Resumo: Análise acerca do entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca dos atos de aposentadoria, reforma e pensão como ato administrativo complexo ou ato administrativo composto e sua interpretação sob a ótica do ato administrativo perfeito e imperfeito.
Palavras Chave: 1. Aposentadoria, reforma e pensão; 2. Ato administrativo complexo e composto; 3. Ato administrativo perfeito e imperfeito; 3. Contraditório e ampla defesa; 4. Registro; 5. Tribunal de Contas;
Sumário: Introdução; 1. Classificação do Ato Administrativo quanto à composição da vontade; 2. Planos de Existência, Validade e Eficácia do ato administrativo; 3. Efeitos do ato administrativo; 4. Análise do ato de registro de aposentadoria; Conclusão.
Introdução
Com o franco envelhecimento da população mundial, o direito à aposentadoria começa a ser erigido, na órbita internacional, como direito humano indispensável para a garantia do mínimo existencial na velhice de forma a manter dignidade da pessoa humana quando esta, após anos de trabalho e contribuições, não mais tem condições de permanecer em atividade.
Justamente nesse sentido há uma proposta da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência à ONU de uma declaração na qual expressamente consta no art. 23 que os Estados-partes se comprometeriam a “Promover, conforme a necessidade, novo enfoque da aposentadoria que tenha por base as necessidades do empregado, e as do empregador, principalmente aplicando o princípio de políticas e práticas de aposentadoria flexível, protegendo, ao mesmo tempo, o direito adquirido das pensões”[1].
No Brasil esse direito é garantido na Constituição de 1988 para os trabalhadores da iniciativa privada em seu art. 7º, XXIV, oportunidade na qual se reconhece como verdadeiro direito social dos trabalhadores urbanos e rurais o direito à aposentadoria e, sendo direito social, integra o rol de direitos e garantias individuais revestidos do caráter de cláusula pétrea (art. 60 § 4º, IV), ou seja, é núcleo irredutível da Constituição.
Aos servidores públicos o art. 40 da Constituição garante um “regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”.
Assim, temos no Brasil de um lado o chamado Regime Geral da Previdência Social (RGPS) gerido por uma autarquia federal, o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS). De outro lado temos o chamado Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) de cada ente federativo organizado com balizas na Constituição Federal e nas leis locais que vierem a reger a matéria, geridos pelo órgão que a legislação assim determinar, em muitos casos também uma autarquia especialmente criada para esse fim.
Nesse cenário, o presente trabalho ocupa-se com o estudo específico das aposentadorias, reformas e pensões das pessoas submetidas aos regimes próprios de previdência social, em especial os servidores federais regidos pela lei 8.112/91 que, por determinação do art. 71, III, da Constituição[2] e do art. 1º, V, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 8.443/92), devem ser apreciadas pelo referido órgão de controle para fins de registro.
Impossível a essa altura continuar sem esclarecer o que seria “aposentadoria”, “reforma” e “pensão”.
A aposentadoria é um benefício previdenciário que consiste na condução do trabalhador público ou privado da atividade para a inatividade, oportunidade na qual este passa a não mais exercer o respectivo labor até então desempenhado sendo, entretanto, remunerado conforme as normas então vigentes.
Quanto à reforma, a grosso modo, nada mais é que a aposentadoria do militar que, passou da atividade para a inatividade e que não pode mais ser convocado para prestação de serviços na ativa mediante convocação ou mobilização e pelas especificidades do regime jurídico do servidor militar é tratada de modo apartado e com observância do art. 42 da Constituição.
Pensão, por sua vez, é outra espécie de benefício previdenciário que é devida aos dependentes do trabalhador público ou privado em razão da morte deste e que, para efeitos de cálculos do benefício, são utilizados os mesmos critérios da aposentadoria, nos termos do art. 74 e seguintes da Lei 8.212/91.
A posição tradicional da jurisprudência, em especial a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e repetida nos manuais de direito administrativo é que o ato administrativo de concessão de aposentadoria, que daqui em diante deve ser entendido incluindo os conceitos de reforma e pensão, é um ato administrativo classificado como complexo, ou seja, seria necessária mais de uma manifestação de vontade para o término da confecção do ato.
