Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar os requisitos para a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria especial e a possibilidade de conversão do tempo de serviço prestado em atividade especial em comum. Para sua realização foi consultada bibliografia nacional e estrangeira, consubstanciada em obras doutrinárias, artigos de periódicos, textos legais, material disponibilizado na internet, bem como teses e dissertações já defendidas, acerca da matéria, legislação aplicável e julgados sobre a matéria previdenciária. Inicia-se com a análise da seguridade social, verificando-se seu conceito e evolução histórica, no Brasil e no mundo. Na seqüência, é abordada a previdência social, os benefícios previdenciários constantes do Regime Geral da Previdência Social e é feita breve explanação acerca das espécies de aposentadoria (por invalidez, por idade, por tempo de serviço, por tempo de contribuição e especial). Prossegue-se com a análise da aposentadoria especial, apresentando-se seu conceito, beneficiários, forma de concessão, com enfoque para a evolução histórica dos requisitos para a sua concessão. São apresentadas as formas de comprovação da exposição do segurado aos agentes nocivos e analisada a questão referente ao uso de Equipamentos de Proteção, pelo segurado trabalhador. Por fim, é questionada a possibilidade de conversão do tempo de serviço prestado em atividade especial em comum e a coerência dos fundamentos do benefício com os princípios fundamentais do sistema previdenciário.
Palavras-chave: Direito Previdenciário. Aposentadoria Especial. Tempo Especial. Conversão.
Sumário: Introdução. 1 Seguridade Social: Conceito, Evolução Histórica, 2. Previdência Social: Previdência Social, Benefícios Previdenciários 3. Aposentadoria Especial: Conceito, Beneficiários, Concessão, Evolução histórica, Exposição a agentes nocivos 4. Conversão de Tempo Especial em Comum. Conclusão. Referências
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por escopo abordar o benefício previdenciário da Aposentadoria Especial, disciplinado no ordenamento nacional, principalmente, no § 1º do artigo 201 da Constituição Federal de 1988 e nos artigos 57 e 58 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.
O interesse no desenvolvimento deste assunto se dá frente a sua relevância social, afinal, trata-se de uma espécie de aposentadoria significativamente diferenciada, com inúmeras particularidades, destacando-se o seu caráter preventivo à medida que pretende retirar, antecipadamente, o trabalhador exposto a agentes prejudiciais à saúde da atividade nociva que exerce, tudo a fim de protegê-lo, prevenindo enfermidades em virtude do ambiente laboral.
A busca por esta matéria também sofreu influência pelas controvérsias suscitadas diante das reformas realizadas no texto da Lei 8.213/91, principalmente a partir de 1995 com a Lei 9.032 e com a edição da Emenda Constitucional 20/98.
Corroborando a isto tem-se, ainda, os atos administrativos emanados pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, os quais quando não contrários aos efeitos legais, os restringem.
Buscar-se-á, desta forma, apresentar as disposições atuais acerca dos pressupostos para a concessão da aposentadoria especial e o reconhecimento do tempo de serviço prestado em atividades especiais, a possibilidade de conversão do tempo de serviço prestado em atividades especiais em tempo comum, as modificações realizadas, principalmente após a Lei 8.213/91, a fim de concluir-se acerca de seus efeitos, se benéficas ou prejudiciais aos segurados e, ainda, se coerentes com os princípios fundamentais do sistema previdenciário.
2 SEGURIDADE SOCIAL
2.1 CONCEITO
A seguridade social consiste em um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências[1] que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado pelos poderes públicos e pela sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social.
A princípio, as necessidades do indivíduo eram supridas pelo próprio grupo familiar. Com o passar dos tempos, as necessidades passaram a ficar mais complexas, e o grupo familiar não se revelou hábil a atendê-las, passando a caber ao Estado supri-las, por meio de medidas sociais. O conjunto de medidas de proteção social, gerando o bem estar social, que busca a melhora da população bem como a suprir as necessidades do indivíduo, caracteriza a seguridade social.
A idéia essencial da Seguridade Social é dar aos indivíduos e a suas famílias tranqüilidade no sentido de que, na ocorrência de uma contingência (invalidez, morte, velhice, etc.) a qualidade de vida não seja significativamente diminuída, proporcionando meios para a manutenção das necessidades básicas destas pessoas. Logo, a Seguridade Social deve garantir os meios de subsistência básicos do indivíduo, principalmente para o futuro, mas também para o presente. Trata-se de uma forma de distribuição de renda aos mais necessitados, que não tenham condições de manter a própria subsistência.
“A Seguridade Social visa, portanto, amparar os segurados nas hipóteses em que não possam prover suas necessidades e as de seus familiares, por seus próprios meios.
É, portanto, bastante ampla a Seguridade Social, podendo até mesmo confundir-se com um programa de governo, um programa de política social. Na verdade, o interessado tem de suportar suas próprias necessidades. Apenas quando não possa suportá-las é que subsidiariamente irá aparecer a Seguridade Social para ajudá-lo. O preâmbulo da Constituição francesa, de 27-9-1946, mostra, v.g., que todo ser humano que, em razão de sua idade, estado físico ou mental, se encontre incapacitado para o trabalho, tem direito de obter da coletividade os meios convenientes de existência.”[2]
2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Com o desenvolvimento da humanidade verificou-se a preocupação dos indivíduos de se protegerem das contingências sociais geradoras de necessidades sociais e a evolução de técnicas de proteção social, sempre tendo em conta a realidade sócio-econômica de cada povo, de forma a mitigar as situações de necessidade social.
“Em verdade, a marcha evolutiva do sistema de proteção, desde a assistência prestada por caridade até o estágio em que se mostra um direito subjetivo, garantido pelo Estado e pela sociedade a seus membros, é o reflexo de três formas distintas de solução do problema: a da beneficência entre pessoas; a da assistência pública; e a da previdência social, que culminou no ideal da seguridade social.”[3]
Na origem, o homem sentiu a necessidade de se reunir em grupos, para compartilhar os alimentos e se defender dos infortúnios. Pode-se afirmar que as organizações precárias baseavam-se simplesmente no instinto da sobrevivência, porém, não se pode negar que existia a conjugação de esforços para a melhoria ou facilitação das condições de vida de cada um dos indivíduos formadores do grupo. Assim, é no grupo familiar que se encontra a gênese do dever de prestar assistência e proteção mútua.
Destarte, à medida que os grupamentos humanos se organizavam, conseqüentemente evoluíam e ganhavam maior abrangência os mecanismos de salvaguarda contra os riscos porventura existentes em cada época.
Os primeiros mecanismos de proteção articulados pelo homem que apresentavam algum nível de organização, possuíam inspiração mutualista, sendo voltados ao auxílio recíproco dos seus membros.[4]
A doutrina refere-se ao Talmud, ao Código de Hamurabi e ao Código de Manu, como as primeiras ordenações normativas a instituir métodos de proteção contra as contingências.
Na Roma Antiga, a família romana, por meio do pater familias, tinha a obrigação de prestar assistência aos servos e clientes, em uma forma de associação, mediante contribuição de seus membros, de modo a ajudar os mais necessitados. Surgiram, assim, os collegia ou sadalitia, instituições mutualistas formadas por pequenos produtores e artesãos livres, voltadas para a cobertura das despesas com funerais, que funcionavam ao lado de entidades de caridades previstas no Código de Teodósio e na Lei Lombarda, voltadas à prestação da proteção social. Referidos institutos foram substituídos pelas diaconias, instituições amparadas no espírito cristão que praticavam assistência privada aos indigentes.
Posteriormente, na Idade Média, com o incremento das atividades comerciais e o acelerado aumento das populações urbanas, surgiram as associações privadas de inspiração mutualista. O primeiro grupo foi denominado guildas, corporações profissionais que ampliaram a área de atuação da seguridade, regulamentando o trabalho e elevando-se ao nível de verdadeiras corporações profissionais, originando as atividades de seguros sociais exclusivamente para seus membros. Os associados das guildas se associavam e pagavam taxas anuais, visando ser utilizadas em caso de velhice, doença e pobreza. Quem não podia contribuir era assistido pelo Estado.
Na mesma época surgiram as confradias religioso-benéficas e as confradias gremiales, com caráter religioso e profissional, voltado para finalidades mutualistas e assistencial. Como bem destacado por Aécio Pereira Júnior:
“Tais instituições, embora tenham se proliferado não atingiram um nível de proteção universal, pelo contrário, mesmo quando subvencionadas pelo Estado, em regra, limitava-se o seu espectro de cobertura a certos grupos que atuavam em atividades de grande interesse da respectiva sociedade interessada, como marinheiros, mineiros, militares, funcionários dos ministérios etc. Além disso, referidas instituições não tinham acesso e o domínio técnico e jurídico do contrato de seguro, não ofertando, por isso, nenhuma segurança quanto ao atendimento de seus filiados em um momento de intensa necessidade social.”[5]
Surge, neste contexto, um dos principais marcos evolutivos em termos de proteção social por intervenção do Estado, já que ao caráter mutualista e privado dos sistemas até então vigentes soma-se o de cunho assistencial e público, decorrente da influência manifesta da doutrina cristã da Igreja Católica.
No decorrer do século XVII, a assistência social pública aos carentes ganhou status jurídico, com a edição de leis de cunho nitidamente assistencial por toda a Europa Ocidental, tendo como precursora a chamada Lei dos Pobres Londrina de 1601.
A Lei dos Pobres – Poor Relief Act – determinou ao Estado a prestação de assistência mínima aos necessitados, regulamentando a instituição de auxílios e socorros públicos. O indigente tinha direito de ser auxiliado pela paróquia. Os juízes de Comarcas tinham o poder de lançar um imposto de caridade, que seria pago por todos os ocupantes e usuários de terras, e nomear inspetores em cada uma das paróquias, visando receber e aplicar o imposto arrecadado. Aí nasce a Assistência Social.
“O primeiro ato de assistência social remonta a 1601, com a edição da Lei dos Pobres (Poor Relief Act), que regulamentou a instituição de auxílios e socorros públicos aos necessitados. Também na Alemanha, em 1883, institui-se o seguro-doença, obrigatório para os trabalhadores da indústria, de concepção de Otto Von Bismarck, com tripla contribuição do Estado, empresas e trabalhadores.”[6]
Já a origem da Previdência Social se dá na Alemanha, no final do século XIX (1883), com a instituição por lei de autoria de Otto Von Bismarck do seguro doença-maternidade obrigatório para os trabalhadores da indústria, custeado sob a tríplice contribuição das empresas, do trabalhador e do Estado. Referido modelo veio a ser complementado pela edição de seguros para acidente de trabalho (1884) e contra a invalidez-velhice (1889). Tais seguros sociais foram introduzidos de modo a atenuar a tensão existente nas classes trabalhadoras à época da Revolução Industrial.
Como bem destacado por Pierre Laroque, “o sentimento de insegurança se tornou sobremodo consciente quando se desenvolveu nas populações trabalhadoras dos centros industriais, isto é, nas populações que não dispõem de nenhuma reserva, nem material nem social, e para as quais a ameaça do futuro é uma ameaça da ausência completa de rendas, de meios de subsistência, se o trabalhador perde o seu trabalho por um motivo qualquer. Para esse trabalhador, a inseguridade é total e a ameaça permanente. Eis porque o problema da seguridade social, se não nasceu da Revolução Industrial, tornou-se afinal consciente em conseqüência desta”.[7]
As leis instituídas por Bismarck tornaram obrigatória a filiação às sociedades seguradoras ou entidades de socorros mútuos por parte de todos os trabalhadores que recebessem até 2.000 marcos anuais. A reforma tinha por objetivo político impedir movimentos socialistas fortalecidos com a crise industrial. Visava obter apoio popular, evitando tensões sociais.
