Resumo: A sistemática processual brasileira
tem como fundamento o respeito ao princípio do devido processo legal. Na
discussão travada dentro do processo, é absolutamente imprescindível o respeito ao contraditório e, nesse sentido, nenhuma das
partes poderá receber tratamento diferenciado por parte do Estado-Juiz, devendo
o mesmo velar pelo cumprimento dos preceitos constitucionais do processo,
dentre os quais se destaca o princípio constitucional da igualdade. Os iguais
têm que receber tratamento igual e os desiguais devem ser
tratados na medida de suas desigualdades. Há tratamentos diferenciados que
encontram fundamento na Constituição, tendo em vista que, quando uma das partes
se mostra desigual, necessário é que se compense esta diferença, a fim de
igualar as armas. Para muitos, é isso que acontece quando a lei concede
tratamento diferenciado a Fazenda Pública dentro do processo, tendo em vista os
interesses em jogo pertencerem à coletividade. Para
outros, esse tratamento diferenciado não encontra qualquer respaldo
constitucional, ao contrário, viola frontalmente o devido processo legal e o
contraditório. Partindo da idéia principal de que o dono do poder escolheu o
Estado Democrático de Direito como vetor de orientação de todas as normas, o
presente trabalho analisa as prerrogativas ou privilégios concedidos à Fazenda
Pública, objetivando verificar se tais diferenças são justificáveis.
Palavras-chave: Princípio da igualdade. Fazenda
Pública. Privilégios processuais.
Sumário. Introdução. 1
O Estado e sua formação histórica. 1.1 O conceito atual de Estado. 1.2 Os
poderes do Estado. 1.2.1 A função legislativa. 1.2.2 A função administrativa.
1.2.3 A função jurisdicional. 2 O princípio da
igualdade. 2.1 Conceito. 2.1.1 Igualdade formal. 2.1.2 Igualdade material. 2.2
O Princípio da igualdade na Constituição. 2.3 O Princípio da igualdade e a
proporcionalidade. 2.4 O Princípio da igualdade em face do processo. 3 As prerrogativas processuais da fazenda pública. 3.1 A
Prescrição e as pretensões em face da Fazenda Pública. 3.2 A Execução contra a
Fazenda Pública. 3.2.1 Os Precatórios. 3.3 A Dilatação dos prazos – o art. 188
do CPC . 3.4 O Reexame necessário. 3.5 Outras
prerrogativas da Fazenda Pública. 3.5.1 Foro privilegiado. 3.5.2 Dispêndios da
demanda processual. 3.5.2.1 Despesas. 3.5.2.2 O preparo dos recursos. 4 Prerrogativas ou privilégios? 4.1 A doutrina favorável às
regras diferenciadas. 4.1.1 A posição da Jurisprudência. 4.2 A Doutrina
contrária às regras diferenciadas. 4.2.1 O Estado é parte mais fraca da relação
processual? 4.2.2 Estrutura burocrática e deficiente do Estado? 4.2.3 A
Administração Pública – a Advocacia Pública. Conclusão.
Introdução:
Não
há sociedade sem direito. Essa afirmação encontra fundamento no fato de que o
Direito possui função ordenadora, vale dizer, visa à coordenação dos interesses
que se manifestam na vida social, objetivando a composição dos conflitos que
surgem no seio da sociedade. O Direito é dinâmico e não estático. Assim como a
sociedade evolui ao longo de sua história, as regras que
dirigem o corpo social precisa acompanhar tais mudanças.
É
próprio da vida em sociedade a existência de litígios,
haja vista os interesses antagônicos que manifestam seus componentes. Para
compor os conflitos, o Estado tem se utilizado, ao longo de sua história, de
diversos instrumentos meios.
Na antiguidade, o meio utilizado era a autotutela, tendo em vista que ainda não existia o Estado
de forma organizada como o conhecemos atualmente. A característica principal
desta forma de solução é a ausência de um juiz, de tal forma que a parte mais
forte impunha sua vontade àquela que manifestava menos força.
Evoluindo um pouco mais, chegamos à autocomposição
que era a solução dada pelas próprias partes, o que já demonstrava evolução,
posto que já não mais se utilizava a força, a
imposição, mas concessões recíprocas, ou a concessão total por parte de um dos
envolvidos.
Até este momento, as soluções não resolviam de forma
definitiva os conflitos, tendo em vista que dependia sempre da vontade de um ou
de ambos os contendores para
se chegar a uma solução. Para resolver esta questão, surge assim
a heterocomposição, que tem como característica
principal, a solução dada à lide através de um terceiro, que, após ouvir as
argumentações de cada parte, apresenta a solução de forma definitiva. Temos
nesta forma de solução de conflitos duas modalidades que são o processo e a
arbitragem.
Ao Estado coube a responsabilidade de dar a solução aos
conflitos de interesses surgidos na coletividade. A ele coube o poder-dever de
dizer o direito. Somente a ele foi reservado, com poucas exceções, o exercício
da jurisdição. Assim é que nossa Constituição Federal estabeleceu como direito
fundamental do indivíduo a solução das lides existentes em sua vida. Diz a
Carta da República que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV).
Para apreciar as lesões e ameaças a direito o
Estado-Juiz se utiliza do processo como instrumento. O Estado não diz o direito
da forma como bem quer e deseja. Há regras preestabelecidas que ditam todos os
direitos e deveres dos conflitantes. Essas regras não podem jamais desrespeitar
os princípios estabelecidos na Lei Maior. Desta forma, a Constituição
estabeleceu que “ninguém será privado […] de seus bens sem o
devido processo legal;”. E mais: “aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes”.
Dentre as regras a serem respeitadas no processo
destaca-se o tratamento igualitário que deve ser dado às partes pelo julgador.
É regra fundamental de nosso ordenamento o princípio de que todos são iguais perante a lei, não se admitindo tratamento desigual entre
pessoas que se apresentam no mesmo nível de igualdade. A obediência a
tal norma não é faculdade do julgador, ao contrário, tratar as partes de forma
isonômica é regra obrigatória, sob pena de nulidade absoluta dos atos
praticados. Diz nosso Código de Processo Civil que “O juiz dirigirá o processo
[…] competindo-lhe: assegurar às partes igualdade de tratamento”.
O presente trabalho investiga as regras processuais
aplicadas às lides que envolvem, de um lado, o particular e do outro, a Fazenda
Pública.
Sabemos
que, quando a Fazenda Pública está em Juízo, há aplicação de regras especiais,
diferenciadas, sendo que a ela são concedidos diversos benefícios processuais
não estendidos aos demais litigantes. Nosso objetivo é verificar se tais regras
se harmonizam com o Estado Democrático de Direito, fórmula ideológica elegida
pelo dono do poder.
É notório o fato de que a Justiça no
Brasil é morosa. São diversos os fatores que fazem com que essa realidade cruel
seja a marca de nossa jurisdição. No caso de litigância contra a Fazenda
Pública, tendo em vista suas quase intermináveis prerrogativas processuais, a
lide toma contornos temporais inadmissíveis num Estado Democrático de Direito,
cujo comportamento tem que se pautar na busca da eficiência.
Desta forma, no decorrer deste
trabalho, procura-se responder a determinados questionamentos, tais como: quais
as prerrogativas processuais concedidas à Fazenda Pública quando esta integra a
lide? Quais razões levaram ao estabelecimento de prerrogativas processuais para
a Fazenda Pública? As prerrogativas processuais concedidos à Fazenda Pública
ferem o princípio constitucional
da igualdade ?
A
justificativa para este trabalho reside na importância que envolve o tema, o
que tem levado os doutrinadores a travar acirradas discussões sobre a
constitucionalidade das diferenças de tratamento processual dispensado à
Fazenda. Entender o que levou o legislador a estabelecer o tratamento
diferenciado é de suma importância, principalmente pelo fato de a maioria das
normas protetoras terem sido estabelecidas em governos ditatoriais. Deve-se, pois, cotejar tais normas com as de
nossa Constituição Cidadã.
Tem-se, então, como objetivo geral analisar as
prerrogativas processuais da Fazenda Pública em face do princípio
constitucional da igualdade, com base nos fundamentos doutrinários,
jurisprudenciais e legislativos. Os objetivos específicos são: analisar
as disparidades existentes em um mesmo processo, quando um dos litigantes é a
Fazenda Pública, identificando as prerrogativas processuais concedidos a
esta parte; abordar o posicionamento doutrinário
sobre o tema: de um lado os que se
posicionam favoráveis à tais regras e, do outro, os que se manifestam
contrários a tais concessões e, por fim, questionar se no Estado Democrático de Direito é
admissível ou tolerável tal prática.
