Resumo: O artigo analisa os desafios da normatização ambiental no Mercosul em face das assimetrias legislativas existentes entre os países integrantes do bloco. Parte primeiramente para uma compreensão sobre como ocorreu a proteção ambiental na América Latina até chegar nas primeiras regras ambientais mercosulinas. Por fim, aponta o dilema relativo a harmonização ou padronização da legislação ambiental entre os Estados-membros do Mercosul.
Palavras-chave: MERCOSUL, direito ambiental internacional, meio ambiente,
Sumário: Introdução; 1. Dos primórdios da proteção ambiental na América Latina às iniciativas ambientais integracionistas do MERCOSUL; 2. A proteção jurídica do meio ambiente no MERCOSUL: do tratado de assunção ao acordo-quadro sobre meio ambiente; 3. Harmonizar ou padronizar a legislação ambiental entre os estados-membros do MERCOSUL? Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A preocupação com questões ligadas à natureza não é algo recente na história da humanidade. Há quem afirme que “sempre houve normas voltadas para a tutela da natureza” (ANTUNES, 2004, p. 3). Entretanto, até o início do século XX predominava uma concepção de que os recursos naturais seriam suficientes para atender a todas as demandas da humanidade sem haver a necessidade de o homem zelar pela natureza e, principalmente, sem ter de mudar seus padrões de consumo e de produção de bens. Diante disso, as primeiras preocupações ambientais estavam ligadas a questões diretamente vinculadas aos interesses do homem, não havendo uma preocupação do meio ambiente por ele próprio. Isso decorre do fato de que havia pouca crítica a essa atuação humana descompromissada, tendo em vista que não havia emergido uma consciência de preservação ambiental. Muito pelo contrário, o que prevalecia era uma idéia de que o meio ambiente teria condições de se recuperar da poluição das águas e da atmosfera.
Mais recentemente, emergiu uma nova consciência ambiental de que os problemas atuais são globais e que suas soluções também devem ser encontradas em conjunto com todos os países. Contudo, ainda não se desenvolveu uma clareza a respeito do que precisa ser feito nesse sentido e, principalmente, quais os fatores dentro desse contexto devem ser priorizados na busca pelo progresso e desenvolvimento da humanidade. A partir do momento em que o mundo passou a presenciar catástrofes e problemas ambientais alguns organismos internacionais passaram a exigir uma mudança de postura mundial. Nesse sentido, ganhou destaque a presença marcante da Organização das Nações Unidas (ONU) que em 1972 organizou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. Foi a partir dessa Conferência, cujo resultado marcante foi a elaboração de uma declaração de princípios (Declaração de Estocolmo), que o mundo passou, gradativamente, a tratar de forma diferente os problemas ambientais.
Cientes de que os problemas ambientais não respeitam fronteiras, os Estados passaram, portanto, a buscar conjuntamente mecanismos de controle e prevenção aos problemas ambientais, tendo em vista que além da consciência dos riscos ambientais, existem outras relações que unem certos países. Assim, emerge após um período de inércia, uma postura internacional de enfrentar os problemas ambientais que culminou com o surgimento de um novo ramo do Direito caracterizado por tratar de questões específicas da proteção ao meio ambiente e por possuir características que lhe são próprias. Nesse sentido, Cristiane Derani afirma que “o Direito ambiental é em si reformador, modificador, pois atinge toda a organização da sociedade atual, cuja trajetória conduziu à ameaça da existência humana pela atividade do próprio homem, o que jamais ocorreu em toda história da humanidade. É um direito que surge para rever e redimensionar conceitos que dispõem sobre a convivência das atividades sociais” (DERANI, 2001, p. 79).
Trazendo o assunto para o caso do Mercosul, percebe-se que a questão ambiental possui grande relevância apesar de suas políticas comuns ainda não estarem totalmente definidas. A justificativa para tanto reside em vários aspectos, mas um deles é o de que o território do Mercosul abrange 56% do espaço ambiental da América do Sul. Esta área é de grande importância em termos ambientais em razão de sua biodiversidade, fontes energéticas, recursos minerais, além de possuir importantes bacias hidrográficas, florestas, zonas costeiras, cerrados, o pampa, o chaco, o pantanal, regiões semidesérticas e montanhas andinas. Com toda esta riqueza ambiental, todo o território é alvo de intenso processo de desenvolvimento, tornando freqüentes e presentes as ameaças aos recursos naturais (SOUZA, 2007).