Em outras palavras seria dizer que após a publicação do ato de aposentação pela administração pública, enquanto o Tribunal de Contas não julgasse a regularidade do ato para fins de registro o este ainda não estaria pronto e acabado, não sendo um ato jurídico perfeito.
1. Classificação do Ato Administrativo quanto à composição da vontade
É certo que existem inúmeras classificações dos atos administrativos, mas para o propósito do presente trabalho a classificação que mais importa é sem dúvida a classificação dos atos administrativos quanto à composição da vontade produtora e, na ordem, quanto ao seu ciclo de formação.
Quanto a esse tipo de classificação a doutrina majoritária divide os atos administrativos em atos administrativos simples, complexos e compostos.
José dos Santos Carvalho Filho[3] nos diz que:
“Se o ato emana da vontade de um só órgão ou agente administrativo, classificar-se-á como ato simples, e quanto a este tipo não divergem os autores.
O problema surge quando se tem que caracterizar os atos cujo processo de formação reclama a intervenção de vontade de mais de um órgão ou agente administrativo. Apesar das divergências, parece-nos que se possam subdividir tais atos em complexos e compostos.
Atos complexos são aqueles cuja vontade final da Administração exige a intervenção de agentes ou órgão diversos, havendo certa autonomia, ou conteúdo próprio, em cada uma das manifestações. Exemplo: a investidura do Ministro do STF se inicia pela escolha do Presidente da República; passa, após, pela aferição do Senado Federal; e culmina com a nomeação (art. 107, parágrafo único, CF).
Já os atos compostos não se compõe de vontades autônomas, embora múltiplas. Há, na verdade, uma só vontade autônoma, ou seja, de conteúdo próprio. As demais são meramente instrumentais, porque se limitam à verificação de legitimidade do ato de conteúdo próprio. Exemplo: um ato de autorização sujeito a outro ato confirmatório, um visto.”
O Doutor e Promotor de Justiça paulista Wallace Paiva Marins Junior, em seu artigo Ato Administrativo Complexo[4] esclarece que:
“Em termos da teoria geral do direito, no ato complexo fundem-se diversas vontades de igual conteúdo para formação de uma vontade coletiva (e, por isso, distingue-se do contrato, pois, neste há divergência de vontades de partes reciprocamente contrapostas com o estabelecimento de direitos e deveres, enquanto naquele há convergência de vontades para produção de efeito igual e único perante terceiros sem criar direitos ou deveres entre os seus atores) para perseguição do mesmo fim, tendo sido desenvolvido seu conceito com maior profundidade no direito administrativo.
No ato composto, diferentemente, o fim e a atuação da vontade dos agentes dos vários atos têm relação de dependência e não de unidade. Vicente Ráo se baseia em lição de Francesco Carnelutti, para quem o ato complexo é o resultante da unidade de atos plurais e se divide em coletivo e composto. Segundo essa opinião, quando pluresactus vertunt in unum, a sede de coligação pode levar em consideração vários critérios (elementos fisiológicos ou teleológicos, fim ou atuação) e semelhante coligação pode consistir em identidade ou dependência do fim ou da atuação das vontades): se várias intenções tendem a um mesmo fim, há o ato coletivo; se, embora diversas as atuações ou o fim, dependem um do outro, há o ato composto. Dentre estes, situam-se os atos compostos unilaterais (a dependência do elemento teleológico se verifica em relação a algum dos atos combinados, que é o ato principal) e bilaterais ou recíprocos (correspondentes à antiga figura do contrato). Além disso, Ráo apresenta os atos de formação sucessiva que se aperfeiçoam pela verificação de outros, intercorrentes. A eficácia deste ato se adquire pela prática de todos os atos necessários à sua constituição (sucessivos e intercorrentes), retroagindo o efeito do último ato constitutivo praticado ao ato inicial, por isso denominado ato principal. Tais atos são caracterizados pela complexidade constitutiva e sucessiva (multiplicidade objetiva de vontades do mesmo ou mesmos agentes ou atos tendentes à produção do ato final visado), distinta, portanto, do ato complexo, configurado pela multiplicidade concomitante de elementos subjetivos da que emanam vontades paralelas.”
