As interrupções e as revisões dos contratos de saúde e os direitos do consumidor

Resumo: Sabe-se que a assistência à saúde é um direito fundamental, mas, ao lado do Estado, no cumprimento do dever de prestar a saúde, estão as operadoras de planos de saúde. Por questões ligadas à sobrevivência humana, portanto, não se pode prescindir da relação contratual de consumo, que se perfaz entre o fornecedor de assistência à saúde e o consumidor, devendo, nesse negócio, imperar o dever de informação, da boa-fé e da transparência. Assim, o artigo propõe que os contratos de plano de saúde, quando levados à apreciação do Poder Judiciário, sejam (re)avaliados com cautela, a fim de recompor o equilíbrio na relação contratual entre as partes.

Palavras-chave: plano de saúde; contrato; revisão.

Sumário: 1 Introdução; 2 Ilegalidades da alteração contratual; 3 A violação dos princípios da boa-fé e da transparência nos contratos de saúde; 4 Os danos materiais e os danos morais suportados pelo consumidor; 5 Considerações finais; Referências.

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1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que a Constituição assegura direitos fundamentais à pessoa humana, mas, também, assegura deveres fundamentais. É, assim, justificável o vínculo entre direitos e deveres fundamentais, pois o direito de um indivíduo leva ao aparecimento de, pelo menos, um dever para os demais, seja o de não impedir a implementação do direito ou, até mesmo, o de promovê-lo (PEDRA, 2013, p. 287).

A sociedade contemporânea precisa compreender que um Estado não é concebido apenas de direitos. A Constituição da República Federativa do Brasil não apresenta apenas normas que conferem direitos, mas apresenta diversos deveres dos sujeitos como membros do Estado (DUQUE e PEDRA, 2012, p. 164).

O plano de saúde hoje é uma necessidade básica de toda a pessoa humana que não consegue contar com os serviços de saúde oferecidos pelo Poder Público. Acontece que se vive um caos nesse cenário contratual, pois, uma vez escolhida a operadora de saúde, o consumidor não tem qualquer ingerência sobre o objeto contratual pactuado.

Para agravar a situação, após a contratação, surpresas podem surgir e estas colocarão o consumidor em extrema desvantagem e onerosidade. Quais são as ilegalidades praticadas pelas operadoras de saúde? Quais direitos terão os consumidores? Essas são as respostas que o presente artigo pretende alcançar.

Para isso, o estudo buscará compreender, num primeiro momento, quais são as ilegalidades, no que tange às questões ligadas à alteração contratual. Num segundo momento, busca-se avaliar a violação dos princípios da boa-fé e da transparência nos contratos de saúde. Por fim, serão compreendidos os danos materiais e os danos morais suportados pelo consumidor.

2 ILEGALIDADES DA ALTERAÇÃO CONTRATUAL

As operadoras de planos de saúde, unilateralmente, praticam uma série de condutas ilegais consistentes na negativa de cobertura, procedimentos, exames e internação, reajustes abusivos nos planos de saúde decorrentes de mudança de faixa etária, bem como, mudanças contratuais diversas que fragilizam o consumidor. Para piorar, praticam as operadoras variadas ilegalidades quando desejam promover a extinção dos contratos com os usuários dos planos, ou, ainda, quando desejam promover alterações contratuais.

Por exemplo, no caso de negativa de cobertura de órtese e prótese os consumidores podem exigir ao plano que seja fornecido, nos exatos moldes, o medicamento e/ou tratamento indicados pelo médico, para que seja viabilizada a cirurgia, bem como invocar a nulidade das cláusulas que excluem a cobertura, nos termos do artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor.

Em se tratando de negativa de procedimentos, exames e internação, os consumidores devem exigir, por escrito, a justificativa da recusa, sendo que as operadoras do plano estão obrigadas, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, a informar, de modo claro e detalhado ao usuário, em respeito ao artigo 2º da Resolução Normativa número 319 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) o fundamento da recusa. Além disso, o usuário pode ingressar com ação judicial pleiteando os danos que lhes foram causados.