Além disso, para um bloco com fins econômicos e comerciais como o Mercosul, possuir regras claras e harmônicas no que tange a proteção ambiental é fundamental para se evitar choques advindos das relações intrabloco. Contudo, ainda se mostra incipiente a normatização ambiental do Mercosul que possui inúmeras assimetrias nas normas ambientais de seus Estados-membros e pouca implementação nacional das orientações tomadas no bloco. Essa preocupação ganha maior destaque pois é evidente que um dos objetivos colimados por países que se reúnem em blocos econômicos é o de livre circulação de mercadorias. Para tanto, os países membros comprometem-se a não impor restrições de cunho meramente protecionista de forma a impedir a integração econômico-comercial. É justamente nesse ponto que se insere uma questão delicada da aplicação de medidas de proteção ambiental que por ventura venha a se contrapor ao livre-comércio. Isso porque de um lado está o interesse e compromisso de integração econômica e de estabelecer um livre comércio, e de outro está, em alguns casos, a possibilidade de adoção de medidas restritivas baseadas em incertezas quanto aos riscos de determinados produtos postos à disposição e ao consumo.
Assim, faz-se necessário estudar e compreender a evolução da proteção ao meio ambiente no Mercosul e como os seus Estados-membros recepcionaram essa preocupação ecológica em seus ordenamentos jurídicos, especialmente, em suas Constituições de forma a descobrir formas eficientes de enfrentar conjuntamente os problemas ambientais. Com esse tipo de estudo torna-se possível traçar um diagnóstico acerca das zonas de antagonismo legislativo entre os Estados e apontar alternativas para evitar que a má-gestão executiva e/ou legislativa da temática ambiental possa trazer prejuízos no desenvolvimento do Mercosul e as relações entre seus membros.
1 DOS PRIMÓRDIOS DA PROTEÇÃO AMBIENTAL NA AMÉRICA LATINA ÀS INICIATIVAS AMBIENTAIS INTEGRACIONISTAS DO MERCOSUL
As primeiras normas de proteção ao meio ambiente na América Latina surgem para regulamentar a utilização dos recursos naturais. Entretanto, são normas que não foram criadas com a função expressa de proteger o meio ambiente, muito embora tivessem efeitos ambientais indiretos. Posteriormente, surge outro tipo de regulamentação atrelada a setores ambientais específicos, tais como água, solos e fauna. Contudo, foi somente há poucas décadas, especialmente após as Conferências realizadas pela ONU, que a legislação ambiental passa a encarar a proteção ao meio ambiente como um sistema complexo e cuja regulamentação deve ser realizada conjuntamente com diversos fatores.
Não obstante a essa evolução, ainda se constata que o Direito Ambiental latino-americano ainda convive com três tipos de ordenamentos jurídicos com enfoques diferenciados quanto à proteção ambiental. Existem países em que a proteção ao meio ambiente é composta por uma visão moderna e o visualiza como um todo organizado e sistemático (legislação propriamente ambiental). Há também países onde a proteção se dá através da regulamentação de certos elementos e atividades ambientais (legislação setorial de relevância ambiental), bem como, há aqueles sem nenhum propósito ambiental mas que regulam condutas que incidem significativamente na sua proteção (legislação de relevância ambiental causal). (BRAÑES, 1994, p. 35-53).
Nesse contexto, uma tendência que se observa com maior intensidade após a realização da Conferência de Estocolmo e do Rio de Janeiro é a adoção de legislações propriamente ambientais. Após o ano de 1972, alguns países começaram a alterar as suas Constituições seguindo as orientações presentes nas Declarações da ONU. Isto contribuiu para que, em 1992 (ano da realização da Eco-92), já houvesse uma preocupação comum entre os Estados no que tange ao meio ambiente. Desta forma, o papel das Declarações de Estocolmo e Rio de Janeiro é bastante significativo, de maneira que
“[…] têm exercido o papel de verdadeiros guias e parâmetros na definição dos princípios mínimos que devem figurar seja nas legislações domésticas dos Estados, seja na adoção dos grandes textos do direito internacional da atualidade. Por outro lado, ambas as declarações cumprem a função própria dos grandes textos de natureza fundamental da história da humanidade, qual seja de petrificar em textos escritos e solenes aqueles valores que já se encontravam estabelecidos nos sistemas jurídicos da maioria das nações e nas relações internacionais recíprocas, ao mesmo tempo em que declaram outros valores que constituem novidade e representam exteriorizações da emergente consciência da necessidade da preservação do meio ambiente global” (SOARES, 2004, p. 45).