No mesmo sentido Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[5]:
“Ato administrativo simples é o que decorre de uma única manifestação de vontade de um único órgão, unipessoal (ato simples singular) ou colegiado (ato simples colegiado). O ato simples está completo com essa só manifestação, não dependendo de outras concomitantes ou posteriores para que seja considerado perfeito. Não depende, tampouco, de manifestação de outro órgão ou autoridade para que possa iniciar a produção de seis efeitos.
O principal cuidado é observar que não interessa o número de pessoas que pratica o ato, mas sim a expressão de vontade, que deve ser unitária. Portanto, é simples tanto o ato de exoneração de um servidor ocupante de um cargo em comissão (ato singular), ou a decisão de um processo administrativo de consulta, proferida pelo Superintendente da Receita Federal do Brasil (ato singular), quanto um acórdão administrativo do Conselho de Contribuintes, órgão colegiado do Ministério da Fazenda (órgão colegiado).
Ato administrativo complexo é o que necessita, para sua formação, da manifestação de vontade de dois ou mais diferentes órgãos ou autoridades. Significa que o ato não pode ser considerado perfeito (completo, concluído, formado) com a manifestação de um só órgão ou autoridade. […]
Ato administrativo composto é aquele cujo conteúdo resulta da manifestação de um só órgão, mas sua edição ou a produção de seus efeitos depende de um outro ato que o aprove. A função desse outro ato é meramente instrumental: autorizar a prática do ato principal, ou conferir eficácia a este. O ato acessório ou instrumental em nada altera o conteúdo do ato principal.”
Celso Antônio Bandeira de Mello[6], por sua vez, integra corrente minoritária, citada por José dos Santos Carvalho Filho, que não concebe a classificação dos atos administrativos como compostos, classificando-os apenas em simples e complexos.
“Quanto à composição da vontade produtora do ato
(1) Atos simples – os que são produzidos pela declaração jurídica de um único órgão. Exemplo: uma licença de habilitação para dirigir automóvel.
Atos simples podem ser simples singulares e simples colegiais.
No primeiro caso a vontade expressada no ato provém de uma só autoridade, como é corrente.
No segundo caso provém do concurso de várias vontades unificadas de um mesmo órgão no exercício de uma mesma função jurídica e cujo resultado final consubstancia-se na declaração do órgão colegial. É o caso das decisões de Comissões, Conselhos etc.
(2) Atos complexos – os que resultam da conjugação de vontade de órgãos diferentes. Exemplo: a nomeação, procedida por autoridade de um dado órgão, que deve recair sobre pessoa cujo nome consta na lista tríplice elaborada por outro órgão.”
Assim, pode-se extrair que o ato administrativo simples é aquele que se perfaz com a manifestação de um único órgão, singular ou colegiado, da administração pública, sendo exemplo desse tipo de ato tanto certidões expedidas por órgãos da administração quanto decisões administrativas colegiadas do Conselho Superior da Defensoria Pública ou do Ministério Público sobre escala de substituição de seus membros.
Quanto ao ato administrativo composto, este se revela como ato também de uma única autoridade, mas precedida de outro(s) ato(s) que lhes são preparatório(s) praticado(s) dentro da mesma estrutura administrativa do órgão editor do ato, como é o caso de um contrato administrativo celebrado após um procedimento licitatório ou decisões administrativas colegiadas do Conselho Superior da Defensoria Pública ou do Ministério Público sobre aplicação de sanção administrativa a seus membros aplicadas após o devido processo administrativo disciplinar.
O ato complexo, por sua vez, exige a manifestação de mais de um órgão administrativo, ou seja, manifestações de vontade de estruturas diferentes, por isso autônomas, para que seja completado. Exemplo clássico de ato complexo é a nomeação de Ministro para o Supremo Tribunal Federal em que é necessária aprovação do nome pelo Senado e a posterior nomeação pela Chefia do Executivo, e, ainda como exemplo, a expedição de uma Portaria Interministerial, que somente se perfaz após a assinatura dos chefes dos ministérios envolvidos.
