Resumo: Este trabalho discute o critério de consideração do voto de abstenção, por meio do qual, representantes eleitos optem por não participar de um procedimento de aprovação normativa do qual os elegemos para participar, provocando um contra censo no entendimento eleitoral e legislativo procedimental adotado em nosso país, além de ultrajar a racionalidade que o Estado Democrático de Direito reivindica.
Palavras-chave: Cidadão; Estado Democrático de Direito; processo legislativo; voto de abstenção.
Abstract: This paper discusses the criteria for consideration of abstention, whereby elected representatives choose not to participate in a procedure for regulatory approval of which elect to participate, provoking a counter census in understanding electoral and legislative procedural adopted in our country, and outrage rationality that democratic state claims.
Keywords: Citizen; democratic state; legislative process; abstention.
Sumário: 1 Introdução. 2 A separação dos poderes. 3 O poder legislativo na Constituição Federal de 1988. 4 Os procedimentos legislativos no Brasil. 4.1 Espécies de procedimentos legislativos. 4.2 O procedimento legislativo ordinário. 5 O voto de abstenção e os seus reflexos. 6 Considerações finais. 7 Referências.
1 Introdução
O artigo 2º da Constituição Federal de 1988 (CF/88) consagra a separação de poderes quando relata serem poderes da união, independentes e harmônicos entre si, o legislativo, o executivo e o judiciário.
Por força do dispositivo, atribui-se ao poder legislativo, a tarefa de criar leis, a fim de regular a vida em sociedade, com vistas ao alcance das finalidades do Estado, com ênfase no bem comum.
Para que o poder legislativo crie referidas espécies normativas, há que se seguir alguns procedimentos previstos em lei, seja na esfera federal, estadual, distrital e/ou municipal.
Esses procedimentos possibilitam que o legislador abstenha-se de votar, sendo a abstenção, todavia, computada para efeitos de quorum. A prática (abstenção de voto parlamentar) é corriqueira no cenário nacional, ensejando, sem sombra de dúvidas, variados prejuízos ao cidadão.
Por meio deste trabalho visa-se analisar no que consiste o voto de abstenção e os reflexos sociais da sua ocorrência, à luz do princípio da separação dos poderes e à função legislativa.
Para tal, discorre-se, primeiramente, sobre a separação dos poderes (tripartição de poderes), quando se pretende demonstrar tratar-se de um princípio fundamental da democracia moderna, visando impedir a concentração absoluta do poder nas mãos de um único centro de poder, por meio da qual (separação de poderes) se destina as funções do Estado a órgãos distintos e especializados (ainda que em tese) na sua consecução.
Posteriormente, fala-se sobre o poder legislativo à luz da Constituição Federal de 1988, momento em que se promove uma reflexão acerca da composição legislativa brasileira, bem como sobre a sua representação.
Em ato contínuo trabalham-se os procedimentos legislativos adotados em nossa pátria, quando se identifica tratarem-se dos procedimentos legislativos ordinários, sumário e especial.
Em momento posterior, traz-se à baila, o procedimento legislativo ordinário, afeto à criação das leis ordinárias, trabalhando-se, ademais, o voto de abstenção a ele inerente e os males sociais que causa.
Por derradeiro, desenvolve-se a ideia de que o voto de abstenção demonstra-se incompatível com entendimento eleitoral e legislativo procedimental adotado em nosso país, além de ultrajar a racionalidade que o Estado Democrático de Direito reivindica.
2 A separação dos poderes
A sociedade civil compreende uma multiplicidade de grupos sociais e indivíduos, os quais o poder político coordena, com vistas à efetivação dos ideais coletivos e individuais que o Estado, ainda que em tese, visa realizar.
Para a efetivação destes ideais, o Estado deverá fazer uso das funções legislativa, executiva e judiciária, as quais, ao longo da história, foram desempenhadas por uma única pessoa ou órgão, ou por variados órgãos.
A separação de poderes (tripartição de poderes), princípio fundamental da democracia moderna, visa impedir a concentração absoluta do poder nas mãos de um único centro de poder.