“Essa “oficialização da caridade” – como foi dito, certa vez – tem importância excepcional: colocou o Estado na posição de órgão prestador de assistência àqueles que – por idade, saúde e deficiência congênita ou adquirida – não tinham meios de garantir sua própria subsistência. A assistência oficial e pública, prestada através de órgãos especiais do Estado, é o marco da institucionalização do sistema de seguros privados e do mutualismo em entidades administrativas. […] Hoje compreende-se que nesse passo estava implícita a investida de nossa época, no sentido de estender os benefícios e serviços da Previdência Social à totalidade dos integrantes da comunidade nacional, a expensas, exclusivamente, do Estado, e não apenas aos associados inscritos nas entidades de Previdência Social. Dessa forma, podemos concluir dizendo: naquele momento distante, no princípio do século XVII, começou, na verdade, a história da Previdência Social.”[8]
A França promulgou norma em 1898 criando a assistência à velhice e aos acidentes de trabalho. Na Inglaterra, em 1897, foi instituído o Workmen’s Compensation Act, criando o seguro obrigatório contra acidentes de trabalho, sendo o empregador considerado responsável pelo sinistro, independentemente de culpa. Em 1907 foi promulgada lei de reparação de acidentes de trabalho e em 1911 outra lei tratou da cobertura à invalidez, à doença, à aposentadoria voluntária e à previsão de desemprego.
Após a Primeira Guerra Mundial houve nova evolução significativa do contexto social, com a adoção da tendência universal de proteção pela atuação estatal como garantidora do direito dos indivíduos.
Com efeito, ao final da Primeira Grande Guerra, verificam-se inúmeros grupos de pessoas inválidas, famílias com chefes mortos, sem contribuição previdenciária suficiente para a percepção de um benefício. Assim, o sistema social voltou-se para Assistência Social, para atendimento dos milhares de vítimas de guerra.
Surge uma nova fase, denominada constitucionalismo social, em que as Constituições dos países começaram a tratar dos direitos sociais, trabalhistas e econômicos, inclusive direitos previdenciários.
A primeira Constituição Federal a tratar de direito social e incluir o seguro social em seu bojo foi a Mexicana (1917). A Constituição Federal soviética de 1918 também tratava de direitos previdenciários. A Constituição Federal Alemã de Weimar (1919) determinou a incumbência do Estado de prover a subsistência do cidadão alemão, caso não possa proporcionar-lhe a oportunidade de ganhar a vida com um trabalho produtivo. Os Estados Unidos não têm modelos de seguridade, mas modelos liberais, de não intervenção do Estado.
A OIT – Organização Internacional do Trabalho, criada em 1919, aprovou em 1921 um programa sobre Previdência Social.
“Celebrado o Tratado de Versalhes, em 1919, voltaram-se todas as atenções para os problemas sociais, com ênfase à proteção do trabalho. Imediatamente cria-se a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que, como sabido, desenvolve suas atividades até os dias atuais, sendo um organismo especializado da Organização das Nações Unias (ONU), cuja finalidade é atuar em todos os países, fixando princípios programáticos ou regras imperativas de determinado ramo do conhecimento humano, sobretudo sobre Direito do Trabalho e Previdência Social.
A OIT teve um desempenho extraordinário na uniformização e aperfeiçoamento das legislações nacionais, tanto que se afirma que não exista nenhum país que não se tenha utilizado de seus serviços, quanto a incorporação de suas indicações ao seu direito posto.
Por outro lado, cabe frisar, por deveras oportuno, o início da constitucionalização dos direitos sociais, dentre as quais têm como precursoras as Constituições do México de 1917 e a Alemã de 1919 – Constituição de Weimar – passando a alçar os direitos sociais ao nível constitucional, consagrando-os, contudo, como normas programáticas. Assim, como os direitos sociais exigiam prestações positivas por parte dos Estados e, como dito, estavam consagradas, em sua maioria em normas constitucionais programáticas, ficavam mais uma vez à mercê da edição de normas regulamentares.
Às normas programáticas não se emprestava caráter imperativo, quando muito prestavam a direcionar as políticas públicas dos Governos. A evidência, no entanto, representou enorme avanço atribuir aos direitos sociais o status de normas constitucionais.”[9]
Durante a Segunda Guerra Mundial, foi organizada uma comissão na Inglaterra, presidida pelo economista William Beveridge, com o objetivo de elaborar um projeto de Seguridade Social a ser implementado logo após o término da guerra. A conclusão da comissão foi no sentido de que o sistema de seguridade deveria ser criado não para suprir as necessidades, mas para gerar desenvolvimento e atividades que garantam renda para os indivíduos.
O Sistema Beveridge (Social Security from the cradle to the grave) tinha por objetivos unificar os seguros sociais existentes; estabelecer o princípio da universalidade, para que a proteção se estendesse a todos os cidadãos e não apenas aos trabalhadores; igualdade de proteção; tríplice forma de custeio, porém com predominância do custeio estatal. Essa idéia foi extremamente eficiente. Esse é o modelo (utilização dos fundos previdenciários pelo Estado, para investir no próprio Estado, criar estrutura de crescimento e gerar desenvolvimento) que vigora até hoje em todos os sistemas previdenciários. Consiste na verdadeira fonte dos atuais sistemas de seguridade social.
Paralelamente a esse desenvolvimento, cabe destacar que os Estados Unidos da América foram uma das nações que mais tardiamente incorporou leis sociais ao seu ordenamento, diante do forte ímpeto liberal presente em sua sociedade. No entanto, foi por meio do Social Security Act, Lei de 14 de agosto de 1935, que versava sobre proteção em casos de desemprego, velhice e morte, ajudando idosos e estimulando o consumo, que primeiro se delineou a expressão seguridade social, conforme seu conceito moderno aceito.
A partir desse ponto, a seguridade social passou a ser entendida como um conjunto de medidas que deveriam agregar, no mínimo, os seguros sociais e a assistência social, que deveriam ser organizadas e coordenadas publicamente, visando atender o desenvolvimento de toda a população, e não só dos trabalhadores, ressaltando o compromisso do Estado democrático com um nível de vida minimamente digno aos seus cidadãos.
Verifica-se, dessa forma, que a seguridade social, historicamente, iniciou sua evolução num regime privado e facultativo característico das associações mutualistas, passando, depois, aos regimes de seguros sociais obrigatórios, em que já transparece a intervenção do Estado e, atualmente, tenta firmar-se num sistema com novas luzes e conceitos, a fim de aumentar os riscos cobertos, melhorar suas prestações, universalizar sua cobertura e, num grau máximo de solidariedade e igualdade material, transferir ao Estado a responsabilidade global pelo custeio das prestações por intermédio de impostos.
Fixados os principais marcos evolutivos da Seguridade Social em nível global, passa-se ao exame da proteção ofertada no Brasil.
2.3 A EVOLUÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL
No Brasil a evolução da proteção social não seguiu um caminho diferente, tendo primeiramente passado pela simples caridade, após pelo mutualismo de caráter privado e facultativo, depois pelo seguro social e, atualmente, tenta-se implementar o sistema de seguridade social, como consagrado na Constituição Federal de 1988.
As primeiras manifestações relacionadas com a criação de uma seguridade social quando do descobrimento do Brasil surgiram com as Santas Casas de Misericórdia, como a de Santos, primeira Santa Casa criada no país, em 1543. Havia, ainda, os Montepios e as Sociedades Beneficentes, estes com cunho mutualista particular.
O primeiro montepio foi criado em 1808 para o Exército (Guarda Pessoal do Imperador), sendo responsável pelo pagamento de pensões a viúvas dos militares falecidos na Guerra do Paraguai. O Montepio Geral dos Servidores do Estado (Mongeral) surgiu em 1835, sendo a primeira entidade privada a funcionar no país, prevendo um sistema típico do mutualismo (sistema por meio do qual várias pessoas se associam e vão cotizando para a cobertura de certos riscos, mediante a repartição dos encargos com todo o grupo).
A transição da simples beneficência, por força de deveres meramente morais e religiosos, para a assistência pública no Brasil demorou aproximadamente quase três séculos, pois a primeira manifestação normativa sobre assistência social, veio imprimida na Constituição de 1824, que assim dispôs no artigo 170, inciso XXXI:
“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
XXXI. A Constituição também garante os socorros públicos”.
A proteção social inserta no bojo da Constituição de 1824, na lição de Ruy Carlos Machado Alvim, “não teve maiores conseqüências práticas, sendo apenas um reflexo do preceito semelhante contido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793, a qual, o artigo 23, qualificava estes “socorros públicos” como “dívida sagrada”.[10]
Pouco antes da promulgação da Constituição Republicana de 1891 surge a primeira lei de conteúdo previdenciário, qual seja, a Lei 3.397, de 24 de novembro de 1888, que previa a criação de uma Caixa de Socorros para os trabalhadores das estradas de ferro de propriedade do Estado, acompanhadas no ano seguinte de normas que criam seguros sociais obrigatórios para os empregados dos correios, das oficinas da Imprensa Régia e o montepio dos empregados do Ministério da Fazenda.
Sobrevém a Constituição Republicana de 1891 que, timidamente, apenas inseriu dois artigos nas suas disposições constitucionais acerca da proteção social, descritos nos artigos 5º e 75, a saber:
“Art 5º. Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar.
Art 75. A aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação.”
Constata-se que a Constituição Federal de 1891 inaugura em seu artigo 75, a proteção social vinculada a uma categoria de trabalhadores, assegurando uma das principais prestações concedidas pela previdência social até hoje, que é a aposentadoria. Anote-se, ainda, que tal benefício era concedido aos funcionários públicos independentemente de contribuição, ou seja, a prestação era custeada integralmente pelo Estado.
No entanto, o marco histórico para a instalação da Previdência Social no Brasil, foi a Lei Eloy Chaves, Decreto Legislativo 4.682, de 24.01.1923, que determinou a criação de Caixas de Aposentadorias e Pensões obrigatórias para os empregados de empresas ferroviárias, de nível nacional; o trabalhador de ferrovias contribuía para uma caixa de aposentadoria vinculada à empresa. O Estado não participava do custeio.
A Lei Eloy Chaves estabeleceu que os trabalhadores deveriam contribuir para aposentar-se. Previa os benefícios de aposentadoria por invalidez, ordinária (equivalente à aposentadoria por tempo de serviço), pensão por morte e assistência médica. A lei foi posteriormente alterada para estender o direito a todos os trabalhadores.
A partir desta referência, a década de 20 foi marcada pela criação de Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), de natureza privada, vinculadas a empresas e grupos de trabalhadores específicos. A vinculação ao regime previdenciário das CAPs era determinado por empresas, ou seja, apenas as empresas tinham acesso ao regime previdenciário reinante à época.
A proliferação do regime de Caixas de Aposentadoria e Pensões por empresas criou pequenos regimes de Previdência que tinham por inconveniente o número mínimo de segurados indispensáveis ao funcionamento em bases securitárias. Sem contar o grande número de trabalhadores que permaneciam à margem da proteção previdenciária, por não ocuparem postos de trabalhos em empresas protegidas.