2. Planos de Existência, Validade e Eficácia do ato administrativo
Assentado isso, quanto ao ciclo de formação, cabe esclarecer que na seara administrativa entende-se por ato administrativo perfeito aquele que está pronto e acabado, que percorreu seu caminho de formação até o final. Nada tem a referida designação com sua qualidade, higidez ou efetividade.
Considerando a clássica repartição de planos do ato jurídico, e o ato administrativo é antes de tudo um ato jurídico, em plano de existência, plano de validade e plano de eficácia, a perfeição do ato é o mesmo que afirmar a existência do ato, que, eventualmente, pode ter sua validade ou eficácia questionadas.
Interessante a pontuação de Alexandrino e Paulo[7] acerca da perfeição do ato.
“A partir dessas considerações, podemos observar que o ato administrativo pode ser perfeito, por ter completado o seu ciclo de formação, mas ser inválido, por estar em desacordo com a lei ou os princípios jurídicos. Todo ato que teve sua formação concluída é perfeito, seja ele valido ou inválido. O que não se pode é dizer se um ato é válido ou inválido, enquanto ele não estiver concluído. A rigor, um ato imperfeito, isto é, não concluído, nem mesmo existe, porque sua formação não está completa. Não seria cabível, portanto, analisar a validade ou a invalidade de um ato que ainda não existe.” [grifo nosso]
O ato administrativo imperfeito é, em outra palavras, um não-ato, um ato inexistente, incapaz de gerar quaisquer efeitos.
“O ato administrativo é perfeito quando esgotadas as fases necessárias à sua produção. Portanto, ato perfeito é o que completou o ciclo necessário à sua formação. Perfeição, pois, é a situação do ato cujo processo está concluído.
O ato administrativo é válido quando foi expedido em absoluta conformidade com as exigências do sistema normativo. Vale dizer, quando se encontra adequado aos requisitos estabelecidos pela ordem jurídica. Validade, por isto, é a adequação do ato às exigências normativas.
O ato administrativo é eficaz quando está disponível para a produção de seus efeitos próprios; ou seja, quando o desencadear de seus efeitos típicos não se encontra pendente de qualquer evento posterior como uma condição suspensiva, termo inicial ou ato controlador a cargo de outra autoridade. […]
Nota-se, por conseguinte, que um ato pode ser:
a) perfeito, válido, e eficaz – quando, concluído o seu ciclo de formação, encontra-se plenamente ajustados às exigências legais e está disponível para deflagração dos efeitos que lhe são típicos;
b) perfeito, inválido e eficaz – quando, concluído o seu ciclo de formação e apesar de não de achar conformado às exigências normativas, encontra-se produzindo os efeitos que lhe seriam típicos;
c) perfeito, válido, e ineficaz – quando, concluído o seu ciclo de formação e estando adequado aos requisitos de legitimidade, ainda não se encontra disponível para eclosão de seus efeitos típicos, por depender de um termo inicial ou de uma condição suspensiva, ou autorização, aprovação ou homologação, a serem manifestados por autoridade controladora;
d) perfeito inválido e ineficaz – quando, esgotado o seu ciclo de formação, sobre encontrar-se em desconformidade com a ordem jurídica, seus efeitos ainda não podem fluir, por se encontrarem na pendência de algum acontecimento previsto como necessário para a produção dos efeitos (condição suspensiva ou termo inicial, ou aprovação ou homologação dependentes de outro órgão)[8]”.
A professora Lúcia do Valle Figueiredo[9] adverte no mesmo sentido:
“Pena é que o vocábulo “perfeição” dê a ideia de ato sem mácula, sem vício, vale dizer, de ato que seria conforme ao ordenamento jurídico. Todavia, perfeição, está apenas ligada à formação do ato administrativo. Na verdade, apenas refere-se ao esgotamento do ciclo de formação do ato. De conseguinte, o ato perfeito é o já emanado.”