Esse modelo de separação dos poderes, adotado nos dias atuais, foi inspirado em Montesquieu, para quem as funções do Estado (legislativa, executiva e judiciária) estariam intimamente atreladas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si, diversamente de Aristóteles, para quem as funções do Estado eram concentradas na figura do soberano.
Nesse sentido, afirma Pedro Lenza:
“As primeiras bases teóricas para a “tripartição de poderes” foram lançadas na antiguidade grega por Aristóteles, em sua obra a Política, em que o pensador vislumbrou a existência de três funções distintas exercidas pelo poder soberano, quais sejam, a função de editar normas gerais a serem observadas por todos, a de aplicar as referidas normas ao caso concreto (administrando) e a função de julgamento, dirimindo os conflitos oriundos da execução das normas gerais nos casos concretos. […] Acontece que Aristóteles, em decorrência do momento histórico de sua teorização, descrevia a concentração do exercício de tais funções na figura de uma única pessoa, o Soberano, que detinha um poder “incontrastável de mando”, uma vez que era ele quem editava o ato geral, aplicava-o ao coso concreto e, unilateralmente, também resolvia os litígios eventualmente decorrentes da aplicação da lei. A célebre frase de Luís XIV reflete tal descrição: “L’État c’est moi”, ou seja, “o Estado sou eu”, o soberano” (LENZA, 2012, p. 481).
Note-se, a separação dos poderes encontra vestígios nas obras de diversos autores pela história, sendo, contudo, definida e divulgada pelo autor em foco “O princípio da separação dos poderes já se encontra sugerido em Aristóteles, John Locke e Rousseau, que também conceberam uma doutrina de separação de poderes, que, afinal, em termos diversos, veio a ser definida e divulgada por Montesquieu” (SILVA, 2009, p. 109).
A grande inovação de Montesquieu à teoria adotada até então, sustentadora de que as funções do Estado fossem exercidas pelo soberano, foi no sentido de que essas funções devessem ser dedicadas a órgãos distintos e especializados em exercê-las (ainda que em tese), com independência.
“O grande avanço trazido por Montesquieu não foi a identificação do exercício de três funções estatais. De fato, partindo desse pressuposto aristotélico, o grande pensador Frances inovou dizendo que tais funções estariam intimamente conectadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. Cada função corresponderia a um órgão, na mais se concentrando nas mãos únicas do soberano. Tal teoria surge em contraposição ao absolutismo, servindo de base estrutural para o desenvolvimento de diversos movimentos com as revoluções americana e francesa, consagrando-se na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e Cidadão, em seu art. 16” (LENZA, 2012, p. 481).
No que concerne o Brasil, por força do art. 2º da Constituição Federal, são poderes da união independentes e harmônicos entre si o legislativo, o executivo e o judiciário.
Nesses termos, cabe ao legislativo a edição de normas gerais, abstratas e impessoais; ao executivo a resolução de problemas concretos e individualizados de acordo com as leis; e ao judiciário, aplicar o direito aos casos concretos a fim de dirimir conflitos de interesses.
Os termos independência e harmonia entre os poderes impõem a ideia da inexistência de uma relação de subordinação ou hierarquia entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, devendo cada qual exercer a sua atividade de forma horizontal, de modo que o Estado funcione na mais perfeita harmonia e atinja as suas finalidades.
Contudo, não é demais lembrar, por mais que não haja uma relação de subordinação e/ou hierarquia entre os três poderes, vige, em nosso Estado, o sistema de freios e contrapesos, traduzindo-se numa forma de controle recíproco entre os órgãos atribuídos das funções legislativa, executiva e judiciária. Por meio desse sistema, busca-se o equilíbrio necessário à realização do bem comum, evitando-se o abuso de poder de um em detrimento do outro, bem como dos governados.
3 O poder legislativo na Constituição Federal de 1988
O poder legislativo brasileiro é composto pelo legislativo federal, legislativo estadual (dos estados-membros), legislativo distrital (do distrito federal), legislativo municipal (dos municípios) e legislativo dos territórios federais, se forem criados um dia.