Em relação aos aspectos
metodológicos, as hipóteses são investigadas através de pesquisa bibliográfica
e documental, através da análise da literatura já publicada em forma de livros,
revistas, publicações avulsas e imprensa escrita, bem como pesquisa a leis,
normas, pesquisas
on-line, dentre outros que tratam sobre o tema.
No que tange à tipologia, esta é, segundo a utilização dos resultados,
pura, posto ter por finalidade aumentar o conhecimento do pesquisador para uma nova tomada de
posição; segundo a abordagem, é qualitativa, posto que há uma preocupação em
aprofundar e abranger as ações e relações no âmbito do processo.
No primeiro capítulo, procuramos traçar um histórico
sobre a formação do Estado na história da humanidade, descrevendo seu
surgimento e evolução até chegarmos ao Estado contemporâneo. Estabelecemos o
conceito moderno de Estado e sua atuação através de suas funções.
Em seguida, no segundo capítulo, efetuamos minucioso
estudo sobre o Princípio
da igualdade, estabelecendo as diversas formas em que o mesmo se
apresenta. Iniciamos pelo seu conceito, analisamos a igualdade formal, a
material, sem esquecer seu fundamento constitucional e sua aplicação ao
processo.
O terceiro capítulo trata de descrição pormenorizada
sobre as diversas prerrogativas processuais concedidas à Fazenda Pública, a
exemplo dos prazos diferenciados, a prescrição, a execução contra a Fazenda
pública, dentre outros.
No último capítulo, confrontamos as doutrinas
favoráveis à concessão das prerrogativas e suas fundamentações, o mesmo fazendo
em relação às contrárias, não deixando de trazermos o atual entendimento dos
nossos Tribunais Superiores.
1
O Estado e sua formação histórica
O Estado não existiu sempre. Durante longos períodos da
história humana não se tem notícia de sua existência. Segundo a antropologia,
nas sociedades ditas primitivas, que são aquelas onde não havia a propriedade
privada dos bens de produção nem classes sociais, a conduta dos indivíduos era
disciplinada por normas sociais, cujo conteúdo contemplava o interesse de todo
o grupo. Mas a sociedade é dinâmica e, com o desenvolvimento das relações
humanas, os grupamentos passaram a se organizar de outros modos, surgindo neste
caminho a propriedade privada, as classes sociais etc.
É na denominada Antigüidade (cerca de 4.000 a.C. até
476 d.C.), segundo os historiadores, que surgem as primeiras civilizações,
sobretudo no chamado Crescente Fértil, que atraiu, pelas possibilidades
agrícolas, os primeiros habitantes do Egito, Palestina, Mesopotâmia, Irã e
Fenícia. São também desse período as chamadas civilizações clássicas: Grécia e
Roma.
Conforme nos informa Paulo Bonavides
(2004), é nesse período que vemos a configuração mais clara sobre a formação,
pelo menos de forma mais organizada, do Estado, pois ele se confunde com a
cidade. É de lá que irradiam as forças de dominação sobre os súditos. Grandes cidades antigas, como Nínive,
Babilônia, Tebas, Esparta, Roma e tantas outras, com sua geografia política
urbana, sua concentração personificada de poder, sua forma de autoridade
secular e divina, expressa na vontade de um titular único – o Faraó, o Rei, o
Imperador, de quem cada ente humano, cada súdito é seu tributário.
Dando-nos
uma idéia de como se organizava o Estado Antigo, nos ensina Paulo Bonavides (2004, p. 28):
“Eis aí a que se reduzia, pois, o Estado Antigo: numa
extremidade, a força bruta das tiranias imperiais típicas do Oriente; noutra, a
onipotência consuetudinária do Direito ao fazer suprema, em certa maneira, a
vontade do corpo social, qualitativamente cifrado na ética teológica da polis
grega ou no zelo sagrado da coisa pública, a res
pública da civitas romana.”
Já na fase seguinte, na Idade Média (476 d.C. até
1453), com a queda de Constantinopla e conseqüente queda do Império Romano do
Oriente, testemunha-se a decadência do modelo de governo conhecido e vivido
pelos antigos, aquilo que nós chamamos de Estado. Sua organização feudal foi
levantada sobre as ruínas do Império Romano, o que arrefeceu a concepção
anterior de Estado.
Assim, prevalece na Idade Média a idéia fraca e pálida
de Estado. O sistema de organização econômica, política e social da Europa
Ocidental, durante a Idade Média, é o feudalismo. Com as invasões bárbaras e a
desagregação do Império Romano, a partir do século V, a Europa inicia profunda
reestruturação, marcada por descentralização do poder, ruralização
e emprego de mão-de-obra servil.
Durante este período não existiu realmente uma
maquinaria de governo, unitária nas distintas entidades políticas, nem tampouco
a sólida confederação de tribos permitiu a formação de reinos. O
desenvolvimento político e econômico era fundamentalmente local, o comércio
regular desapareceu quase por completo. A segurança, a administração da justiça
acontecia de forma isolada dentro dos feudos. Todos estes sistemas de relação
impediram que se produzisse uma consolidação política efetiva.
A Idade Moderna (1453 até 1789) traz como principal
característica o surgimento do modo de produção capitalista. É partir da
segunda metade do Século XV que se concretiza o Estado Moderno, cuja nascente
vem do desenvolvimento do capitalismo mercantil em países como a França,
Inglaterra e Espanha, e mais tarde na Itália.
Nessa época, o Estado manifestou sua principal
característica, praticamente existente até os dias atuais: a soberania. Paulo Bonavides (2004) destaca que foi a soberania, sem dúvida,
que inaugurou o Estado Moderno.
Inicialmente, a soberania se liga à pessoa do
governante, do monarca, do príncipe, posto que foram
esses que lentamente debelaram os poderes desiguais e privilegiados do sistema
feudal.
A soberania, filosofia política do Estado em formação,
tinha seu fundamento em razões objetivas e ainda carente de esteios éticos, nos
argumentos de Maquiavel. Fora ele que na sua obra O Príncipe secularizara a
idéia do governante todo-poderoso, sem escrúpulos, vinculado estritamente aos
fins que lhe justificavam os meios, no exercício de uma autoridade que não
encontrava limites, estabelecendo entre a pessoa do príncipe e a res pública uma promiscuidade que terminava
no arbítrio e nas demasias do tirano.
Vale destacar que, segundo a versão mais aceita, foi
Maquiavel (1513), por meio de sua célebre obra, que deu origem à expressão “Estado”.
A segunda fase, sem dúvida, assenta o Absolutismo em
bases filosóficas e consensuais e tem fundamento nas idéias de Hobbes, que traz
uma nova fundamentação de poder, o qual já não advém da divindade, mas do homem
e de sua razão prática, dos imperativos racionais que afiançam a sobrevivência
ameaçada da espécie humana.
No magistério de Paulo Bonavides
(2004, p. 32):
“Com efeito, Hobbes entra em cena e escreve o Leviatã,
a obra clássica do Absolutismo, o mais engenhoso tratado de justificação dos
poderes extremos, servidos de uma lógica perversa, em que a segurança sacrifica
a liberdade e a lei aliena a justiça, contanto que a conservação social de que
é fiador o monarca seja mantida a qualquer preço.”
Nas idéias de Hobbes, a força sem limites de quem
governa e mantém a ordem é paradoxalmente legitimada com base no contrato
social.
Segundo esse autor, o homem teria que escolher entre o
estado de natureza e o estado de sociedade. Pelo primeiro, o ser humano
desfrutava de liberdade total, absoluta, mas essa liberdade ser-lhe-ia letal se
dela não se desfizesse, porquanto seu resultado levava sempre à guerra,
violência, terror e isso tudo acabaria por levar o ser humano à destruição.
No estado de sociedade, havia um preço a pagar, pois em
troca das garantias que seriam auferidas, a certeza de conservação que garantia
este estado, era necessária a alienação de todas as liberdades, trasladadas ao
Estado, senhor absoluto da vida e dos comportamentos humanos.
Com a deflagração da Revolução Francesa em 1789, temos,
em termos históricos, a gênese do aparecimento do Estado Constitucional, que
permanece até os dias atuais.
