1. Crise de investimentos: o início
Na década de 90, frente a grave crise de investimentos por que passava o Estado brasileiro, denotava-se nitidamente a necessidade, mais uma vez, de se reformá-lo, buscando medidas concretas e estruturadoras que pudessem, efetivamente, resolver o problema.
Reestruturar o Estado consiste, na realidade, em uma reavaliação de práticas e valores que estão arraigados em nossa sociedade.
Qualquer solução que seja apresentada não consistirá em um ato ou ação isolada, e sim, em um projeto sério, transparente, de conscientização geral, mudança de mentalidade e educação para a cidadania.
Verificamos, de maneira indubitável, que estamos vivenciando em nosso país inúmeras mudanças na forma de gestão pública. Estas mudanças decorrem das grandes transformações evidenciadas nas relações Estado/sociedade e das formas tradicionais de administração do bem público.
A Reforma faz surgir um novo Estado, não indiferente ou superior à sociedade, mas que institucionalize mecanismos de modo a permitir uma participação cada vez maior dos cidadãos.
Logo, o resultado dessa reforma deverá ser um Estado mais eficiente, que responda a quem de fato deve responder: o cidadão.
Será um Estado agindo em parceria com a sociedade e de conformidade com seus anseios. Um Estado menos voltado para a proteção e mais para a promoção da capacidade de competição, que executará seus serviços sociais e científicos, não por burocratas, mas por organizações públicas não-estatais.
A realidade que vivemos é a de que a Administração Pública brasileira não possui recursos para investimentos em infra-estrutura (transporte, saúde, saneamento, hidroelétricas etc). É o Estado no curso de uma crise sem precedentes.
Faz-se necessário a implementação de medidas que possam alavancar o crescimento econômico do Estado através da implementação de políticas estruturadoras que venham atender com eficiência o cliente-cidadão.
E como implementar essas políticas estruturadoras se o Estado não dispõe de recursos, e as obras possuem um alto grau de risco para os investidores?
Buscar atrair investimentos para a realização de projetos pouco ou nada atrativos e que não apresentam nenhuma confiabilidade é o grande desafio.
Surge, então, o instituto das PPPs, dotado de algumas regras próprias, capaz de gerar mais segurança ao investidor privado, possibilitando um maior aporte de recursos.
2. O surgimento das PPPs
As parcerias público-privadas despontam, dentro do contexto de reforma do Estado, como uma nova modalidade de investimento proposta para a ampliação e melhoria da infra-estrutura de nosso país, através de um trabalho conjunto entre o setor público e a iniciativa privada.
Muito embora já tenha, inicialmente, sido normatizada em alguns Estados da Federação como, v.g., Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Goiás, as PPPs somente surgiram, na esfera federal, com o advento da Lei nº 11.079/2004.
Este instituto vem, desde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, sendo considerado como um instrumento fundamental para garantir o financiamento de obras sociais estruturadoras, de maneira que o Estado possa retomar o tão almejado crescimento.
A idéia central acerca de parcerias público-privadas é, além da relação estabelecida entre governo e empresas particulares, dirigir recursos para setores considerados prioritários, mas que não apresentam retorno econômico suficientemente elevado para atrair investimentos apenas do setor privado.
Sendo uma espécie de concessão especial, dotada de regras próprias, as parcerias público-privadas se apresentam como a “grande saída” para a crise de investimentos, proporcionando a retomada do crescimento econômico do Estado.
3. Confiabilidade: a grande questão
Uma das questões basilares a ser examinada em um contrato de parceria público-privado, como o próprio nome recomenda, é que de antemão, haja uma compatibilização e uma harmonização entre ambos os setores (público e privado), de forma a gerar confiabilidade para os financiamentos e/ou aporte de recursos.
E como gerar essa confiabilidade, diante de políticas públicas que variam ao sabor de cada governante? Como garantir ao investidor privado o retorno do investimento feito em contratos celebrados por períodos tão longos?
Para que o instituto das PPPs possa, efetivamente, atingir os objetivos a que se propõe é imprescindível que os parceiros privados acreditem que o Governo, independente de qual seja, irá cumprir as obrigações contraídas através dos contratos de parceria e que, caso haja algum descumprimento, disporão de meios eficazes e rápidos para executar as garantias oferecidas e terem o ressarcimento de seus prejuízos.
Essa confiabilidade, necessária para que o investidor privado venha fazer o aporte de recursos, i. e., venha investir em áreas pouco atrativas, encontra-se delineada na lei de parcerias através do compartilhamento de riscos e do oferecimento de garantias específicas.
