Resumo: O presente artigo disserta sobre as autarquias no ordenamento jurídico brasileiro, apontando suas principais características, tais como prerrogativas garantidas, forma de instituição e seus mecanismos de controle, apontando, ainda, a classificação mais relevante, segundo a melhor doutrina. Tal artigo ainda analisa alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal que ajudam a delinear o presente instituto.
Sumário: 1. Autarquias e suas características. 2 Privilégios garantidos aos entes autárquicos. 3 Instituição e mecanismos de controle. 4 Classificação.
1. Autarquias e suas características
A doutrina aponta referências ao termo entidades autárquicas no Brasil datadas de 1861, coma instituição da Caixa Econômica Federal, antes mesmo de previsão legal ou de conceituação doutrinária.
Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas. O decreto Lei 200/1967, em seu art. 5º, I, assim define autarquia: “Serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.” Segundo Maria Sylvia Di Pietro (2006. p. 422) não constava a natureza jurídica de direito público neste conceito porque a Constituição de 1967 atribuía aos entes autárquicos natureza privada, erro corrigido pela emenda constitucional No.1, de 1969.
Outra crítica levantada ao conceito legal é quanto à referência ao exercício de atividades típicas da Administração Pública. Nessa linha, devemos reproduzir a opinião de Di Pietro:
“Além disso, se a falha existe, não é propriamente no conceito do Decreto-Lei no 200, mas na escolha da entidade autárquica para o exercício de atividades em que ela não se revela como a forma mais adequada”[1]
Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles (2002, p.325) “São entes autônomos, mas não são autonomias”. Inconfundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para si; esta administra-se a si própria, segundo as leis editadas pela entidade que a criou. Em verdade, há capacidade de auto administração, com diferenças acentuadas das pessoas jurídicas públicas políticas, como a União e os Estados, na medida em que estas têm o poder de criar o próprio direito dentro de um âmbito de ação fixado pela Constituição Federal.
Segundo o mesmo autor, conceito de autarquia é meramente administrativo enquanto o de autonomia é precipuamente político. Daí estarem as autarquias sujeitas ao controle da entidade estatal a que pertencem, enquanto as autonomias permanecem livres desse controle e só adstritas à atuação política das entidades maiores a que se vinculam, como ocorre com os Municípios brasileiros, em relação aos Estados-membros e à União. Ou seja, podemos afirmar não haver, até por expressa vedação constitucional, qualquer controle exercido por algum ente federativo sob os demais, com as respectivas contribuições e atribuições expressamente dispostas.
A autarquia é forma de descentralização administrativa, através da personificação de um serviço retirado da Administração centralizada. Por essa razão, à autarquia só deve ser outorgado serviço público típico, e não atividades industriais ou econômicas, ainda que de interesse coletivo. Para estas, a solução correta é a delegação a organizações particulares ou a entidades paraestatais como a empresa pública, sociedade de economia mista e outras. Por isso, importa distinguir autarquia de entidade paraestatal. Assim vemos que a instituição originariamente da Caixa Econômica Federal como autarquia é equivocado, já que não seria atividade típica da Administração Pública.
É por isso que Carvalho Filho afirma (2007, p. 424) “ o legislador teve o escopo de atribuir às autarquias a execução de serviços públicos de natureza social e de atividades administrativas, com a exclusão dos serviços e atividades de cunho econômico e mercantil”.
Nesse diapasão, autarquia é pessoa jurídica de Direito Público, com função pública própria e típica, outorgada pelo Estado, sendo então titular de direitos e obrigações distintos daqueles pertencentes ao ente que a instituiu. A autarquia integra o organismo estatal, estando dentro do Estado explicando por que os privilégios administrativos do Estado se transmitem natural e institucionalmente às autarquias, sem beneficiar por exemplo as entidades paraestatais. Cabe ressaltar que a personalidade da autarquia, por ser de Direito Público, nasce com a lei que a institui, independentemente de registro.
A doutrina moderna é concorde no assinalar as características das entidades autárquicas, ou seja, a sua criação por lei específica com personalidade de Direito Público, patrimônio próprio, capacidade de auto-administração sob controle estatal e desempenho de atribuições públicas típicas. Sem a conjunção desses elementos não há autarquia. Pode haver ente paraestatal, com maior ou menor delegação do Estado, para a realização de obras, atividades ou serviços de interesse coletivo. Não, porém, autarquia.
