Resumo: A Constituição da República de 1988 prevê a imunidade material para os parlamentares federais, estaduais, distritais e municipais. Ocorre, a proteção relativa aos últimos se reduz ao espaço territorial do município respectivo, o que merece variadas reflexões.
Palavras-chaves: Parlamentares. Imunidade material. Estado Democrático de Direito.
Abstract: The Constitution of the Republic of 1988 provides material immunity for federal lawmakers, state, provincial and municipal. Occurs, the relative protection the latter is reduced to the sovereign territory of the respective municipality, which deserves varied reflections.
Keywords: Parliamentarians. Material immunity. Democratic state.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Estatuto dos congressistas. 3. Imunidade material (inviolabilidade). 4. Parlamentares estaduais e imunidade material. 5. Deputados distritais e imunidade material. 6. Parlamentares municipais e imunidade material. Considerações finais. Referências.
1. Introdução
A Constituição da República consagra a imunidade material aos parlamentares federais, estaduais, distritais e municipais.
Os três primeiros têm seu amparo em todo território da federação, enquanto o último a detém, unicamente, pela literalidade do dispositivo constitucional atinente à matéria, na circunscrição de seu município.
Neste texto, pretendemos refletir se este tratamento desigual está em consonância com o regime atual, democrático de direito, bem como do que se espera dos parlamentares quando do exercício de suas funções constitucionalmente delegadas.
Nos propusemos a enfrentar a problemática de forma concisa, apresentando o Estatuto dos congressista e questões relativas à imunidade material no âmbito do legislativo da união, dos estados-membros, do distrito federal e dos municípios.
Ao final, pontuamos considerações no sentido de que não parece razoável, outrossim, ofensivo ao Estado Democrático de Direito e ao princípio simetria o tratamento diferenciado aqui analisado.
2. O Estatuto dos congressistas
O Estatuto dos Congressistas pode ser definido como o conjunto de normas que compõe o regime jurídico destinado aos membros do Congresso Nacional, prevendo seus direitos e obrigações.
Na carta político/jurídica de 1988, referido regime jurídico encontra-se contemplado por normas relativas à imunidade material ou inviolabilidade (CF, caput do art. 53); prerrogativa de foro (CF, § 1º do art. 53); imunidade formal quanto à prisão (CF, § 2º do art. 53); imunidade formal quanto ao processo (CF, §§ 3º, 4º e 5º do art. 53); isenção do dever de testemunhar (CF, § 6º do art. 56); incorporação às Forças Armadas (CF, § 7º do art. 53); imunidades durante estado de sítio (CF, § 8º do art. 53); incompatibilidades (CF, art. 54); entre outros.
Sobre o tema, vale conferir as palavras de Nathalia Masson:
“O conjunto normativo especial que excede o direito comum e refere-se ao regime jurídico empregado aos parlamentares, relativamente a suas prerrogativas, proibições e impedimentos, é denominado "Estatuto dos Congressistas". Este compreende as imunidades: regras protetivas à função parlamentar, atribuídas aos membros do Poder Legislativo para que estes possam executar suas atribuições com liberdade, independência frente aos demais Poderes e sem pressões externas. […]. A consagração de imunidades para os parlamentares é, pois, produto do reconhecimento de que a autonomia do Poder está diretamente relacionada à autonomia que se confere aos seus integrantes: um Parlamento livre requer parlamentares desimpedidos; um Parlamento democraticamente atuante, demanda parlamentares que ajam com coragem, sem receio de represálias, processos temerários ou prisões arbitrárias” (MASSON, 2016, p. 650).
Passemos ao estudo do objeto deste texto, a imunidade material parlamentar.
3. Imunidade material (inviolabilidade)
Por meio da imunidade material ou inviolabilidade pretende-se garantir, ao parlamentar, o livre exercício de sua opinião, palavra e voto, para que possa desempenhar, com total independência (autonomia), a função legislativa dedicada pelo povo.
Nos termos do caput do art. 53 da Constituição Federal, os Deputados e os Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
Pelo dispositivo, os parlamentares federais são invioláveis, civil, penal, administrativa e politicamente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, proferidos em virtude das funções parlamentares, por mais que a doutrina ofereça variadas definições acerca do tema, como se percebe a partir das palavras a seguir.
“Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967), Nélson Hungria (Comentários ao Código Penal), e José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo) entendem-na como uma cláusula excludente de crime, Basileu Garcia (Instituições de Direito Penal), como causa que se opõe à formação do crime; Damásio de Jesus (Questões Criminais), causa funcional de exclusão ou isenção de pena, Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal) considera-a causa pessoal de exclusão de pena; Magalhães Noronha (Direito Penal) causa de irresponsabilidade; José Frederico Marques (Tratado de Direito Penal), causa de incapacidade penal por razões políticas” (LENZA, 2010, p. 427).
Não obstante referidos apontamentos, a imunidade material (inviolabilidade) (LENZA, 2010) apresenta-se, desenvolvendo posicionamento do Supremo Tribunal Federal no Inquérito 2.273 do Distrito Federal, onde figurou como relatora a Ministra Ellen Gracie, como uma causa de excludente de tipicidade, na medida em que há ampla descaracterização do tipo penal, irresponsabilizando o parlamentar penal, civil, política e administrativamente, tanto em plenário quanto fora dele, desde que o ato decorra do efetivo exercício da função ou a ele esteja relacionado.
A propósito, quando as opiniões, palavras e votos forem produzidos fora do recinto da respectiva Casa legislativa, exige-se que o ato esteja relacionado ao exercício da atividade parlamentar.
