Resumo: O trabalho desenvolve um breve estudo sobre decisões judiciais envolvendo as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV´s), com a finalidade de verificar as demandas judiciais em trâmite e averiguar o posicionamento dos tribunais brasileiros. O estudo se justifica pela importância do instituto, especialmente por envolver a vida humana e tem, como objetivo geral verificar, nos tribunais estaduais, federais e superiores brasileiros, a existência de decisões judiciais que contemplem as Diretivas Antecipadas de Vontade. Como objetivos específicos, conceitua-se as Diretivas Antecipadas de Vontade, define-se ortotanásia e realiza-se um levantamento das decisões jurisprudenciais existentes no ordenamento jurídico nacional. A pesquisa utiliza os sites institucionais dos Tribunais Estaduais, Tribunais Federais e Tribunais Superiores, na busca de decisões atinentes às Diretivas Antecipadas de Vontade, com a utilização do método analítico. As Diretivas Antecipadas de Vontade podem ser caracterizadas como os desejos manifestados pelo paciente acerca de tratamentos a que quer, ou não, ser submetido, especialmente quando incapacitado para se expressar, além de esclarecer questões limítrofes, inclusive quanto à hipótese de manifestação pelo representante designado do paciente, enquanto que a ortotanásia pode ser entendida como a morte no tempo certo, no momento adequado. A pesquisa abrangeu 26 (vinte e seis) Tribunais Estaduais do Brasil, bem como aquele do Distrito Federal, totalizando 27 (vinte e sete) Tribunais Estaduais, os 5 (cinco) Tribunais Regionais Federais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, implicando na pesquisa em 34 (trinta e quatro) Tribunais brasileiros. Além de duas decisões da Justiça Federal de Goiás, foram encontrados somente outras três decisões, todas provenientes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e em todas as medidas judiciais a instituição de saúde promoveu a demanda judicial, pois tinha em seu leito paciente que, cientificado de sua situação, decidiu instantaneamente em recusar-se a submeter-se a tratamento e/ou procedimento. A busca, pela via judicial, da chancela do Estado, se deveu à necessidade de se precaver ante eventual responsabilização criminal, administrativa e, por consequência, indenizatória.
Palavras-chave: Diretivas Antecipadas de Vontade; Jurisprudência Nacional.
Sumário: I Introdução. II Ortotanásia Diretivas Antecipadas de Vontade Testamento Vital e Mandato Duradouro. III Entendimento Jurisprudencial. IV Considerações Finais. Refefências
I – Introdução
Pretende-se, com a elaboração deste trabalho, desenvolver um breve estudo acerca de decisões judiciais envolvendo as denominadas Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV´s), uma vez que a legislação brasileira não contempla com uma norma específica o assunto, por conta da existência de uma única Resolução do Conselho Federal de Medicina, de n. 1995[1], de 9 de agosto de 2012. Para tanto, uma pesquisa jurisprudencial é necessária, com a finalidade de verificar as demandas judiciais em trâmite e averiguar o posicionamento dos tribunais brasileiros sobre o assunto.
A compreensão de como os tribunais estão interpretando o instituto das Diretivas Antecipadas de Vontade é fundamental e se acentua no momento em que a sociedade brasileira passa por inúmeras transformações, onde uma sociedade tradicional está evoluindo para uma sociedade contemporânea, globalizada e conectada à tecnologia. Desta forma, o Direito deve ser adequado à realidade e dar guarida às necessidades de cada pessoa, observado o ordenamento jurídico vigente.
Observa-se, por conta do instituto inovador, uma grande preocupação dos profissionais médicos quando se deparam com paciente acometido por uma moléstia irreversível e o próprio paciente ou seus familiares manifestam-se em acolher e observar a manifestação de última vontade (do paciente) em ter uma morte digna, sem postergar seu sofrimento. Entretanto, esses profissionais da saúde não possuem segurança jurídica e ficam à mercê de uma eventual resposta jurisdicional, a qual se pretende verificar e compreender.
O estudo se justifica, então, pela importância do instituto, especialmente por envolver a vida humana e tem, como objetivo geral verificar, nos tribunais estaduais, federais e superiores brasileiros, a existência de decisões judiciais que contemplem as Diretivas Antecipadas de Vontade. Como objetivos específicos, é imprescindível, para melhor entendimento, conceituar as Diretivas Antecipadas de Vontade, conceituar, também, ortotanásia, posto que institutos diretamente ligados, além de realizar um levantamento efetivo das decisões jurisprudenciais existentes no ordenamento jurídico nacional, utilizando verbetes específicos, com ferramentas próprias de busca, após a edição da já mencionada Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 1995, de 9 de agosto de 2012.
A pesquisa utiliza os sites institucionais dos Tribunais Estaduais, Tribunais Federais e Tribunais Superiores, notadamente Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, na busca de decisões atinentes às Diretivas Antecipadas de Vontade, a fim de verificar se há decisões nas quais a matéria foi objeto de análise, bem como o sentido da medida judicial no que tange à validação, eficácia e aplicação do instituto. O método utilizado, a partir da busca e tabulação (se necessário) de decisões jurisprudenciais do país inteiro, é o método analítico.