A autarquia não age por delegação; age por direito próprio e com autoridade pública, na medida da parcela de direito que lhe foi outorgado pela lei que a criou. Como pessoa jurídica de Direito Público Interno, a autarquia traz ínsita, para a consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal que lhe deu vida. Segundo Hely Lopes Meirelles (2002, p.327) “Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque, se isto ocorresse, anularia seu caráter autárquico”. O que há é mera vinculação à entidade-matriz, que, por isso, passa a exercer um controle legal, expresso no poder de correção finalística do serviço autárquico. Aí uma característica marcante das autarquias, que pode ser expresso na ausência de qualquer controle hierárquico sob as mesmas, apenas com possibilidade de controle com relação à probidade administrativa em geral e à consecução dos fins colimados.
2. PRIVILÉGIOS GARANTIDOS AOS ENTES AUTÁRQUICOS
A autarquia, sendo um prolongamento do Poder Público, deve executar serviços próprios do Estado, em condições idênticas às do Estado, com os mesmos privilégios da Administração-matriz e passíveis dos mesmos controles dos atos administrativos. Hely Lopes Meirelles assim destaca (2002, p.326) “O que diversifica a autarquia do Estado são os métodos operacionais de seus serviços, mais especializados e mais flexíveis que os da Administração centralizada.” Em verdade, o Estado de Direito com o passar dos anos cada vez mais participa da vida do cidadão, necessitando cada vez mais de estruturas especializadas e funcionais para cumprir o que se propõe, justificando assim a criação das autarquias, para a melhor consecução de seus próprios objetivos.
É vetusta a idéia de que o todo vem antes das partes, remontando a Aristóteles o primado do público, resultando na contraposição do interesse coletivo ao interesse individual e na necessária subordinação, até a eventual supressão, do segundo ao primeiro, bem como na irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais.
Nessa linha, Leonardo José Carneiro da Cunha (2008, p. 15) fala na conceituação das autarquias e das fundações públicas, ao lado dos entes autônomos, como espécies do gênero maior Fazenda Pública. Vejamos o que diz o renomado autor:
“Na verdade, a expressão Fazenda Pública representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas jurídicas de direito público. No processo em que haja a presença de uma pessoa jurídica de direito público, esta pode ser designada, genericamente, de Fazenda Pública.[…]
A expressão Fazenda Pública é utilizada para designar as pessoas jurídicas de direito público que figurem em ações judiciais, mesmo que a demanda não verse sobre matéria estritamente fiscal ou financeira”[2]
Embora identificada com o Estado, a autarquia não é entidade estatal, sendo simples desmembramento administrativo do Poder Público. E, assim sendo, pode diversificar-se das repartições públicas para adaptar-se às exigências específicas dos serviços que lhe são cometidos. Para tanto, assume as mais variadas formas e rege-se por estatutos peculiares à sua destinação. Essa necessidade de adaptação dos meios aos fins é que justifica a criação de autarquias, com estrutura adequada à prestação de determinados serviços públicos especializados.
As autarquias brasileiras nascem com os privilégios administrativos da entidade estatal que as institui, auferindo também as vantagens tributárias e as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, além dos que lhe forem outorgados por lei especial, como necessários ao bom desempenho das atribuições da instituição.
Os privilégios das autarquias em geral são os seguintes: imunidade de impostos sobre seu patrimônio, renda e serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou delas decorrentes, previstos na Constituição Federal em seu art. 150, § 2º; prescrição qüinqüenal de suas dívidas passivas, conforme Decreto-lei 4.597/42; execução fiscal de seus créditos inscritos, Lei nº 6830/1983; ação regressiva contra seus servidores culpados por danos a terceiros CF, art. 37, § 6º; impenhorabilidade de seus bens e rendas CF, art. 100 e parágrafos e outras.
Entre as autarquias deve ser observada a mesma precedência federal, estadual ou municipal caso concorram seus interesses sobre o mesmo objeto, mas entre autarquias e entidades estatais hão de prevalecer sempre as prerrogativas destas sobre as daquelas, por superior na ordem constitucional a posição das entidades político-administrativas, União, Estados-membros e Municípios, em relação à das entidades meramente administrativas, ou seja, as autarquias. Essa realidade jurídica impede que qualquer autarquia dispute preferência com as entidades estatais ou a elas se sobreponha em direitos e vantagens, ainda que o ente autárquico pertença a uma esfera estatal de grau superior.