O legislativo federal é exercido pelo Congresso Nacional (CF, art. 44, caput) que em virtude do bicameralismo federativo, é composto pela câmara dos deputados, dotada de deputados federais, representantes do povo dos estados e do distrito federal (CF, art. 45) e pelo senado federal, compreendido de senadores federais, representantes dos estados e do distrito federal (CF, art. 46).
O legislativo estadual é unicameral, sendo exercido pela câmara legislativa estadual (assembleia legislativa), composta de deputados estaduais, representantes do povo do respectivo estado (CF, art. 27).
O legislativo distrital também é unicameral, cujo exercício se deve à câmara legislativa distrital (câmara distrital), composta de deputados distritais, representantes do povo do distrito federal (CF, art. 32, §§ 2º e 3º).
O legislativo municipal é unicameral, atribuindo-se os seus afazeres à câmara municipal (câmara dos vereadores), detentora de vereadores, representantes do povo do respectivo município (CF, art. 29).
Prepondera mencionar, se criados um dia, os territórios federais terão poder legislativo, que será exercido pelas câmaras territoriais. Contudo, como não existem territórios atualmente, não se sabe maiores detalhes a respeito, pois conforme o § 3º do artigo 33 da Constituição Federal, a lei disporá sobre as eleições para a câmara territorial e sua competência deliberativa. Essa lei ainda não foi criada, pois não há territórios, atualmente.
Após estas breves linhas acerca da composição do legislativo brasileiro, sua representação e exercício, passa-se a uma ligeira ponderação sobre os procedimentos legislativos adotados no direito pátrio e os atos por ele previstos de uma forma geral.
4 Os procedimentos legislativos no Brasil
O conceito de procedimento legislativo é apontado pela doutrina com algumas variáveis, podendo-se afirmar, em poucas linhas, tratar-se de um conjunto de atos realizados pelos órgãos legislativos visando à formação das espécies normativas constantes no art. 59 da Constituição Federal, como se visualiza a seguir:
“O processo legislativo pode ser definido juridicamente como o conjunto de normas regulatórias da elaboração de atos normativos primários. Seu objeto compreende: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, mediadas provisórias, decretos legislativos e resoluções” (CF, art. 59) (NOVELINO, 2012, p. 823).
Essas espécies normativas são conhecidas como espécies normativas primárias, aquelas que buscam fundamento de validade diretamente na Constituição.
“A Constituição Federal estabelece como espécies normativas: emenda à constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, Decretos legislativos e as resoluções. […] A enumeração do art. 59 da Constituição Federal, traz as espécies normativas primárias, ou seja, aquelas que retiram seu fundamento de validade diretamente da Carta Magna” (MORAES, 2010, p. 670).
Antes de prosseguir, fomentado os atos do processo legislativo, necessário analisar José Afonso da Silva, para quem as medidas provisórias não constavam bem como não deveriam constar da enumeração do referido dispositivo, pois a sua formação não se dá por processo legislativo. Conforme o autor: “Um gênio qualquer, de mau gosto, ignorante, e abusado, introduziu-as aí, indevidamente, entre a aprovação do texto final (portanto depois do dia 22.09.88) e a promulgação-publicação da Constituição no dia 05.10.88” (SILVA, 2009, p. 524-525).
Os atos do processo legislativo em geral são: iniciativa, instrução, discussão e votação, sanção ou veto, promulgação e publicação.
A iniciativa é o ato por meio do qual um dos legitimados constitucionalmente previstos apresenta um projeto de emenda constitucional ou projeto de lei a uma das casas legislativas, deflagrando (iniciando) um procedimento legislativo, seja ele, ordinário, sumário ou especial, conforme o caso.
Corroborando o raciocínio, Kildare Gonçalves Carvalho afirmara:
“O primeiro ato do processo legislativo é a iniciativa. A iniciativa deflagra e impulsiona o trâmite legislativo. Por meio dela o órgão legislativo competente encaminha projeto de lei, depositando-o junto a Mesa da Casa Legislativa competente (Câmara dos Deputados ou Senado Federal) objetivando sua aprovação, para afinal se converter em Lei” (CARVALHO, 2002, p. 179).