II – Ortotanásia, Diretivas Antecipadas de Vontade, Testamento Vital e Mandato Duradouro
Discutir o fim da vida é um tema evitado por muitas pessoas, já que considerado um verdadeiro tabu. Todavia, mesmo em se tratando de fato certo e incontroverso, é preciso ter em mente a imprevisibilidade do fim da vida e qual será a causa mortis, se natural e instantânea ou violenta ou, ainda, se decorrente de doença grave e incurável.
A saúde é um estado completo de bem estar físico, mental e social, e não consiste somente na ausência de doença ou enfermidade[2]. O paciente acometido por doença grave incurável, por si só, mesmo que esteja inicialmente sem dores ou sofrendo, já se encontra em descompasso pelo mal estar mental e social a que está submetido.
Não obstante na continuidade a doença acarretar inúmeras transformações, causando abundante sofrimento, incluindo, por óbvio, a dor física, além de outros aspectos, sociais, psicológicos e espirituais, o paciente tem, ao seu dispor, a denominada ortotanásia, ou seja, a “morte a seu tempo certo”, quando poderá renunciar a submeter-se a tratamentos e procedimentos fúteis e desnecessários, que somente prolongarão sua vida e submeter-se (ou não) apenas aos métodos paliativos de tratamento, que possibilitem minimizar as dores e o sofrimento. Nessa reflexão se filiava Hipócrates[3], quando pregava que o médico deve curar quando possível, aliviar quando necessário e consolar sempre, em outras palavras, quando não há mais nada a fazer sob o aspecto médico.
Forçoso é reconhecer que o tratamento dito paliativo não altera o quadro clínico da pessoa enferma, sendo utilizado somente para manutenção do paciente. Como exemplo pode-se utilizar a hemodiálise, para tratamento ordinário de pacientes com insuficiência renal, mas que, nos casos de pacientes debilitados, com idade avançada e com insuficiência renal definitiva, como o Papa João Paulo II e o ex-governador de São Paulo Mário Covas, já falecidos, foi utilizada somente como paliativo, tendo em vista as condições dos pacientes.
A ortotanásia é um procedimento previsto na condição de procedimento ético-médico, por conta da Resolução n. 1805[4], do Conselho Federal de Medicina, de 9 de novembro de 2006.
A própria Igreja Católica, que é extremamente ortodoxa no que concerne ao direito à vida, reconheceu como legítima a ortotanásia com a promulgação da Encíclica Evangelium Vitae[5], ainda em 1995, pelo então Papa João Paulo ll, tendo rechaçado apenas a eutanásia e a distanásia.
A ortotanásia, sendo fato penal atípico, uma vez que lhe falta elemento subjetivo para preencher o conceito tripartido do Direito Penal, considerando a previsão na Constituição Federal quanto aos princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana, apresenta-se como a finalidade do profissional médico, que não é (ou não deveria ser) o de violação do bem jurídico “vida”, mas de reduzir o sofrimento do paciente que não possui mais quaisquer chances de cura para sua doença e seu sofrimento.
O tema é complexo e, por óbvio, implica em inquietações nas entidades e nos profissionais da saúde, uma vez que a ortotanásia está situada em uma linha muito tênue de (i)legalidade, podendo gerar um processo criminal, outro processo, administrativo, perante o órgão de classe e, ainda, a responsabilização civil, com pretensões patrimoniais indenizatórias. Desta forma, com a finalidade de uniformizar as condutas éticas e balizar harmonicamente as ações, o Conselho Federal de Medicina, no art. 1º[6], da Resolução n. 1805, de 9 de novembro de 2006, permitiu que o médico intervisse no procedimento que prolongasse a vida do doente terminal, respeitando a vontade do paciente ou de seu representante legal.
A Resolução n. 1805 provocou a propositura de uma Ação Civil Pública, em 9 de maio de 2007, pelo Ministério Público Federal, contra o Conselho Federal de Medicina, distribuída perante a Décima Quarta Vara Federal do Distrito Federal – autos n. 2007.34.00.014809-3. A ACP tramitou durante pouco mais de 3 (três) anos, pois alegava o MPF que se tratava de matéria legislativa, da qual o Conselho Federal de Medicina não detinha competência para legislar, além de não poder regulamentar, como ética, uma conduta tipificada como crime.
Ao final, o Magistrado, em sentença de 1º de dezembro de 2010[7], julgou improcedente a Ação Civil Pública, da qual não houve recurso, ao argumento de que a conduta balizada pelo Conselho Federal de Medicina não se enquadraria como crime. Logo, a ortotanásia seria conduta atípica e, portanto, não violaria o ordenamento jurídico brasileiro.
Importante verificar, na própria sentença mencionada, na qual o Magistrado Federal prolator, Roberto Luis Luchi Demo, fez uso da manifestação da Procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira, as interessantes e pontuais diferenciações entre ortotanásia (morte no tempo certo, no momento adequado), eutanásia (morte provocada por terceiro, de paciente terminal, por compaixão), distanásia (prolongamento artificial do estado de degenerescência) e mistanásia (eutanásia social, por conta da absoluta falta de infraestrutura adequada na saúde pública).