Aliado a tudo isso, constata-se o compromisso de adequação legislativa consagrado expressamente no principio 11 da Declaração do Rio. Segundo este princípio os países signatários devem “adotar legislação ambiental eficaz” cujos objetivos e prioridades reflitam o “contexto ambiental de desenvolvimento a que se aplicam” (PNUMA, 1996). Segundo um estudo realizado pelo PNUMA “a eficácia da legislação ambiental na América Latina […] está relacionada com a aplicação ambiental da mesma, na medida em que os esquemas de gestão ambiental na região residem fundamentalmente na ação da administração pública e muito menos na participação do Poder Judiciário e da sociedade. Por isso, o estudo das modificações legislativas que adotaram para a implementação dos compromissos internacionais assumidos na Carta da Terra deve seguir a análise das transformações nas estruturas administrativas de governo encarregadas de sua aplicação” (PNUMA, 1996).
Uma análise quanto à recepção dos compromissos internacionais assumidos pelos países latino-americanos durante a Conferência do Rio, no intuito de se elaborar uma legislação ambiental eficaz, foi realizada pelo PNUMA no ano de 1996. A partir desse documento, é possível compreender qual o papel daquela Conferência, especialmente no que se refere às adequações que as Constituições dos países latino-americanos sofreram. No presente estudo, será dada ênfase à proteção ambiental no âmbito dos países integrantes do Mercosul desde o seu surgimento até a atualidade, o que será feito a seguir.
2 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE NO MERCOSUL: DO TRATADO DE ASSUNÇÃO AO ACORDO-QUADRO SOBRE MEIO AMBIENTE
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, firmaram em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção (TA) que constituiu o Mercado Comum do Sul. Com esse acordo os países sempre visaram o desenvolvimento econômico e o fortalecimento das relações entre os países. Criado em 1991, mas efetivado a partir de 31 de dezembro de 1994, o Tratado de Assunção não menciona de maneira clara uma preocupação com aspectos ambientais. Entretanto, no segundo parágrafo do seu preâmbulo já se apresenta de uma forma sutil a existência de uma intenção em ampliar as dimensões dos mercados dos países que o integram através de diversas formas, dentre elas a partir da preservação do meio ambiente. Uma prova disso pode ser vista quando, em 1991, os quatro países signatários do TA mais o Chile, subscreveram a Declaração de Canela (Declaração dos Presidentes dos Países do Cone-Sul com vistas à Eco-92) na qual se manifestou a importância da temática ambiental. Foi o primeiro documento acerca da matéria ambiental do Mercosul, já estando em consonância com os temas a serem tratados posteriormente na Convenção das ONU a ser realizada no Rio de Janeiro. Foi também em 1992, nos dias 26 e 27 de junho, durante a II Reunião de Presidentes do Mercosul, celebrada em Lãs Leñas, Argentina, que foi criada a REMA (Reunião Especializada em Meio Ambiente) através da Resolução nº 22/92, encarregada de levar recomendações do Grupo Mercado Comum (GMC) que, se aprovados seriam transformadas em Resoluções com o intuito de estabelecer um âmbito específico para analisar a legislação dos Estados mem$$bros em matéria ambiental. Foram realizadas poucas reuniões no período de novembro de 93 a novembro de 94, tendo produzido dentre outros documentos uma resolução (10/94) que indica as “diretrizes básicas em Matéria de política ambiental”.
