Outra mudança neste sentido é que os crimes do art. 10 se aperfeiçoam com a mera interceptação, diferentemente do art. 151, II do CP, que necessitava que a interceptação fosse divulgada.
Quanto ao sujeito ativo dos delitos há certa controvérsia. Damásio de Jesus, Vicente Greco Filho, Fernando Capez (2006), Luiz Flávio Gomes e Ada Pelegrini Grinover entendem que o crime de divulgar material que era segredo de justiça é crime próprio. Lendo Damásio (1998):
“Na primeira parte da norma incriminadora, que descreve a interceptação, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo (crime comum). Na segunda figura típica, que define a quebra de segredo, o delito é próprio, só podendo ser cometido por quem tem obrigação de guardar sigilo: Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Delegado de Polícia, defensor, agente da concessionária de serviço público, escrivão ou escrevente (art. 7 desta lei). Nesse caso, o crime do art. 10 absorve o delito de violação de sigilo funcional (Código Penal, art. 325).”
Solitariamente, Nucci (2008, p. 736) entende que qualquer pessoa pode invadir um ofício judicial, coletar o apenso onde se encontram os dados coletados pela interceptação e deles tomar conhecimento, divulgando-os a terceiro. Parece que a melhor doutrina é a do professor da PUC-SP, que os dois crimes são comuns, apesar de em regra, o de divulgação de matéria que está segredada, ser crime próprio àqueles que trabalham junto ao Judiciário.
Outrossim, são crimes eminentemente dolosos, admitindo o dolo eventual, além da co-autoria e participação (GRECO FILHO, 1996, p. 44). As penas são duras (reclusão de dois a quatro anos, além de multa), considerando-se que no art. 151, II a pena era de um a três anos, o legislador optou por dar mais ênfase ao direito à intimidade.
CONCLUSÃO
Diante da abordagem realizada, foi possível vislumbrar a evolução histórica do regime das interceptações telefônicas, no Brasil e fora dele, e do direito à intimidade. Inicialmente não havia regulamentação legal em nosso ordenamento jurídico, todavia hoje a intimidade da comunicação telefônica é garantida constitucionalmente.
Ademais, analisou-se o corpo da Lei 9.296/96, que por menor que seja, tem vários institutos e interpretações dissonantes dentro da literatura penal e processual penal brasileira. À luz da jurisprudência e da melhor doutrina foi realizado um breve olhar sobre esta lei, para que o leitor pudesse aprofundar seu conhecimento sobre a temática.
Sabendo-se da necessidade atual que detém o Poder Público de desmontar as grandes organizações criminosas, faz-se mister o uso de interceptações telefônicas para que tal objetivo seja concretizado. Porém, tal invasão pública do privado não vem sem advertências, que é a de ser a interceptação telefônica realizada apenas em situações extremas.
Advogado no Paraná; bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina – UEL; Pós-graduando em Direito Penal pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná – FEMPAR
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