Após o trâmite regular da ACP, foi reconhecida a validade da Resolução n. 1805, do Conselho Federal de Medicina e, ainda em 2006, o Conselho Federal de Medicina instituiu uma Câmara Técnica de Teminalidade da Vida e Cuidados Paliativos, reunindo médicos e juristas, com o objetivo de revisar o Código de Ética Médica, que vigorava a mais de 20 anos.
Com a Resolução n. 1931[8], de 24 de setembro de 2009, foi editado o Novo Código de Ética Médica, trazendo à tona o respeito à autonomia da vontade do paciente como uma de suas premissas fundamentais, especialmente em seu art. 24[9], quando deixa claro que o direito de decisão livre é do paciente, sendo vedado ao profissional médico não garantir esse direito.
O código de ética médica explica que a autonomia da vontade do paciente deve ser respeitada, vedando ao médico o desrespeito às prescrições ou tratamento de outro médico, exceto se com manifesto benefício ao paciente. O novo código se pauta na possibilidade de permissão da ortotanásia, ponderando seu respeito para com a dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal de 1988, intitulada Constituição Cidadã, também evidencia, como fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre outros, em seu art. 1º[10], III, a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional, o que é corroborado pelo art. 5º[11], caput, II e III, quando enaltece o direito à vida, à liberdade, à autonomia da vontade e proíbe tratamento desumano ou degradante.
Além das disposições constitucionais, o Código Civil de 2002 auxilia no estudo, especialmente em seus arts. 11[12] e 15[13], haja vista que referidos dispositivos proíbem a submissão de pessoa a tratamento ou intervenção médica em havendo risco de vida e que esse direito, ainda, se constitui como irrenunciável.
Embora não exista no Brasil uma lei que regulamente as Diretivas Antecipadas de Vontade, é possível afirmar que, na prática, elas efetivamente existem, mesmo que de forma tímida, pois estão em consonância com a norma Constitucional, posto que se trata de negócio jurídico unilateral, personalíssimo, revogável, gratuito e informal. A única norma vigente no ordenamento jurídico brasileiro é a Resolução n. 1995, de 9 de agosto de 2012, que em seu arts. 1º[14] e 2º[15] define as diretivas antecipadas de vontade como os desejos manifestados pelo paciente acerca de tratamentos a que quer, ou não, ser submetido, especialmente quando incapacitado para se expressar, além de esclarecer questões limítrofes, inclusive quanto à hipótese de manifestação pelo representante designado do paciente. Há teórica vinculação do médico à manifestação de vontade do paciente, uma vez que exaure possíveis e eventuais demandas judiciais, tendo em vista o amparo legitimado pelo paciente, no exercício da sua autonomia da vontade. Diante dessa definição, tem-se que se o médico suspender os procedimentos sem a devida manifestação de vontade do paciente, estará, em tese, praticando o crime de homicídio, pois a figura que desqualifica a tipicidade é a manifestação da autonomia da vontade do paciente.
Como a pesquisa abrange as Diretivas Antecipadas de Vontade, é importante esclarecer sua terminologia, haja vista a existência do testamento vital e também do mandato duradouro, institutos estreitamente ligados. O testamento vital[16] diverge um pouco das Diretivas Antecipadas de Vontade, pois seus objetivos, apesar de aparentemente similares, possuem significados diversos. Conforme Elcio Luiz Bonamigo et al (2013, p. 89), especificamente sob o palium da legislação brasileira e de acordo com a legislação portuguesa, o termo mais adequado seria Diretivas Antecipadas de Vontade, considerando que o testamento vital diz respeito a procedimentos e tratamentos que o paciente deseja ou não receber ou ser submetido, em havendo incapacidade de comunicação do paciente. As diretivas antecipadas de vontade possuem sentido mais amplo, haja vista que, além de incluir o testamento vital, permite ao indivíduo dispor ainda sobre outros desejos: doação ou não de órgãos e tecidos, destinação do próprio corpo e até mesmo designando terceira pessoa, ou seja, um representante designado para tomar as medidas necessárias para implementar sua vontade (do paciente) quando incapaz de decidir ou de se comunicar, hipótese na qual se constitui o mandato duradouro[17].
Os Estados Unidos da América, pioneiros na matéria, iniciaram a utilização do testamento vital a pouco mais de 50 anos e, ainda conforme Elcio Luiz Bonamigo et al (2013, p. 84), sua expansão para a América Latina e Europa ocorreu ainda no final do século passado.
Também é importante esclarecer a inexistência de relação do denominado testamento vital para com o testamento civil. O Código Civil, em seu art. 1857[18], especialmente o § 2°, trata de sua característica mais marcante: a mortis causa, haja vista que o testamento produzirá efeitos somente após a morte do testador. Logo, antes o testamento civil não gera efeitos e também não vincula o testador ao negócio, a partir do que dispõe o art. 1858[19], também do Código Civil. No testamento vital, incluído nas diretivas antecipadas de vontade, via de regra, estão previstas disposições referentes a atos anteriores à morte, daí a sensível diferença para com o testamento civil.
