Na medida em que cresce a opção pela arbitragem como forma de resolução de controvérsia no Brasil e no mundo, aumentam também as questões relativas aos juízos de valores do que é certo e do que é errado no uso deste meio alternativo de acesso à justiça.
Questionamentos: Como qual conduta adotar quando há recusa ou impugnação de árbitro? Como agir quando surge o ilícito penal ou criminal no procedimento arbitral? Como preservar o sigilo – uma de suas vantagens – quando surge um ilícito desta natureza? A reincidência na indicação de árbitro por uma mesma parte é admissível? Qual o limite para definir imparcialidade? Como compreender a independência dos árbitros? Qual é o papel do advogado na arbitragem? Estas verdadeiras premissas éticas são cada vez mais frequentes para todos os envolvidos no procedimento arbitral e, principalmente, para as instituições que administram a arbitragem – as câmaras arbitrais.
Estas preocupações estão sempre na ordem do dia das câmaras arbitrais que desejam toda a segurança e toda a transparência para o procedimento arbitral e seus envolvidos. Mas não se tratam de questões fáceis de serem resolvidas, pois envolvem verdadeiros conceitos éticos. É preciso bom senso, serenidade e, principalmente, boa vontade no puro conceito kantiano de moralidade.
O respeito aos princípios éticos trazem a confiança na arbitragem e a segurança de que as partes terão seus direitos preservados e a decisão arbitral cumprida sem risco de nulidade.
É preciso ter em conta que a recusa e a impugnação de árbitro, por exemplo, quando bem fundamentadas e procedentes, não são instrumentos protelatórios do procedimento arbitral. São vantagens que os usuários da arbitragem tem na escolha de seu julgador. Ou seja, se uma parte questiona e levanta suspeita pela indicação de árbitro que a outra parte indicou é preciso avaliar esta escolha feita e substituir este árbitro se for o caso. A suspeição é elemento que não se adéqua aos princípios éticos da arbitragem, nem traz segurança ao procedimento.
Outro ponto que cresceu no debate sobre as questões éticas na arbitragem é o surgimento de incidentes criminais no procedimento arbitral. Assim, o suborno ou qualquer comportamento criminoso que ocorra e principalmente chegue ao conhecimento dos árbitros e/ou da câmara arbitral que administra o procedimento deve ser motivo de investigação e providências do tribunal arbitral e da câmara arbitral. O dever ético do árbitro e da câmara arbitral é o de preservar o instituto da arbitragem perante às partes e à sociedade. Quando se menciona diligência do árbitro deve-se incluir nesse dever a preocupação com o afastamento de qualquer atitude suspeita e criminosa do procedimento.
Contudo, como preservar uma das vantagens da arbitragem – o sigilo – quando situações criminosas, ilícitas ou suspeitas atingem o procedimento arbitral? Antes de mais nada é preciso esclarecer que o privilégio do sigilo na arbitragem é uma escolha e não uma obrigação. Ele deve ser respeitado como uma escolha das partes, mas não deve se sobrepor à lei. O sigilo não deve infringir às regras do direito, nem servir de argumento para desrespeitá-las. Desta maneira, quando o árbitro toma conhecimento de alguma atitude ilícita ou de alguma atitude criminal relacionada com o procedimento arbitral em que está como julgador, ele tem a obrigação moral, ética e legal de denunciar o ilícito. O árbitro tem a função de preservar os princípios da boa-fé, da lei de polícia e da ordem pública. A integridade do árbitro tanto no seu desempenho ético quanto na sua ação no sentido de coibir possível ato ilícito no procedimento arbitral é dever inerente de sua função de julgador. Da mesma forma, as câmaras arbitrais têm o dever de proteger e preservar o instituto da arbitragem e garanti-lo ainda que isto implique em violação do sigilo.
A reincidência na indicação de árbitro por uma mesma parte, também é objeto de avaliação ética da arbitragem. Isto é, quando uma parte sempre ou freqüentemente indica um mesmo árbitro para procedimentos diferentes em que ela figura seja como a demandante seja como a demandada enseja suspeição e compromete a prática imparcial e independente do árbitro. Não se pode admitir um “árbitro preferido”! Ainda que as questões em litígio sejam as mesmas, a escolha de um julgador especializado deve ser variada a ponto de não ensejar qualquer tipo de comprometimento. O mesmo se aplica ao perito quando este se faz presente no procedimento arbitral. Afinal, como justificar que o mesmo profissional detenha conhecimentos específicos em questões diversas que o capacitem a prover um julgamento específico, característica própria da arbitragem. Esta reincidência pode comprometer uma avaliação isenta.
Enquanto estes pontos discutidos são relativamente claros de serem tratados, a imparcialidade é mais difícil de ser definida. É certo que ela é, juntamente com a independência, prerrogativa imprescindível para quem julga, mas está muito sujeita ao meio em que o julgador vive. Ou seja, é impossível não sofrer influência, ainda que muito sutil, de fatores sociais e culturais e, de alguma forma refletir no pensamento de quem julga. Mas o que se espera é que estas influências não sobreponham ao bom senso, a noção de justiça e ao bom discernimento do árbitro.
A independência, outra obrigação do árbitro, por sua vez, é condição inerente para atuar no procedimento arbitral. O árbitro não é “advogado” das partes nem está comprometido com a parte que o indicou. Ele tem que estar livre de qualquer compromisso, vínculo ou relacionamento com as partes envolvidas na arbitragem. Mas como avaliar o grau de proximidade se muitas vezes podem até ocorrer um relacionamento indireto? Por exemplo, um árbitro que atua em um grande escritório descobre, após ser indicado, que um colega atende a uma das partes. Ou o caso da indicação de um árbitro que durante um processo de uma grande fusão empresarial atuava como um dos advogados de uma das empresas ligadas ao grupo envolvida no processo de fusão e agora é parte na controvérsia arbitral. O que se espera nestes casos que se refira à independência do árbitro é bom senso, pois a suspeição gera a desconfiança, o descrédito e a insegurança da decisão e, conseqüentemente pode levar a nulidade da sentença arbitral.
E, finalmente, a preocupação ética também abrange o papel do advogado que representa as partes no procedimento arbitral. Na realidade a atitude deve ser de responsabilidade e de cooperação. Não tem cabimento reproduzir atitudes ou vícios de quem atua no processo judiciário porque a escolha pela arbitragem além de ser livre, busca um caminho diferente e alternativo. Qual o sentido de transferir o sistema estatal para o privado?
Em tempos em que a “ética é para o outro”, em que vivenciamos uma crise de valores, não custa nada resgatar os princípios kantianos de boa vontade como conceito absoluto, universal e que orienta as nossas ações com a intenção de agir de acordo com a lei, cujo único e verdadeiro princípio da moralidade é o da vontade absolutamente boa.
Não importa em qual classificação iremos inserir os princípios éticos na arbitragem, se pelo entendimento da ética do dever e seus princípios guiados pela consciência, se de acordo com a ética utilitarista cuja premissa são as conseqüências das ações ou sob o pensamento da ética aristotélica de busca pela felicidade em que a virtude está no meio termo. O que devemos almejar é uma boa dose de altruísmo, de integridade e de bom senso principalmente quando tratamos de um meio tão eficaz e tão democrático como é o instituto da arbitragem.
Advogada especialista em arbitragem, mestre em direito internacional pela Faculdade de Direito São Francisco da Universidade de São Paulo, editora do site Espaço da Arbitragem (www.espacodaarbitragem.com.br) e autora do livro “ Árbitro e Estado: Interesses Divergentes ?” – Editora Atlas.
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