Por meio da revolução, ascende a classe burguesa ao
poder e põe por terra o Absolutismo, a sociedade de privilégios, herança do
regime anterior, tendo na Queda da Bastilha o símbolo do fim de uma era, o
colapso da velha ordem moral e social erguida sobre a injustiça, a desigualdade
e os privilégios, nascendo a idéia de redenção das
classes sociais em termos de emancipação política e civil.
Ao menos em termos simbólicos, é a ocasião única em que
nasce o poder do povo e da Nação em sua legitimidade incontrastável. Passamos
da esfera ideal, racional para a esfera das instituições. Mais uma vez buscamos o ensinamento de Paulo Bonavides (2004, p. 36), o qual nos diz que “a mudança
havida dá começo à idade do Constitucionalismo, tão pródigo de sucessos, tão
relevante nos seus fatos históricos, tão determinantes nos recuos que fazem o
direito da força ceder à força do Direito”.
Desde seu surgimento até a atualidade, o Estado
Constitucional se apresenta em três modalidades principais e essenciais: O
Estado constitucional da separação dos Poderes (Estado Liberal); O Estado
constitucional dos direitos fundamentais (Estado Social) e o Estado
constitucional da Democracia participativa (Estado Democrático-Participativo).
Podemos inferir que a sucessão desses três modelos de
Estado Constitucional não se apresenta por meio de rupturas, são apenas formas
de organização que vão ao longo do tempo se metamorfoseando, caminhando para um
aperfeiçoamento sempre crescente na criação de novos direitos. Não há necessariamente a negação por completo
do anterior, mas apenas um melhoramento e um acréscimo de novas conquistas que
são exigidas pela própria sociedade.
1.1 O Conceito atual
de Estado
O conceito de Estado é muito complexo e admite várias
definições, podendo, desta forma, ser visto sob muitos pontos de vista. As características principais deste ente são
a complexidade, a institucionalização, a autonomia, a coercibilidade, o que nos
leva à conclusão de que o Estado pode ser definido como uma sociedade
organizada, com território e poder supremo, cujo objetivo primordial é promover
o bem da coletividade, adstrita a um determinado território.
Os elementos formadores do Estado são três: População,
Território e Governo. Cada Estado organiza o seu governo, que são as decisões
políticas que mantêm a ordem social dos indivíduos do Estado.
A doutrina destaca ainda formas de organização estatal:
Estado Democrático, que adota como princípios a participação política dos
cidadãos nas decisões governamentais e a primazia do bem comum e dos interesses
individuais; Estado totalitário, que adota como princípio a vontade soberana do
governante sobre o interesse comum, fazendo do Estado um fim em si mesmo e as
pessoas só tendo valor quando servem aos interesses do Estado. Dentro dos conceitos de Estado democrático ou
totalitário, podemos definir como Estado unitário aquele em que há um só
Legislativo, um só Executivo e um só Judiciário para todo o território. Como
Estado Federado, temos aquele em que há divisões político-administrativas, com
certa autonomia para cuidar dos interesses regionais.
1.2 Os poderes do
Estado
O princípio da separação dos poderes foi desenvolvido
por Montesquieu, em sua obra O Espírito
das Leis (1748). Traçava raias, limites ao arbítrio dos governantes,
previnindo a concentração de poderes num só ramo da autoridade pública. Nas
palavras do próprio autor do célebre tratado, citado por Celso Antonio Bandeira
de Melo (2007, p. 31-32):
“[…] é uma
experiência eterna a de que todo homem que tem poder tende a abusar dele; ele
vai até onde encontra limites. Quem o diria! A própria virtude tem necessidade
de limites. Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela
disposição das coisas, o poder detenha o poder.
“[….]
“Quando na mesma
pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao
poder executivo, não há liberdade, porque se pode temer que o mesmo monarca ou
o mesmo senado façam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não há
liberdade se o poder de julgar não está separado do poder legislativo e do
executivo. Se ele estivesse confundido com o poder legislativo, o poder sobre a
vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador.
Se ele estiver confundido com o poder executivo, o juiz poderá ter a força de
um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo de
principais, nobres ou do povo, exercessem estes três poderes: o de fazer leis,
o de executar as resoluções públicas e o de julgar as questões dos particulares.”
Foi na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que foi traçada a fórmula da divisão dos poderes. Conforme Paulo Bonavides (2004, p. 38):
“Estava posto, assim, pela primeira vez no Direito
Constitucional, como uma de suas colunas-mestras de sustentação e
reconhecimento o Clássico Princípio da Separação dos Poderes, do qual não se
pode prescindir sem correr o risco de recair nos regimes de exceção e
arbítrio.”
Na realidade o Estado não possui três poderes, haja
vista que o poder é uno. Conforme ensinamento de José Albuquerque da Rocha
(2004, p. 76), “fica sem sentido a afirmação de muitos escritores sobre a
separação de poderes. Em verdade, o Poder do Estado é uno e indivisível, sendo
impossível, por conseguinte, a divisão desse poder”.
Assim, a separação de poderes é, na verdade, divisão de
órgãos para exercitarem as distintas funções do Estado. Essas funções são
exercidas por meio dos órgãos estatais: o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, que são poderes interdependentes no sentido literal da palavra, já
que devem ser harmônicos e coordenados entre si.
O Estado manifesta a sua vontade, o seu poder através
desses três órgãos que compõem a sua unidade. Assim temos a função Legislativa,
elaborando as normas gerais e abstratas que regem a vida em sociedade; a
Executiva, que executa as normas por meios de seus atos administrativos e, por
fim, a Jurisdicional, a qual resolve os conflitos surgidos na aplicação da lei.
1.2.1 A função
Legislativa
Para realizar seus fins, o Estado cumpre determinadas
atribuições. Dentre elas temos a Função Legislativa, que nada mais é do que o
exercício da elaboração de normas legais, normalmente abstratas, que inovam
inicialmente na ordem jurídica, ou seja, que se fundam diretamente na
Constituição.
Maria Sylvia Zanella de
Pietro (2002) nos ensina que legislação é ato de produção jurídica primário,
porque fundado única e diretamente no poder de soberania e dele constitui
exercício direto e primário.
Desta forma, temos que o exercício da atribuição
legislativa é precipuamente exercido pelos representantes do povo, no
parlamento, donde emanam os atos normativos que regem a vida da sociedade.
1.2.2
A função Administrativa
A função administrativa é exercida prioritariamente
pelo Poder Executivo e se configura na execução das leis; norteada pelos
princípios constitucionais da administração, como os da legalidade,
publicidade, moralidade etc, os órgãos
administrativos desempenham inúmeras atividades que propiciam bens, serviços e
utilidades em favor da coletividade.
No Magistério de Celso Antonio Bandeira de Melo (2007),
a função administrativa é aquela em que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime
hierárquico, e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato
de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais
ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de
legalidade pelo Poder Judiciário.
No mesmo sentido, Diógenes Gasparini (2000) nos ensina
que a atividade administrativa é a gestão, de acordo com os ditames legais e
calcados sempre na moralidade administrativa, de bens, interesses e serviços
públicos, tendo como objetivo maior sempre o bem da comunidade.
1.2.3
A função Jurisdicional
Modernamente, ao surgir um conflito de interesse entre
dois sujeitos, o direito exige que seja chamado o Estado-juiz para pôr fim à
contenda, fazendo com que seja respeitada vontade do ordenamento jurídico.
Entretanto, nem sempre foi assim. Nas fases primitivas
da civilização humana, quando não se dispunha do Estado, posto sua inexistência
ou no mínimo sua pouca força, a quem pretendesse alguma coisa e fosse resistido
por outro, a solução era a utilização de sua própria força e na medida dela,
obtinha a satisfação de sua pretensão. A esse regime, se denominava autotutela, ou autodefesa. Havia ainda, com bem menos
freqüência, a autocomposição, que por meio da
desistência, submissão ou transação se chegava ao fim das querelas.
Posteriormente, foi-se abandonando a solução parcial
(posto que partia das partes) e passou-se à solução
amigável e imparcial através de árbitros, pessoas da confiança das partes, as
quais eram eleitas de comum acordo para dirimir a lide. Ada Pellegrini, Antonio
Carlos Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco
(2000, p. 22-22) nos informam que:
“Esta interferência, em geral, era confiada aos
sacerdotes, cujas ligações com as divindades garantiam soluções acertadas, de
acordo com a vontade dos deuses; ou aos anciãos, que conheciam os costumes do
grupo social integrado pelos interessados. E a decisão do árbitro pauta-se
pelos padrões acolhidos pela convicção coletiva inclusive pelos costumes.