As Diretivas Antecipadas de Vontade, então, se referem ao gênero do qual derivam as espécies testamento vital e mandato duradouro. Perceba-se que não se trata de abreviação da vida, mas sim a morte no seu tempo natural, sem prolongamento que se sabe, no caso concreto, ineficaz. Quanto ao procedimento de expressão da vontade, para assegurar segurança jurídica ao declarante, a sugestão é que o documento seja lavrado por escritura pública, a fim de evitar o registro de um documento que possa, eventualmente, ser anulado por meio de ação judicial, mas nada impede que as diretivas antecipadas de vontade estejam inseridas em documento privado, mas de conhecimento dos familiares e, ainda, podem ocorrer em condições especiais, sob a forma verbal, informadas diretamente ao médico, que deverá inclui-las no prontuário médico do paciente.
Ainda, tem-se que estes instrumentos, personalíssimos, atuam para atribuir natureza jurídica aos direitos de personalidade, tendo em vista que o direito subjetivo foi concebido dentro de uma ótica estritamente patrimonialista. Adverte-se que dentro de uma ótica patrimonial é possível reparar uma situação que não ocorre quando se está diante de um bem supremo como a própria existência.
Desta forma, não há que se questionar a autonomia do paciente, uma vez que o ordenamento jurídico dispõe que o cidadão goza das prerrogativas constitucionais impostas. Portanto, a previsão do art. 5º, caput, da Constituição Federal, se constitui em direito e não em obrigação, tanto é que o legislador não capitulou como crime o suicídio, apenas o auxílio ao suicídio, o que ratifica a tese da autonomia da vontade, que deve se sobressair no caso concreto, se for esse o desejo do paciente, em detrimento do dever de viver, hipótese do já referido art. 5º, II.
Para Ana Carolina Brochado Teixeira (2013, pg. 544), “quando a Constituição previu o catálogo aberto de direitos fundamentais, para que a pessoa encontre a melhor forma de se realizar, pode-se entender como implícita a liberdade de dispor do próprio corpo.” E prossegue, sintetizando que o se o corpo humano se constitui em “espaço de autonomia, a liberdade de dispor do próprio corpo deve ser a regra e suas limitações são exceções, pois os conceitos de saúde, liberdade e personalidade devem ter a mesma direção.”
Também se entende que os instrumentos mencionados devem ser levados a efeito por pessoa capaz, de acordo com os arts. 3º[20] e 4º[21], do Código Civil, de preferência sob orientação de um médico de confiança da família e de um advogado, a fim de estar plenamente ciente do que se está registrando, até porque os registros devem ser realizados em obediência à lei posta, embora seja possível a revogação a qualquer tempo, desde que utilizada a forma adequada.
No que concerne ao mandato duradouro, poderá ser realizado através de uma declaração de outorga, uma vez que a pessoa a ser nomeada deverá exteriorizar e decidir de acordo com a vontade prévia do paciente, por isso a importância de ser, também, uma pessoa próxima do paciente, de sua família e que conheça satisfatoriamente o paciente, pois a decisão deve ser como se o próprio paciente estivesse se expressando.
Deve constar no instrumento, também, apenas procedimentos que se refiram à ortotanásia e isso engloba apenas as práticas terapêuticas que tem seu cerne na suspensão ou cerceamento de tratamentos extraordinários ou fúteis, que devido ao quadro do paciente não trarão a cura, mantendo, entretanto, cuidados paliativos.
Imperioso esclarecer que a declaração ocorre antes do paciente estar acometido por doença, mas se ocorrer no leito hospitalar, poderá o médico colher a declaração de vontade do paciente no próprio prontuário médico, para que a vontade do paciente fique registrada e justifique alguma prática específica, que atenda à vontade do paciente.
Curiosamente, com a edição da Resolução n. 1995, do Conselho Federal de Medicina, novamente o Ministério Público Federal do Estado de Goiás promoveu nova Ação Civil Pública contra o Conselho Federal de Medicina – autos n. 001039-86.2013.4.01.3500, perante a Primeira Vara Federal em Goiânia, buscando a ilegalidade e a inconstitucionalidade da Resolução, dentre outros pedidos. Na primeira instância, com sentença de lavra do Juiz Federal Substituto Eduardo Pereira da Silva, os pedidos foram julgados improcedentes[22], inclusive com rejeição de pedido liminar (com sentença prolatada pelo Juiz Federal Jesus Crisóstomo de Almeira). Como houve recurso pelo Ministério Público Federal, os autos foram remetidos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, onde aguardam julgamento[23].
O ordenamento jurídico brasileiro não coloca o direito à vida na condição antagônica do direito à morte, mas ressalta o direito a uma morte digna, sem sofrimento, onde se insere o respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade e da liberdade do indivíduo, pois Renata de Lima Rodrigues (2013, pg. 363) entende que as Diretivas Antecipadas de Vontade “são expressão da autonomia do indivíduo”, atuando como “garantia de que a planificação do ideal de tratamento, cura ou abrandamento da dor de cada um seja integralmente respeitado, evitando possíveis danos a esses aspectos fundamentais da personalidade humana.”