3. INSTITUIÇÃO E MECANISMOS DE CONTROLE
Antes de analisarmos a forma de instituição e os mecanismos de controle das autarquias, vejamos o conceito atribuído por Di Pietro:
“[…] pode-se conceituar a autarquia como a pessoa jurídica de direito público, criado por lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei”[3]
A instituição das autarquias, ou seja, sua criação por lei específica, conforme previsão do art. 37, XIX da Constituição Federal, mas a organização se opera por decreto, que aprova o regulamento ou estatuto da entidade, e daí por diante sua implantação se completa por atos da diretoria, na forma regulamentar ou estatutária, independentemente de quaisquer registros públicos.
O patrimônio inicial das autarquias é formado com a transferência de bens móveis e imóveis da entidade matriz, os quais se incorporam ao ativo da nova pessoa jurídica. A transferência de imóveis ou é feita diretamente pela lei instituidora, caso em que dispensa transcrição, ou a lei apenas autoriza a incorporação, a qual se efetivará por termo administrativo ou por escritura pública, para a necessária transcrição no registro imobiliário competente. O que não se admite é a transferência de bens imóveis por decreto ou qualquer outro ato administrativo unilateral.
Os bens e rendas das autarquias são considerados patrimônio público, mas com destinação especial e administração própria da entidade a que foram incorporados, para realização dos objetivos legais e estatutários. Daí por que podem ser utilizados, onerados e alienados, para os fins da instituição, na forma regulamentar ou estatutária, independentemente de autorização legislativa especial, porque essa autorização está implícita na lei que a criou e outorgou-lhe os serviços com os conseqüentes poderes para bem executá-los. Por essa razão, os atos lesivos ao patrimônio autárquico são passíveis de anulação por ação popular, prevista na Lei 4.717/65, art. 1º. Por idêntico motivo, extinguindo-se a autarquia, todo o seu patrimônio reincorpora-se no da entidade estatal que a criou.
O orçamento das autarquias é formalmente idêntico ao das entidades estatais, com as peculiaridades indicadas nos arts. 107 a 110 da Lei 4.320/64 e adequação ao disposto no art. 165, § 5º, da CF.
Os dirigentes das autarquias são investidos nos respectivos cargos na forma que a lei ou seu estatuto estabelecer. Os seus atos equiparam-se aos atos administrativos e, por isso, devem observar os mesmos requisitos para sua expedição, com atendimento específico das normas regulamentares e estatutárias da instituição, sujeitando-se aos controles internos e ao exame de legalidade pelo Judiciário, pelas vias comuns, expostos nas ações ordinárias ou especiais , como mandado de segurança e ação popular.
Os contratos das autarquias estão sujeitos a licitação por expressa determinação do art. 1º da Lei nº. 8666/1993 e do art. 37, XXI, da CF, sendo nulos os que não a realizarem ou fraudarem o procedimento licitatório, conforme a Lei nº 4.717/65.
O pessoal das autarquias está sujeito ao regime jurídico único da entidade-matriz, como dispõe o art. 39, caput, da CF. As proibições de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções atingem também os servidores das autarquias, nos expressos termos dos incs. XVI e XVII do art. 37 da CF. Por outro lado, para efeitos criminais, os servidores e dirigentes de autarquias igualam-se a funcionários públicos, na terminologia dessa norma, que ainda se refere a “funcionários públicos” quando, hoje, são todos “servidores públicos”. Para as sanções decorrentes de atos de improbidade administrativa, são agentes públicos, por indicação da Lei 8.429/92.