Em caso de ofensa irrogada em plenário, as responsabilidades civil e penal inexistirão, independentemente de conexão com a função parlamentar, devendo eventuais excessos ser coibidos pela própria casa a que pertencer o parlamentar.
Acerca do referido, Marcelo Novelino aludiu e complementou:
“Quando as opiniões, palavras e votos forem produzidos fora do recinto da respectiva Casa legislativa, exige-se que o ato esteja relacionado ao exercício da atividade parlamentar. 45 No caso de ofensa irrogada dentro do plenário, as responsabilidades civil e penal serão ilididas independentemente de conexão com o exercício do mandato,46 devendo eventuais excessos ser coibidos pela própria Casa a que pertencer o parlamentar.47 Na hipótese de utilização de meios eletrônicos (Facebook, Twitter, WhatsApp, e-mails…) para divulgar mensagens ofensivas à honra de alguém, deve haver vinculação com o exercício parlamentar para que seja afastada a responsabilidade, ainda que a mensagem tenha sido gerada dentro do gabinete. […]. Entendimento diverso daria margem ao exercício abusivo desta prerrogativa que, como destacado, é da instituição e não do parlamentar. […]. A imunidade material se estende a fato coberto pela inviolabilidade divulgado na imprensa por iniciativa de parlamentar ou de terceiros, haja vista que os pronunciamentos e as declarações feitas aos meios de comunicação social, quando relacionados ao exercício do mandato, "qualificam-se como natural projeção do exercício das atividades parlamentares". Outrossim, deve ficar imune à censura cível e penal, a resposta imediata a injúria perpetrada por parlamentar e acobertada pela imunidade” (NOVELINO, 2015, p. 671-672).
4. Parlamentares estaduais e imunidade material
Conforme disposto no § 1º do art. 27 da Constituição Federal, são aplicadas, aos deputados estaduais, as regras da Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.
Logo, os parlamentares estaduais gozam das mesmas prerrogativas inerentes aos parlamentares federais levando ao entendimento de que tudo o que dissemos acima sobre a imunidade material, será aplicado aos parlamentares estaduais.
5. Deputados distritais e imunidade material
O § 3º do art. 32 da Constituição Federal prevê que aos Deputados Distritais e à Câmara Legislativa aplica-se o disposto no art. 27 (referente aos deputados estaduais).
Desse modo, o que desenvolvemos quanto aos parlamentares federais e estaduais, será estendido aos parlamentares distritais, pois conforme aludido, são aplicadas, aos deputados estaduais, as regras da Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.
6. Parlamentares municipais e imunidade material
Os parlamentares municipais, por força do inciso VIII do art. 29 da Constituição Federal, também gozam de imunidade material (inviolabilidade) por suas opiniões palavras e votos em razão do exercício da função parlamentar, desde que na circunscrição do respectivo município.
Nos dizeres de Nathalia Masson:
“Em consonância precisa com o que dispõe a Constituição (art. 29, VIII, CF/88), prevalece no STF e na doutrina o entendimento de que a imunidade material dos Vereadores está mesmo limitada territorialmente à circunscrição do Município ao qual ele se acha funcionalmente vinculado, por ser esta a exata redação do dispositivo constitucional. Em contraposição, temos vozes na doutrina que divergem da escolha constitucional, ao argumento de que a imunidade material dos parlamentares locais deveria ser restringida por interesses municipais e não por limites territoriais” (MASSON, 2016, p. 669).
A parte final deste posicionamento suscita reflexões. Imagine-se que certo vereador imprima opiniões ou palavras “duras” contra certo alguém em decorrência do ofício, ou seja, relativas aos interesses municipais. Porém, tais dizeres foram proferidos fora do espaço territorial de seu município, noutro estado-membro ou no distrito federal. Pela literalidade do dispositivo o parlamentar municipal não gozaria da proteção aqui estudada. Parece razoável? Condizente com o Estado Democrático de Direito? E o princípio da simetria?
7. Considerações finais
Temos afirmado por aí que o Estado Democrático de Direito deve contemplar os anseios dos Estados Liberal e Social, sem, contudo, “fechar os olhos” para as constantes mutações e reivindicações sociais, políticas, econômicas e culturais que o passar do tempo apresenta.
O diapasão reivindica uma atuação parlamentar arrojada, corajosa e destemida em virtude de variadas pressões sofridas, tratando-se a imunidade material aqui estudada de um valiosíssimo instrumento para sua realização, por todo o afirmado.
Pelo princípio da simetria exige-se uma relação simétrica entre os institutos contemplados na Constituição Federal, nas constituições dos estados-membros e nas leis orgânicas do distrito federal e dos municípios.
Além disso, pode-se afirmar tranquilamente que pelo mesmo, não há hierarquia entre união, estados-membros, distrito federal e municípios, vez tratarem-se de entes federados autônomos cuja atuação deve respeitar, unicamente, os limites constitucionalmente delimitados, nos termos do caput do Art. 18 da Constituição Federal.
Postas essas considerações, não parece razoável, outrossim, ofensivo ao Estado Democrático de Direito e ao princípio supracitado, o tratamento diferenciado quanto aos parlamentares municipais no que pertine a inviolabilidade, por se tratar esta de uma prerrogativa inerente a função parlamentar, pouco importando se a palavra e a opinião, caso exercida em decorrência da atividade parlamentar seja proferida em qualquer localidade do território nacional. Independentemente do interesse nacional, regional e/ou local, cabe ao legislador estar atento aos interesses a este delegado pelo povo em conformidade com o parágrafo único do Art. 1º da Carta Magna.
Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE
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