A Lei n. 8080, de 19 de setembro de 1990, que trata de ações e serviços em saúde, no Brasil, em seu art. 7º[24], III, por sua vez, também elenca a autonomia da vontade do paciente para a defesa de sua integridade física e moral.
Averiguadas as Diretivas Antecipadas de Vontade e seus desdobramentos jurídicos, o testamento vital, o mandato duradouro e a ortotanásia, inclusive a forma de sua manifestação e os preceitos legais inerentes, a verificação do entendimento jurisprudencial dos tribunais nacionais prescinde de análise, objeto do próximo segmento deste trabalho.
III – Entendimento jurisprudencial
Para a efetivação deste estudo, a pesquisa realizada abrangeu 26 (vinte e seis) Tribunais Estaduais do Brasil, além daquele do Distrito Federal, totalizando 27 (vinte e sete) Tribunais Estaduais. Também foram verificados os 5 (cinco) Tribunais Regionais Federais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, implicando na pesquisa em 34 (trinta e quatro) Tribunais brasileiros, inferiores e superiores, de pequeno, médio e grande porte.
Os verbetes que foram pesquisados, sempre utilizando as ferramentas de busca específicas dos sites de cada Tribunal, compreenderam: “diretivas antecipadas de vontade”, “testamento vital”, “mandato duradouro”, “ortotanásia”, “resolução 1805 Conselho Federal de Medicina” e “resolução 1995 Conselho Federal de Medicina”, sendo que a pesquisa ocorreu entre os meses de abril e outubro de 2016.
Considerando todo o sistema jurídico informatizado disponível para consulta, a quantidade de decisões que contemplaram o objeto desta pesquisa é ínfima. Além daquelas duas decisões já relacionadas, ambas da Justiça Federal de Goiás, foram encontrados somente outras 3 (três) decisões, todas provenientes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e em todas as medidas judiciais a instituição de saúde promoveu a demanda judicial, com o intuito de fazer valer seus direitos, pois tinha em seu leito paciente que, cientificado de sua situação, decidiu pela recusar em submeter-se a tratamento e/ou procedimento, optando apenas por cuidados paliativos, deixando os profissionais de saúde inseguros e inquietos quanto às possíveis implicações jurídicas consequentes pela não aceitação de tratamento e/ou procedimento. A busca, pela via judicial, da chancela do Estado, se deveu à necessidade de se precaver ante eventual responsabilização criminal, administrativa e, por consequência, indenizatória.
Com a análise das decisões encontradas, pode-se constatar que as ações propostas versavam sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, manifestadas na modalidade verbal, com o paciente no leito hospitalar, embora enquanto os pacientes ainda se encontravam lúcidos e conscientes. Necessário, então, assegurar a verossimilhança da declaração, para evitar a insegurança jurídica e a responsabilização do profissional da saúde.
As questões centrais, de forma genérica, diziam respeito à inexistência de Diretivas Antecipadas de Vontade expressas, na modalidade testamento vital ou na legitimidade do representante no mandato duradouro. Em nenhum caso houve a contestação de algum documento prévio formalizado.
Ao que tudo indica, o Poder Judiciário reconheceu a autonomia da vontade de cada paciente, desde que em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. Na discussão de mérito, foi reconhecido o testamento vital expressado, mesmo que de forma verbal, pelo paciente e confirmado e relatado pelo profissional médico, uma vez que nas medidas judiciais foram juntadas provas documentais que demonstravam a plena capacidade de autodeterminação do paciente, acolhida e respeitada pelo Poder Judiciário.
Assim sendo, mesmo que de forma sucinta, são expostos os únicos 3 (três) Acórdãos prolatados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande de Sul, onde houve o reconhecimento da autonomia da vontade do paciente em suas Diretivas Antecipadas de Vontade.
A primeira decisão, da qual ainda pende um Recurso Extraordinário, trata, in concreto, de paciente do sexo feminino que deu entrada em entidade hospitalar, com quadro severo de descompensação secundária e insuficiência renal, edema agudo de pulmão, apresentando-se como responsável o neto, o qual foi cientificado da necessidade de realização de hemodiálise.
Ocorre que o filho da paciente se apresentou posteriormente como responsável e negou a realização do procedimento arguindo que seria a vontade de sua mãe. Diante do descompasso entre o filho e o neto, a entidade hospitalar pleiteou autorização judicial para realizar o procedimento de hemodiálise sob pena de morte da paciente.
Em primeira instância o pedido foi negado, havendo Recurso de Apelação da entidade, com manutenção da negativa, sob o argumento de que o princípio da dignidade da pessoa humana é princípio soberano e se sobrepõe até aos textos normativos, seja qual for sua hierarquia, além do que o desejo de ter a “morte no seu tempo certo”, evitados sofrimentos inúteis, não pode ser ignorado. In casu, a vontade da paciente em não se submeter à hemodiálise, de resultados altamente duvidosos, afora o sofrimento que lhe impõe, traduzida na declaração do filho, há de ser respeitada. Ademais, não se constatou, nos autos, nenhum impedimento que deixasse de validar a manifestação de vontade do filho, por sua mãe.