Historicamente, pois, surge o juiz antes do legislador.”
Num estágio posterior, com a afirmação do Estado, este
conseguiu se impor aos particulares, tomando para si a
competência de dirimir os conflitos. Inicialmente o Estado tinha pouca
participação, apenas indicando por meio do árbitro. Aqui já, era vedada a
autodefesa, o sistema consistia basicamente numa arbitragem obrigatória, não
mais facultativa como dantes.
Ao mesmo tempo em que se desenvolviam estas formas de
solução de conflitos iam surgindo normas que disciplinavam a forma de agir.
A fase que se seguiu caracterizou-se pelo fato de que o
próprio estado, ao invés de indicar árbitros, passam a
dirimir o conflito, julgando o mérito dos litígios, proferindo sentença
inclusive. Conforme os autores citados, aqui completou-se
o ciclo histórico da evolução da chamada justiça privada, passando-se para a
Justiça Pública. Nesta, o Estado, já fortalecido, impõe-se sobre os
particulares e, prescindindo de sua voluntária submissão, a vontade das normas
estabelecidas. Assim é que surge a jurisdição, sendo ela a atividade mediante a
qual os juízes estatais examinam as pretensões e resolvem os conflitos.
José de Albuquerque Rocha (2004, p. 78) nos dá com
precisão a definição de jurisdição nos seguintes termos:
“A jurisdição é, justamente, a função estatal que tem a
finalidade de garantir a eficácia do direito em última instância no caso
concreto, inclusive recorrendo à força, se necessário. Sua nota individualizadora é de natureza funcional e consiste, por
conseguinte, em estar dirigida, especificamente, ao
fim de manter, em última instância, o ordenamento jurídico no caso concreto, ou
seja, manter o ordenamento jurídico quando este não foi observado
espontaneamente pela sociedade. Ademais, no direito brasileiro, a jurisdição
caracteriza-se, do ponto de vista estrutural, por ser exercida,
preponderantemente, por órgãos do Poder Judiciário, independentes e imparciais,
através do devido processo legal.”
Verificamos, assim, que a função jurisdicional se
constitui no exercício do poder de dizer o direito em última instância. Não
sendo admissível que se exclua da jurisdição nenhuma lesão sofrida por quem
quer que seja, concluímos que a jurisdição é a função terminal do direito,
posto que, se constitui na última palavra do ordenamento jurídico a respeito do
conflito.
2
O princípio da igualdade
Nossa Carta Magna é a pedra angular do ordenamento
jurídico. As demais normas
necessariamente precisam buscar nela sua validade, seu alicerce, sob pena de
serem declaradas inválidas, inconstitucionais.
É na Constituição que encontramos as linhas mestras do
Princípio da Isonomia, em que pretendemos nos debruçar a fim de compreendermos
os alcances desse princípio que traça os caminhos para todo o proceder dos
indivíduos, das instituições e, por fim, do gestor maior dos bens coletivos, o
Estado.
Necessário antes de tudo que procuremos dar uma
conceituação ao princípio em tela, a fim de que possamos orientar as várias
faces de sua manifestação. Assim, vejamos como o Princípio da Isonomia se
apresenta:
2.1
Conceito
A igualdade pode ser conceituada como uma relação de
paridade entre dois termos ou objetos. Dependendo do contexto em que se insere,
a igualdade poderá ter diferentes significados. Não é a mesma coisa falar-se em
igualdade no campo da matemática, que se trata de uma ciência exata e, por
exemplo, igualdade
nas ciências sociais, como o Direito.
Assim, quando falamos em igualdade na área do Direito,
que é o que interessa ao nosso estudo, verificamos
tratar-se de uma igualdade sempre relativa, e não absoluta. Assim, antes de
qualquer premissa, necessário é deixarmos claro sob qual ponto de vista estamos
a fazer a análise do objeto.
A nós interessa o ponto de vista da ciência jurídica e,
neste sentido, nossa análise deverá ter uma visão preponderantemente prática,
tendo sempre em vista formularmos um juízo sobre o tratamento normativo dado às
realidades processuais no Direito Brasileiro; neste contexto, a igualdade se
mostra como a mais elevada aspiração do sujeito de direito, uma verdadeira
exigência do espírito de justiça do ser humano.
2.1.1
Igualdade Formal
Historicamente, a igualdade formal nasce da Revolução
Francesa de 1789. Sabemos que na Idade Média a sociedade era constituída por
classes sociais e que os ordenamentos jurídicos eram tantos quantos fossem
essas classes. Dessa forma, existia para cada classe um ordenamento jurídico, e
por via de conseqüência, uma jurisdição diferente.
A Revolução Francesa se deu exatamente nesse contexto e
a burguesia, que era a classe mais discriminada no regime anterior, toma o
poder, abolindo o pluralismo jurídico e jurisdicional, fazendo nascer, assim, o
princípio da igualdade formal, segundo o qual todos são iguais perante a lei,
independentemente da posição que ocupem na estrutura social. Foi na célebre
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, que
foram proclamados em seu artigo primeiro a liberdade e a igualdade dos homens
em direitos, proibindo as distinções fundadas na condição social.
Afonso da Silva (2006, p. 214) referindo-se ao
histórico Documento, afirma que:
“A do art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão cunhou o princípio de que os homens nascem e permanecem iguais em direito [grifo do autor]. Mas
aí, firmara a igualdade jurídico-formal no plano político, de caráter puramente
negativo, visando a abolir os privilégios, isenções pessoais e regalias de
classe. Esse tipo de igualdade gerou as desigualdades econômicas, porque
fundada numa visão individualista do homem, membro de uma sociedade liberal
relativamente homogênea.”
Pelas palavras acima transcritas, vemos que os
revolucionários estabeleceram a igualdade perante a lei, mas, esta mesma lei,
em razão das classes sociais existentes, não impediu a formação de
desigualdades reais, de tal forma que esta igualdade não resolveu o problema
das diferenças. Apesar de naquele momento as idéias de igualdade da revolução serem necessárias, não foram capazes de resolver as grandes
questões concretas, ao contrário, foi da realidade do novo regime, de sua
imposição, que se mostraram tais discrepâncias.
Observe-se que o princípio estabelecido não proclama
igualdade entre as pessoas, mas estabelece a igualdade de todas as pessoas
diante dos efeitos e do alcance da lei, no sentido de que a lei opera os mesmos
efeitos e possui o mesmo alcance em relação a todos. A diferença para o regime feudal é que neste a
eficácia e o alcance pessoal da lei variavam, dependendo da classe social em
que estava a pessoa.
Nesta nova forma de ver e de tratar os indivíduos, a
norma já não mais se dirigia a classes ou grupos específicos, mas a toda a
sociedade, implicando a proibição de privilégios e diferenciações, características
do antigo regime.
A revolução também exigiu que na elaboração das normas
se respeitasse uma de suas características até então esquecida, que é a
abstração, isto é, a lei deve se aplicar, primeiramente, a situações futuras,
previstas por ela abstratamente, o que era imprescindível para o bom
funcionamento do mercado, cuja instituição é necessária para um regime de
igualdade ou de livre concorrência; esse bom funcionamento do mercado era o que
mais queria a classe burguesa, principal interessada nas novas idéias trazidas
pela Revolução.
O constitucionalista José Afonso da Silva (2006, p.
211) nos informa as razões pelas quais a burguesia não tem interesse em que o
Princípio da Igualdade vá além da igualdade formal:
“O direito de igualdade não tem merecido tantos
discursos como a liberdade. As discussões, os debates doutrinários e até as
lutas em torno desta obnubilaram aquela. É que a
igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite os
privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. Por isso
é que a burguesia, cônscia de seu privilégio de classe, jamais postulou um
regime de igualdade tanto quanto reivindicara o de liberdade. É que um regime
de igualdade contraria seus interesses e dá à liberdade sentido material que
não se harmoniza com o domínio de classe em que assenta a democracia liberal
burguesa.”
Das palavras do constitucionalista paulista, podemos
inferir que, para os teóricos do Estado Liberal, a igualdade nada tem a ver com
as relações sociais e econômicas. Não está no seu campo de interesse a
desigualdade real. Noutras palavras, não importa saber se as pessoas são ricas
ou pobres, trabalhadores ou empresários, pois o seu campo de interesse é a
igualdade abstrata, que nasce simplesmente em razão das pessoas serem do mesmo
gênero humano.