Importante também a observação de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo no sentido de não se confundir o ato imperfeito com o ato pendente:
“O ato pendente não pode ser confundido com o ato imperfeito. O ato imperfeito, conforme visto, é aquele que não completou o seu ciclo de formação, em que ainda falta alguma fase de sua elaboração. O ato pendente, ao contrário, sempre é um ato perfeito, completamente formado, mas que só poderá iniciar a produção de seus efeitos quando ocorrer o evento futuro que subordina a sua eficácia (termo ou condição)”.
No caso do ato pendente, como visto, a discussão não é acerca da existência do ato, mas de um plano posterior qual seja, sua eficácia.
De outro lado, temos que o ato que ainda não está pronto e acabado é considerado imperfeito ou, com já dito, um não-ato administrativo e, por ser inexistente, estaria inapto a gerar seus efeitos, pelo menos os típicos, conforme orienta Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[10]:
“Ato imperfeito é aquele que não completou o seu ciclo de formação, como a minuta de um parecer ainda não assinado, o voto proferido pelo conselheiro relator em uma decisão de processo administrativo em julgamento nos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda, ou um ato não publicado, caso seja exigida por lei. Rigorosamente, o ato imperfeito ainda nem existe como ato administrativo”.
Veja-se que somente é possível indagar acerca da validade e da eficácia de um ato quando este exista, ou seja, a perfeição do ato é conditio sine qua non para a verificação de seus efeitos típicos.
Aliás, é justamente por isso que quando a doutrina mostra que pode haver mistura entre os elementos dos planos de validade e eficácia ressalva que o ato deve ser, antes de tudo, perfeito, ou seja, deve existir o ato que se impute válido ou inválido, eficaz ou ineficaz.
3. Efeitos do ato administrativo
O ato administrativo, além de seu efeito típico, pode possuir também efeitos atípicos, como nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello[11]:
“Distinguem-se os efeitos típicos, ou próprios, dos efeitos atípicos. Os primeiros são efeitos correspondentes à tipologia específica do ato, à sua função jurídica. Assim, é próprio do ato de nomeação habilitar alguém para assumir um cargo; é próprio ou típico do ato de demissão desligar funcionário do serviço público. Os efeitos atípicos, decorrentes, embora, da produção do ato, não resultam de seu conteúdo específico.
Os efeitos atípicos podem se de dupla ordem: efeitos preliminares ou prodrômicos e efeitos reflexos. Os preliminares ou prodrômicos existem enquanto perdura a situação de pendência do ato, isto é, durante o momento que intercorre desde a produção do ato até o desencadeamento de seus efeitos típicos. Serve de exemplo, no caso dos atos sujeitos a controle por parte de outro órgão, o dever-poder que assiste a este último de emitir o ato controlador que funciona como condição de eficácia do ato controlado. Portanto, foi efeito atípico preliminar do ato controlado acarretar para o órgão controlador o dever-poder de emitir o ato de controle.
Efeitos reflexos são aqueles que refluem sobre outra reação jurídica, ou seja, que atingem terceiros não objetivados pelo ato. Quer-se dizer: ao incidir sobre uma dada situação, o ato atinge outra relação jurídica que não era seu objeto próprio. Os efeitos reflexos, portanto, são aqueles que alcançam terceiros, pessoas que não fazem parte da relação jurídica travada entre Administração e o sujeito passivo do ato. É o caso do locatário de imóvel desapropriado. Neste bom exemplo de Flávio Bauer Novelli, nota-se que, perdido o imóvel pelo proprietário desapropriado (sujeito passivo do ato expropriatório), o locatário vê rescindida a relação jurídica de locação que entretinha com o ex-proprietário. É lógico que o efeito típico da desapropriação foi destituir a propriedade de seu dominus, e não rescindir a locação. Este é mero efeito reflexo da desapropriação.”
