O Brasil, depois que ratificou e internalizou a convenção de Nova York (Decreto 4.311/2002), se alinhou com as principais jurisdições mundiais no reconhecimento mútuo de decisões arbitrais. A arbitragem tem se demonstrado um caminho eficiente para a solução de controvérsias empresariais em que o tempo para decisão, o conhecimento específico do assunto e o sigilo são fatores importantes.
Nos contratos públicos de grande monta, sejam de fornecimento de produtos ou serviços, de concessões de serviços públicos e até de parcerias público-privadas, os dois primeiros fatores são de extrema importância, de modo que a aplicação da arbitragem para solucionar controvérsias nestes contratos é muito vantajosa. Contudo, em se tratando de contratos com o poder público, que é titular do interesse público, o deslocamento das decisões do poder judiciário merece análise mais detida.
Uma das correntes que trata do tema entende que nos contratos administrativos, por serem marcados pela supremacia do interesse público, não é possível o afastamento do poder judiciário, e as cláusulas que previssem a arbitragem seriam nulas.
A outra corrente diametralmente oposta entende que, uma vez existindo Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), prevendo-a sem distinção entre contratos públicos e privados, é possível que os contratos com o poder público contenham cláusula geral prevendo que as controvérsias decorrentes do contrato e de sua execução podem ser todas solucionadas por arbitragem.
Há, ainda, uma corrente mais moderada que entende ser possível a arbitragem em certas situações e outras, não.
O art. 37 da Constituição Federal impõe aos órgãos da administração pública direta e indireta o princípio da legalidade estrita, segundo o qual o administrador público não poderá realizar nenhum ato que a lei expressamente não lhe autorize – no caso, incluir cláusula ou realizar arbitragem nos negócios da administração pública.
Neste aspecto, em primeiro lugar, o artigo diz respeito apenas à administração pública direta e indireta, e não às empresas públicas que, por força do art. 173 da Constituição Federal, se sujeitam ao regime comum de direito privado, embora tenham que se ater aos princípios da administração pública e realizar licitações.
Destaca-se, ainda, a previsão legal que viabiliza a utilização da arbitragem para as concessões de serviço público (Lei 8.897/95 art. 23 – XV) e para as parcerias público-privadas (Lei 11.079/2007 art. 11 – III), por exemplo.
Não parece correto o argumento de que a previsão contida na Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 8.666/76 – art. 55 – XII – § 2º) de obrigatoriedade de cláusula que declare competente o foro da sede da administração obrigue que este foro seja judicial, mas simplesmente define competência territorial do foro judicial ou arbitral, já que o art. 18 da Lei de Arbitragem confere jurisdição ao juiz arbitral e o art. 475, inciso N considera Título Executivo Judicial a sentença arbitral.
Considerando que, em minha avaliação, a Lei de Arbitragem cria para a arbitragem jurisdição tão poderosa como a da decisão judicial, e não havendo óbice legal a que a sua utilização também se aplique aos órgãos públicos, entendo existir possibilidade de sua previsão nos contratos administrativos.
Porém, o art. 1º da própria Lei de Arbitragem deixa claro que esta só se aplica aos direitos disponíveis, e a principal argumentação contrária ao uso do método nos contratos administrativos é de que o interesse público é indisponível – uma herança da Doutrina Francesa. Por tal motivo, deveria ser usado o sistema judiciário. É preciso observar, no entanto, que existe uma diferença entre os assuntos de interesse público primário e de interesse público secundário.
Entendo que para os direitos e obrigações patrimoniais do contrato administrativo que se submetem ao regime privado pode ser estabelecida a arbitragem, baseado nas condições econômicas e comerciais dos contratos, assuntos de interesse da administração, de interesse público secundário. Já para aqueles decorrentes do interesse público primário, assuntos do interesse direto dos cidadãos, que envolvem atos de império ou de autoridade, serviços públicos e poder de polícia, não é recomendável.
Há ainda o fato de a arbitragem ser sigilosa, e, segundo o art. 37 da Constituição Federal, a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deve obedecer a alguns princípios, entre eles, publicidade. Ou seja, a decisão arbitral não poderia ser mantida em sigilo. A solução, no entanto, é simples: divulgar a sentença arbitral em casos que envolverem a administração pública.
Desta forma, o ideal para a validade da cláusula arbitral ou da arbitragem que for instalada é que sejam claramente definidos na minuta do contrato quais são as controvérsias e os respectivos itens do contrato que estão sujeitos à arbitragem, e quais somente podem ser discutidos na Justiça. A mesma cautela vale para a limitação de escopo na instalação de arbitragem em contratos administrativos. E deve ser levado em conta é que se a arbitragem trouxer benefícios e mais eficiência – um dos princípios também do art. 23 da Constituição – nos assuntos administrativos, temos de buscar um equilíbrio para torná-la possível.
Advogado e sócio do escritório Correia da Silva Advogados, especializado em Direito Econômico, Sanitário, Administrativo e Comercial
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