Instrução, discussão e votação, tratam-se de atos por meio dos quais as casas legislativas deliberam acerca de um projeto de emenda constitucional ou projeto de lei, elaborando pareceres, promovendo emendas e levando-os à votação.
Sanção é o ato por meio do qual o chefe do executivo manifesta a sua concordância com o projeto de lei aprovado nas casas legislativas, enquanto através do veto o chefe do executivo manifesta a sua discordância com o projeto de lei ou parte dele.
A promulgação atesta a existência da lei e garante a sua executoriedade. Por meio dela o chefe do executivo ordena a aplicação e o consequente cumprimento da lei.
A publicação (ocorre com a inserção do texto promulgado no diário oficial) é a fase derradeira do processo legislativo. Vale dizer, ato que confere obrigatoriedade à lei. Sua função é de atestar a todos que a ordem jurídica foi inovada impedindo assim, a alegação de desconhecimento da lei.
4.1 Espécies de procedimentos legislativos
Levando em consideração a sequência de fases procedimentais, o processo legislativo pode ser classificado em: ordinário, sumário e especial.
O procedimento legislativo ordinário é aquele dedicado à elaboração de leis ordinárias.
O procedimento legislativo sumário ocorre quando o Presidente da República solicita ao Congresso Nacional, urgência na apreciação de projeto de lei da sua iniciativa (art. 64, § 1º e seguintes da CF), distinguindo-se do ordinário em razão da existência de prazo.
Já os procedimentos legislativos especiais são aqueles estabelecidos para a elaboração das emendas à Constituição, das leis complementares, das leis delegadas, das medidas provisórias (conforme posição doutrinária adotada), dos decretos legislativos e das resoluções.
Sobre o tema, André Puccinelli Júnior assim discorre:
“Tendo em vista a diversidade de ritos e fases procedimentais, podemos classificar o processo legislativo em: Comum ou ordinário: é aquele estabelecido para a elaboração das leis ordinárias, apresentando-se em geral como o mais extenso e demorado de todos, posto contemplar todas as fases conhecidas (iniciativa, deliberação parlamentar, sanção ou veto, promulgação e publicação); Sumário: embora contemple todas as fases também relacionadas no processo legislativo ordinário, possui prazo constitucional determinado para a deliberação parlamentar que não poderá ultrapassar cem dias; Especial: está relacionado à elaboração das outras espécies normativas e, em geral, se distingue do processo de elaboração das leis ordinárias por dispensar alguma etapa ou formalidade nele prevista ou por contemplar procedimentos ou requisitos diferentes, que podem ser mais ou menos rigorosos. No plano federal, sujeitam-se a processos especiais as leis complementares e delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções” (PUCCINELLI JÙNIOR, 2012, p. 439-440).
Postas essas considerações, frise-se que a proposta deste trabalho compreende a análise do voto de abstenção quando do procedimento legislativo ordinário, motivo pelo qual todas as atenções concentrar-se-ão neste.
4.2 O procedimento legislativo ordinário
O processo (procedimento) legislativo ordinário destina-se à criação das leis ordinárias.
A sua iniciativa cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos (CF, art. 61), conforme o caso.
Após a iniciativa (fase introdutória), passa-se à fase constitutiva, a qual abarca a deliberação legislativa (câmara dos deputados e senado federal tem a oportunidade de instruírem, discutirem e votarem o projeto de lei), e a deliberação executiva (ocorre quando o Presidente da República sanciona ou veta o projeto de lei aprovado na deliberação legislativa).
Na deliberação legislativa, ambas as casas analisarão o projeto de lei, que passará por suas comissões de constituição e justiça e temáticas.
Por mais que a previsão do art. 64, caput da Constituição Federal não cite todos os legitimados, salvo na hipótese de projeto de lei ordinária iniciado por membro ou comissão do senado federal, a primeira câmara a instruir, discutir e votar o projeto de lei ordinária será a câmara dos deputados (câmara iniciadora ou principal), exercendo o senado federal o papel de câmara revisora.