A partir de 1995, através da Resolução Mercosul GMC nº 20/95, que deu nova estrutura ao Grupo Mercado Comum, a questão ambiental passou a ser tratada com maior ênfase. Foram substituídas as Reuniões Especializadas e criado, através da decisão nº 1/95 do Conselho Mercado Comum (CMC/Mercosul), um Subgrupo de Trabalho (SGT-6) com o intuito de discutir especificamente as questões ambientais. Esse Subgrupo procura direcionar suas atividades a partir de algumas diretrizes básicas, dentre elas: 1) Assegurar a harmonização da legislação ambiental entre os Estados-Partes do Tratado de Assunção; 2) Assegurar condições equivalentes de competitividade entre os Estados-Partes para a inclusão do custo ambiental numa análise do custo total de qualquer processo produtivo; 3) Garantir a adoção de práticas não-degradantes do ambiente nos processos que utilizam os recursos naturais; 4) Assegurar a adoção do desenvolvimento sustentável no aproveitamento dos recursos naturais renováveis a fim de garantir sua utilização futura; 5) Assegurar a obrigatoriedade de adotar a prática de licença ambiental para todas as atividades potencialmente degradantes ao ambiente nos Estados-Partes, tomando-a como um dos seus instrumentos de avaliação de impacto ambiental; 6) Assegurar a minimização e eliminação da descarga de poluentes a partir do desenvolvimento e da adoção de tecnologia apropriada; 7) Assegurar um menor grau de deterioração ambiental nos processos produtivos dos produtos de comércio, tendo em vista a integração regional no âmbito do Mercosul; 8) Assegurar a concentração de ações dirigidas à harmonização de procedimentos legais e institucionais para a licença ambiental e a realização de monitoramentos das atividades que possam gerar impactos ambientais nos ecossistemas compartilhados e 9) Garantir que as atividades relacionadas ao desenvolvimento do turismo entre os Estados-Partes considerem os princípios e normas que assegurem o equilíbrio ambiental.
Posteriormente, foi firmado o Acordo Quadro sobre Meio ambiente do Mercosul (Acordo de Florianópolis). Este acordo foi assinado em março de 2001 durante a IV Reunião Extraordinária do SGT-6. Ele reafirma os compromissos com os princípios enunciados na Declaração do Rio e propõe que sejam analisadas, futuramente, as possibilidades de se instrumentalizar a aplicação daqueles princípios que ainda não foram objeto de tratados internacionais (art. 2).
Muito embora este acordo não seja constituído de obrigações claras e obrigatórias (constituindo-se em mais um exemplo de soft law), é um dos mais importantes instrumentos jurídicos de proteção ao meio ambiente firmado pelo Mercosul até o momento. Nesse sentido, Marcelo Varella ao analisar essa característica do Acordo-Quadro, cada vez mais comuns nos textos internacionais de proteção ao meio ambiente afirma que “é justamente esta diversidade e flexibilidade” normativa do Direito Internacional Ambiental que lhe confere “maior possibilidade de se expandir” (VARELLA, 2003, p. 28). Desta forma, a flexibilidade, que em outros ramos pode ser encarada como um sinônimo de desregulamentação do direito, aqui pode e deve ser compreendida como um impulso de eficácia a temas que necessitam de um debate prévio e que, raras vezes alcançam consenso capaz de conduzir a uma regulamentação rígida, ao menos num primeiro momento.
Posteriormente, em julho de 2004, foi aprovado o Protocolo Adicional ao Acordo Quadro sobre Meio Ambiente mediante a Decisão n° 14/04, regulamentando a cooperação e assistência ante a emergências ambientais, tema que já havia sido incluído no programa de trabalho do SGT-6 pela Resolução 7/98. Este Protocolo instituiu a cooperação entre os países membros do Mercosul para atuarem juntos em caso de emergência ambiental resultante de um fenômeno de origem natural ou antrópica, susceptível de provocar graves danos ao ambiente ou aos ecossistemas e que, por suas características, necessitem de assistência imediata.