No que tange à adaptação dos contratos de planos de saúde, já é pacífico o entendimento na doutrina e na jurisprudência, que é facultativa a mudança de planos aos consumidores, como pode ser visto na Lei 9.656/98[1].

Observa-se, portanto, que a opção de alteração cabe ao consumidor, sendo que a operadora não pode efetuar tal procedimento, unilateralmente, vez que, do contrário, estaria coagindo o associado a aderir novo negócio, em regra, por um custo muito mais elevado.

Dessa forma, olvidando-se do seu próprio dever de informar, a operadora de saúde sem prestar esclarecimentos efetivos sobre a sua fórmula de reajuste para as prestações que se avizinham, ousa constranger o consumidor a alterar seu contrato e se submeter a onerosas prestações, em flagrante violação ao artigo 16, incisos I e XI, da Lei nº 9656/98[2].

Por meio dessa legislação, a ANS reiterou a facultatividade da alteração do contrato por adaptação ou migração, bem como estabeleceu, em seu artigo 8º, parágrafo 2o, que, o ajuste da adaptação a ser aplicado sobre a contraprestação pecuniária não pode exceder a 20,59% (vinte virgula cinquenta e nove por cento).

Conclui-se, então, que o aumento na contraprestação do consumidor efetuado pelas operadoras é ilegal, seja porque se deu de forma arbitrária e sem respaldo na lei, seja porque, ainda que se proveniente de adaptação do contrato, teria ultrapassado em muito o limite estabelecido pela própria ANS.  

De outra forma, também não merece razão, no caso dos idosos, a operadora promover a alteração, exclusivamente, com base na mudança de faixa etária, pois, mais uma vez, trata-se de atitude contrária à lei, nesse caso, ao Estatuto do Idoso, a saber:

“Art. 15.  A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.

Parágrafo único.  É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, há mais de dez anos.”

Em primeiro lugar, não é possível o reajuste para os que possuem idade igual ou maior que sessenta anos. Da mesma forma, não é razoável o reajuste por mudança de faixa etária para os que possuírem 10 (dez) anos ou superior a 10 (dez) anos de permanência no plano de saúde, conforme previsão no artigo 15, parágrafo único, da Lei nº 9.656/98.

Em segundo lugar, se no contrato não há qualquer previsão de percentual de reajuste incidente nas respectivas faixas etárias, infringe-se a norma contida no artigo 16, inciso XI, da Lei nº 9.656/98. No entanto, ainda que houvesse, pela regra do parágrafo único, do artigo 15, reajuste para a faixa etária acima de 59 ou mais anos, tal procedimento seria ilegal em razão da idade.

Como, então, proceder à alteração do contrato com a justificativa de adaptá-lo à lei 9.656/98 e, ao mesmo tempo, violar essa mesma lei, no que tange à vedação do reajuste, como ocorre junto aos consumidores maiores de 60 (sessenta) anos de idade? Trata-se, no mínimo, de má-fé das operadoras de plano de saúde que, por qualquer meio, tentam beneficiar-se às custas do consumidor, seja através da imposição de uma alteração contratual, seja através de reajustes indevidos nas contraprestações desta.

3. A VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA TRANSPARÊNCIA NOS CONTRATOS DE SAÚDE

Os princípios da boa-fé e da transparência devem permear os contratos de assistência à saúde, desde a fase da pré-contratação pelo usuário do plano. Consoante a lição de Guilherme Fernandes Neto (2012, p. 106), tem-se que a boa-fé deve imperar também na informação, a saber:

“A boa-fé na informação, por exemplo, implica que o fornecedor seja preciso, claro, especificando de forma correta a quantidade, características, composição, qualidade, preço e riscos que porventura apresente o produto. Se assim não o fez, deixou de cumprir com o mandamento esculpido no art. 6º, III, do CDC, e a omissão não o socorrerá para, v.g., deixar de cumprir a oferta, alegando tratar-se de informação imprecisa”.