Perceba-se que o filho manifestou a vontade da mãe, embora primariamente o neto acompanhava a paciente (avó). Tal precedência foi observada em virtude das disposições do Código Civil, no que tange à sucessão, haja vista que o filho é o primeiro na linha de sucessão, enquanto o neto seria o segundo na ordem sucessória.
Embora neste caso concreto ainda não havia entrado em vigor o código de ética médica atual, já estava em vigor a Resolução n. 1805, do Conselho Federal de Medicina, que não tratava especificamente sobre diretivas antecipadas de vontade, mas sobre ortotanásia. A fundamentação da decisão, conforme se verifica com a transcrição da ementa[25], se pautou no princípio da autonomia da vontade da paciente:
“CONSTITUCIONAL. MANTENÇA ARTIFICIAL DE VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PACIENTE, ATUALMENTE, SEM CONDIÇÕES DE MANIFESTAR SUA VONTADE. RESPEITO AO DESEJO ANTES MANIFESTADO. Há de se dar valor ao enunciado constitucional da dignidade humana, que, aliás, sobrepõe-se, até, aos textos normativos, seja qual for sua hierarquia. O desejo de ter a "morte no seu tempo certo", evitados sofrimentos inúteis, não pode ser ignorado, notadamente em face de meros interesses econômicos atrelados a eventual responsabilidade indenizatória. No caso dos autos, a vontade da paciente em não se submeter à hemodiálise, de resultados altamente duvidosos, afora o sofrimento que impõe, traduzida na declaração do filho, há de ser respeitada, notadamente quando a ela se contrapõe a já referida preocupação patrimonial da entidade hospitalar que, assim se colocando, não dispõe nem de legitimação, muito menos de interesse de agir.” (Apelação Cível Nº 70042509562, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 01/06/2011).
Passados pouco mais de dois anos, o tribunal gaúcho novamente decidiu uma demanda judicial similar, na qual um paciente do sexo masculino, com 79 anos de idade, se encontrava com severas complicações, como emagrecimento progressivo e anemia acentuada, resultante do direcionamento da corrente sanguínea para a lesão tumoral, motivo pelo qual necessitava amputar um membro inferior, sob pena de morte por infecção generalizada.
Ocorre que o paciente se recusava a prestar-se ao procedimento amputatório e, assim, o médico da entidade hospitalar buscou auxílio do Ministério Público para ingressar com medida judicial, requerendo a expedição de alvará autorizando a amputação do membro. Em primeira instância o pedido foi negado, tendo o Ministério Público recorrido ao Tribunal de Justiça.
Em segunda instância, com decisão já transitada em julgado, os Desembargadores confirmaram a negativa, sob o fundamento de que, conforme laudo psicológico, o paciente desejava morrer para aliviar seu sofrimento. Além disso, havia laudo comprovando que o paciente estava em pleno gozo de suas faculdades mentais, asseverando, a decisão, que o Estado não pode invadir o corpo da pessoa e realizar procedimento mutilatório impositivo. O direito à vida deve ser combinado com o da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição Federal, em consonância com o já mencionado art. 15, do Código Civil, que assegura ao paciente não ser submetido a procedimento com risco de vida.
Os Desembargadores, por unanimidade, entenderam, de acordo com a norma posta e com a Resolução n. 1995, do Conselho Federal de Medicina, que a autonomia da vontade da pessoa deve ser levada em consideração, mesmo com o risco da própria vida, em consonância com o que prescreve o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pois de nada adianta a vida com sofrimento, haja vista que a pessoa deve gozar de sua vida apenas se houver dignidade para tanto.
Na questão sub examen houve novamente a ratificação judicial do testamento vital. Embora em se tratando de pessoa idosa, que tem tratamento diferenciado em norma especial – Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, isso não lhe retira a personalidade e a legitimidade, sendo-lhe vedada a manifestação de sua autonomia da vontade somente se for declarado incapaz em procedimento judicial adequado.
No Acórdão, houve o reconhecimento do testamento vital do paciente, em consonância com a Resolução n. 1995, do Conselho Federal de Medicina, no sentido de assegurar-lhe o direito de não ser submetido a tratamento indesejado, garantindo-se-lhe o procedimento da ortotanásia para que tivesse uma morte natural, conforme se verifica da ementa[26]:
“APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural. 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 1º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. 5. Apelação desprovida.” (Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013).
Por fim, no ano de 2015, uma unidade hospitalar interpôs Recurso de Agravo de Instrumento, também com decisão já transitada em julgado, tendo em vista a negativa de liminar que negou provimento a autorização de procedimento cirúrgico em paciente do sexo masculino que se recusou a passar por procedimento cirúrgico com urgência, o que foi ratificado por sua madrasta.
O paciente necessitava realizar uma laparotomia[27], que segundo o corpo médico, se não fosse realizada com urgência, causaria a morte do paciente devido à gravidade do quadro. Ocorre que o paciente se recusava a passar para a maca do centro cirúrgico e manifestou-se pela não realização do procedimento. Em decisão monocrática, o magistrado manteve a decisão de primeira instância e negou provimento ao Recurso de Agravo de Instrumento, fundamentando a decisão na lucidez, orientação e consciência do paciente, bem como no total conhecimento da gravidade do quadro e das consequências em não se submeter ao procedimento cirúrgico.