Assim, temos que os efeitos típicos, ou seja, os efeitos a que se dispõe o próprio ato, somente são produzidos após a concretização deste e que dentre os efeitos atípicos do ato (prodômico e reflexo) o único que, em tese, poderia ser produzido antes de estar pronto e acabado seria um efeito preliminar ou prodrômico que consiste justamente na criação de um poder-dever, ou dever-poder como prefere Celso Antônio, de manifestação do outro órgão.
É assim que acontece no típico exemplo de ato complexo: o caso de nomeação de Ministro para o STF. Uma vez indicado o nome para o Senado Federal, ainda não se pode dizer que houve nomeação, o indicado não estará ainda apto desde já a tomar assento com os Ministros da Corte Constitucional (efeito típico do ato), mas cria, por outro lado, um dever de manifestação para a Casa Representativa dos Estados (efeito prodrômico) de sabatinar o candidato e manifestar-se seja pela aprovação ou rejeição da indicação.
Somente após a sabatina e a aprovação poderá passar o candidato a integrar a mais alta corte da nação (efeito típico).
4. Análise do ato de registro de aposentadoria
O procedimento para atos de concessão de aposentadoria funciona, em suma, da seguinte forma: o interessado apresenta requerimento juntando a documentação que entende pertinente, o órgão competente da administração realiza análise (parecer jurídico e técnico, cálculos de salário de contribuição, salário de benefício e renda mensal inicial, por exemplo) e, concluindo pela procedência do pedido, toma as providências para a publicação do ato de aposentação.
Uma vez publicado o ato percebe-se imediatamente pelo menos os seguintes efeitos: (1) o agente público desocupa o cargo, (2) o cargo passa a ser declarado vago (art. 33, VII da Lei 8112/91) e pode ser provido por outra pessoa; (3) o servidor deixa de receber vencimentos e passa a perceber proventos; (4) sai da atividade do serviço público e passa para a inatividade, o que impõe, inclusive, em regra, a desvinculação salarial, dada a inexistência hoje, em regra, do princípio da paridade dos proventos com os vencimentos dos servidores ativos.
Após todos esses efeitos, incidentes na relação com a simples publicação da aposentadoria, o ato, segundo dicção do art. 71, III, CF e do art. 1º, V, da Lei 8443/92[12], deve ser submetido a registro perante o Tribunal de Contas da União que pode concluir pela legalidade ou não do ato.
Diante desse panorama, e analisando o ato de forma técnica é inafastável a conclusão de que o ato de aposentadoria – até a publicação da aposentação – é um ato administrativo composto, senão vejamos.
Ato simples, indiscutivelmente não é o caso, pois, conforme exposto, é necessária a intervenção, além da autoridade que de fato assina o ato de aposentadoria, pareceres técnicos e jurídicos, o que por si só afasta o cabimento da classificação como ato simples.
A discussão fica acerca da classificação como ato composto ou complexo.
Trata-se da manifestação da vontade de um órgão, consubstanciada no ato de aposentação geralmente assinada pelo Chefe de Poder ou de pasta, precedida de atos acessórios[13] indispensáveis que lhe possibilitaram a edição do ato ao final.
Após a publicação, o ato já está pronto e acabado, não necessitando de qualquer referendo, aprovação ou homologação para desde já produzir seus efeitos típicos.
E não somente isso, mas se trata de ato composto sujeito a controle administrativo a ser realizado pelo órgão de contas.
Nesse sentido, a manifestação do Tribunal de Contas da União deixa de integrar a gênese do ato e passa a ser sua rotineira atividade fiscalizatória posterior, como sói de ser, por exemplo, nos processos de licitação encerrados e nos contratos administrativos já firmados.
Noutro giro, é possível reafirmar a classificação do ato como composto quando se verificam que os efeitos imediatos da publicação são efeitos típicos do ato.
A condução para a inatividade, a declaração de vacância do cargo e, eventualmente, o provimento do referido cargo por outrem, mediante, por exemplo, realização de concurso público ou nomeação de aprovados, deixam muito claro que os efeitos produzidos pelo ato não foram meramente efeitos atípicos preliminares, mas, de fato, seus efeitos típicos.