Em recente decisão divulgada no site do Tribunal de Justiça de São Paulo[3], entendeu-se que a operadora deve promover a continuidade dos serviços do plano de saúde, sem qualquer cobrança para a usuária grávida até a realização do parto. Isto porque a operadora de plano de saúde suspendeu o contrato, de modo a alegar que a cobertura dos serviços para a grávida era até os 20 (vinte) anos.

Nesse caso apresentado, considerando que a operadora foi omissa quanto ao seu dever de informar à usuária, deve ser declarada a abusividade da referida cláusula de limitação da faixa etária e, consequentemente, fornecer os procedimentos relativos ao parto, sob pena de violação aos princípios da boa-fé e da transparência. Assim, a boa-fé do consumidor está, amplamente, caracterizada por parte da gestante, contudo, o mesmo não se pode falar quanto à atitude da operadora do plano.

Alguns contratos de saúde não dispõem sobre o valor do reajuste pela mudança das “faixas etárias” causando ao contrato omissão e violando o princípio da transparência máxima contido no Código de Defesa do Consumidor.

O consumidor não é informado de forma clara e precisa das condições contratuais, em especial, do reajuste pela mudança de “faixa etária”, pois não há a previsão do percentual ou valor a ser utilizado nesta hipótese de reajuste.

Neste contexto, o princípio da transparência, que assegura ao consumidor a plena ciência da exata extensão das obrigações assumidas perante o fornecedor, deve nortear esta relação contratual, sob pena de colocar o usuário do plano de saúde em desvantagem exagerada frente à operadora.

Na verdade, a operadora do plano ao impor o valor da nova mensalidade sem que o consumidor receba os esclarecimentos necessários da forma pela qual se chegou aos valores, desrespeita os princípios básicos da transparência e confiança, que necessariamente devem permear as relações de consumo[4].

Assim, deve o fornecedor transmitir, efetivamente, ao consumidor todas as informações indispensáveis à decisão de consumir ou não o produto ou serviço, de maneira clara, correta e precisa, pois o dever de informar está direcionado à conduta de transparência e de esclarecimento quanto aos dados, objeto e características do contrato (BUENO DE GODOY, 2009, p. 80).

Em outras palavras, é necessário maior transparência e lealdade ao informar e oportunizar a informação do consumidor sobre o regime (e coberturas) de seu plano ou seguro de saúde. Não há mais como denominar um plano de saúde de "plano integral de saúde" e excluir de sua cobertura a maioria das doenças (MARQUES, 2002, p. 264).

Dispondo a respeito do princípio da transparência nas relações de consumo, Fábio Ulhoa Coelho (1996, p. 97) esclarece que:

“De acordo com o princípio da transparência, não basta ao empresário abster-se de falsear a verdade, deve ele transmitir ao consumidor em potencial todas as informações indispensáveis à decisão de consumir ou não o fornecimento.”

O Tribunal de Justiça do Espírito Santo já enfrentou a questão em sede de Ação Civil Pública, in verbis:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LIMINAR DEFERIDA – MANUTENÇÃO DA ABSTENÇÃO DE REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA – IDOSO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ESTATUTO DO IDOSO – PRINCÍPIOS CONTRATUAIS  – ASPECTO SOCIAL – AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO – 1. A questão cinge-se, apenas, em primeiro plano, na verificação da possibilidade ou não do reajuste por faixa etária para os contratos dirigidos pela agravante e o sopesamento da alegada lesão grave e de difícil reparação em contrapartida ao direito à continuidade da prestação de serviço, sem tal reajuste. 2. Os contratos firmados pela agravante tem seu conteúdo e forma regido pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo estatuto do idoso. 3. Ademais, é inequívoca que a situação ora apresentada se coaduna com as situações lançadas na doutrina e na jurisprudência a autorizar uma aplicação dos princípios contratuais da nova ordenança civil, considerando-se a natureza do contrato, seu conteúdo e as circunstâncias peculiares do caso. 4. Por expressa disposição legal é vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade. 5. A incidência da lei é clara aos contratos de trato sucessivo quando de sua entrada em vigor, mesmo nos contratos firmados anteriormente à vigência do Estatuto. 6. A decisão está em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Resp. 989.380⁄RN). 7. O interesse social que subjaz do Estatuto do Idoso, exige sua incidência aos contratos de trato sucessivo, assim considerados os planos de saúde, ainda que firmados anteriormente à vigência do Estatuto Protetivo (AgRg no Resp. 707.286⁄RJ) 8. Decisão do Magistrado de piso que merece ser mantida 9. Agravo a que se nega provimento. Unânime”. (TJES, Agravo de Instrumento 24099170722, Relator Carlos Henrique Rios do Amaral, Primeira Câmara Cível, Publicado em 03/09/2010).