Além disso, a madrasta do paciente assinou termo de responsabilidade e recusa do procedimento, embora a esposa do paciente discordasse. O julgamento também considerou a Resolução n. 1995, do Conselho Federal de Medicina, esclarecendo que o direito à vida não é absoluto e que deve prevalecer a vontade consciente do paciente, observando-se o já mencionado art. 15, do Código Civil.
Verifica-se, no caso concreto, o respeito do Poder Judiciário ao reconhecimento das Diretivas Antecipadas de Vontade, uma vez que entendeu-se que, in casu, foi realizado o testamento vital, embora no leito hospitalar, em prontuário médico, na forma verbal, além da utilização do mandato duradouro, onde a madrasta do paciente se manifestou pelo paciente, subscrevendo termo de compromisso, eximindo a entidade hospitalar e seus profissionais de qualquer eventual responsabilidade. Importante salientar que o profissional médico ficou resguardado e não infringiu seu código de ética, pois houve o respaldo da vontade do paciente em se recusar a receber tratamento, estando no uso e gozo de suas faculdades mentais.
Uma problemática que deve ser levada em consideração na discussão acerca do mandato duradouro, diz respeito ao interesse da parte outorgada em relação a interesses secundários em detrimento da morte do paciente. Em outras palavras, trata-se de situação peculiar na qual pode haver conflitos de interesses de ordem patrimonial, em caso de sucessão. Por isso, ressalta-se a importância em se fazer um testamento vital de forma adequada, quando o testamentário – ou paciente – demonstra sua livre e espontânea vontade.
No decisum, verifica-se que a autonomia da vontade do paciente foi a tônica, em conjunto com preceitos constitucionais e a Resolução n. 1905, do Conselho Federal de Medicina, conforme ementa[28]:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO À SAÚDE. AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. NEGATIVA DO PACIENTE. NECESSIDADE DE SER RESPEITADA A VONTADE DO PACIENTE. 1. O direito à vida previsto no artigo 5º da Constituição Federal não é absoluto, razão por que ninguém pode ser obrigado a se submeter a tratamento médico ou intervenção cirúrgica contra a sua vontade, não cabendo ao Poder Judiciário intervir contra esta decisão, mesmo para assegurar direito garantido constitucionalmente. 2. Ademais, considerando que "não se justifica prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser humano", o Conselho Federal de Medicina (CFM), publicou a Resolução nº 1.995/2012, ao efeito de dispor sobre as diretivas antecipadas de vontade do paciente, devendo sempre ser considerada a sua autonomia no contexto da relação médico-paciente. 3. Hipótese em que o paciente está lúcido, orientado e consciente, e mesmo após lhe ser explicado os riscos da não realização do procedimento cirúrgico, este se nega a realizar o procedimento, tendo a madrasta do paciente, a seu pedido, assinado termo de recusa de realização do procedimento em questão, embora sua esposa concorde com a indicação médica. 4. Por essas razões, deve ser respeitada a vontade consciente do paciente, assegurando-lhe o direito de modificar o seu posicionamento a qualquer tempo, sendo totalmente responsável pelas consequências que esta decisão pode lhe causar. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO.” (Agravo de Instrumento Nº 70065995078, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 03/09/2015).
Verificou-se na pesquisa somente estas três decisões envolvendo as Diretivas Antecipadas de Vontade, além de outras duas, decorrentes de Ações Civis Públicas promovidas pelo Ministério Público Federal, estando clara a observância da autonomia da vontade de cada paciente, bem como a constitucionalidade das Resoluções ns. 1805 e 1995, do Conselho Federal de Medicina.
IV – Considerações finais
A pesquisa envolveu a persecução das Diretivas Antecipadas de Vontade e suas implicações jurisprudenciais em 34 (trinta e quatro) Tribunais brasileiros, utilizando-se verbetes específicos, com ferramentas próprias de busca.
Foram encontradas 5 (cinco) decisões sobre o tema, sendo duas decisões decorrentes de questionamentos acerca da constitucionalidade e legalidade das Resoluções ns. 1805 e 1995, do Conselho Federal de Medicina, ambas da Justiça Federal de Goiás e do Tribunal Federal Regional da 1ª Região, além de outras três, todas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Considerando-se a importância das Diretivas Antecipadas de Vontade, especialmente por envolver a vida humana, também entendeu-se a necessidade de sua definição e conceituação, incluída a ortotanásia, o testamento vital e o mandato duradouro.
A percepção é que ainda há poucas demandas judiciais que versem sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, pois se trata de instituto inovador, que vem emergindo paulatinamente. Nas decisões encontradas e estudadas, verificou-se que o Poder Judiciário vem assegurando com veemência o direito constitucional da dignidade da pessoa humana no que se refere à autonomia da vontade do(a) paciente, uma vez assegurada a manifestação de vontade do(a) paciente em detrimento do direito à vida, podendo o(a) paciente dispô-lo, como bem entender, desde que não interfira no direito de outrem.