Aliás, tanto são os efeitos típicos que possivelmente quando o Tribunal de Contas vier a analisar o ato de aposentação o cargo já estará provido por outra pessoa, isso se ainda existir, pois no iter pode, inclusive, ter sido extinto.
Não se criou para nenhum outro órgão a obrigação de decidir antes que o ato produzisse o efeito típico, como foi no exemplo da nomeação de Ministro do STF, mas a pura e simples publicação já fora suficiente para desencadear todos os efeitos esperados ao final do ato.
Se, tecnicamente falando, se disser que o ato de concessão de aposentadoria é um ato complexo, e não composto, teríamos que admitir que o ato, com sua publicação, não estaria perfeito e acabado, ou seja, seria ainda um não-ato administrativo ainda trilhando seu ciclo de formação.
Não é só. Ter-se-ia que, ao contrário do que a doutrina unânime que faz a divisão entre atos perfeitos e imperfeitos, admitir que um ato imperfeito pudesse produzir seus efeitos típicos. Sim, e efeitos típicos porque a essa altura já se tem claro que os efeitos advindos (inatividade, vacância do cargo e possível novo provimento) estão muito além do mero efeito preliminar de fazer surgir a obrigação de outro órgão se manifestar.
Seria, data venia, uma excrescência imaginar que um não-ato pudesse desde já, na qualidade de não-ato, gerar os efeitos típicos e finais. O caso seria de construção jurídica completamente desvinculada tanto da teoria (por ignorar que somente atos perfeitos podem ser eficazes) quanto da prática (por fechar os olhos para o fato nítido de que os efeitos típicos do ato já se concretizam com a publicação da aposentação).
Conclusão.
Enfim, partindo de uma perspectiva técnica com raízes tanto fáticas quanto teóricas, é de se concluir, que a melhor classificação do ato de concessão de aposentadoria de servidor submetido ao RPPS é um ato administrativo composto e que a atividade fiscalizadora do Tribunal de Contas é um segundo ato administrativo e não parte integrante da gênese do ato concessivo.
Aliás, já se poderia até mesmo presumir que pela redação do art. 1º, V, da Lei 8443/92, quando determina que o TCU deve apreciar “para fins de registro” as concessões de aposentadoria, reforma ou pensão, ele o faz na função fiscalizatória comum, pois não se registra algo que não existe, um não-ato administrativo, seria necessário que o ato já fosse perfeito para os fins da determinada apreciação.
E ainda, curioso notar que o referido dispositivo traz em seu bojo duas situações submetidas ao mesmo “apreciar, para fins de registro” a tão falada concessão de aposentadoria reforma e pensão quanto a “legalidade dos atos de admissão de pessoal”, ressalvada as nomeações para cargo em comissão.
Digo ser curioso porque ninguém ainda teve a audácia de defender que a verificação da legalidade da admissão de pessoal integraria a gênese do ato de nomeação, por exemplo, dos servidores ocupantes de cargo efetivo, ou seja, que o servidor público federal nomeado e empossado somente poderia exercer o cargo após a manifestação do TCU.
Aliás, é interessante que geralmente quando alguém se arrisca dizer que o ato de admissão é complexo e querem fundamentar tal entendimento em jurisprudência o fazem citando julgados de análise de atos de aposentadoria e não de admissão.
Assim, sob o ponto de vista da construção doutrinária e fática, é imperioso reconhecer que o ato de concessão de aposentadoria, reforma e pensão em nada se assemelham aos atos complexos, enquadrando-se, por outro lado, na categoria de atos compostos.
É certo que a presente proposta leva a uma necessidade de revisão de toda e jurisprudência já assentada acerca de assuntos como decadência e contraditório, mas como bem disse o Ministro Cézar Peluso no julgamento MS 25.116 “somos todos reféns das nossas reflexões e da nossa honestidade intelectual que a elas devemos quando estamos convencidos por outros argumentos”.
Analista Jurídico do Ministério Público do Estado do Tocantins e atualmente lotado no Centro de Apoio Operacional do Patrimônio Público
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