Segue também decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE. ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO. INTERNAÇÃO EM HOSPITAL NÃO CONVENIADO. CDC. BOA-FÉ OBJETIVA. 1. A operadora do plano de saúde está obrigada ao cumprimento de uma boa-fé qualificada, ou seja, uma boa-fé que pressupõe os deveres de informação, cooperação e cuidado com o consumidor/segurado. 2. No caso, a empresa de saúde realizou a alteração contratual sem a participação do consumidor, por isso é nula a modificação que determinou que a assistência médico hospitalar fosse prestada apenas por estabelecimento credenciado ou, caso o consumidor escolhesse hospital não credenciado, que o ressarcimento das despesas estaria limitado à determinada tabela. Violação dos arts. 46 e 51, IV e § 1º do CDC. 3. Por esse motivo, prejudicadas as demais questões propostas no especial. 4. Recurso especial provido.” (STJ. REsp 418.572/SP, Rel. Ministro  Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, Julgado em 10/03/2009).

Neste contexto, a operadora do plano deve responder, objetivamente, pelos danos causados ao consumidor.

4 OS DANOS MATERIAIS E OS DANOS MORAIS SUPORTADOS PELO CONSUMIDOR

Como enfatizado, quando o aumento da mensalidade é feito pela operadora de forma divorciada do que prevê o contrato de plano de saúde e a majoração decorre, exclusivamente, em razão da mudança de faixa etária, está-se diante de uma prática abusiva e ilícita.

Neste contexto, o consumidor está amparado pelo artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, o que significa que tem direito ao ressarcimento na forma em dobro, acrescido de juros legais e correção monetária. Portanto, o ressarcimento pode ser requerido pelo usuário, na ação judicial competente, em dobro do valor cobrado a mais pela operadora do plano de saúde[5].

É notório que o consumidor sofre dano moral, em razão de ter que pagar uma quantia elevada em pecúnia, para continuar com o plano de saúde, e a fim de evitar que a assistência à saúde não seja suspensa, especialmente, considerando o fato de o usuário sofrer com a possibilidade de não utilização dos serviços médicos.

Dessa maneira, deve ser reputado como dano moral, a dor, o vexame, sofrimento ou humilhação que, “fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 83).

Nessa esteira, Carlos Alberto Bittar (2000, p. 15) assevera-se que:

“Danos morais são lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem. São aqueles que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Contrapõem-se aos danos denominados materiais, que são prejuízos suportados no âmbito patrimonial do lesado.”

Em total consonância com o entendimento da configuração do dano moral em casos como esse em tela, o Superior Tribunal de Justiça proferiu o seguinte julgado:

“PLANO DE SAÚDE. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. RECUSA DA COBERTURA. MAJORAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO. DESCABIMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. OMISSÃO NÃO CARACTERIZADA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. NECESSIDADE DE SUPRIMENTO DO JULGADO. I – A pretensão de ampliar a condenação por danos morais, a pretexto de não terem sido consideradas as circunstâncias pessoais da autora, bem como a situação econômica da ré, apresenta contornos de infringência do julgado, o que, como regra, não se admite por intermédio dos Embargos de Declaração. II – Tendo sido carreadas à ré as custas e os honorários advocatícios, não há que se falar em omissão do julgado, no que se refere à fixação dos ônus sucumbenciais. III – A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento" (Súmula STJ/362). IV – Tratando-se de responsabilidade contratual, incidem os juros moratórios a conta da citação. EDcl no AgRg nos EDcl no Recurso Especial Nº 1.096.560 – SC (2008/0219183-5) Ministro Sidnei Beneti.”