Tais textos demonstram já haver uma normatização ambiental mercossulina, ainda que incipiente. De qualquer forma, é importante perceber que não basta compreender a estrutura das normas ambientais no Mercosul, mas sim, como seus membros se comportam individualmente diante desse assunto. Isso porque o Mercosul é um bloco intergovernamental cujo sucesso também requer uma harmonização das legislações de seus membros. Além disso, porque também não existem, na atualidade, normas ambientais capazes de conferir a existência de um Direito Ambiental do Mercosul. A sua normativa ambiental é modesta, muito embora já conte com fortes perspectivas de uma implementação de normas conjuntas a partir da regulamentação de acordos já firmados entre os Estados Partes, especialmente o Acordo Quadro sobre Meio ambiente do Mercosul e pela incorporação dos princípios da Declaração de Estocolmo e Rio de Janeiro. Nesse sentido, Luiz Ernani Bonesso de Araújo, ao analisar os princípios da Declaração do Rio e a sua relação com os Estados Partes do Mercosul, aponta dois caminhos para a elaboração de uma política ambiental comum. O primeiro caminho “deriva da necessidade da elaboração de leis que garantam a proteção do meio ambiente em risco, bem como, da harmonização das leis que cada país adota.” O segundo caminho, diz respeito à padrões de produção e consumo, e a possibilidade de se atingir o desenvolvimento sustentável e uma qualidade digna de vida para seus povos”. O autor ainda lembra que “a história do desenvolvimento dos latino-americanos demonstra uma despreocupação com a conservação do meio ambiente natural, dado que está submetido a uma lógica de obtenção de resultados a curto prazo” (ARAÚJO, 1995, p. 50-53).
3. HARMONIZAR OU PADRONIZAR A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL ENTRE OS ESTADOS-MEMBROS DO MERCOSUL?
Ao se estudar a harmonização legislativa em material ambiental é importante refletir sobre o significado desse processo. De acordo com o Tratado de Assunção os Estados-Partes do Mercosul devem harmonizar suas legislações nacionais de modo a fortalecer as relações de integração do bloco. A fase de harmonização pode ser considerada como um estágio prévio de integração que visa alcançar uma integração mais efetiva a partir da adoção de regras comuns. Então, o primeiro momento é o de diminuir diferenças entre as legislações dos Estados, sem, contudo, haver a necessidade de unificação, pois isso é um passo que necessita de um processo de amadurecimento das relações intra-bloco, ainda que seja algo extremamente importante e desejável.
Além disso, é importante perceber que unificação das legislações pode conduzir a uma rigidez normativa, portanto a alternativa que emerge para evitar esse tipo de situação é
“[…] encontrada na harmonização que significa, corretamente, a adaptação das legislações internas a uma diretriz comum tomada externamente. A escolha entre a unificação e a harmonização está intrinsecamente ligada à questão de como se quer uma comunidade econômica: com maior ou menor perda de soberania, construindo um Superestado ou cedendo o mínimo de individualidade para a autoridade central. Essa questão, como se vê, tem fundo filosófico, político e ideológico, parecendo claro que a opção pela forma mais atenuada da harmonização é a que mais se amolda aos princípios liberais e democráticos. Por outro lado, a tarefa gigantesca de unificação pode ser substituída pela mera adoção uniforme de princípios gerais ou de pontos essenciais de determinada relação jurídica, o que também indica o caminho da harmonização como o mais adequado para atingir-se a uniformidade, ainda que parcial mas, sem dúvida no seu aspecto fundamental. E entre a unificação completa, instituída em todos os níveis e que deve ser evitada, e o completo isolamento dos sistemas jurídicos dos Estados, que deve ser igualmente rejeitado, há um caminho intermediário que é o da harmonização”. (PABST, 1997, p. 35-36)
Assim, uma alternativa para evitar o engessamento das normas ambientais a serem aplicadas entre os Estados-partes é uma harmonização em nível constitucional. Se as Constituições pautarem-se por adoção de princípios e orientações de conduta comuns, tais como aquelas que emergem das declarações de princípios de Estocolmo e Rio de Janeiro e que já foram ou estão sendo incorporadas nas constituições dos integrantes do Mercosul haverá uma redução nas diferenças no tratamento ambiental entre seus membros. Com isso, os Estados possuirão uma base normativa comum, ainda que no campo legislativo mais específico (normas infraconstitucionais) possam apresentar algumas normas divergentes ou que estabeleçam níveis diferenciados de proteção ao meio ambiente.