Assim, na década de 30, há a reestruturação do sistema previdenciário nacional; o Estado intervém e determina a criação de Institutos Nacionais de Aposentadoria (IAPs) divididos por categorias profissionais. O primeiro instituto de previdência de âmbito nacional, com base na atividade econômica, foi o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, criado em 1933, pelo Decreto 22.872, de 29 de junho de 1933.
A grande vantagem dessa modificação foi o equilíbrio trazido pelo sistema, pois mesmo se a empresa falisse, a categoria profissional não deixava de existir, e continuava proporcionando a aposentadoria ao trabalhador que contribuiu para o instituto profissional.
Nessa época foi atingida a universalidade do alcance do sistema previdenciário a todos trabalhadores urbanos, com exceção apenas dos trabalhadores rurais e domésticos. O Estado administrava os institutos e havia previsão de contribuição supletiva. Havia, portanto, tríplice contribuição: do empregado, do empregador e do governo. Este princípio (contribuição tripartide) foi, posteriormente, erigido em norma constitucional (artigo 195, caput, da Constituição Federal de 1934).
Assinala Wagner Balera que “com a Constituição de 1934, a proteção social é um seguro para o qual contribuem tanto o trabalhador como o empregador e, em igualdade de condições com essas categorias, o próprio Poder Público”.[11]
Os institutos nacionais de aposentadoria funcionaram com equilíbrio financeiro. Tal processo perdurou até os anos 50 quando praticamente toda a população urbana assalariada já se encontrava coberta pela previdência, exceto os trabalhadores rurais, domésticos e autônomos.
Em 1953 foi editado o Decreto 34.586, de 12 de novembro, determinando a fusão de todas as Caixas em única entidade, justamente no intuito de unificar o sistema, tanto do ponto de vista legislativo como administrativo.
A edição da Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, Lei 3.807/60, veio a uniformizar todo o emaranhado de normas existentes sobre Previdência Social, uniformização legislativa essa que já se buscava de longa data. No entanto, a unificação administrativa, que também consistia num reclamo, só veio mais tarde, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), pelo Decreto-lei 72, de 21 de novembro de 1966.
Criou-se, assim, um instituto único (Instituto Nacional da Previdência Social – INPS), e uma legislação única (Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS), com regras únicas para o sistema previdenciário nacional.
Os trabalhadores rurais passaram a ser segurados da Previdência Social a partir da edição da Lei Complementar 11/71. Os empregados domésticos também, em função da Lei 5.859/72, artigo 4º. Assim, a Previdência Social brasileira passou a abranger dois imensos contingentes de indivíduos que, embora exercessem atividade laboral, ficavam à margem do sistema.
Em 1 de setembro de 1977, a Lei 6.439 instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS, com a finalidade de integrar todas as atribuições ligadas à previdência social rural e urbana, tanto a dos servidores públicos federais quanto os das empresas privadas, composto de sete entidades: INPS (Instituto Nacional da Previdência Social, para pagamento e manutenção dos benefícios previdenciários), IAPAS (Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social, para a arrecadação e fiscalização das contribuições), INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, para atendimentos dos segurados e dependentes), LBA (Legião Brasileira de Assistência, para o atendimento a idosos e gestantes carentes), FUNABEM (Fundação Nacional do Bem Estar do Menor, para atendimento a menores carentes), DATAPREV (para o controle de dados do sistema) e CEME (Central de Medicamentos, para a fabricação de medicamentos a baixo custo).
Antônio Carlos de Oliveira, comentando o assunto, demonstra a natureza da alteração ocorrida:
“A Lei 6.439, que instituiu o SINPAS, alterou, portanto, apenas estruturalmente a previdência social brasileira, racionalizando e simplificando o funcionamento dos órgãos. Promoveu uma reorganização administrativa, sem modificar nada no que tange a direitos e obrigações, natureza e conteúdo, condições das prestações, valor das contribuições, etc. como ficara bem claro na Exposição de Motivos com que o então Ministro da Previdência, Nascimento e Silva, encaminhara o anteprojeto.”[12]
Em 1984, a última Consolidação das Leis de Previdência Social – CLPS reuniu toda a matéria de custeio e prestações previdenciárias, mais as decorrentes de acidentes do trabalho. Revela-se dispensável a enumeração cansativa de todas as disposições legais pertinentes, bastando ressaltar a constante ampliação do rol de beneficiários e de qualidade das prestações, traçando o caminho para a construção de um sistema de seguridade social, como pretendido pela Constituição de 1988.
A Constituição Federal/88 trouxe significativa mudança ao adotar um modelo de seguridade social, indicando, pela primeira vez, as diretrizes necessárias para que o Estado fornecesse respostas concretas sobre a promoção do bem-estar social para o cidadão brasileiro.
A universalidade de cobertura e do atendimento foi consagrada como princípio constitucional vetor do sistema de seguridade social. Garantiu-se que o benefício substitutivo do salário ou rendimento do trabalho não seria inferior ao valor do salário mínimo vigente (artigo 201, § 5º), bem como o reajustamento periódico, a fim de se preservar o valor real.
O direito do trabalhador foi separado do direito da seguridade. Dividindo-se a nível constitucional, restou dividido a nível infraconstitucional. Foram editadas as Leis 8.080/90 (saúde), Leis 8.212 e 8.213 (regras de custeio e arrecadação e de benefícios previdenciários) e Lei 8.742/93 (assistência social).
Foi instituído um Regime Geral da Previdência, ficando excluídos os servidores públicos civis, regidos por sistema próprio de previdência; os militares; os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público e os membros do Tribunal de Contas da União.
A Emenda Constitucional 20, de 15.12.1998, trouxe substanciais mudanças à seguridade, normatizando as regras previdenciárias dos servidores, determinando a destinação específica à previdência e assistência social do produto arrecadado pelo INSS com as contribuições, impondo aos juízes do trabalho a execução das contribuições previdenciárias oriundas de suas sentenças, extinguindo a aposentadoria por tempo de serviço, criando a aposentadoria por tempo de contribuição e tornando mais rigorosos os requisitos exigidos para a fruição de alguns benefícios.
A Emenda Constitucional 41/2003 reduziu a proteção previdenciária dos agentes públicos ocupantes de cargo efetivo e vitalício, praticamente equiparando as normas dos Regimes Próprios de Previdência às do Regime Geral.
Por fim, a Emenda Constitucional 47/2005 alterou, mais uma vez, os sistemas previdenciários públicos, alterando o teto remuneratório, ampliando o rol de casos em que se admite a concessão de aposentadoria mediante requisitos e critérios diferenciados, desde que regulamentado por Lei Complementar, e possibilitando a criação de um sistema especial de inclusão previdenciária daqueles que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua própria casa, quando pertencer a uma família de baixa renda.
3 A PREVIDÊNCIA SOCIAL E OS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
3.1 A PREVIDÊNCIA SOCIAL
A Previdência Social consiste em “um agente de equilíbrio social que tem o objetivo de assegurar recursos para a manutenção do indivíduo e seus familiares nos casos de riscos ou contingências sociais, determinados por morte, incapacidade, velhice, invalidez, desemprego ou reclusão”.[13]
No Brasil, existem dois sistemas de previdência social: privado e público.
A previdência privada é um sistema complementar e facultativo de seguro, de natureza contratual, gerido e administrado por pessoas jurídicas de direito privado. A Constituição Federal/88 veda a subvenção deste sistema pelo Poder Público, exceto quando este figurar na qualidade de patrocinador, hipótese em que as suas contribuições não poderão exceder às dos segurados.
As normas básicas da previdência privada estão previstas nas Leis Complementares 108 e 109/2001, e no artigo 202 da Constituição Federal/88, in verbis:
“Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.
§ 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos.
§ 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.
§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.
§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada.
§ 5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada.
§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4° deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.”
Verifica-se, pela leitura do dispositivo constitucional, que o regime de previdência complementar é absolutamente independente do regime geral de previdência social, constituindo em contrato de obrigações, facultativo, de adesão, celebrado entre o beneficiário e o organizador do fundo de previdência privada, visando formar um saldo que irá assegurar o futuro benefício.
Assim, é considerada contratual a relação entre o beneficiário e o organizador do fundo de previdência privada. Nesse sentido o entendimento firmado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, como se verifica do excerto dos seguintes julgados:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REAJUSTE DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA POR ENTIDADE PRIVADA DE PREVIDÊNCIA. INTERESSE DE AGIR. EXISTÊNCIA. PREVI-BANERJ. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. EXCLUSÃO.
– Na hipótese em que se postula em juízo reajuste do benefício previdenciário a cargo do INSS, não ocorre a situação que justifica o acolhimento da tese de falta de interesse para agir, ainda que o segurado tenha a complementação de sua aposentadoria paga por entidade fechada de previdência privada.
– A PREVI-BANERJ não detém legitimidade ativa ad causam, na medida em que não é titular do direito que se busca resguardar na demanda, pois a relação jurídica que originou a pretensão de revisão do benefício previdenciário restringe-se tão-somente ao segurado e o INSS.
– O INSS não possui interesse legítimo para postular a anulação de contrato firmado entre segurado e entidade de previdência privada, ainda mais quando a última foi excluída do feito nos termos das razões já expendidas.
– Recurso especial parcialmente conhecido e nesta extensão provido.
(Superior Tribunal de Justiça, Sexta Turma, REsp 425.785/RJ, Relator Ministro Vicente Leal, unânime, DJ 1º.07.2002, p. 431.)(…)
PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. RESTITUIÇÃO DAS IMPORTÂNCIAS PAGAS.
1. O que determina a restituição das importâncias pagas, mesmo antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, é a natureza do contrato de previdência privada complementar, sendo impossível, sob pena de enriquecimento ilícito, impedir o beneficiário demitido da empresa patrocinadora de receber os valores que pagou para assegurar uma aposentadoria mais confortável.
2. Recurso especial não conhecido. (Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, REsp 261.793/MG, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, unânime, DJ 30.04.2001, p. 132.)
Ao proferir o voto condutor do acórdão, no julgamento do Recurso Especial 261.793/MG, o ilustre Ministro Carlos Alberto Menezes Direito destacou com propriedade o seguinte:
“Na verdade, a previdência privada complementar tem o mesmo sentido de uma poupança feita pelo interessado, administrada por terceiro, para garantir uma aposentadoria mais confortável.
Por outro lado, a questão técnica do tipo de plano financeiro, se o que o condiciona a forma de custeio é o da repartição do capital de cobertura ou de capitalização, a tanto não interessando ao titular do benefício, mas, cabendo a escolha do regime ao responsável pela administração do plano de previdência privada. O que não é possível é admitir que uma pessoa contrate um plano de previdência complementar, seja demitido da empresa e não tenha direito ao recebimento do que pagou para esse fim.”
As entidades de previdência privada podem ser fechadas, quando restritas apenas a um certo grupo de pessoas (como os funcionários de determinada empresa), ou abertas, organizadas como sociedades anônimas, às quais qualquer pessoa poderá filiar-se.
Já o sistema público de previdência social é gerido por pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios ou entes da Administração Indireta), tendo natureza coletiva, pública e compulsória.
O Regime Geral da Previdência Social – RGPS foi instituído pela Lei 8.213/91, regulamentado pelo Decreto 3.048/99 e é gerido por uma autarquia federal, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
3.2 OS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
A Constituição Federal/88 determina em seu artigo 201, que o Regime Geral da Previdência Social – RGPS, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, proceda à cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; à proteção à maternidade, especialmente à gestante; à proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; ao salário-família e ao auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda e à pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.