Em razão disso, a operadora do plano de saúde viola não apenas os ditames contratuais, mas ainda causa lesão à esfera psicológica do consumidor, merecendo por tais fatos uma justa indenização e, em caráter pedagógico, para que haja desestímulo às práticas ilícitas e abusivas cometidas contra os usuários do plano.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como restou demonstrado, as operadoras de plano de saúde praticam uma série de ilegalidades contratuais, de modo a imputar ao usuário o risco da atividade contratada, violando, assim, o direito fundamental à saúde do consumidor pelo não exercício adequado do dever fundamental de observância à informação, quanto às mudanças contratuais, ao usuário do plano.

Defende-se que falar em efetividade de direitos, especialmente aqueles voltados à saúde, requer um olhar atento aos deveres fundamentais, porque estes possuem o relevante papel de proteger e promover aqueles; alguns direitos dependem diretamente dos deveres, por outro lado, outros dependem indiretamente (PEDRA, 2013b, p. 284).

Deve, assim, o fornecedor transmitir, efetivamente, ao consumidor todas as informações indispensáveis à decisão de consumir ou não o produto ou serviço, de maneira clara, correta e precisa, pois o dever de informar está direcionado à conduta de transparência e de esclarecimento quanto aos dados, objeto e características do próprio negócio firmado, sendo que tal ônus deve ser compreendido como um verdadeiro dever fundamental.

 