Assim, sendo todos os seres humanos portadores das
mesmas características, sobre este fundamento é que deve se apoiar o direito ao
tratar de suas vicissitudes, seus problemas, devendo tal ciência atribuir a todos uma mesma idoneidade potencial para
adquirir direitos e contrair obrigações, não importando se umas conseguirão e
outras não em conseqüência das mais variadas razões intrínsecas de cada
sujeito.
A igualdade de que estamos a falar serviu apenas para
agravar as contradições entre os que possuem e os despossuídos, entre riqueza e
pobreza, com mais acentuação nas nações pobres.
Ora, numa sociedade em que a lógica é a sobrevivência do mais forte, o
princípio da igualdade visto sob este ângulo, ao invés de atenuar diferenças,
elas fazem com que sejam exacerbadas, sobretudo nas relações de produções em
que o explorador fica sempre mais rico e o explorado, cada vez mais miserável.
A situação acima descrita só cresceu com o avanço e
desenvolvimento da tecnologia, forneceu aos detentores da força, à classe
dominante, que neste momento já não era mais a oprimida de antes, os
instrumentos de que precisavam para a exploração e manipulação do ser humano, o
que fez com que o modelo de desenvolvimento ora estabelecido, o capitalismo, se
desenvolvesse e se solidificasse, produzindo o domínio das classes favorecidas
em detrimento dos despossuídos.
Com efeito, não satisfazendo os anseios queridos pelo
anseio da maioria, necessário foi que se buscasse uma forma diferente de ver a
igualdade, que tivesse em seus objetivos a busca incessante do nivelamento
entre os seres humanos.
2.1.2
Igualdade Material
Todas as desigualdades causadas pelo novo modelo de
sociedade, imposto pela burguesia, fez com que os grupos discriminados, os mais
frágeis, começassem a se organizar com o objetivo de resistir às opressões a
que estavam sendo submetidos.
O movimento de resistência foi crescente, a tal ponto
de a classe burguesa, titular dos privilégios estabelecidos pela chamada
igualdade formal, estabelecida sob seu comando, sentir-se ameaçada. Mais
palpável se tornou tal resistência com a Revolução de Russa de 1917, a qual
teve forte influência sobre os trabalhadores de todo o ocidente europeu .
Até este momento, estamos diante de um Estado que tem
como característica o absenteísmo. Entretanto, a partir deste momento, temendo
a ruptura violenta do sistema, é que o poder público entra em cena e passa a
intervir nos meios social e econômico, tendo como
objetivo tentar diminuir os contrastes e, obviamente, afastar a classe
oprimida, a classe trabalhadora da possibilidade de revolução.
A ação de intervenção do Estado nos campos econômico e
social levou à superação histórica da igualdade formal que até então
prevalecia, vindo a culminar no surgimento da idéia de igualdade material. Já
neste momento observamos que a posição do Estado muda, passando agora do
marasmo anterior à ação, do estado de sossego despreocupado à ação
intervencionista, dando demonstração de preocupação com o mais fraco, a fim de
corrigir as discrepâncias. Enfim, transmuda-se do Estado Liberal para o Estado
Social.
Esclarecedoras, sobre este período, as palavras do
Professor da Universidade Federal do Ceará – José de Albuquerque Rocha(1995, p. 24):
“Ao
contrário do Estado liberal, o Estado Social preocupa-se, preponderantemente,
com a desigualdade real, que busca eliminar, tratando desigualmente os
desiguais. Exemplo disto é o caráter protecionista do direito do trabalho.
Assim, o princípio da igualdade substancial parte de uma premissa oposta à
igualdade formal: enquanto esta considera as pessoas abstratamente iguais, já
que todas dotadas de características abstratas comuns, como a razão, liberdade,
vontade, etc., a igualdade substancial preocupa-se com a realidade de fato,
onde as pessoas são desiguais, a reclamar um tratamento desigual para poderem
desenvolver as oportunidades que lhes assegura, abstratamente, a igualdade
formal. Por este prisma, a igualdade substancial é um meio de correção das
desigualdades reais.”
O surgimento e implantação da igualdade formal vão
atingir a estrutura e a função do direito, tendo em vista que alcançará as
principais características das normas legais, que são a generalidade e a
abstração, adquiridas com o advento do Estado Liberal.
Falando do ponto de vista estrutural, o que ocorreu foi
uma fragmentação das normas, posto que necessária a produção de normas
setoriais e concretas visando a atender aos interesses dos inúmeros setores
desfavorecidos da sociedade.
Funcionalmente falando, o direito deixa de ser uma arma
a serviço da manutenção e conservação dos interesses burgueses, para se tornar
um instrumento eficaz de transformação das realidades sociais, tendo como
objetivo corrigir as absurdas diferenças existentes entre a classe dominante e
os setores emergentes, isto é, o direito passa a ser uma arma de nivelamento
das diferenças.
2.2 O princípio da
igualdade na Constituição
De
modo geral, as constituições reconhecem sem maiores dificuldades a igualdade
formal. A Constituição de 1824 consagrava que a lei seria igual para todos,
quer impusesse castigos ou proteções (art. 179, nº 13). A mesma regra foi
estabelecida na Carta de 1891, que expressava que todos são iguais perante a
lei (art. 172 § 2º).
Nos ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Melo
(1998, p. 9), o preceito da igualdade é um mandamento voltado para o aplicador
da lei e também para o próprio legislador, porque a norma constitucional é
dirigida a todos indistintamente. Brinda-nos ainda o mestre com as seguintes
palavras:
“A lei não deve ser fonte de privilégios ou
perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar
eqüitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico
absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado
pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos
sistemas normativos vigentes.”
A Constituição de 1988 inaugura o capítulo que trata
dos direitos fundamentais assegurando “que todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza” (art. 5º caput).
Entretanto, conforme já vimos, a igualdade material
exige que se conceda tratamento isonômico aos iguais e
diferenciado aos desiguais, conforme afirmava Aristóteles, na medida de
suas desigualdades.
Ocorre que afirmar-se que se deve
tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais não se mostra
suficiente. É necessário que sejam estabelecidos quais
critérios autorizam distinguir pessoas e situações de forma que se lhes confira
um tratamento jurídico diferenciado, sem que isso afronte a vontade da
Constituição.
Mais uma vez, vamos buscar a opinião de Celso Antônio
Bandeira de Melo (1998), que nos ensina que, para que uma diferenciação não
viole o princípio da igualdade ou da isonomia, é indispensável que exista uma
justificativa objetiva e racional, uma conexão lógica entre o fator escolhido e
o tratamento jurídico discriminatório.
Exemplificando o afirmado acima, seria justificável
admitir que um edital de concurso público para Agente Penitenciário em
presídios femininos apenas aceite mulheres, tendo em
vista que as atribuições, funções a serem desenvolvidas envolve ações como a
revista pessoal nas presidiárias. Este critério se mostraria perfeitamente
harmonizado com o princípio constitucional da igualdade, não revelando qualquer
desrespeito ao que quis a norma Magna. A contrario sensu, mostrar-se-ia inconstitucional uma norma que
estabeleça incentivo fiscal para empresas estrangeiras em razão da alta
produtividade, em prejuízo de empresas brasileiras, pois neste caso,
estar-se-ia ferindo os valores sociais acolhidos pela nossa Lei Maior.
Verificamos, assim, que o princípio da igualdade é a
base fundamental do princípio republicano e da democracia e há que ser
respeitado tanto pelo legislador ao elaborar as normas jurídicas, como pelo
aplicador, autoridade pública ou intérprete do direito, e para o particular.
Falando sobre o princípio da Igualdade na Constituição,
José Afonso da Silva (2006, p. 211) nos esclarece que:
“[A Constituição] Reforça o princípio com muitas outras
normas sobre a igualdade ou buscando a igualização
dos desiguais pela outorga de direitos sociais substanciais. Assim é que, já no
mesmo art. 5º, I, declara que homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações. Depois, no art. 7º, XXX e
XXXXI, vêm regras de igualdade material, regras que proíbem distinções fundadas
em certos fatores, ao vedarem diferenças
de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de
sexo, idade, cor ou estado civil e qualquer discriminação no tocante a salário
e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. A previsão,
ainda que programática, de que a República Federativa do Brasil tem como um de
seus objetivos fundamentais reduzir as
desigualdades sociais e regionais (art. 3.º, III), veemente repulsa a
qualquer forma de discriminação (art. 3.º inciso IV), a universalidade da
seguridade social, a garantia ao direito à saúde, à educação baseada em
princípios democráticos e de igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola, enfim a preocupação com a justiça social como objetivo das ordens
econômica e social (art. 170, 193, 196 e 205) constituem reais promessas de
busca da igualdade material. (grifo original).”