Sobre o tema Pedro Lenza alude que:
“Para solucionar essa questão, o art. 64, caput, é expresso ao delimitar que a discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. A esse rol acrescentaríamos os projetos de iniciativa concorrente dos Deputados ou de Comissões da Câmara, os de iniciativa do Procurador-Geral da República e, naturalmente, os de iniciativa popular (art. 61, § 2º), que, como já visto, também terão início na Câmara dos Deputados, sendo esta, portanto, a Casa iniciadora e o Senado Federal, em todas as hipóteses lembradas, a Casa revisora. Assim, perante o Senado Federal são propostos somente os projetos de lei de iniciativa dos Senadores ou de Comissões do Senado, funcionando, nesses casos, a Câmara dos Deputados como Casa revisora” (LENZA, 2012, p. 568).
Assim, iniciado o projeto de lei ordinária por qualquer membro ou comissão da câmara dos deputados, pelo Presidente da República, pelo Supremo Tribunal Federal, por Tribunais Superiores, pelo Procurador Geral da República, ou pelos cidadãos, a câmara dos deputados irá instruí-lo, discuti-lo e votá-lo em 1 (um) turno, e, em aprovando-o, com ou sem emenda, enviá-lo-á ao senado federal, que fará o mesmo. Se o senado federal promover alguma emenda, somente a parte emendada será enviada novamente à câmara dos deputados para que esta aprove ou rejeite-a, sendo vedada qualquer emenda (subemenda) a esta emenda (CF, art. 65, parágrafo único).
O mesmo aplica-se se a casa iniciadora seja o senado federal, hipótese presente quando a iniciativa provier de membro ou comissão desta câmara legislativa federal.
Vale lembrar, o projeto de lei ordinária será aprovado por maioria simples (ou relativa), nos termos do art. 47 da Constituição Federal. O quorum de maioria simples é alcançado pelo primeiro número inteiro após a metade dos membros da casa legislativa presentes à sessão, desde que esteja presente, no mínimo, a maioria absoluta da casa (quorum de instalação).
Quanto ao quorum, importa apreciar Alexandre de Moraes:
“Tratando-se de lei ordinária, a aprovação do projeto de lei condiciona-se à maioria simples, dos membros da respectiva Casa, ou seja, somente haverá aprovação pela maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros, nos termos do art. 47 da Constituição Federal. Note-se que o quorum constitucional de maioria simples corresponde a um número variável, pois dependendo de quantos parlamentares estiverem presentes, este número poderá alterar-se. O que a Constituição Federal exige é o quorum mínimo para instalação da sessão. Dessa forma, presentes, no mínimo, a maioria absoluta dos membros da respectiva Casa Legislativa, o projeto de lei poderá ser posto em votação, aplicando-se como quorum de votação a maioria dos presentes. Devemos, portanto, diferenciar o quorum para instalação da sessão, do quorum de votação de um projeto de lei ordinária” (MORAES, 2012, p. 662).
A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo (concordando, anuindo), o sancionará expressamente, assinando o projeto de lei dentro de 15 dias úteis. Ou vetá-lo-á, total (estará presente quando o Presidente da República veta o projeto de lei em sua totalidade) ou parcialmente (ocorre quando o Presidente da República veta, tão somente, parte do projeto de lei), neste mesmo período, caso entenda que o projeto de lei seja inconstitucional ou contrário ao interesse público (CF, art. 66, § 1º), devendo o veto abranger, unicamente, texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea (CF, art. 66, § 2º).
Se o Presidente da República não vetar o projeto de lei dentro do prazo supracitado, bem como não sancioná-lo expressamente (assinando o projeto de lei), seu silencio importará em sanção (sanção tácita) (CF, art. 66, § 3º).
Ademais, se o Presidente da República vetar o projeto de lei, total ou parcialmente, a contar de seu recebimento, dentro de 30 dias, o veto poderá ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto (CF, art. 66, § 4º).
Não é demais lembrar, o quorum de maioria absoluta requer o primeiro número inteiro acima da metade dos membros da respectiva casa legislativa.