Ao legislador ordinário coube o encargo de aprovar um plano previdenciário capaz de atender às necessidades básicas do cidadão, conforme previsto na norma constitucional acima referida.
Assim, foi instituído o Regime Geral da Previdência Social pela Lei 8.213/91, composta por normas de direito público que estabelecem direitos e obrigações entre os indivíduos potencialmente beneficiários do regime e o Estado, gestor da Previdência Social.
“O legislador dá atenção especial à prestação e cerca-a de muitos cuidados (v.g., definitividade, continuidade, irrenunciabilidade, indisponibilidade, intransferibilidade, inalienabilidade, impenhorabilidade), constituindo-se no principal instituto jurídico previdenciário. Devendo-se acrescer a substitutividade e a alimentaridade, dados essenciais à relação. A razão de ser da relação jurídica de prestações, são benefícios e serviços, isto é, atividade fim da Previdência Social: propiciar os meios de subsistência da pessoa humana conforme estipulado na norma jurídica.”[14]
Uma vez ocorrida a hipótese de que trata a norma, é obrigação do ente previdenciário conceder a prestação prevista em lei, nos estritos ditames do que ali esteja determinado. Ao beneficiário, por seu turno, não comporta a renúncia do direito à prestação que lhe é devida.
Importante destacar que, para que o indivíduo faça jus à prestação previdenciária, embora já tenha sido ressaltado o caráter de irrenunciabilidade do direito, é necessário que se encontre na qualidade de beneficiário do regime, à época do evento, e cumpra as exigências legais para a concessão da respectiva prestação. Mister, ainda, a existência de um dos eventos cobertos pelo regime, conforme a legislação vigente na época da ocorrência do fato, e a iniciativa do beneficiário, uma vez que o ente previdenciário não age de ofício, não concedendo benefícios sem que lhe tenha sido feito o pedido correspondente, por quem de direito.
As prestações previstas no Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei 8.213/91) são expressas em benefícios e serviços. Benefícios são prestações pecuniárias pagas em dinheiro aos segurados e dependentes. Serviços são prestações imateriais postas à disposição dos beneficiários.
Aos segurados são cabíveis os seguintes benefícios: aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial, auxílio-doença, auxílio-acidente, salário-família e salário-maternidade.
Aos dependentes são cabíveis a pensão por morte e o auxílio-reclusão.
São oferecidos tanto ao segurado quanto ao dependente o serviço social e a reabilitação profissional.
Há que se ressaltar a extinção de vários benefícios previdenciários, ficando ressalvados apenas os direitos adquiridos. São eles: aposentadoria por tempo de serviço, pecúlio, abono de permanência, renda mensal vitalícia, auxílio-natalidade e auxílio-funeral. Estes dois últimos foram transferidos para os estados e os municípios, mas até hoje não foram regulamentados. A Renda Mensal Vitalícia foi substituída pelo Benefício de Prestação Continuada, sendo disciplinado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Cumpre destacar que as prestações previdenciárias hoje concedidas visam proteger o segurado, ou seus dependentes, quando consumadas as circunstâncias previstas na Constituição Federal e no Plano de Benefícios. Entretanto, nada impede que o número de prestações seja ampliado para dar ensejo à proteção do indivíduo em face da ocorrência de outros eventos. Todavia, a ampliação da proteção previdenciária não pode ser feita sem que, previamente, se tenha criado a fonte de custeio capaz de atender ao dispêndio com a concessão (artigo 195, § 5º, da Constituição Federal/88).
3.3 APOSENTADORIA
A aposentadoria é a prestação por excelência da Previdência Social, substituindo em caráter permanente, ou pelo menos duradouro, os rendimentos do segurado e assegurando sua subsistência e daqueles que dele dependem.
Trata-se de garantia constitucional, minuciosamente tratada no artigo 201 da Constituição Federal/88, com nova redação dada pela Emenda Constitucional 20/98, nos seguintes termos:
“§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
§ 8º Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.”
O benefício de aposentadoria é o gênero, do qual a aposentadoria por invalidez, por idade, por tempo de serviço e especial são espécies.
A aposentadoria por invalidez é concedida ao segurado considerado incapacitado e insuscetível de reabilitação para o exercício de qualquer atividade, enquanto permanecer nessa situação. Sua concessão está condicionada ao afastamento de todas as atividades.
A aposentadoria por idade é devida ao segurado que, cumprida a carência exigida, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, ou 60 (sessenta) anos de idade, se mulher. Para o trabalhador rural empregado, contribuinte individual, avulso e segurado especial, bem como para os segurados garimpeiros que trabalhem em regime de economia familiar, o limite será reduzido em 5 (cinco) anos, passando a ser para o homem 60 (sessenta) anos de idade e para a mulher 55 (cinqüenta e cinco) anos.
Não se pode dizer que, tecnicamente, haja o risco de infortunística pelo fato de um indivíduo vir a envelhecer. Partindo desse princípio, não haveria razão para a cobertura do evento envelhecimento pela Previdência Social. Mas Russomano demonstra o cabimento da proteção em razão da idade avançada, nos seguintes termos:
“Mas, pouco a pouco, os sistemas previdenciários foram compreendendo em que medida pode a velhice ser definida como risco, pois, como a invalidez, ela cria a incapacidade física para o trabalho e, muitas vezes, coloca o ancião em difíceis condições econômicas.”[15]
Importante destacar que a aposentadoria será compulsória quando o homem completar 70 (setenta) anos de idade e a mulher 65 (sessenta e cinco).
A aposentadoria por tempo de contribuição foi instituída pela Emenda Constitucional 20/98, que deixou de considerar para a concessão do benefício o tempo de serviço, passando a valer o tempo de contribuição efetiva para o regime previdenciário.
É devida ao segurado que completar 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos, se mulher. Para os professores que comprovarem exclusivamente tempo de efetivo exercício em função de magistério na educação infantil, no ensino fundamental ou no ensino médio, como docente em sala de aula, o requisito será de 30 (trinta) anos para o homem e 25 (vinte e cinco) anos para a mulher.
Ressalte-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido bastante restritiva quanto ao conceito de atividade de magistério, exigindo dos professores segurados o efetivo exercício das funções típicas, como se verifica do excerto do seguinte julgado:
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. 2. Aposentadoria especial. Requisito. Magistério. 3. Professora cedida a outro órgão para exercer funções diferentes das exclusivas de magistério. Exclusão desse período de cessão para fins dessa contagem. 4. O direito à aposentadoria especial dos professores só se aperfeiçoa quando cumprido totalmente o requisito temporal do “efetivo exercício em função de magistério”, excluída qualquer outra. Precedente. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma, AIAGR 474078/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ 23.09.2005, p. 027.)
Há que se destacar que a aposentadoria por tempo de serviço, apesar de extinta pela Emenda Constitucional 20/98, é devida aos segurados que completaram até a data da publicação da emenda, 16.12.1998, os requisitos para a sua concessão: 35 (trinta e cinco) anos de serviço se homem, e 30 (trinta) anos de serviço se mulher, em respeito ao direito adquirido.
Por fim, a aposentadoria especial é o benefício previdenciário concedido ao segurado empregado, trabalhador avulso ou contribuinte individual que tiver trabalhado em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, mediante a adoção de requisitos e critérios diferenciados.
É também conhecida como aposentadoria por tempo de contribuição especial ou aposentadoria extraordinária, e busca reparar financeiramente o trabalhador sujeito a condições de trabalho inadequadas.
Conceituada a aposentadoria especial, objeto do presente trabalho, faz-se necessário a análise dos seus pressupostos ou elementos básicos.
4 APOSENTADORIA ESPECIAL
4.1 CONCEITO
Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro conceitua a aposentadoria especial como um benefício que visa garantir ao segurado do Regime Geral da Previdência Social uma compensação pelo desgaste resultante do tempo de serviço prestado em condições prejudiciais à sua saúde ou integridade física.[16]
Para Wladimir Novaes Martinez, a aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de serviço, devida a segurados que durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de serviços consecutivos ou não, em uma ou mais empresas, em caráter habitual e permanente, expuseram-se a agentes nocivos físicos, químicos e biológicos, em níveis além da tolerância legal, sem a utilização eficaz de EPI ou em face de EPC insuficiente, fatos exaustivamente comprovados mediante laudos técnicos periciais emitidos por profissional formalmente habilitado, ou perfil profissiográfico, em consonância com dados cadastrais fornecidos pelo empregador ou outra pessoa autorizada para isso.[17]
A Lei 8.213/91 dispõe em seu artigo 57 que a aposentadoria especial é devida ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
Dessa forma, a aposentadoria especial traduz-se em benefício previdenciário que tem por finalidade a proteção dos trabalhadores que laboram em atividades agressivas à saúde e à integridade física, reclamando, assim, a redução do tempo de serviço para obtenção do benefício, de forma que os riscos a que estão sujeitos não se tornem fatais à vida.
Os doutrinadores concordam que a aposentadoria especial é um instrumento de técnica protetiva do trabalhador, destinado a compensar o desgaste resultante da exposição aos agentes nocivos prejudiciais à saúde ou integridade física.
O ideal seria que houvesse uma real proteção do empregado, quando trabalhasse exposto a agentes nocivos tendo em vista que nenhum acréscimo salarial compensará o desgaste e os danos resultantes do tempo de trabalho insalubre, penoso ou perigoso, pois não existe bem maior a ser preservado que a vida.
“A medida teria sido muito mais eficaz se tivesse vindo acompanhada de outras que impusesse ou incentivasse a prevenção e melhoria dos ambientes de trabalho. Essas medidas poderiam ser de várias formas, como por exemplo, a instituição de contribuição adicional para custear o benefício, mediante a fixação de alíquota básica, sujeita à acréscimo ou redução consoante à nocividade do ambiente de trabalho. Poder-se-ia determinar avaliação periódica da evolução da saúde do trabalhador para controlar eventual comprometimento e, em caso, positivo, seu imediato afastamento do ambiente causador, garantida a remuneração e a estabilidade no emprego por tempo determinado, tudo por conta da empresa, admitida a contratação de seguro específico. Claro que parte dos custos poderiam ser socializados, mediante o oferecimento de condições especiais de financiamento para substituição de equipamentos obsoletos ou inadequados por outros melhores e mais seguros ou mediante a concessão de outros incentivos fiscais, como isenção ou redução de impostos ou abatimento do valor dos investimentos em prevenção ou melhoria do ambiente de trabalho da base de impostos ou contribuições.”[18]
4.2 BENEFICIÁRIOS E CONCESSÃO DO BENEFÍCIO
São beneficiários da aposentadoria especial os segurados empregado, avulso e contribuinte individual, este último quando filiado a cooperativa de produção ou de trabalho, que trabalharam sujeitos a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos.
Considera-se tempo de trabalho para fins de aposentadoria especial os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual, não ocasional nem intermitente, com exposição a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos, inclusive férias, licença médica e auxílio-doença decorrente do exercício dessas atividades.
A concessão do benefício dá-se para o segurado empregado a partir da data do desligamento da empresa, ou a partir da data do requerimento administrativo do benefício, se não houver desligamento ou se o requerimento for feito após 90 (noventa) dias daquele. Aos demais segurados a concessão dá-se a partir da data do requerimento administrativo.