Além disso, é possível se pensar em estabelecimento de padrões ambientais comuns, o que poderia evitar que empresas viessem a transferir seus investimentos de um país par ao outro, em busca de vantagens competitivas, representadas pela ausência de uma legislação ambiental rígida. Também é preciso que haja uma intensa participação social para evitar que seus governantes desrespeitem normas ambientais seduzidos por promessas de lucro fácil advindos de empresas poluidoras que prometem com a instalação de suas atividades superar o problema da pobreza e desigualdade social etc. Esse talvez seja um desafio muito difícil de ser superado, especialmente pelas condições de baixa renda das populações latino-americanas que ainda não lhes permitem levar em conta a qualidade e comprometimento das empresas com a preservação ambiental, o que conduz a uma aquisição de produtos pautada apenas pelo preço do que por uma questão de escolha consciente, pois não existem condições para tanto…
Ao se analisar as normas internas de cada país membro do Mercosul é possível compreender a atual situação da proteção ambiental no Mercosul. No Paraguai, por exemplo, o fator mais preocupante é a falta de efetividade das normas ambientais. Aliás, esse talvez seja o grande desafio de todos os países do Mercosul. Existe um corpo de lei expressivo no Paraguai, que oferece boas condições para a proteção ambiental; no entanto tais leis não são cumpridas. Em muitos casos, foram resultado de exigências de organismos internacionais mas não foram assumidas pelos formuladores e executores de políticas públicas, assim como não são conhecidas pela maior parte da população. A Argentina, por sua vez, possui como problema mais expressivo a falta de uma lei nacional em matéria ambiental, uma vez que os estados provinciais (Estados Provinciales) têm poderes para legislar, entre outras matérias, sobre meio ambiente e não delegaram esse poder ao Governo Federal que somente determinou, no art. 41 da sua Constituição, que a população possui direito a um meio ambiente sadio, equilibrado e apto para o desenvolvimento humano e para que as atividades produtivas satisfaçam as necessidades presentes, sem comprometer às das gerações futuras. Apesar desse obstáculo, o referido dispositivo constitucional aproxima-se ao que estabelece o art. 225 da Constituição brasileira que é considerada como a que possui as maiores previsões normativas em matéria ambiental dentre os países que integram o Mercosul. O Uruguai, menor país integrante do Mercosul, é um país que não possui uma grande produção industrial ou uma superpopulação e isso conduz a não possuir grandes problemas ambientais. Por essa razão, sua legislação ambiental é muito esparsa e incipiente. Uma prova disso é a ausência de uma previsão expressa quanto ao tema ambiental em sua Constituição. Desta forma, a maior participação do Uruguai na proteção ao meio ambiente está, tão somente, na assinatura e ratificação de tratados internacionais.
Desta forma, é possível constatar que muito ainda dever ser feito em relação à harmonização ambiental das legislações dos países do Mercosul, visto que as conseqüências dos danos ambientais não se restringem aos limites geográficos de países ou regiões, mas ultrapassam fronteiras. Desta forma, faz-se necessário um consenso a respeito de normas de proteção ambiental, a fim de se alcançar uma proteção ambiental conjunta. Nos Estados membros do Mercosul, existem dispositivos legais suficientes para garantir uma efetiva conservação ambiental, especialmente à legislação brasileira que é a mais completa e moderna do Mercosul. No entanto, de forma geral, esses países carecem de fiscalização eficaz para que as legislações sejam cumpridas, além de uma política de ação preventiva e repressiva dos governos por danos causados ao meio ambiente.
CONCLUSÃO
A política ambiental nos Estados Membros do Mercosul ainda não possui uma identidade clara. Essas eventuais diferenças de país a país, podem em caso de litígio ocasionar uma instabilidade comercial pela inexistência de normas harmônicas para tratar dessa temática. Cientes disso os Estados-membros do Mercosul já trataram de firmar acordos visando maior cooperação para o tratamento dos riscos ambientais, especialmente daqueles de alcance transfronteiriço. Esse quadro demonstra que o Mercosul possui uma constante preocupação em normatizar as relações de proteção ao meio ambiente, muito embora os instrumentos utilizados ainda necessitem de maior efetividade e clareza em seu conteúdo. Percebe-se, desde já, que o século XXI instiga para o surgimento de uma nova tendência onde se articulem novos regimes internacionais, mais inclusivos e globais, que somente assim, sejam capazes de resolver os principais problemas da humanidade. Para tanto, pode-se concluir que não basta a existência de uma legislação ambiental dos países membros. É preciso haver uma harmonia com a qual seja possível conferir efetividade à proteção internacional do meio ambiente, caso contrário, as intenções a proteção ambiental mercossulina permanecerão apenas como uma função simbólica dentro das metas a serem alcançadas pelo bloco.