Referências
BITTAR, Carlos Alberto. Danos morais: critérios para a sua fixação. São Paulo: Saraiva, 2000.
BUENO DE GODOY, Claudio Luiz. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2009.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2008.
COELHO, Fábio Ulhoa. O crédito ao consumidor e a estabilização da economia, Revista da Escola Paulista de Magistratura, 1/96, set./dez. 1996.
DUQUE, Bruna Lyra. PEDRA, Adriano Sant´Ana. A harmonização entre os deveres fundamentais de solidariedade e o espaço da liberdade dos particulares no exercício da autonomia privada. In: Otávio Luiz Rodrigues Jr.; Giordano Bruno Soares Roberto; Nelson Luiz Pinto. (Org.). Relações privadas e democracia. Florianópolis: FUNJAB, 2012.
FERNANDES NETO, Guilherme. Cláusulas, práticas e publicidades abusivas. São Paulo: Atlas, 2012.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PEDRA, Adriano Sant’Ana. A importância dos deveres humanos na efetivação de direitos. In: ALEXY, Robert et al. (Org). Níveis de efetivação dos direitos fundamentais civis e sociais: um diálogo Brasil e Alemanha. Joçaba: Editora Unoesc, 2013b.
ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. MP-MG Jurídico, Minas Gerais, n. 9, Ano II, abr./jun. 2007.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Mesmo com mudança de faixa etária, plano de saúde deve manter atendimento a gestante. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br/Institucional/CanaisComunicacao/Noticias/Noticia.aspx?Id=23741 Acesso em: 13 ago. 2014.
Notas:
[1] Art. 35.  Aplicam-se as disposições desta Lei a todos os contratos celebrados a partir de sua vigência, assegurada aos consumidores com contratos anteriores, bem como àqueles com contratos celebrados entre 2 de setembro de 1998 e 1o de janeiro de 1999, a possibilidade de optar pela adaptação ao sistema previsto nesta Lei.
[2] Importante mencionar também a Resolução Normativa nº 254, de 05 de maio de 2011, emitida pela ANS, que dispõe sobre a adaptação e migração dos contratos de plano de saúde celebrados até 1º de janeiro de 1999.
[3] Matéria disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e divulgada em: <http://www.tjsp.jus.br/Institucional/CanaisComunicacao/Noticias/Noticia.aspx?Id=23741>. Acesso em: 13 ago. 2014.
[4] Segue recente julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: “1. Os arts. 6º, III, e 46 do CDC instituem o dever de informação e consagram o princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, na medida em que a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução. 2. O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando do art. 6º, III, do CDC, somente estará sendo efetivamente cumprido quando a informação for prestada ao consumidor de forma adequada, assim entendida como aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor. 3. A rede conveniada constitui informação primordial na relação do associado frente à operadora do plano de saúde, mostrando-se determinante na decisão quanto à contratação e futura manutenção do vínculo contratual. 4. Tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicar individualmente cada associado sobre o descredenciamento de médicos e hospitais. 5. Recurso especial provido”. (STJ. REsp 1144840/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/03/2012).
[5] “1. O Estatuto do Idoso encerra matéria de ordem pública, sendo perfeitamente aplicável aos efeitos futuros dos atos e negócios jurídicos formados anteriormente à sua vigência. Aplicação da Súmula nº 214 desta Corte: "A vedação do reajuste de seguro saúde, em razão de alteração de faixa etária, aplica se aos contratos anteriores ao Estatuto do Idoso". 2. Não há que se falar em prescrição ânua no caso concreto, por não se tratar de hipótese em que o segurado postula indenização securitária; e tampouco se aplica o prazo quinquenal previsto no art. 27 do CDC, que tem seu campo de aplicação restrito às ações de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço. Diante da lacuna na lei especial (CDC), deve-se aplicar a teoria do diálogo das fontes, buscando a solução na lei geral (CC), aplicando-se à espécie o prazo prescricional residual de 10 anos disposto no art. 205 do CC. Precedentes do STJ. 3. Possibilidade de reconhecimento da prescrição decenal de ofício, eis se tratar de matéria de ordem pública – conjugação dos artigos 515 e 219, § 5º, do CPC. 4. Prevalência das normas constitucionais (art. 3º, IV, CF), legais (art. 15, § 3º, da Lei nº 10.741/03) e dos deveres anexos, colaterais ou fiduciários inerentes a todo e qualquer contrato sobre o vetusto princípio da obrigatoriedade, de modo a melhor proteger a parte que teve a sua legítima confiança frustrada por ato da outra. 5. Restituição em dobro dos valores pagos indevidamente pelos segurados, por comando expresso do parágrafo único do art. 42 do CDC, não havendo como considerar justificável o "engano" da ré, diante da vedação de reajuste abusivo por mudança de faixa etária decorre de expresso texto de lei federal. 6. O aumento exagerado no valor da mensalidade de pessoa idosa causa inegável aflição e preocupação ao segurado que, já na fase final da vida, se vê com dificuldades de manter o pagamento do plano de saúde, justamente quando dele mais necessita, causando-lhe, sem dúvida, dano moral indenizável. Nesta parte, considerando os critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência e em observância aos princípios da razoabilidade e da vedação ao enriquecimento sem causa, entendo que o valor de R$ 5.000,00, revela-se justo e adequado. 7. Negativa de seguimento ao recurso. (TJ-RJ, Apelação 01691124220128190001, Relator Marcos Alcino de Azevedo Torres, Vigésima Sétima Câmara Cível/Consumidor, Julgado em 16/12/2013,).

Informações Sobre os Autores

Bruna Lyra Duque

Doutora e Mestre do programa de pós-graduação stricto sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Especialista em Direito Empresarial (FDV). Professora de Direito Civil da graduação e pós-graduação lato sensu da FDV. Advogada e sócia fundadora do escritório Lyra Duque Advogados

Danilo Ribeiro Silva dos Santos

Mestrando do programa de pós-graduação stricto sensu em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em Direito Empresarial (FGV). Advogado e sócio do escritório Lyra Duque Advogados.


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Equipe Âmbito Jurídico

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