Observou-se também que as demandas judiciais foram propostas, se não pelo Ministério Público Federal – Ações Civis Públicas, por entidades hospitalares que buscaram a chancela do Estado para realizar determinado procedimento, necessário para salvar a vida do(a) paciente, buscando com isso eximir-se de eventual responsabilidade penal, administrativa e de reparação civil.
O tema proposto é instigante, pois se trata de uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, pois não há legislação específica. Há, desta forma, certa insegurança jurídica, uma vez que se questiona qual seria a relevância e a prevalência do instituto da autonomia da vontade, quando confrontado com os demais princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, o direito à liberdade e à vida, tal qual os arts. 1º, III e 5º, caput, incisos II e III, ambos da Constituição Federal.
Assim, pode-se afirmar que a Constituição Federal assevera o princípio da proteção à vida, como sendo o preponderante em relação aos demais. Contudo, o que fazer quando o(a) paciente opta por testar sua vontade e abreviar seu sofrimento? A Constituição Federal, em conjunto com o Código Civil, assevera que o direito à vida não é absoluto, conforme dicção do já mencionado art. 5º, II e III, da Constituição Federal e também dos art. 11 e 15, ambos do Código Civil.
Percebe-se, então, uma certa antinomia entre normas, mesmo que observada a hierarquia legal, uma vez que a Constituição Federal em vigor assegura a vida enquanto no Código Civil se encontra assegurado o direito à disposição sobre o próprio corpo, restando demonstrado que as normas facultam, em tese, o respeito à autonomia da vontade, garantindo que ninguém será obrigado a fazer o que não estiver previsto em lei. Neste sentido, não haveria motivos para se rejeitar as Diretivas Antecipadas de Vontade, haja vista que sua aceitação está assentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade.
A Resolução n. 1995, de 9 de agosto de 2012, do Conselho Federal de Medicina, determina que a autonomia da vontade do(a) paciente deve ser respeitada e, embora garantidos constitucionalmente os institutos que assegurem a liberdade, dignidade, vida e autonomia da vontade, é necessária uma compreensão jurisdicional que demonstre qual princípio deve prevalecer, uma vez que no caso concreto, em determinados casos, poderá ocorrer a busca jurisdicional requerendo assegurar o direito de exercício de um direito e a análise, no mais das vezes, não poderá aguardar o trâmite judicial, sob pena de se estar ferindo o princípio da dignidade humana, uma vez que o paciente estará refém de sua própria doença e, no mais das vezes, em fase final de vida.
Portanto, verifica-se possível dispor do próprio corpo com a utilização das Diretivas Antecipadas de Vontade, conforme a pesquisa jurisprudencial efetuada, em que pese não haver norma específica no ordenamento jurídico brasileiro, excetuando-se as Resoluções ns. 1805 e 1995, ambas do Conselho Federal de Medicina, observantes dos preceitos constitucionais, que possibilitam ao profissional médico que acate à vontade do(a) paciente.
As decisões que foram trazidas à colação não trataram de medidas judiciais destinadas a validar a autonomia da vontade do paciente em não se submeter a tratamento considerado indigno ou que provocasse mais sofrimento ou, ainda, questionando a validade ou legalidade de algum documento específico, mas de ações judiciais promovidas por entidades de saúde com o intuito de evitar futuras demandas judiciais de cunho criminal e reparatório, além daquela do âmbito administrativo.
O entendimento dos tribunais, até então, assegura ao(à) paciente o direito ao exercício da autonomia da vontade, legitimando o(a) paciente para que faça uso de sua autonomia, via Diretivas Antecipadas de Vontade, uma vez que não se afigura razoável a aplicação de sanção ao profissional médico e à entidade de saúde que realizar tratamento e/ou procedimento requerido (ou não) pelo(a) próprio(a) paciente.
Graduado em Tecnologia de Serviços Jurídicos e Notariais, pelo Centro Universitário Internacional –UNINTER, em Herval d´Oeste(SC). Acadêmico do Curso de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC Joaçaba(SC), e-mail fabmassaroli@bol.com.br. Pesquisa efetuada com bolsa de pesquisa proveniente dos recursos do art. 170, da Constituição do Estado de Santa Catarina, conforme Edital n. 06/UNOESC-R/2016 (Abre processo de seleção para a concessão de bolsas de pesquisa do Programa de Bolsas Universitárias de Santa Catarina – UNIEDU), de 17 de fevereiro de 2016
Mestre em Direitos Fundamentais Civis pela Universidade do Oeste de Santa Catarina de Chapecó; Mestre em Relações Internacionais para o Mercosul pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Contestado; Especialista em Direito Civil pela Universidade do Oeste de Santa Catarina; Professor e Pesquisador do Curso de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC Joaçaba(SC); Advogado; e-mail roni.fabro@unoesc.edu.br. Orientador da pesquisa efetuada com bolsa de pesquisa proveniente dos recursos do art. 170, da Constituição do Estado de Santa Catarina, conforme Edital n. 06/UNOESC-R/2016 (Abre processo de seleção para a concessão de bolsas de pesquisa do Programa de Bolsas Universitárias de Santa Catarina – UNIEDU), de 17 de fevereiro de 2016
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