Assim, caberá aos países membros do Mercosul se posicionarem quanto aos limites de aplicação das normas de proteção ao meio ambiente. O importante é que essa temática passe a ser mais discutida e levada em consideração em conflitos que porventura venham a surgir. Isso é fundamental pois a temática ambiental já foi colocada à prova no Mercosul mediante discussões envolvendo princípios de proteção ambiental, especialmente o princípio da precaução, sem que tenha se alcançado uma evolução nesse assunto algo que poderia ter ocorrido na controvérsia que envolveu Argentina e Brasil[1] no caso dos fitossanitários, conforme resultado do VII Laudo Arbitral do Tribunal ad hoc do Mercosul.[2] Neste caso o Brasil pretendia barrar a entrada de produtos fitossanitários argentinos em seu território, alegando que esses poderiam oferecer riscos à saúde dos consumidores e ao meio ambiente. Porém, a decisão do Tribunal afastou a aplicação do princípio da precaução, não reconhecendo a inversão do ônus da prova ao mencionar que caberia ao Brasil apresentar prova concreta quanto aos alegados danos. É evidente que houve equívoco, intencional ou não, quanto à abstenção ao uso do princípio da precaução, pois se assim o tivesse feito, a fundamentação quanto à necessidade de se apresentar prova concreta acerca dos riscos à saúde e ao meio ambiente seria afastada, por fazer parte da essência do princípio a desnecessidade de prova concreta para que sejam tomadas medidas restritivas. Todavia, tal decisão marca um importante momento no desenvolvimento do Mercosul, pois o princípio já começa a se mostrar presente em conflitos no bloco, assim como já acontece há algum tempo na União Européia.
No âmbito do Mercosul, todavia, ainda não se pode afirmar qual a decisão a ser tomada por seus membros em conflitos desse tipo; ou seja, se haverá espaço para a adoção e aplicação do princípio da precaução, por exemplo, ou se o mesmo será afastado e prevalecerá apenas a intenção de integração econômica sem preocupações com a segurança alimentar. Se a decisão for por incorporar esse tipo de princípio e preocupação ambiental nas decisões do bloco, sob o ponto de vista jurídico não haverá óbice algum para utilizá-lo como fonte, eis que tanto o Protocolo de Brasília como o Protocolo de Olivos prevêem a possibilidade de se buscar em outras fontes mecanismos para solucionar os litígios que porventura venham a surgir entre seus membros. Assim, a questão passará por uma reflexão acerca de qual interesse e qual vontade irá prevalecer; ou seja, se a decisão sobre aplicar ou não os princípios de proteção ao meio ambiente será política ou jurídica; econômica ou ambiental.
O fundamental nessa possível aplicação dos princípios de proteção ao meio ambiente oriundos das Declarações internacionais firmadas sob a égide da ONU no Mercosul é que os países também passem a adotá-lo em suas legislações nacionais, eis que pelas características deste bloco, diferentemente do que ocorre na União Européia, não existe um direito comunitário que vincule todos os estados na adoção de uma mesma prática em busca da proteção ambiental, por exemplo. Porém, independente de quem tome a posição primeiro, sejam os países membros, isoladamente, ou o próprio Mercosul, inevitavelmente surgirão muitos outros conflitos, visto que o debate entre liberalismo comercial e o desenvolvimento sustentável não é algo simples e que possa se encerrar sem uma grande reflexão e tomada de atitude política sensata por seus governantes e cidadãos.
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2010). Realizou estágio de doutorado (doutorado-sanduíche) com bolsa da CAPES na Università Degli Studi di Padova – Itália (fev-jun 2009). Mestre em Integração Latino-americana (Direito da Integração / 2005) e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, ambos pela Universidade Federal de Santa Maria (2003). Atualmente é Professor Adjunto na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em regime de dedicação exclusiva. Foi professor do Curso de Dirito do Centro Universitário Franciscano e professor do Curso de Direito da ULBRA campus Cachoeira do Sul-RS. Integrou de 2005 a março de 2011 o escritório de advocacia Budó & Oliveira Advogados Associados. Foi professor no curso de pós-graduação (Especialização em Direito Ambiental Constitucional) da Universidade da Região da Campanha. É autor do livro Direito Ambiental Internacional: o papel da soft law em sua efetivação e organizador do livro Direito Ambiental Contemporâne o – Prevenção e Precaução. Intregrante do Núcleo de Direito Informacional junto a Universidade Federal de Santa Maria. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI).
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