“Note-se que, nas votações por maioria absoluta, não devemos nos fixar no número de presentes, mas sim no número total de integrantes da Casa Legislativa. Portanto, a maioria absoluta é sempre um número fixo, independentemente dos parlamentares presentes. Por exemplo, a maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados será sempre 257 deputados, enquanto no Senado Federal será de 41 senadores, independentemente do número de presentes à sessão, pois esses números correspondem ao primeiro número inteiro subsequente à divisão dos membros da Casa Legislativa (Câmara = 513/ Senado = 81) por dois” (MORAES, 2010, p. 667).
Se o Congresso Nacional não apreciar o projeto de lei no prazo em tela, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final (CF, art. 66, § 6º).
Sendo o veto derrubado pelo Congresso Nacional, nos termos do § 4º do art. 66 da Constituição Federal, será o projeto enviado para promulgação (fase complementar) ao Presidente da República (art. 66, § 5º da CF).
Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo presidente da república, seja em virtude de sanção expressa, seja no caso de queda do veto pelo congresso nacional, o presidente do senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao vice-presidente do senado fazê-lo (CF, art. 66, § 7º).
Após a promulgação, a lei será enviada à publicação (fase complementar) no diário oficial da união.
Por derradeiro, a matéria constante de projeto de lei rejeitado (reprovado) somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa (mesmo ano legislativo regular) (CF, art. 57, caput), mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional (CF, art. 67).
5 O voto de abstenção e os seus reflexos
No ponto anterior, desenvolveu-se que no procedimento legislativo ordinário, ambas as casas do congresso nacional (câmara dos deputados e senado federal), instruirão, discutirão e votarão o projeto de lei ordinária.
Quando da fase de votação, por força de previsão regimental, os membros das referidas casas legislativas, podem abster-se de votar.
Por meio desta abstenção, o parlamentar invoca não desejar emitir a sua posição com relação ao tema objeto da votação.
Este voto de abstenção é praticado por nossos parlamentares, invariavelmente, com fulcro no § 2º do artigo 180 do regimento interno da câmara dos deputados, o qual prevê que o deputado poderá escusar-se de tomar parte na votação, registrando simplesmente abstenção, sendo a abstenção computada, conjuntamente aos votos em branco, para efeito de quorum (§ 2º, art. 183 do regimento interno da câmara dos deputados), bem como sob a égide do § 2º do artigo 288 do regimento interno do senado federal, cuja previsão aponta serem computados, para efeito de quorum, os votos em branco e as abstenções verificadas nas votações.
Percebe-se que ambas as casas legislativas utilizam procedimentos semelhantes no critério de consideração da abstenção.
Eis o ponto nuclear do problema em discussão. Para melhor identificá-lo, necessário direcionar as atenções no sentido de perceber os prejuízos que uma sociedade pode sofrer com essa prática.
A título de exemplo, não é demais lembrar, a sociedade outorgou aos representantes do poder legislativo, por meio do voto obrigatório, o exercício de criar leis para a defesa dos seus interesses.
Neste viés, a Constituição Federal estabelece que o voto seja obrigatório para os maiores de dezoito anos, e, facultativo, para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito (CF, art. 14).
Imagine-se que um cidadão, maior de dezoito anos e menor de setenta anos, alfabetizado, não participe de um procedimento eleitoral. O que ocorrerá com o este?
Neste caso, por força do artigo 7º do código eleitoral brasileiro (Lei nº 4.737/65), o eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá em multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral.
Nos moldes do mesmo dispositivo, sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; obter passaporte ou carteira de identidade; renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.
Veja-se que a lei eleitoral prevê dadas sanções para o cidadão que não vota ou justifica, bem como àquele que não apresenta a prova do pagamento da multa.
Quanto à multa, parece irrisório o seu valor (3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, mas, de uma certa forma, ao que parece, é o valor atribuído a um voto.