4. Divisão dos riscos
No que concerne ao compartilhamento dos riscos entre o Estado e o investidor privado, a lei de PPPs procurou dar uma maior cobertura ao prevê, também, a repartição de riscos nas hipóteses de caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.
A questão dos riscos é uma realidade presente em todos contratos. Torná-lo inexistente é algo praticamente impossível de acontecer.
Nos contratos administrativos em geral, que são regidos pela Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), o risco é exclusivamente da Administração Pública.
Com relação às concessões comuns, previstas na Lei 8.987/95, o risco é do concessionário privado, salvo no caso dos riscos por fatos imprevisíveis ou de responsabilidade do próprio Estado, quando são assumidos pelo Poder Concedente, tendo em vista o direito do concessionário ao re-equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato.
Já as parcerias público-privadas, surgem como uma terceira hipótese no que concerne a questão dos riscos, pois permite o seu compartilhamento entre os parceiros público e privado. Essa comparticipação deverá ser especificada detalhadamente no contrato através de uma repartição objetiva dos riscos.
Os contratos de PPPs envolvem quantias vultosas e são celebrados a longo prazo, o que contribui para a existência de um elevado número de riscos e de diversas naturezas[1].
Não é pretensão desses contratos querer extinguir os riscos e sim, tão somente, mantê-los em níveis toleráveis que dê tranqüilidade a ambos os parceiros, sobremaneira ao parceiro privado.
Logo, caberá ao parceiro público buscar administrar esses riscos, minimizando-os ou mesmo transferindo-os, de forma a dar maior confiabilidade ao parceiro privado para investir.
Destarte, observa-se que a minimização ou transferência dos riscos é uma questão preponderante para o pleno êxito das PPPs. Cabe ao Governo definir quais os riscos que assumirá e quais os riscos que incidirá sobre o parceiro privado.
A transparência na ação governamental no tocante a quem caberá os riscos é fundamental para que o setor privado possa avaliar se está disposto a arcar com os mesmos ou não. Risco significa custo[2] e isso deverá ser pesado pelo investidor privado.
Havendo transferência de riscos haverá, conseqüentemente, transferência de custos. Essa co-relação precisa ser analisada de forma minuciosa pelo investidor privado, que examinará cada risco afeto ao projeto e como esse risco poderá interferir na execução do contrato.
A redução dos riscos de quebra implicará, conseqüentemente, em uma necessidade menor de serem oferecidas garantias ou blindagens especiais[3].
Importante registrar, como afirma Vanice do Valle, os riscos consistem “em um fenômeno que se põe, para o direito, como uma contingência, que influencia (ou não) o futuro, segundo uma posição na reta que tem por extremo probabilidade e improbabilidade”[4].
5. As garantias
Já a questão das garantias é um outro aspecto que mereceu uma especial atenção da Lei de PPPs, ao serem instituídos mecanismos para garantir que os órgãos contratantes cumpram as obrigações assumidas[5].
É notório que o Estado brasileiro sempre se caracterizou como um mau pagador, assim, essas garantias objetivaram tranqüilizar os investidores privados para que, na hipótese de inadimplência por parte do Estado, eles não venham a ter que percorrer um longo caminho até o recebimento das dívidas, como ocorre hodiernamente com os precatórios.
As obrigações pecuniárias que forem assumidas pela Administração Pública em decorrência da celebração dos contratos de parceria público-privada poderão ser garantidas, como estabelece a Lei de PPPs[6], por meio de:
· Vinculação de receitas, desde que observados os limites constitucionais.
· Instituição ou utilização de fundos especiais.
· Contratação de seguro-garantia, desde que celebrado com empresas que não estejam sob o controle do Poder Público.
Importante ressaltar que, ao invés dos parceiros privados, os próprios financiadores dos projetos de PPP poderão ser designados como beneficiários nas apólices[7].
· Organismos internacionais ou instituições financeiras, desde que não controladas pelo Poder Público.
Neste caso, da mesma forma como acontece na contratação de seguro, as garantias podem ser oferecidas diretamente aos financiadores dos projetos.
· Fundo garantidor ou empresa estatal criada para esse fim, obedecendo às regras preconizadas na lei de parcerias e no Decreto 5.411/2005.
Este fundo terá natureza privada e será constituído de um patrimônio próprio, separado do patrimônio de seus cotistas, os quais responderão apenas pela integralização das cotas que subscreverem.
Podem participar desse fundo a União, suas autarquias e fundações públicas.
O Fundo Garantidor de Parceria Público-Privada (FGP) terá um limite global de 6 (seis) bilhões de Reais, os quais não poderão ser objeto de contingenciamento nem mesmo destinado ao pagamento de precatórios oriundos de outras obrigações da Administração Pública[8].