Vemos,
assim, que a Constituição Federa de 1988 teve como uma de suas preocupações deixar claro que o princípio da isonomia abarca tanto a
igualdade material quanto a formal. Preocupou-se em estabelecer a igualdade de
todos perante a lei e ao mesmo tempo reconhece as desigualdades existentes na
sociedade e trata de proteger os grupos discriminados, dando-lhes uma tutela na
medida de suas desigualdades. Neste ponto, interessa-nos tratar ainda sobre a
igualdade em confronto com a proporcionalidade, o que faremos a seguir.
2.3 O Princípio da
igualdade e a proporcionalidade
Expressamente, não encontramos o princípio da razoabilidade
na Constituição, entretanto este fato não nos permite inferir esteja o mesmo
ausente do nosso sistema constitucional, ao contrário, podemos verificar sua
existência implícita em diversos textos de nossa Carta.
Processualmente falando, encontramos, por exemplo, a
regra de que não há crime nem pena sem uma lei que os defina. Não seria
razoável impor uma sanção a um indivíduo em razão de um comportamento que não
esteja previsto numa lei, pois a aplicação de algo tão grave só deve se dar na medida de sua necessidade e isso deverá ser antevisto
na norma, discutida, debatida e aprovada pela vontade do legítimo dono do
Poder.
José Afonso da Silva (2006) afirma também estar o
princípio da “proporcionalidade razoável”, consagrado enquanto princípio constitucional
geral, explícito quando trata de tributação, traduzido na norma que impede a
tributação com efeitos de confisco (art. 150, IV). É vedado ao Poder Público
tributar patrimônio de modo a impossibilitar sua manutenção pelo particular ou
inviabilizar o uso econômico a que se destine, ressalvadas as exceções
constitucionalmente previstas.
Por oportuno, devemos trazer à
lume o fato de que a cada dia nossa Egrégia Corte tem se utilizado do princípio
em comento, em diversos de seus julgados. Veja-se, a exemplo, a ADI, que teve
como relator O Min. Sepúlveda Pertence (ADI nº 489-1/600-DF. DJU, 22.11.91):
“[…] relevância da questão, embora complexa e
delicada como sói, quando se cuida de verificar a razoabilidade ou não da
distinção legal das situações de fato”.
Assim, tratando-se de igualdade e proporcionalidade,
entendemos que o advento de um ato normativo, para não ferir o princípio da
igualdade, deve necessariamente ser proporcional aos objetivos que tem em mente
alcançar. Noutro dizer, o meio empregado, ou seja, o ato normativo que
estabelece a situação desigual deverá ser, não somente adequado, isto é,
racional, mas também deve atuar na medida estritamente necessária e suficiente
para alcançar os seus fins.
Nas palavras do professor José de Albuquerque Rocha
(1995, p. 29):
“A proporcionalidade do tratamento desigual só pode ser
medida em relação aos resultados (fins) esperados. Só conhecendo estes últimos,
podermos verificar se os meios empregados (tratamento normativo desigual) para
realizá-los estão contidos na dimensão proporcional. Assim, a finalidade que se
busca alcançar com o tratamento desigual é o termo, em razão do qual podemos
verificar a proporcionalidade dos meios utilizados para concretizá-la.”
É-nos, pois, forçoso reconhecer, à
guisa de conclusão, pelas palavras do célebre professor, que, nesta inferência
sobre a verificação do respeito ao princípio da proporcionalidade em face da
igualdade, o elemento de mais importância é exatamente o objetivo ou resultado
que se espera, já que para averiguar a proporcionalidade dos meios empregados é
necessário conhecer, imprescindivelmente, o fim que
se quer atingir.
Esta também é a conclusão a que chega Celso Antonio
Bandeira de Melo (1998), apenas em palavras distintas quando nos ensina que se
faz necessário investigar aquilo que é adotado como critério discriminatório, e
verificar em seguida se há uma justificativa racional para atribuir tratamento
jurídico diferenciado, sem esquecer que o fundamento racional abstrato deverá
encontrar correspondência no concreto.
Dessa forma, é-nos permitido chegar à conclusão, de
forma simples, da seguinte forma: reconhecida então a existência de uma
desigualdade real de um determinado grupo social, necessário é que esta
desigualdade seja real. Importa, assim, eleger um critério racional que possa
privilegiar esse grupo de forma que o mesmo possa concorrer com a mesma
potencialidade que o grupo mais forte. E, finalmente, esse critério dever ser
exatamente na medida do necessário, nem mais nem menos, para alcançar o fim a
que se destina. Finalmente, corrigida a desigualdade, ela deverá ser apenas o
tempo suficiente para que seu fim se concretize, e não deverá se eternizar, sob
pena de se tornar um verdadeiro privilégio, aí, já em prejuízo de outros.
À guisa de conclusão, trazemos o
ensinamento de Willis Santiago Guerra Filho (2005), o qual nos
mostra que é necessário atribuir ao Estado competência para, levando em
consideração em primeiro lugar o interesse público, fazer o devido balizamento
entre os interesses particulares e comunitários, a fim de assegurar a maior
eficácia possível de um e outro, sabendo-se que, quando se assegura o público
em maior ou menor medida, estará sendo assegurado aquele que, aparentemente,
foi sacrificado, visto que no interesse público estão incluídos os interesses
de todos individualmente considerados.
2.4
O Princípio da Igualdade em face do Processo
Conforme já destacado em outras partes deste trabalho,
o princípio da igualdade tem sido objeto de grandes discussões por diversos e
importantes doutrinadores ao longo do tempo. No que se refere à sua origem conceitual,
é atribuída a Aristóteles, em sua Ética a
Nicômaco, que nos informa que o seu significado
consiste no tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais. Entretanto, não podemos deixar de lembrar que
na Grécia de Aristóteles a aplicação de tal princípio era uma fonte de exclusão
social, posto que, naquela sociedade, apenas ao cidadão se aplicava a regra, o
que, como sabemos, excluía de tal extrato social os estrangeiros, as mulheres,
os escravos, abarcando, por sua vez, apenas varões gregos maiores.
No que tange à realidade brasileira, temos que o
legítimo dono do poder, a quem cabe o estabelecimento das normas que orientam a
convivência social, manifestou, logo no preâmbulo da Carta Magna, a vontade
absoluta de que as regras que hão de prevalecer, necessariamente, precisam
buscar fundamento na idéia do Estado Democrático de Direito.
Conforme nos informa Santiago Guerra Filho (2005,
p.16):
“Com isso, houve manifestação inequívoca do ‘titular da
soberania’, o povo brasileiro, a quem os constituintes representavam,
no sentido de que se abandonasse completamente o Estado ditatorial a que se viu
submetido por quase três décadas, e se ingressasse, então, numa ordem política
diametralmente oposta, plenamente democrática. […] Todo o restante do texto
constitucional pode ser entendido como uma explicitação do conteúdo da fórmula política [….] principal vetor
de orientação de suas normas e, através delas, de todo o ordenamento jurídico.”
(grifo original)
Podemos, então, entender que a legitimação do Estado
Democrático de Direito se concretizará através da participação de todos, com
liberdade e igualdade, primeiro na estruturação do próprio
Estado, depois nos discursos legislativos e principalmente na aplicação
pela administração e pelo Judiciário. Este último deve garantir a igualdade dos
litigantes no processo, significando isso que, cada pessoa, perante o juiz,
possui a mesma importância e que, portanto, deve receber tratamento na medida
de suas igualdades ou desigualdades.
Até aqui, podemos então dizer que não há que se falar
em processo onde não impere o respeito ao princípio constitucional da
igualdade, haja vista que não é esse o espírito de nossa Carta Republicana de
1988, mas, ao contrário, nenhuma norma que desrespeite seus princípios
orientadores deve prevalecer, posto que eivada de vício insanável.
Entendemos, dessa forma, que o princípio constitucional
e direito fundamental da igualdade abarca, por óbvio, a igualdade processual
jurisdicional, significando isso igualdade perante a lei ou perante o juiz.
Como nos informa Ada Pellegrine Grinover
(1975, p. 25): “a igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da
igualdade perante o juiz”.