Importante destacar que a aposentadoria é forma de cessação do contrato de trabalho, pois, ao se aposentar, o salário recebido é substituído pelo benefício previdenciário, nos termos da Súmula 295 do TST. Assim, preenchidos os requisitos legais para a concessão do benefício, o segurado poderá requerê-lo administrativamente, e continuar trabalhando. Entretanto, é vedado ao aposentado especial continuar em atividade que o sujeite a qualquer agente nocivo. Poderá continuar na atividade laboral desde que não ensejadora de aposentadoria especial.
4.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Faz-se relevante apresentar um breve histórico da regulamentação da aposentadoria especial, desde a sua instituição até os dias atuais, comparando-se os pressupostos exigidos nos diferentes períodos.
a) Instituição – Lei 3.807/60
O benefício da aposentadoria especial foi instituído no final do Governo de Juscelino Kubistchek, em 26.08.1960, pela Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, Lei 3.807, que criou normas para amparar os segurados e dependentes dos vários institutos de classe então existentes, regulamentada pelo Decreto 48.959-A, de 19.09.1960.
O artigo 31 da LOPS dispunha:
“Art. 31. A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinqüenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços, que, para esse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo”.
Observa-se, assim, que os primeiros pressupostos para a concessão da aposentadoria especial foram: idade mínima de 50 (cinqüenta) anos, carência de 15 (quinze) anos de contribuição, o que equivale a 180 (cento e oitenta) contribuições e, ainda, 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de atividade em condições insalubres, perigosas ou penosas.
Importante destacar que o Decreto 48.959-A/60 considerou como serviços penosos, insalubres ou perigosos os constantes no Quadro II que acompanhou o Regulamento Geral da Previdência (ANEXO I). Dessa forma, era considerado como tempo de trabalho o período correspondente a serviço efetivamente prestado nas atividades mencionadas no referido Quadro, computados os períodos em que o segurado estivesse em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, desde que concedidos esses benefícios como conseqüência do exercício daquelas atividades.
O Decreto 53.831, de 25.03.1964, regulamentou também a Lei 3.807/60, criando um Quadro Anexo (ANEXO II) estabelecendo a relação dos agentes químicos, físicos e biológicos no trabalho e os serviços e atividades profissionais classificadas como insalubres, perigosas ou penosas, que passaram a ensejar a aposentadoria especial.
Assim, para efeito de enquadramento da atividade como tempo especial, o trabalhador deveria exercer atividades com a incidência dos agentes químicos, físicos ou biológicos constantes do Quadro Anexo ao Decreto 53.831/64, no qual se estabeleceu também a correspondência com os prazos referidos no artigo 31 da Lei 3.807/60.
Em 23.05.1968, quando ainda em vigor a LOPS é promulgada a Lei 5.440-A, que alterou o artigo 31 da Lei 3.807/60, suprimindo o requisito idade mínima do texto legal para a concessão da aposentadoria especial.
A partir de então, não há que se falar em idade mínima como pré-requisito para a concessão do benefício de aposentadoria extraordinária. Nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais. Confira-se:
“PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA ESPECIAL – ELETRICÍSTA – LIMITE DE IDADE – ATIVIDADE INSALUBRE.
– A teor do art. 255, e parágrafos, do RISTJ, não basta a simples transcrição de ementas para comprovação e apreciação da divergência jurisprudencial (art. 105, III, alínea c, da Constituição Federal), devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, bem como juntadas cópias integrais de tais julgados, ou ainda, citado repositório oficial de jurisprudencial. Dissídio pretoriano comprovado.
– A atividade exercida no setor de energia elétrica, reconhecida pela legislação vigente como perigosa, confere ao segurado direito à aposentadoria especial, após vinte e cinco anos de trabalho. Descabe a exigência da idade mínima de 50 (cinqüenta) anos para a aposentadoria especial por atividades insalubres, perigosas ou penosas. Precedentes.
– Recurso conhecido, mas desprovido.” (Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, REsp 177.379, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJ 07.08.2000, p. 128)
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. LIMITE DE IDADE. INEXIGIBILIDADE.
A contar da Lei 5.440/68, descabe a exigência de idade mínima para a aposentadoria especial por atividades perigosas, insalubres ou penosas. Precedentes.
Recurso conhecido e improvido.” (Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, REsp 159.055, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ 1º.03.1999, p. 128)
Posteriormente, o Decreto 63.230, de 10.08.1968, regulamentou o artigo 31 da Lei 3.807/60, apresentando novo quadro de classificação das atividades profissionais segundo os agentes nocivos e grupos profissionais. Este Decreto manteve a carência de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais para a concessão da aposentadoria especial e determinou que, quando o segurado houvesse trabalhado sucessivamente em duas ou mais atividades penosas, insalubres ou perigosas, sem ter completado em qualquer delas o prazo mínimo, os respectivos tempos de trabalho seriam somados após a respectiva conversão.
Com o advento da Lei 5.890/73, foi diminuída a carência para a concessão do benefício para 60 (sessenta) contribuições, ficando estabelecido que a aposentadoria especial seria concedida ao segurado que, contando no mínimo cinco anos de contribuição, houvesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em condições que, para efeito, fossem consideradas penosas, insalubres ou perigosas, por decreto do Poder Executivo.
Aos 06.09.1973, o Decreto 72.771 aprovou o novo Regulamento da Lei 3.807/60, com as alterações introduzidas pela Lei 5.890/73, apresentando novos quadros de classificação das atividades profissionais segundo os agentes nocivos e os grupos profissionais (Anexo III). O artigo 72 do referido Decreto exigiu que o requerente de aposentadoria especial que exercesse mais de uma atividade remunerada deveria afastar-se ou desligar-se, concomitantemente, de todas elas, para fazer jus ao benefício.
Com a instituição da Consolidação das Leis da Previdência Social pelo Decreto 77.077/76, as categorias profissionais que até 22.05.1968 faziam jus à aposentadoria especial nos termos da Lei 3.807/60, na sua primitiva redação e na forma do Decreto 53.831/64, e que haviam sido excluídas por força do Decreto 63.230/68, conservaram o direito a esse benefício nas condições de tempo de serviço e de idade vigentes naquela data.
A Lei 6.643/79 veio computar o tempo de exercício de administração ou representação sindical para efeito de tempo de serviço pelo regime de aposentadoria especial, quando os trabalhadores integrantes das categorias profissionais permanecessem licenciados do emprego ou atividade, para exercício desses cargos.
Em 1979 foi editado o Decreto 83.080/79 que aprovou novo Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, apresentando quadros de atividades que passaram a ensejar a aposentadoria especial (ANEXO IV). Importante destacar que os agentes químicos, físicos e biológicos e as atividades exercidas pelo trabalhador relacionadas nesse Decreto foram considerados para efeito de enquadramento como tempo especial até a edição do Decreto 2.172/97.
Marco importante na legislação acerca da aposentadoria especial, a Lei 6.887, de 10.12.1980, permitiu que o tempo de serviço exercido alternadamente em atividades comuns e em atividades especiais pudesse ser convertido, segundo critérios de equivalência fixados pelo Ministério da Previdência Social, e adicionado, não só para o deferimento de qualquer uma das três aposentadorias especiais, mas também para a obtenção de aposentadoria comum.
b) Constituição Federal de 1988
Promulgada a Constituição Federal de 05.10.1988, a aposentadoria integral e a proporcional foram disciplinadas no artigo 202, in verbis:
“Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
I – aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal;
II – após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei;
III – após trinta anos, ao professor, e, após vinte e cinco, à professora, por efetivo exercício de função de magistério.
§ 1º – É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher.
§ 2º – Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.”
Em observâncias às novas determinações constantes da Constituição Federal, foram editadas as Leis 8.212/91 e 8.213/91 instituindo, respectivamente, o Plano de Custeio e o Plano de Benefícios da Previdência Social.
c) Lei 8.213/91
A Lei 8.213/91 regulou a aposentadoria especial pelos artigos 57 e 58. Na forma do artigo 57, a aposentadoria especial era devida ao segurado que, atendida a carência de 180 (cento e oitenta) contribuições e observada a regra de transição (artigo 142), comprovasse o tempo de serviço exigido – 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos –, conforme a intensidade da situação especial.
O § 3º do artigo 57 permitiu a conversão do tempo especial em tempo comum e do tempo comum em tempo especial, dispondo que o tempo de trabalho exercido sob condições especiais consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física seria somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.
Já o artigo 58 determinava que as atividades profissionais dotadas de condições de trabalho especiais, isto é, consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física, deveriam ser arroladas em lei específica.
O Decreto 357/91, que regulamentou a Lei 8.213/91, dispôs que para efeito de concessão das aposentadorias especiais, deveriam ser considerados os Anexos do Regulamento de Benefícios da Previdência Social aprovado pelo Decreto 83.080/79 e o Anexo do Decreto 53.831/64, até que fosse promulgada lei específica dispondo sobre as atividades prejudiciais à saúde e à integridade física.
Com a edição da Lei 9.032, de 28.04.1995, foram acrescentados os §§ 4º, 5º e 6º ao artigo 57 da Lei 8.213/91, passando a ser necessária a demonstração real de exposição aos agentes nocivos, químicos, físicos ou biológicos, exigindo o INSS para quem implementasse os requisitos após 29.04.1995, data da edição, além do formulário SB 40, a apresentação de laudo pericial. O § 6º dispôs ser vedado ao segurado aposentado, nos termos do artigo 57, continuar o exercício de atividade ou operações que o sujeitassem aos agentes nocivos constantes da relação referida no artigo 58 dessa lei. Confira-se:
“§ 4º. O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.
§ 5º. O tempo trabalhado exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, para efeito e concessão de qualquer benefício.
§ 6º. É vedado ao segurado aposentado, nos termos deste artigo, continuar no exercício de atividade ou operações que o sujeitem aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta lei.”
Verifica-se, dessa forma, que até a edição da Lei 9.032/95 havia a presunção juris et jure de exposição do segurado a agentes nocivos, relativamente às categorias profissionais relacionadas na legislação previdenciária. A intenção do legislador, a partir da edição da Lei 9.032/95, foi não mais permitir o enquadramento do tempo especial simplesmente por pertencer o segurado a uma determinada categoria profissional relacionada na legislação previdenciária, presumindo sua exposição a agentes nocivos.
Wladimir Novaes Martinez entende que, diferentemente do passado, a configuração implantada pela Lei 9.032/95, “dá conta de direito individual, não mais de categoria profissional”.[19]
A Medida Provisória 1.523, de 11.10.1996, alterou o artigo 58 da Lei 8.213/91, remetendo a definição da relação dos agentes nocivos ou prejudiciais à saúde ou integridade física, para fins de concessão da aposentadoria especial, ao Poder Executivo.
A referida Medida Provisória exigiu, ainda, que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos fosse feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
No laudo técnico deveria constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva que diminuísse a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.
Editado o Decreto 2.172, de 05.03.1997, foi apresentado novo quadro de agentes nocivos hábeis à configuração da atividade como especial (ANEXO V), excluindo condições ambientais nocivas, cuja exposição, anteriormente, determinava a atividade como penosa, perigosa ou insalubre.
Entretanto, há que se ressaltar que a insalubridade das atividades desempenhadas evidencia-se pelo conteúdo das informações prestadas pelas empresas para as quais o segurado prestou seus serviços, não sendo indispensável que o ofício por ele desempenhado esteja expressamente previsto nos regulamentos que dispõem acerca dos agentes nocivos e atividades consideradas especiais, uma vez que não se trata de enumeração taxativa, mas meramente exemplificativa.
Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial.
“PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. TRABALHADOR SUJEITO A CONDIÇÕES PREJUDICIAIS À SAÚDE E À INTEGRIDADE FÍSICA. NÃO INCLUSÃO DA PROFISSÃO DE MECÂNICO NO ROL DAQUELAS ENSEJADORAS DESSE BENEFÍCIO.
A jurisprudência pátria, desde a época do extinto TFR, tem entendido ser cabível a concessão do benefício de aposentadoria especial, mesmo não estando a atividade inscrita em regulamento, mas desde que atendidos os requisitos legais e seja constatado, através de perícia judicial, que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa (Súmula n. 198 do ex-TFR). O rol das profissões sujeitas a condições prejudiciais à saúde e à integridade física e que conferem o direito ao benefício de aposentadoria especial não é taxativo, mas meramente exemplificativo.” (Tribunal Regional Federal da 5ª Região, AC 599.784-5, Relator Desembargador Federal José Maria Lucena, unânime, DJ de 07.02.1997, p. 6019.)
De acordo com a redação do Decreto 2.172/97, o que determina o direito ao benefício especial é a exposição do trabalhador ao agente nocivo presente no ambiente de trabalho e no processo produtivo, em nível de concentração superior aos limites de tolerância estabelecido.
Aos 28.05.1998 foi editada a Medida Provisória 1.663-10 que, em seu artigo 28, revogou o § 5º do artigo 57 da Lei 8.213/91, que permitia a conversão do tempo de serviço especial em tempo comum.
Na 13ª edição da Medida Provisória 1.663, foi inserida uma norma de transição nos seguintes termos:
“Art. 28. O Poder Executivo estabelecerá critérios para a conversão do tempo de trabalho exercido até 28 de maio de 1998, sob condições especiais que sejam prejudiciais à saúde ou à integridade física, nos termos dos arts. 57 e 58 da Lei n. 8.213, de 1991, na redação dada pelas Leis n.s 9.032, de 28 de abril de 1995, e 9.528, de 10 de dezembro de 1997, e de seu regulamento, em tempo de trabalho exercido em atividade comum, desde que o segurado tenha implementado o percentual do tempo necessário para a obtenção da respectiva aposentadoria especial, conforme estabelecido em regulamento.”
O Decreto 2.782, de 14.09.1998, regulamentou o artigo 28 da Medida Provisória 1.663-13, determinando que o tempo de trabalho exercido até 28.05.1998, com efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes, nos termos do Anexo IV do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 2.172/97, seria somado, após a respectiva conversão, ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, desde que o segurado tivesse completado até aquela data, pelo menos 20% (vinte por cento) do tempo necessário para a obtenção da aposentadoria especial (3, 4 e 5 anos no mínimo, para a conversão de 15, 20 e 25 anos respectivamente).
A Medida Provisória 1.663-15 acabou sendo parcialmente convertida na Lei 9.711, de 20.11.1998. Entretanto, ao ser convertida em lei, a parte referente à revogação do § 5º do artigo 57 da Lei 8.213/91, que constava anteriormente no artigo 32 da Medida Provisória, foi suprimida, persistindo a redação do artigo 57, tal como veiculada na Lei 9.032/95, permitindo a conversão do tempo de serviço especial em tempo comum.
d) Emenda Constitucional 20/98
A Emenda Constitucional 20, de 15.12.1998, implementou a reforma do sistema de Previdência Social e estabeleceu normas de transição, dispondo ser vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.
Assim, as regras para a concessão de aposentadoria especial, em vigor até a publicação da Emenda Constitucional, continuaram válidas por expressa recepção até a nova regulamentação da matéria.
João Batista Lazzari anota que:
“O art. 15 da Emenda Constitucional 20/98 manteve em vigor o disposto nos arts. 57 e 58 da Lei 8.213, de 24.07.1991, na redação vigente em 16.12.1998, até que a Lei Complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal seja publicada. Sendo assim, as regras para concessão de aposentadoria especial que vigorar, até a publicação da Reforma da Previdência continuam válidas por expressa recepção, até que haja nova regulamentação da matéria por meio de Lei Complementar.”[20]
Importante observar que a Emenda Constitucional 20/98 não fez qualquer restrição quanto ao cômputo do tempo de serviço posterior à sua promulgação, dispondo em seu artigo 9º que:
“Art. 9º. Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:
I – contar com cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e
II – contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.
§ 1º. O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do caput, e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:
I – contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;
II – o valor da aposentadoria proporcional será equivalente a setenta por cento do valor da aposentadoria a que se refere o caput, acrescido de cinco por cento por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o inciso anterior, até o limite de cem por cento.”
O Decreto 3.048/99 aprovou o Regulamento da Previdência Social e dispôs sobre a aposentadoria especial permitindo a concessão do benefício, uma vez cumprida a carência exigida, ao segurado que tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, estabelecendo no artigo 70 o seguinte:
“Art. 70. É vedada a conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum.
Parágrafo único. O tempo de trabalho exercido até 5 de março de 1997, com efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes constantes do Quadro Anexo ao Decreto n. 53.831, de 25 de março de 1964, e do Anexo I do Decreto n. 83.080, de 24 de janeiro de 1979, e até 28 de maio de 1998, constantes do Anexo IV do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, será somado, após a respectiva conversão, ao tempo trabalhado exercido em atividade comum, desde que o segurado tenha completado, até as referidas datas, pelo menos vinte por cento do tempo necessário para a obtenção da respectiva aposentadoria, observada a seguinte tabela:
Constata-se que, ao regulamentar a legislação de benefícios previdenciários, além de vedar a conversão de tempo de serviço especial em comum a partir de 28.05.1998, o Decreto 3.048/99 estabeleceu restrições, fixando um percentual mínimo de atividade a ser atendido pelo segurado em atividade de natureza especial para ser somado ao restante do tempo considerado comum.
De acordo com o entendimento jurisprudencial, ainda que fosse considerada a vedação da conversão de tempo especial em comum pela Medida Provisória 1.663/98 e legislação posterior, especialmente o Decreto 3.048/99, essa vedação não alcança fatos já consolidados, em razão do respeito aos princípios constitucionais do direito adquirido e irretroatividade das leis e decretos que as regulamentarem.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça manifestou entendimento no sentido de que a eventual alteração no regime previdenciário, ocorrida posteriormente, não retira do trabalhador o direito à contagem do tempo de serviço na forma anterior, porque já inserida em seu patrimônio jurídico.
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. POSSIBILIDADE. LEI 8.213/91, ART. 57, §§ 3º E 5º.
O segurado que presta serviço em condições especiais, nos termos da legislação então vigente, e que teria direito por isso à aposentadoria especial, faz jus ao cômputo do tempo nos moldes previstos à época em que realizada a atividade. Isso se verifica à medida em que se trabalha. Assim, eventual alteração no regime ocorrida posteriormente, mesmo que não mais reconheça aquela atividade como especial, não retira do trabalhador o direito à contagem do tempo de serviço na forma anterior, porque já inserida em seu patrimônio jurídico. É permitida a conversão de tempo de serviço prestado sob condições especiais em comum, para fins de concessão de aposentadoria.
Recurso não conhecido.” (Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, RESP 433441/RN, Relator Ministro Felix Fischer, unânime, DJ 07.10.2002.)
Assim destacou o eminente Relator Ministro Felix Fischer, ao proferir o voto condutor do acórdão:
“O segurado que presta serviço em condições especiais, nos termos da legislação então vigente, e que teria direito por isso à aposentadoria especial, faz jus ao cômputo do tempo nos moldes previstos à época em que realizada a atividade. Isso se verifica à medida em que se trabalha. Assim, eventual alteração no regime ocorrida posteriormente, mesmo que não mais reconheça aquela atividade como especial, não retira do trabalhador o direito à contagem do tempo de serviço na forma anterior, porque já inserida em seu patrimônio jurídico.
Não há ainda que se falar em violação aos §§ 3º e 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/91 porquanto a conversão do tempo de serviço operada era permitida pela legislação previdenciária. Com efeito, em sua redação original, o art. 57, § 3º, da Lei n. 8.213/91 permitia a conversão de tempo especial para comum e vice-versa. Posteriormente, a Lei n. 9.032/95 alterou a redação desse dispositivo, acrescentando o § 5º, referindo-se apenas à hipótese de conversão de tempo especial para comum. Mais tarde, o art. 68 do Decreto 2.172 dispôs expressamente que “O tempo de atividade comum não será convertido para fins de aposentadoria especial.”
Sobre o tema, vale transcrever o comentário de SÉRGIO PINTO MARTINS (Direito da Seguridade Social, Atlas, 1999, 11ª Edição, p. 359):
‘O § 3º do art. 57 da Lei 8.213, na redação original, permitia a soma do tempo de serviço de maneira alternada em atividade comum e especial. A redação do § 5º do citado artigo, de acordo com a Lei n. 9.032, mencionava apenas a conversão do tempo especial para comum e não alternadamente, como explicitava a norma legal anterior, o que leva a crer que a conversão só pode ser feita do tempo de trabalho exercido em atividade especial para comum, e não do tempo comum para especial. O próprio § 4º do art. 57 da Lei n. 8.213 não mais previu a hipótese de contagem de tempo de serviço comum em especial, quer era o caso do dirigente sindical que anteriormente exercia atividade em condições adversas e no seu mister sindical não o faz. O art. 68 do Decreto n. 2.172 dispôs que o tempo de atividade comum não será convertido para fins de aposentadoria especial.’
Como visto, a conversão de tempo de serviço a que se refere o v. acórdão é perfeitamente cabível à luz da legislação, por que se transformou tempo de serviço prestado em condições especiais em comum. Não houve, portanto, violação aos dispositivos indicados pelo recorrente.”
Há que ressaltar, ainda, que a Emenda Constitucional 20/98 ressalvou expressamente, no artigo 3º, os direitos adquiridos daqueles que implementaram os requisitos para a aposentadoria antes de sua edição.
Dessa forma, se o segurado preencheu todos os requisitos legais, provando-os, mantém o direito adquirido à prestação, independentemente do decurso do tempo.
Tem-se, ainda, que o Decreto 3.048/99 extrapolou os limites do dispositivo legal que regulamentou, haja vista que a Lei 9.711, em seu artigo 28, não estabelecera a impossibilidade de conversão do tempo especial para comum, prestado antes ou após a sua vigência. Tão-somente autorizara o Poder Executivo a estabelecer regras para a conversão do referido tempo, o que não redunda na impossibilidade de fazê-lo.
Por outro lado, a Medida Provisória 1.663-13, ao ser convertida na lei retro-mencionada, teve suprimida a parte final, em que era revogado o parágrafo 5º do artigo 57 da Lei 8.213/91, voltando este a vigorar, tendo em vista que sua retirada do mundo jurídico ocorreu por força da medida provisória não convertida em lei.
Destarte, o § 5º do artigo 57 da Lei 8.213/91 está em plena vigência, sendo que não cabe mais dúvida quanto à possibilidade de conversão de todo o tempo trabalhado em condições especiais, para ser somado ao restante do tempo sujeito a contagem comum e, conseqüentemente, fazer jus à aposentadoria por tempo de serviço.