Levando-se em consideração a previsão Constitucional de que o poder emana do povo e é exercido diretamente ou por meio dos seus representantes (CF, art. 1º, parágrafo único), bem como a assertiva de que o cidadão elege deputados e senadores para representá-lo e fazer valer os seus interesses no parlamento federal, imagine-se que um parlamentar do Senado Federal faça a opção pela abstenção.
Tendo como base o raciocínio acima abordado quanto à multa aplicada ao cidadão que não vota e não justifica a sua ausência, multiplicando-se pelo valor do voto de cada eleitor que a ele conferiu o seu voto, não seria razoável que o parlamentar pagasse uma multa resultante dessa equação?
Certamente, os respectivos dispositivos começariam a fazer sentido, já que a recusa em participar dos procedimentos eleitoral e legislativo implicaria um valor real.
Em um Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput) que preza pela “promoção de um processo de convivência social numa sociedade, livre, justa e solidária, em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos” (SILVA, 2009, p. 119-120), é racional que o cidadão seja submetido a sanções por não praticar um ato e aquele que se propõe a fazer por ele, quando não o faz, mesmo sendo muito bem remunerado para isso, não é submetido a qualquer penalidade? É paradoxal, realmente!
Por mais que o presente trabalho se reduza à análise do voto de abstenção na esfera federal, necessário citar um exemplo merecedor de destaque no que tange ao legislativo municipal, pela incoerência que o tema proposto impõe. Isso porque naquela seara do poder legislativo, uma espécie normativa pode ser aprovada ou rejeitada com apenas um voto válido.
Nesse diapasão, interessa conferir:
“A maioria absoluta é de cinco Vereadores, o quorum de votação. Lembra Mayr Godoy o seguinte: 'Como o Presidente, em caso de maioria simples, só vota se ocorrer empate, dos cinco presentes no exemplo suscitado, votam três. A maioria poderá ser obtida com dois votos ou até mesmo com um só voto, se os outros dois se abstiverem de votar. O que a Constituição exige é que a decisão seja tomada pela maioria de votos, dentre os presentes. A abstenção não é contada como voto a favor, apenas para integrar o quorum, daí porque um só voto a favor, nenhum contra e várias abstenções podem decidir pela aprovação ou rejeição de determinada matéria'. É simplesmente cruel decidir, desse modo, por toda a comunidade. Mas teoricamente não está incorreto” (MINAS GERAIS, 2010, p. 01).
Em outro julgado, o mesmo Tribunal assim se posicionou:
“Recusa voluntária de membro de assembléia de intervir, como participante, em discussão, deliberação, decisão etc. (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, v. 1.0.7). Vê-se, dessa forma, que já sob o prisma meramente etimológico, o precedente regimental afronta, ofende e desvirtua o sentido do vocábulo "abstenção", atribuindo-lhe conteúdo e efeito jurídicos que lhe são estranhos, ao ponto de agredir o próprio vernáculo. Ratificando essa concatenação, ingressa-se na seara analógica, constatando que, nas votações, a abstenção do edil não pode significar voto contrário ou a favor de determinada matéria, cabendo sua computação apenas para efeito de quorum. Ambos os posicionamentos referiam-se a matérias que foram apreciadas em Câmara Municipais em Municípios diversos do Estado de Minas Gerais. Insatisfeito com as decisões, pelo fato da ocorrência de várias abstenções em seu procedimento de votação, os parlamentares resolveram acionar o Judiciário para impedir a criação de norma jurídica Municipal com número insignificante de votos. Ambos foram negados, inserindo o Juiz da ação uma citação da Professora Mayr Godoy, que conforme ele mesmo diz, “É simplesmente cruel decidir, desse modo, por toda a comunidade. Mas teoricamente não está incorreto." (MINAS GERAIS, 2009, p. 01).
Pense-se no quorum de aprovação de uma lei ordinária no legislativo federal.
Tanto na câmara dos deputados, quanto no senado federal, necessitar-se-á da aprovação da maioria simples, concernente ao primeiro número inteiro acima da metade dos presentes à votação, desde que dentre este número, esteja presente o quorum mínimo de instalação da sessão, ou seja, a maioria absoluta da casa (CF, art. 47).