O disciplinamento desse fundo, através de regras claras e precisas, será fundamental para atrair investimentos do setor privado.
Em caso de inadimplência do cotista do fundo, o parceiro privado poderá, para satisfação da dívida, acionar diretamente a garantia dada pelo FGP, admitindo-se, ainda, a constrição judicial dos seus bens (art. 18 da Lei de PPPs).
Convém abrirmos um parêntese para registrarmos que no caso de São Paulo, ao invés da criação de um FGP, foi instituída a Companhia Paulista de Parcerias. Trata-se de uma pessoa jurídica, sob a forma de sociedade por ações, com o escopo de implementar os projetos de PPPs e gerir os ativos patrimoniais a ela transferidos.
· Outros mecanismos admitidos em lei.
Esta “brecha” deixada na Lei pode ser entendida como um ato proposital do legislador com o objetivo de flexibilizar outras garantias legais para o atendimento de cada caso concreto.
6. Parceria Público-Privada – uma real saída
Os contratos de parceria público-privada surgem, nos dias atuais, como uma grande alternativa para a realização de obras públicas de larga escala, ou seja, como um grande auxiliar do Estado no cumprimento de suas metas, haja vista que a escassez de recursos e as limitações orçamentárias são uma constante.
É essencial que haja um completo conhecimento acerca da aplicação das parcerias público-privadas, afim de que se possa tirar o melhor proveito desse instituto evitando, assim, que o mesmo seja subutilizado ou mesmo superdimensionado, como acontece com diversos dispositivos sobre contratação pública[9].
O pleno êxito dos contratos de PPPs está atrelado, não apenas a instituição de fórmulas eficientes para garantia dos projetos, associado a diversas opções de financiamento, como também, ao estabelecimento de um marco regulatório forte, estável[10] e desprovido, se não todo, mas em sua maior parte, de influências políticas.
Incumbe ao setor público a prestação de serviço adequado, que venha atender as necessidades básicas e fundamentais da sociedade, todavia, sem recursos para investimentos em áreas emergenciais o Estado deixa de atender a quem de fato deveria: o cliente-cidadão.
A grande expectativa é de que projetos até então pouco atrativos para os investidores privados possam se tornar grandes negócios, na medida em que o Estado passa também a participar do custeio desses projetos.
Destarte, a nova proposta do governo com o instituto das PPPs é estabelecer uma forma diferenciada de parceria com o setor privado, com o objetivo de atrair recursos para áreas pouco ou nada rentáveis (pelo fato de possuírem um elevado grau de risco para sua implementação e baixas taxas de retorno), de forma que o Estado passe, além de prestar um serviço, prestar um serviço de qualidade.
Dentro dessa nova proposta as parcerias público-privadas passam a ser o “elemento chave” para a grande retomada do crescimento econômico.
Dotando o parceiro privado de certas garantias e compartilhando com ele os riscos do empreendimento, a lei de PPPs é um grande avanço para a concretização de projetos estruturadores, independente de quem seja o governante e qual sua coloração partidária.
Sabemos que as ingerências políticas e os desvirtuamentos de conduta dos gestores da coisa pública, através de promessas demagogas, têm resultado insatisfatórias quase todas as propostas de reforma.
Uma outra questão que nos preocupamos é que administradores públicos descompromissados venham a desvirtuar a real finalidade desse instituto, sobremaneira no tocante às concessões administrativas. Como se admitir que, v. g., um contrato de serviços de limpeza possa ter um prazo de vigência de 35 anos[11]?
Não podemos deixar que mazelas como essas finquem raízes em nossa sociedade como se fossem a verdadeiras regras de conduta humana.
É preciso descortinarmos novos horizontes de forma que o Estado retome o seu crescimento em busca de uma sociedade mais justa e digna para todos.
A experiência das PPPs em outros Países como, v. g., Reino Unido, Portugal, Chile, serão de grande valia para que possamos acertar mais e, enfim, crescer mais.
Acreditamos realmente que as parcerias público-privadas não irão solucionar todos os graves problemas estruturais por que passa o Estado brasileiro, uma vez que não se trata de nenhum “antídoto infalível”[12] à estagnação social que assola o país, mas, com certeza, despontam como um instituto que apresenta reais condições de propiciar ao Estado a retomada do seu tão almejado crescimento econômico.
Espera-se que os reais objetivos das PPPs sejam alcançados e, assim, possam ser gerados compromissos firmes e duradouros[13].
Uma vez bem sucedida, as PPPs deverão proporcionar serviços de alta qualidade aos consumidores e a um custo bem menor para o parceiro público.
7. Referências
Notas:
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
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A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…