5 COMPROVAÇÃO DA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS
Desde a instituição do benefício de aposentadoria especial, as regras gerais para a sua concessão sofreram diversas alterações, como anteriormente exposto. Atualmente, é devida a aposentadoria especial ao segurado que, uma vez cumprida a carência exigida, tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos.
Tem-se, assim, como pressuposto inafastável para a concessão do benefício, a sujeição do segurado a condições prejudiciais durante o tempo mínimo de trabalho requerido. São estes os termos do caput e dos §§ 3º e 4º do artigo 57 da Lei 8.213/91 que, ora se transcreve:
“Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei 9.032, de 28.04.1995)
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado. (Redação dada pela Lei 9.032, de 28.04.1995)
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.” (Redação dada pela Lei 9.032, de 28.04.1995)
Ao regulamentar o disposto na Lei 8.213/91, o Decreto 3.048/99, no seu artigo 65, explicitou o conceito de tempo de trabalho:
“Art. 65, Considera-se tempo de trabalho, para efeito desta Subseção, os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual (não ocasional nem intermitente), durante a jornada integral, em cada vínculo trabalhista, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, inclusive férias, licença médica e auxílio-doença decorrente do exercício dessas atividades.”
Não esclarece, porém, este diploma, o que se entende por exercício de atividade permanente e habitual, assim como também não o faz a Lei 8.213/91, que prevê no § 3º do artigo 57 tão somente a necessidade da exposição aos agentes nocivos de forma permanente, sem mais detalhamentos.
Frente a obscuridade destas normas jurídicas, a Instituição Previdenciária editou a Instrução Normativa 49, de 03 de maio de 2001, cujo conteúdo foi reiterado na Instrução Normativa 57, de 10 de outubro de 2001, que definiu trabalho permanente no artigo 139, § 1º, I, como aquele em que o segurado, no exercício de todas as funções, esteve efetivamente exposto a agentes nocivos físicos, químicos e biológicos ou associação de agentes.
Quanto à interpretação do que é trabalho não ocasional nem intermitente tem-se neste mesmo dispositivo, no inciso II, que é aquele em que na jornada de trabalho não houve interrupção ou suspensão do exercício de atividade com exposição aos agentes nocivos, ou seja, não foi exercida de forma alternada, atividade comum e especial.
Desse modo, a partir destas interpretações, tem-se que para o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a aposentadoria especial apenas pode ser concedida quando a jornada diária de trabalho, bem como todo o tempo laborado, independentemente da função exercida, for desenvolvido com exposição permanente e intermitente a agentes nocivos.
Ocorre que, mesmo que o trabalhador execute suas atividades em locais insalubres durante apenas parte de sua jornada de trabalho, terá direito ao cômputo de tempo de serviço especial porque não há como mensurar o prejuízo causado pelos agentes insalubres à sua saúde.
Nesse sentido a jurisprudência do Tribunal Regional Federal – 4ª Região:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. INTERMITÊNCIA.
1. A legislação previdenciária não impõe tarifação ou limite ao livre convencimento do Juiz, ao exigir o início de prova material para que a comprovação do tempo de serviço produza efeito, visto que a apreciação da prova vai depender das circunstâncias do caso concreto. Se o conjunto probatório é suficiente para demonstrar a efetiva prestação laboral, o Magistrado deverá valorar a prova testemunhal, conquanto tenha força suficiente para convencê-lo.
2. A documental juntada aos autos, complementada pela prova testemunhal, constitui início razoável de prova material, ainda que não esteja entre os documentos arrolados no art. 106 da Lei n. 8.213/91. Jurisprudência do STJ.
3. Os requisitos da habitualidade e da permanência devem ser entendidos como não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, continuidade e não-interrupção da exposição ao agente nocivo. A intermitência refere-se ao exercício da atividade em local insalubre de modo descontínuo, ou seja, somente em determinadas ocasiões.
4. Se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho, tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente.” (Tribunal Regional Federal 4ª Região, Sexta Turma, AC 2000.04.01.073799-6/PR, Relator Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 09.05.2001, p. 96.)
A respeito da exigência da comprovação da exposição do segurado aos agentes nocivos mediante formulário emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, a jurisprudência tem exaustivamente se manifestado no sentido de que a legislação não pode ser aplicada a situações pretéritas. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO – CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM – POSSIBILIDADE – LEI 8.213/91 – LEI 9.032/95 – LAUDO PERICIAL EXIGÍVEL APÓS O ADVENTO DA LEI 9.528/97.
– No caso em exame, os períodos controvertidos foram compreendidos entre 24.01.1970 e 01.03.1971, trabalhado junto a empresa COPEL e 01.04.1976 e 07.12.1999, junto a empresa VIAÇÃO GRACIOSA.
– A Lei nº 9.032/95 que deu nova redação ao art. 57 da Lei 8.213/91 acrescentando seu § 5º, permitiu a conversão do tempo de serviço especial em comum para efeito de aposentadoria especial. Em se tratando de atividade que expõe o obreiro a agentes agressivos, o tempo de serviço trabalhado pode ser convertido em tempo especial, para fins previdenciários.
– A necessidade de comprovação da atividade insalubre através de laudo pericial, foi exigida após o advento da Lei 9.528, de 10.12.97, que convalidando os atos praticados com base na Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.96, alterou o § 1º, do art. 58, da Lei 8.213/91, passando a exigir a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, mediante formulário, na forma estabelecida pelo INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico das condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
– Tendo a mencionada lei caráter restritivo ao exercício do direito, não pode ser aplicada à situações pretéritas, portanto, a atividade especial exercida entre 24.01.1970 a 10.12.1997, anteriormente ao advento da Lei nº 9.528/97, não está sujeita à restrição legal, porém, o período posterior, compreendido entre 11.12.1997 a 07.12.1999, não pode ser enquadrado na categoria especial, por não existir nos autos laudo pericial comprobatório da efetiva exposição do segurado a agentes nocivos, como exigido pela legislação previdenciária. Precedentes desta Corte.
– Recurso conhecido e parcialmente provido.” (Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, REsp 602.639/PR, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJU 02.08.2004, p. 538.)
No mesmo sentido:
“(…) como tal exigência só foi introduzida na legislação em 10.12.97, pela Lei 9.528, decorrente da Medida Provisória n. 1.523, de 14.10.96, não se poderia torná-lo exigível com retroatividade anterior a esta última data. No presente estágio de interpretação do direito se está a exigir Laudo Técnico para todos os agentes e para todos os períodos trabalhados, se a implementação de todas as condições para a obtenção do benefício, por parte do segurado, só tiver ocorrido após 15.10.96, o que contraria as correntes jurídicas que se apóiam no direito adquirido fracionado.”[21]
Verifica-se, dessa forma, a inequívoca arbitrariedade do ente autárquico que, através de mecanismos administrativos, impõe exigências para a concessão do benefício, não existentes na legislação. Com efeito, deveria o INSS limitar-se a interpretar os conteúdos legais para a sua aplicação no âmbito administrativo, e não editar Instruções Normativas que exorbitam o disposto na legislação.
No julgamento da Apelação em Mandado de Segurança n. 2000.71.00.041031-0/RS, o Exmo. Juiz Nylson Paim de Abreu sustenta com propriedade que “o poder regulamentar apenas permite esclarecer as determinações da lei, jamais podendo ultrapassar os limites da norma reduzida à sujeição de regulamento, sob pena de ilegalidade”. Prossegue o ilustre juiz afirmando que o direito adquirido ao benefício não pode ser prejudicado com a posterior edição da Ordem de Serviço INSS/DSS 623/99 e da Instrução Normativa INSS 20/2000, pela Autarquia Previdenciária, tampouco pela promulgação do Decreto 3.048, de 06.05.1999 (artigo 181) e pela Emenda Constitucional 20, de 15.12.1998.
Os conflitos quanto a tal exigência são, ainda, suscitados em face da inadmissibilidade da retroatividade de uma lei a fatos pretéritos, pois as condições de trabalho já consumadas incorporam-se ao patrimônio do trabalhador, podendo-se exigir a demonstração daquele período apenas na forma como previa a legislação da época da exposição, sob pena de inviabilizar-se a concessão do benefício face a imposição de obstáculos intransponíveis diante da inexistência de meios para buscar-se informações passadas de modo que possam ser retratadas através de um laudo técnico. Desse modo, conforme expõe Sérgio Freudenthal:
“(…) verdadeira cizânia também se apresenta sobre os laudos exigidos para a comprovação do tempo especial. Nas últimas ordens de serviço o INSS continua exigindo laudos relativos a tempos passados, anteriores à exigência legal, como se houvesse sido inventada uma máquina do tempo.”[22]
O enquadramento do tempo de serviço como especial deve ser considerado em conformidade com a lei vigente à época da prestação laboral, tendo em vista que esse direito se incorporou definitivamente ao patrimônio do segurado.
No que tange à utilização de Equipamento de Proteção Individual – EPI e Equipamento de Proteção Coletiva – EPC, verifico que o uso ou a existência dos mesmos não elide o direito à aposentadoria especial. Com efeito, o direito ao benefício dispensa, por parte do interessado, a prova de ter havido prejuízo físico, bastando a mera possibilidade de sua ocorrência, isto é, a probabilidade do risco.
Há de se observar que, como bem ressaltou o ilustre Procurador da República Antônio Carlos Albino Bigonha, em seu parecer exarado na Apelação em Mandado de Segurança 2001.38.00.016308-7/MG, fls. 188/199, “a existência de aparelhagem protetora é o mínimo que a empresa deve providenciar para que o trabalhador tenha mitigada as adversidades decorrentes da atividade, o que não retira o caráter insalubre do trabalho, assim como, v.g., a utilização de capacetes por operários em minas de carvão não elidem a periculosidade da atividade ali exercida”.
A Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região já se posicionou no sentido de que “o uso de equipamentos de proteção não descaracteriza a situação de agressividade ou nocividade à saúde ou à integridade física, no ambiente de trabalho” (TRF 1ª Região, Segunda Turma, AMS 2001.38.00.017669-3/MG, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, DJ de 24.10.2002, p. 44), principalmente quando não há provas cabais de que sua efetiva utilização tenha neutralizado por completo a ação deletéria dos agentes ambientais nocivos.
No mesmo sentido manifestou-se a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA ORDEM DE SERVIÇO 600/98. COMPROVAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. EMPREGO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. DIVERGÊNCIA ENTRE A ATIVIDADE CONSTANTE NA CARTEIRA DE TRABALHO E NO FORMULÁRIO DSS-8030.
1. A imposição de critérios novos e mais rígidos à comprovação do tempo de serviço especial anterior ao novo regime legal, instaurado pela Lei 9.032/95, frustra direito legítimo já conformado, pois atendidos os requisitos reclamados pela legislação então vigente.
2. O emprego de equipamento de proteção individual não elide a insalubridade, mas apenas a reduz a um nível tolerável à saúde humana. No caso presente, o laudo pericial não alude à eventual eliminação ou neutralização do agente nocivo, não se podendo inferir que a medida protetiva afasta a insalubridade.
3. A divergência entre a atividade informada na carteira de trabalho e a constante no formulário DSS-8030 não impede a sua caracterização como especial, porquanto o escopo da legislação previdenciária é justamente reparar os danos causados pelas condições especiais a que o segurado está sujeito habitualmente, durante o desempenho de seu labor. (Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Sexta Turma, AMS 2000.71.08.001310-0/RS, Relator Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, unânime, DJU 13.12.2000, p. 278.)