Em razão de cautelar julgada procedente na ADI 2135, em face da inconstitucionalidade formal do art. 39 alterado pela EC 19/98, as pessoas jurídicas de direito público da administração pública direta e indireta somente poderão adotar o regime jurídico único de pessoal, que segundo a maioria da doutrina, implica em dizer que dentro da mesma esfera, todos os entes devem adotar o mesmo regime, seja ele estatuário ou celetista. Vale ressaltar que a emenda mencionada previa a possibilidade de regime múltiplo, isto é, celetista ou estatutário, sendo que uma vez adotado este último, não poderia ser convertido no primeiro. Importante trazer a lume, mesmo ainda não tendo sido o mérito julgado, referido julgado do STF:
“MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PODER CONSTITUINTE REFORMADOR. PROCESSO LEGISLATIVO. EMENDA CONSTITUCIONAL 19, DE 04.06.1998. ART. 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME JURÍDICO ÚNICO. PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO, DURANTE A ATIVIDADE CONSTITUINTE DERIVADA, DA FIGURA DO CONTRATO DE EMPREGO PÚBLICO. INOVAÇÃO QUE NÃO OBTEVE A APROVAÇÃO DA MAIORIA DE TRÊS QUINTOS DOS MEMBROS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS QUANDO DA APRECIAÇÃO, EM PRIMEIRO TURNO, DO DESTAQUE PARA VOTAÇÃO EM SEPARADO (DVS) Nº 9. SUBSTITUIÇÃO, NA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA LEVADA A SEGUNDO TURNO, DA REDAÇÃO ORIGINAL DO CAPUT DO ART. 39 PELO TEXTO INICIALMENTE PREVISTO PARA O PARÁGRAFO 2º DO MESMO DISPOSITIVO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO APROVADO. SUPRESSÃO, DO TEXTO CONSTITUCIONAL, DA EXPRESSA MENÇÃO AO SISTEMA DE REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO, PELA MAIORIA DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA PLAUSIBILIDADE DA ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL POR OFENSA AO ART. 60, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RELEVÂNCIA JURÍDICA DAS DEMAIS ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL REJEITADA POR UNANIMIDADE. 1. A matéria votada em destaque na Câmara dos Deputados no DVS nº 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vigente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a figura do emprego público. 2. O deslocamento do texto do § 2º do art. 39, nos termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo dispositivo representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação do DVS nº 9 e evitar a permanência do regime jurídico único previsto na redação original suprimida, circunstância que permitiu a implementação do contrato de emprego público ainda que à revelia da regra constitucional que exige o quorum de três quintos para aprovação de qualquer mudança constitucional. 3. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso. 4. Ação direta julgada prejudicada quanto ao art. 26 da EC 19/98, pelo exaurimento do prazo estipulado para sua vigência. 5. Vícios formais e materiais dos demais dispositivos constitucionais impugnados, todos oriundos da EC 19/98, aparentemente inexistentes ante a constatação de que as mudanças de redação promovidas no curso do processo legislativo não alteraram substancialmente o sentido das proposições ao final aprovadas e de que não há direito adquirido à manutenção de regime jurídico anterior. 6. Pedido de medida cautelar parcialmente deferido”.[4]
O inegável é que a autonomia administrativa da autarquia é um direito subjetivo público, oponível ao próprio Estado quando o infrinja. Diante disto, o controle autárquico só é admissível nos estritos limites e para os fins que a lei o estabelecer.
Entre nós, o controle das autarquias realiza-se na tríplice linha política, administrativa e financeira, mas todos esses controles adstritos aos termos da lei que os estabelece. O controle político normalmente se faz pela nomeação de seus dirigentes pelo Executivo; o controle administrativo se exerce através da supervisão ministerial ou de órgão equivalente no âmbito estadual e municipal, bem como por meio de recursos administrativos internos e externos, na forma regulamentar; o controle financeiro opera nos moldes da Administração direta, inclusive prestação de contas ao tribunal competente, por expressa determinação constitucional.
O afastamento dos dirigentes de autarquia é admissível nos casos regulamentares ou, na omissão, quando sua conduta configurar infração penal, ilícito administrativo previsto para os servidores públicos ou desmandos na Administração, mas, ainda aqui, a intervenção estatal deve ser acompanhada de processo adequado à apuração das responsabilidades funcionais.
Pela Lei n. 8.429, de 02/06/92, a posse e o exercício de agente público autárquico, de fundação pública e de paraestatal ficam condicionados à apresentação de declaração de bens, a fim de ser arquivada no Serviço de Pessoal competente
4. CLASSIFICAÇÃO
Muitos são os critérios apontados na doutrina, mas faremos referências à três das mais comuns, que dividem as autarquias considerando o tipo de atividade, a capacidade administrativa e a estrutura. Eventualmente, devemos ressaltar a classificação oriunda do órgão instituidor da autarquia, federal, estadual ou municipal.