É do nosso saber que o processo pode ser visto sob dois
pontos de vista: funcional e estrutural. Funcionalmente, o processo é um
conjunto de atos jurídicos interligados, praticado pelos órgãos públicos e
pelas partes, no exercício da jurisdição do Estado, objetivando produzir um
resultado jurídico final. Do ponto de vista estrutural, o processo pode ser
definido como uma relação jurídica de direito público que se estabelece entre
as partes, de um lado, e o Estado-juiz, do outro.
É de grande importância entendermos o processo sob o
ângulo estrutural, posto que é aí que veremos se manifestar a igualdade processual,
uma vez que é garantindo a intervenção das partes nessa fundamental atividade
estatal que o juiz assegurará a observância do princípio igualdade. Ao juiz é
imposto o dever de distribuir igualmente a possibilidade de intervenção em
posição de paridade diante da lei e do órgão que a aplica.
Tratando sobre o principio da igualdade no processo,
lembra-nos José de Albuquerque Rocha (1995, p. 30) que:
“Dessa maneira, no processo, refletem-se as duas
dimensões da igualdade: a igualdade formal de corte liberal que, hoje, funciona
como princípio geral limitador da atuação dos poderes públicos, e a igualdade
material própria do Estado social que visa a realizar a igualdade pelo
tratamento normativo diferenciado a pessoas e situações diferentes.
“Manifestações processuais da igualdade formal são o princípio do acesso à justiça (direito de ação em
sentido abstrato), o princípio do devido processo legal, do contraditório, da
paridade de armas, etc., todos destinados a garantir um tratamento uniforme às
partes, atribuindo-lhes as mesmas situações subjetivas jurídicas diante do
órgão jurisdicional
“Quanto à igualdade material, sua função, no processo é
a mesma desempenhada no campo do direito dito substancial, ou seja, visa a
diminuir a existência concreta de diferenças de fato entre as partes. Exemplo
de igualdade material no processo, temos na
assistência aos pobres, objetivando tornar efetivo o direito abstrato de acesso
ao Judiciário; no processo trabalhista,
na dispensa aos trabalhadores da prestação de depósitos, quando
recorrentes; e, ações coletivas promovidas por consumidores, na não formação da
coisa julgada, quando o pedido tenha sido julgado improcedente, etc.”
Com o professor da Universidade Federal do Ceará,
concordam vários outros estudiosos, relatando que a igualdade processual exige,
de acordo com cada caso, tratamento diferenciado, aplicando-se assim a
igualdade substancial, para que seja alcançada a participação simétrica das
partes no contraditório. Neste sentido, são as palavras de Luiz Guilherme Marinone (1999, p. 253):
“O princípio do contraditório, na atualidade, deve ser
desenhado com base no princípio da igualdade substancial, já que não pode se
desligar das diferenças sociais e econômicas que impedem a todos de participar
efetivamente do processo. (…) Para que a participação no processo ocorra em
igualdade de condições, o legislador e o juiz devem dispensar tratamento
desigual aos desiguais.”
Vemos, assim, que o tratamento dado ao princípio da
igualdade no processo não quer significar que às partes seja dado tratamento
idêntico, mas ao contrário, quando uma das partes se mostrar
vulnerável em relação à outra, isso significa que está havendo desigualdade e
que a resposta do juiz a essa disparidade deverá ser no sentido de intervir,
com fundamento legal, por óbvio, a fim de que a igualdade seja restabelecida.
Assim, podemos concluir que, no exercício do poder
jurisdicional, o Estado, por meio do judiciário, tem o dever de seguir o modelo
constitucional estabelecido na Constituição, posto que nela está
institucionalizado o paradigma querido pelo legítimo dono da soberania. Logo,
tendo como objetivo realizar o princípio da igualdade,
estabeleceu a Lei Maior todos os demais princípios de cunho processual e
a eles, indubitavelmente, está adstrito o aplicador e intérprete da norma.
Enfim, a isonomia processual constitui-se na simétrica
paridade de armas, isto é, a oportunidade que deve ser dada às partes tanto
para dizer como para contradizer, e isso deverá ser indiferenciado para ambas
as partes. É essa a exigência do Estado Democrático de Direito.
3 As prerrogativas processuais da Fazenda Pública
Quando falamos da relação processual, a primeira idéia
que vem à nossa mente é o princípio constitucional do devido processo legal. O
embate processual que se dá nas varas e nos tribunais não acontece sem regras,
ao contrário, todos os atos das partes, advogados, ministério público, juízes
etc., encontram-se detalhadamente descritos no nosso Código de Processo Civil e
em outras leis de cunho processual.
Nessa esteira, sabemos que o vetor básico de orientação
da relação processual é a dialética, consubstanciando-se a mesma no debate
processual. Temos, assim, que as regras
processuais se assentam sob o fundamento da igualdade das partes no processo.
Nosso Código de Processo Civil estabelece em seu art. 125, inciso I, que “o
juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:
I – assegurar às partes igualdade de tratamento.
É fato que, na relação processual desenvolvida nos
litígios em que um dos litigantes é a Fazenda Pública, a legislação concedeu
tratamento diverso. Resta-nos tentar entender se tais regras são legítimas ou
se as mesmas ferem o princípio constitucional da isonomia. Vejamos, então, as principais prerrogativas
concedidas à Fazenda Pública em Juízo:
3.1 A prescrição e as
pretensões formuladas em face da Fazenda Pública
Quando falamos em prescrição, a primeira idéia que nos
surge é o tempo. Há uma intrínseca relação deste instituto com o tempo, posto
estar a mesma diretamente relacionada a ele. Há, nesse
caso, um interesse social em juridicizar determinadas
situações que se estendem ao longo do tempo.
Diz o brocardo jurídico que “o direito não socorre
aqueles que dormem”. O que se quer é proporcionar a segurança jurídica, este é
o que todos almejam e é isso que o sistema jurídico normativo vai amparar por
meio da incidência da prescrição. O que está em jogo é a estabilidade nas
relações sociais
Assim, visando à consolidação definitiva de uma
determinada situação jurídica
que se tornou realidade e se consolidou, mesmo sendo contrária à norma legal,
estabelece a lei um prazo fatal dentro do qual o sujeito atingido pela lesão
deverá impreterivelmente dar início ao provimento judicial no qual apresentará
sua pretensão e pedirá ao Estado-juiz que lhe preste a devida tutela
jurisdicional suficiente para solucionar a lide, afastando a ilicitude
promovida pela parte adversária.
Ora, se essa possibilidade de apresentar sua pretensão
ao Judiciário fosse eterna, o resultado seria o império do caos no seio da
sociedade. Não é este o desejo da ordem jurídica estabelecida no sistema legal,
ao contrário, tal pretensão é repelida pela legislação, cujo fundamento é a
proteção a um bem coletivo de ordem superior, em face do individual, já que o mesmo se mostrou desidioso.
Vemos aqui uma manifestação do interesse público
prevalecendo sobre o particular, ainda mais quando o suposto titular do bem
lesado se mostra inerte e sem interesse em ver restaurada
a situação jurídica vantajosa que lhe concedia a norma legal.
Existem dois tipos de prescrição: aquisitiva e
extintiva. A primeira ocorre quando um sujeito incorpora ao seu patrimônio um
direito do qual já tinha a posse e dele desfrutava durante certo tempo
prescrito na lei, é o que chamamos de Usucapião. A segunda, extintiva, se dá
quando alguém deixa de buscar o seu direito e com o passar do tempo perde a
pretensão de defendê-lo, acabando por perdê-lo.
É o nosso Código Civil que trata da prescrição.
Textualiza o art. art. 189 do Novo Código que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição,
nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
A norma acima exposta é de caráter geral e, conforme o art.
205 do mesmo diploma legal, traz um prazo de dez (10)
anos, excetuando a previsão de prazo menor em razão de previsão em outras
normas.
No que se referem à Fazenda Pública, as regras a serem
aplicadas são as constantes do Decreto nº 20.910 de 6
de janeiro de 1932 e Decreto-lei nº 4.597, de 19 de
agosto de 1942.
Diz o art. 1º do Decreto nº
20.910/32 que: “as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem
assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou
Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da
data do ato ou fato do qual se originarem”.