Considerando-se que o senado federal detenha 81 (oitenta e um) membros, bem como que a sua maioria absoluta constitui-se em 41 (quarenta e um) membros, se estes 41 (quarenta e um) membros estiverem presentes à sessão (quorum de instalação consubstanciado), haverá votação. Se destes 41 (quarenta e um) membros, 40 (quarenta) se abstiverem de votar e 1 (um) membro optar pela aprovação, um projeto de lei ordinária pode ser aprovado com 1 (um) único voto, no senado federal? A evidência não seria ultrajante? O fato desperta muitas ponderações!
Tudo o que fora dito sobre o tema, leva igualmente, à análise de outra hipótese. Em tempos de mensalão, será que a abstenção não pode dar vazão à corrupção?
É totalmente possível, como se percebe pela seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal:
“Penal. Inquérito. Parlamentar. Deputado federal. Pedido de arquivamento fundado na atipicidade do fato. Necessidade de decisão jurisdicional a respeito: precedentes. Inquérito no qual se apura a eventual prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral. Atipicidade do fato. Arquivamento determinado. 1. Firmou-se a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que, quando fundado – como na espécie vertente – na atipicidade do fato, o pedido de arquivamento do inquérito exige "decisão jurisdicional a respeito, dada a eficácia de coisa julgada material que, nessa hipótese, cobre a decisão de arquivamento" (v.g., Inquéritos nºs 2.004-QO, DJ de 28/10/04, e 1.538-QO, DJ de 14/9/01, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; 2.591, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 13/6/08; 2.341-QO, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 17/8/07). 2. Comprovada a inocorrência de pagamento destinado à obtenção de voto ou promessa de abstenção, não se configura o crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral. 3. Arquivamento do inquérito, por atipicidade da conduta, ordenado” (BRASIL, 2010, p. 01).
6 Considerações finais
Após o desenvolvimento deste trabalho, percebe-se que o voto de abstenção está na contramão do Estado contemporâneo, democrático e social de direito, que prima pela consecução das necessidades individuais e coletivas com a devida racionalidade.
Vislumbrar possíveis lesões sociais com a constante prática não é comum por parte da sociedade, que em sua grande maioria desconhece as práticas legislativas brasileiras, bem como algumas de suas previsões regimentais esdrúxulas, como a objeto de discussão neste trabalho.
Pôde-se notar que, discretamente, o cidadão é vítima do procedimento aqui narrado, o qual, não raramente, ocorre nas casas legislativas brasileiras.
Desenvolveu-se que a separação de poderes visou promover uma descentralização do poder, delegando as funções do Estado a órgãos distintos, visando brecar, justamente, a arbitrariedade e o exercício do poder em proveito próprio, em detrimento da coletividade.
Diante da perspectiva, nota-se que o voto de abstenção fere, gritantemente até, a teoria abordada, pois além do parlamentar abdicar-se do exercício do poder soberano dedicado pelo povo, pode utilizar-se dessa prática para a obtenção de vantagens pessoais ou de um grupo específico.
Em última análise, notou-se que as previsões regimentais aqui discutidas possibilitam ao poder público, por meio de atos regulamentados, descumprir o propósito precípuo da existência das casas legislativas, que é produzir leis, com vistas à ordenação social e ao bem comum.
Felizmente, como tudo na vida, o sistema jurídico é mutável, havendo, desde sempre, a possibilidade de sua modificação, visando melhor atender a sociedade e os seus interesses.
Nesse sentido, defende-se a ideia de uma correção. Pressupõe-se que nenhuma casa legislativa pretenda criar dispositivos que venham a afrontar a Constituição, nossa “lei maior, a”, a “lei das leis”, o que no caso em tela não se faz valer. A inserção de critérios melhor definidos para o voto de abstenção é matéria urgente, pois a forma como ocorre atualmente, por tudo o que fora dito, afronta, cabalmente, o Estado Democrático de Direito, no qual há uma declaração (reconhecimento) e busca pela efetivação de direitos para todos, com igualdade.
Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – FADILESTE
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