4.1 Quanto ao tipo de atividade
– econômicas, destinadas ao controle e incentivo à produção, circulação e consumo de certas mercadorias, como o Instituto do Açúcar e do Álcool;
– de crédito e industriais, que hoje estão em desuso, tendo em vista a transformação destas em empresas públicas, como por exemplo as Caixas Econômicas;
– de previdência e Assistência, destinadas a realização das atividades de seguridade social, como o INSS e o IPESP;
– as profissionais ou corporativas, que fiscalizam o exercício das profissões, como os órgãos regulamentadores profissionais;
– as culturais ou de ensino, em que se incluem as Universidades.
Aqui devemos ressaltar a divergência doutrinária instaurada com relação as autarquias profissionais ou corporativas. Hely Lopes Meirelles (2002, pág. 333) aponta a existência de autarquias de regime especial, expostas nesta categoria as autarquias profissionais ou coorporativas e as agências reguladoras e executivas. Segundo Hely Lopes Meirelles:
“O que posiciona a autarquia como de regime especial são as regalias que a lei criadora lhe confere para o pleno desempenho de suas finalidades específicas, observadas as restrições constitucionais. Assim, são consideradas autarquias de regime especial o Banco Central do Brasil (Lei 4.595/64), a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Lei 4.118/62), a Universidade de São Paulo (Dec.-lei 13.855/44 e Decs. 52.326/69 e 52.906/72), dentre outras que ostentam características próprias na sua organização, direção, operacionalidade e gestão de seus bens e serviços.”[5]
Mas segundo Di Pietro (2006, pág. 425) “esse tipo de classificação carece de relevância, tendo em vista que o tipo de atividade não altera o regime jurídico”.
Concordamos com a referida autora, tendo em vista que o fato de serem autarquias de regime especial, de previdência ou assistência, profissionais ou corporativas em nada altera o regime jurídico e a organização destas entidades. O que acontece é que o art. 58 da Lei 9649/98, que impunha personalidade jurídica de direito privada às ordens e conselhos profissionais, fora declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, já que o referido entendeu que atividades típicas do Estado não podem ser objeto de delegação a entidades privadas que não guardem nenhuma espécie de vinculação com o Poder Público. Dessa forma, tornam-se meras classificações doutrinárias as referentes a atividade das autarquias, por deterem pouca influência prática em seus regimes. Nesse sentido, a ADI 1717 do STF:
“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime”.[6]
Não obstante esse julgamento, com todo o reflexo que causou nas referidas corporações, como a necessidade de contratação por concurso público, as prerrogativas processuais, como por exemplo a cobrança de suas mensalidades pelo rito da Lei de Execução Fiscal, o Supremo Tribunal Federal considerou a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil – como entidade sui generis na organização da Administração Pública Brasileira, logo não compõe a Administração Pública, e sendo assim, por não ser pessoa jurídica de direito público, a anuidade da OAB não é tributo; não se sujeita a controle dos TCs; contra os inadimplentes não cabe execução fiscal; não observa a Lei de contabilidade pública e não exige a contratação de pessoal por meio de concurso público. Importante, então, transcrever o referido julgado pelo STF:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª PARTE. “SERVIDORES” DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A Lei n. 8.906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos “servidores” da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria. 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como “autarquias especiais” para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas “agências”. 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12. Julgo improcedente o pedido.” (GRIFEI)[7]
Quanto à capacidade administrativa, a doutrina distingue a geográfica ou territorial e a de serviço ou institucional. A primeira exerce múltiplas atividades no âmbito do seu território, com funções típicas daquele ente que as instituiu, sem claro a autonomia daqueles. Temos como exemplo a autarquia do Balneário Cassino na cidade do Rio Grande, com atribuições específicas do município de Rio Grande. Na verdade, a autarquia do Balneário Cassino exerce todas as funções administrativas do município de Rio Grande no referido balneário. Já as autarquias de serviço tem capacidade específica, limitada a determinado serviço que lhes é atribuído por lei, como o INSS.
Quanto a estrutura, há a subdivisão em fundacionais e corporativas, baseadas na distinção contida no Código Civil referentes às duas modalidades de pessoas jurídicas privadas: associação e sociedade de um lado, e fundações de outro.
Advogado. Pós-Graduado em Direito Público. Mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público de Brasília (IDP).
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