6 CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM ATIVIDADE ESPECIAL EM COMUM
A conversão do tempo de serviço prestado em atividade especial em tempo comum não se confunde com a aposentadoria especial, mas visa também reparar os danos causados pelas condições adversas de trabalho do segurado, permitindo-lhe somar o tempo de serviço prestado em condições especiais, convertido, com o tempo de atividade comum, para obter o benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição.
A conversão do tempo de serviço consiste na transformação do tempo de trabalho prestado em condições penosas, insalubres ou perigosas em tempo comum, aplicando-se a esse período o índice previsto pela legislação previdenciária.
Para Wladimir Novaes Martinez a conversão do tempo de serviço pode ser entendida na “transformação de período de trabalho perigoso, penoso ou insalubre em comum (a partir da Lei 9.032/95, apenas trabalho especial para comum e sempre válida entre os tempos especiais). Necessariamente ampliando-se o interregno laboral em número de dias, conforme a tabela de equivalência defluente naturalmente da relação matemática entre os 15, 20 e 25 anos”.[23]
Como anteriormente demonstrado, após a edição da Lei 6.887/80, foi permitida a conversão do tempo de serviço exercido pelo trabalhador em atividades perigosas, penosas ou insalubres em tempo de atividade comum, para o deferimento de qualquer uma das três aposentadorias especiais (15, 20 ou 25 anos) e para a obtenção da aposentadoria comum, adicionando o tempo especial, depois de convertido, ao tempo de atividade comum.
A Lei 8.213/91 continuou a permitir a conversão do tempo de atividade especial em tempo comum para a obtenção da aposentadoria comum por tempo de contribuição.
A Medida Provisória 1.663-10, de 28.05.1998, revogou o § 5º do artigo 57 da Lei 8.213/91 que permitia a conversão do tempo de serviço especial em tempo comum.
Entretanto, ao ser parcialmente convertida na Lei 9.711, de 20.11.1998, a parte referente à revogação do § 5º do artigo 57 da Lei 8.213/91, que constava anteriormente no artigo 32 da medida provisória, foi suprimida, persistindo a redação do artigo 57, tal como veiculada na Lei 9.032/95, permitindo a conversão do tempo de serviço especial em tempo comum.
Importante destacar que menos de um mês após a edição da Lei 9.711/98 foi promulgada a Emenda Constitucional 20/98, mantendo a aposentadoria especial submetida às regras dos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91, possibilitando a conversão do tempo de serviço especial em comum.
Nesse sentido decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 2000.71.00.030435-2, proposta pelo Ministério Público Federal perante a 4º Vara Previdenciária de Porto Alegre – RS:
“Por outro lado, quando da tramitação da Emenda Constitucional acima referida, o governo negociou com a oposição e aceitou retirar da Reforma Previdenciária a expressão ‘exclusivamente” do texto daquele § 1º do art. 201, que define o direito à aposentadoria especial. Com a expressão no texto, só teria direito à aposentadoria especial, a princípio, quem permanecesse em atividade prejudicial à saúde todo o período de serviço necessário para receber o benefício. Como a exclusividade não foi aprovada, a conversão deve ser possível, inclusive com período posterior a 28.05.1998 e sem tempo mínimo de exercício da atividade.
E é em virtude justamente desta negociação, em período concomitante à publicação da Lei 9.711/98, que se deve entender que, de fato, o legislador ordinário e constituinte derivado não pretendiam revogar aquele § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91.”
Nesse contexto, as regras para a concessão de aposentadoria especial em vigor até a publicação da Reforma da Previdência continuam válidas por expressa recepção, até que haja nova regulamentação da matéria por meio de Lei Complementar.
A jurisprudência oriunda dos Tribunais Federais, em diversos acórdãos, abona este ponto de vista, no sentido da possibilidade de conversão do tempo de trabalho prestado pelo segurado em condições especiais, inclusive após a Lei 9.711/98, o qual poderá ser somado ao restante do tempo sujeito à contagem comum.
Confira-se:
“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. ENQUADRAMENTO LEGAL. LEI Nº 9.032/95. INAPLICABILIDADE. ENGENHEIRO CIVIL. LEI Nº 5.527/68 REVOGADA PELA MP Nº 1.523/96.
1. É firme a jurisprudência desta Corte de que é permitida a conversão em comum do tempo de serviço prestado em condições especiais, para fins de concessão de aposentadoria, nos moldes previstos à época em que exercida a atividade especial, desde que até 28/5/98 (Lei nº 9.711/98).
2. Inexigível a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos para o período em que a atividade especial foi desenvolvida antes da edição da Lei nº 9.032/95, pois até o seu advento, era possível o reconhecimento do tempo de serviço especial apenas em face do enquadramento na categoria profissional do trabalhador.
3. Os engenheiros estavam protegidos por diploma específico, in casu, a Lei nº 5.527/68, revogada somente com a redação do art. 6º da Medida Provisória nº 1.523/96, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/97, fazendo jus o recorrido à contagem do tempo de serviço especial sem a exigência de demonstração de efetiva exposição a agentes nocivos no período pleiteado, mostrando-se suficiente a comprovação da atividade com a Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS.
4. Recurso improvido.” (Superior Tribunal de Justiça, Sexta Turma, REsp 440.955/RN, Relator Ministro Paulo Gallotti, DJ 1º.02.2005, p. 624.)
Há que se ressaltar que a Lei 9.876/99 dispôs que o segurado que implementou os requisitos necessários à concessão da aposentadoria por tempo de serviço, inclusive proporcional até a publicação da Emenda Constitucional 20/98, tem garantido o direito de requerer o benefício a qualquer tempo, aplicando-se as regras antigas, não existindo qualquer impedimento para que seja contado o tempo especial.
Posteriormente, o Decreto 4.827, de 04.09.2003, consignou que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período, obedecida a legislação vigente na época da prestação de serviço.
Importante destacar, mais uma vez, que nenhuma instrução normativa do ente autárquico poderá dispor em demérito do segurado, contrariando as disposições legais atinentes à matéria, nem poderá provocar lesão a direitos adquiridos.
De todo o exposto, conclui-se que a conversão do tempo de serviço prestado em atividades comprovadamente especiais, para tempo comum, é possível, fazendo jus o segurado à percepção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, com o cômputo do tempo de serviço prestado em atividades sujeitas à exposição a agentes insalubres, prejudiciais à saúde e à integridade física.
7 CONCLUSÃO
Frente a todo o exposto, observa-se que as alterações implementadas na legislação referente ao benefício de aposentadoria especial, ao longo dos anos, são significativamente dificultadoras do acesso dos trabalhadores ao benefício.
Entretanto, algumas modificações, apesar do ônus que impuseram ao segurado, eram necessárias.
É o caso da carência, majorada de 60 (sessenta) contribuições, exigência encontrada na legislação anterior à Lei 8.213/91, para 180 (cento e oitenta) contribuições, reforçando o princípio da solidariedade contributiva, preceito básico do sistema previdenciário.
Da mesma forma, dotada de coerência a vedação posta pela Lei 9.032/95 quanto à permanência ou ao retorno do segurado aposentado na forma especial à sujeição a agentes nocivos, afinal, se o objetivo deste benefício é proteger a saúde do trabalhador, propiciando-lhe a jubilação antecipada, inadmissível que permaneça exposto a condições nocivas após a aposentadoria.
Segue, ainda, essa mesma linha, a supressão da exigência da idade mínima de 50 (cinqüenta) anos como pressuposto para concessão do benefício, exatamente em face do interesse na retirada do trabalhador das condições prejudiciais a que se expõe quando cumprido tempo mínimo de trabalho, independentemente da idade. Caso contrário, aqueles que precocemente assumissem atividades prejudiciais, restariam marginalizados do fim precípuo da aposentadoria especial, visto que sujeitos a maior período de exposição.
Observa-se, portanto, a inserção de novas disposições compatíveis com a realidade ensejadora da aposentadoria especial e a finalidade desta.
Por outro lado, outras tantas disposições foram incluídas com o intuito predominante de dificultar a concessão do benefício. A burocracia foi manifestamente declarada com a exigência de documentos probatórios específicos das condições onde laborou o trabalhador, o que é agravado pela dependência, do segurado, de seu empregador, uma vez que é deste o dever de manter os dados acerca da vida profissional do empregado.
Tal situação acarreta, quando do inadimplemento do empregador, grande probabilidade da não obtenção do benefício, particularmente porque não existe forte fiscalização no setor. Tal fato é corroborado, ainda, pelo desconhecimento, pelo trabalhador, da necessidade de tais documentos.
Com efeito, o segurado, por vezes, toma ciência da imprescindibilidade dos documentos comprobatórios do exercício de atividade especial apenas quando chega ao momento de aposentar-se, ou seja, provavelmente, quando transcorrido lapso temporal demasiado desde a época da prestação da mão-de-obra, inviabilizando, assim, o alcance a tais informações.
Importante ressaltar que a atualização das normas jurídicas é imprescindível, pois apenas desta forma são atendidas as demandas da sociedade. No entanto, faz-se necessária a efetivação de políticas sociais que fortaleçam o objetivo principal da Previdência Social, qual seja: prevenir o desamparo a partir da relação contributiva estabelecida.
A demonstração das condições nocivas dos segurados para fins de aposentadoria especial é, indubitavelmente, necessária sob pena de conceder-se benefício antecipado para aqueles que deveriam subordinar-se à regra geral das aposentadorias. Todavia, o imenso equívoco e prejuízo destas mudanças está no procedimento adotado para tanto.
O requerimento de documentos, como o perfil profissionográfico e o laudo técnico, são importantes para essa comprovação. No entanto, é indispensável que sejam acompanhados de políticas viabilizadoras para o seu alcance pelo trabalhador.
Além disto, imprescindível o investimento em políticas públicas e privadas de educação dos trabalhadores no sentido de esclarecer-lhes acerca da documentação que devem receber quando operada a rescisão contratual e o quanto esta será fundamental para o requerimento de futuro benefício previdenciário.
Como se não fossem suficientes os obstáculos impostos pelas leis tem-se, ainda, as ordens de serviço, instruções normativas e demais medidas administrativas editadas pelo INSS, as quais, apesar de serem relevantes para orientação dos servidores, no mais das vezes apresentam uma interpretação equivocada da norma ou, ainda, inserem exigências não previstas, o que viola flagrantemente o ordenamento jurídico nacional, em especial o princípio da legalidade, reputando-se tais instrumentos administrativos verdadeiros espelhos da arbitrariedade e da ilegalidade.
Por fim, as constantes alterações legislativas induzem o aplicador da lei ao erro, de forma a buscar sempre a aplicação da última norma editada.
Ora, a exposição do segurado do Regime Geral da Previdência Social a agentes nocivos à saúde e à integridade física ao longo de sua vida laboral, que lhe assegura o direito ao benefício da aposentadoria especial, deverá ser considerada à luz das normas legais vigentes ao tempo de cada prestação laboral, não havendo que se falar em aplicação da norma mais recente.
Diante dessas ponderações, conclui-se pela necessidade de investimento na educação da classe trabalhadora, para que tenha consciência dos seus direitos e deveres no que tange à concessão dos benefícios previdenciários. Por outro lado, mister se faz a melhoria das condições de trabalho, com a atenuação dos riscos aos quais se submetem os trabalhadores.
Analista Judiciário Pós graduado em Direito Ambiental pelo Uniceub – Brasília Pós graduado em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus de Cultura Jurídica
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