Conforme nos ensina Leonardo José Carneiro da Cunha
(2007, p. 67), tratando do assunto em tela:
“À evidência, toda e qualquer pessoa dispõe do prazo prescricional de 5
(cinco) anos para intentar ações condenatórias em face da Fazenda Pública. Em
se tratando de ações anulatórias ou constitutivas, o prazo de ajuizamento
também é de 5 (cinco) anos. O detalhe é que, nas ações anulatórias, tal prazo
de 5(cinco) anos é decadencial, e não
prescricional. Pouco importa que a legislação aqui referida aluda à prescrição; antes do Código Civil de 2002, todos os
prazos extintivos, seja de prescrição, seja de decadência, eram denominados,
pela legislação de regência, de prazos de prescrição.” (grifo original).
Não é demais lembrar que nesta regra não estão
incluídas as sociedades de economia mista e as empresas públicas, conforme já
reconheceu o Superior Tribunal de Justiça, inclusive sumulando a respeito
(súmula 39), pois apesar de ter sido modificada pelo Código Civil de 2002, a
regra de exclusão, é de presumir, permanece.
O fato é que, enquanto para as demais pessoas há prazos
bem mais longos, conforme prescreve o Código Civil de 2002, em seus arts. 205 e 206, chegando a 10 (dez) anos, quando se tratar
da Fazenda Pública, não importa do que se trate, o
prazo é de apenas 5 (cinco) anos, o que constitui uma diferença relevante.
3.2 A execução contra
a Fazenda Pública
Conforme nos informa o Código de Processo Civil (art.
612), a execução realiza-se no interesse do credor e, dessa forma, por meio da
penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.
Quando se é credor de quantia certa contra devedor
solvente, o credor busca por meio da execução a satisfação de seu crédito,
expropriando bens do devedor para ver satisfeita sua pretensão.
Recentemente, com o advento da Lei nº 11.232, de 22 de
dezembro de 2005, as regras do processo executivo sofreram significativas
mudanças, pois com as novas formas procedimentais, quando a execução se fundar
em Título Executivo Judicial, não mais existe processo autônomo e o cumprimento
da decisão final do processo cognitivo passou a ser uma simples fase do
processo de conhecimento. Doravante, a sentença possui, por si só, força
coercitiva e deve ser objeto de simples cumprimento, em substituição ao
autônomo processo de execução forçada.
Permanece, por razões óbvias, o processo autônomo de
execução para os títulos executivos extrajudiciais, arrolados no art. 585 do
CPC. O mesmo pode se dizer quando a executada se
tratar da Fazenda Pública, continuando a regra antiga: há processo autônomo de
execução, estando este disciplinado no Livro II do CPC, precisamente nos arts. 730 e 731, diferenciando-se apenas no sentido de que
não há a adoção de medidas de expropriação de bens, mas a ela se aplicarão as
regras especiais de execução. Alega-se em seu favor o dispêndio efetuado pelo
Erário Público, o que levou a legislação a estabelecer uma forma diferente de
execução. Incidirá neste caso o instituto do Precatório.
Nas palavras de Leonardo José Carneiro da Cunha (2007,
p. 234-235):
“Então, proferida uma sentença contra a Fazenda
Pública, sua efetivação, cumprimento ou execução continua a ser feita em
processo autônomo de execução. A sentença que condenar a Fazenda Pública pode,
contudo, ser de ilíquida, devendo, em razão disso, ser objeto de uma liquidação
para, somente depois, ser executada. Os tipos de liquidação de sentença – por
artigos e por arbitramento – são perfeitamente aplicáveis aos processos que
envolvem a Fazenda Pública. Acontece, porém, que foram revogados os artigos,
constantes do Livro II do CPC, que tratavam do processo (autônomo) de
liquidação de sentença. Esta – a liquidação de sentença – passou a ser
disciplinada nos arts. 475-A A 475-H do CPC.”
Vemos, assim, que a Lei estabeleceu um tratamento
diametralmente diferenciado para a execução em face da Fazenda Pública. O que
se leva em consideração aqui é o fato de a dívida ser suportada pelo Erário
Público e, desta forma, devem ser tomadas as cautelas com muito maior acuidade.
3.2.1. Os Precatórios
Conforme já salientamos em linhas precedentes, da fase
inicial até a final, o processo de execução contra a Fazenda Pública possui
caminhos próprios, com regras especiais, diferentemente da execução contra
pessoas privadas. O fato que mais se destaca inicialmente é que não há penhora
de bens públicos por proibição legal, o que é substituído pela possibilidade de
apresentação dos embargos, e esse ato não se condiciona à prévia garantia do
juízo.
A seguir, após a oferta dos embargos, a discussão da
causa é reaberta, e a execução se suspende.
De acordo com o que dispõe o art. 730 do CPC, o prazo
para apresentação dos embargos é de dez (10) dias. Vale lembrar que,
tratando-se do INSS o prazo para embargar refoge à
regra, sendo de 30 (trinta) dias, nos termos do art. 130 da Lei nº 8.213, de
1991.
Após todas essas fases, caso os embargos sejam
rejeitados, passa-se então à etapa da satisfação do crédito. A regra principal a respeito desta fase está
estampada no art. 100 da CF, in verbis:
“À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os
pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de
sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação
dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida
a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos
adicionais abertos para este fim.”
Trata-se de um
ato administrativo atribuído ao presidente do tribunal de vinculação do juízo
da execução, por meio do qual é feita a requisição dos valores apurados no
processo de execução à autoridade fazendária do Poder Executivo (federal,
estadual ou municipal), objetivando quitar o título judicial.
A autoridade fazendária deve fazer constar do orçamento
do ano subseqüente os valores requisitados. Após todo este trâmite, o
precatório é encaminhado ao Ministério Público para conferência e, somente após
sua chancela, é que se oficiará à autoridade fazendária para que seja incluído
no orçamento do ano seguinte o valor respectivo, que deverá ser depositado à
conta do tribunal.
Apesar de todo o caminho percorrido, tendo já sido
incluído no orçamento, não há garantia de que o débito seja quitado, pois os
pagamentos são feitos na ordem cronológica de inscrição dos precatórios e pode
ser que não haja verba suficiente para saldar o valor total constante de todos
os precatórios.
Nas palavras de Marcus Vinícius Lima Franco (2006, p.
8): “diante de uma disciplina tão especial, pergunta-se se, realmente, existe
execução contra a Fazenda Pública”.
O Juiz Federal Agapito Machado (2005, p. 1) nos dá uma
idéia sobre o funcionamento deste instituto. Em palavras simples, mas
profundas, diz o Magistrado:
“Se você tem um direito a reclamar contra a União, Estado, Município e suas autarquias, deverá percorrer um
longo caminho: 1º) dar entrada na justiça em uma ação ordinária, na qual o
Poder Público tem inúmeros privilégios para se defender, mormente o de prazos
dilatados e, mesmo com muito otimismo você terá a sentença proferida por um
Juízo de 1º grau, por volta de 3 a 4 anos, assoberbado de processos (1 juiz
para cada 27000 habitantes); 2º) o Poder público recorre para o Tribunal
inferior e, depois para os Superiores que poderão manter ou reformar a decisão
que lhe foi favorável no juízo de 1º grau; 3º) se mantida pelos Tribunais, a
decisão que lhe foi favorável, começa uma nova fase, no caso, a de execução da
sentença, onde o Poder Público também vai continuar se defendendo e, passados
mais alguns anos, finalmente é chegado o momento de ser requisitado o
pagamento, expedindo-se o chamado Precatório.”
De qualquer forma, agora se espera finalmente receber
os valores devidos, mas, infelizmente, não é isso que acontece. Se for o
Precatório remetido ao Tribunal até o dia 01 de julho, será pago até o final do
ano seguinte, mas somente se for de natureza alimentar, pois não o sendo, o
exeqüente irá receber seu direito durante dez (10) anos, conforme dispõe a nova
regra trazida pela EC nº 30/2000, constante do art. 78 do ADCT. Somando-se esse
longo prazo concedido aos Entes Públicos com o do trâmite da ação, chegaremos
ao mega prazo
de quase vinte (20) anos.
Prática altamente questionável é a que tem sido
permitida por vários Tribunais que consentem que o Poder Público volte a
rediscutir a matéria em sede de Precatório, o que conduz a novamente
intermináveis trâmites jurídicos.
O alerta também é do Magistrado Federal, citado acima,
informando que, a desmoralização do Judiciário é evidente, porque esse próprio
Poder, por ato de alguns de seus Presidentes, desejosos de logo serem
promovidos por merecimento ao STJ, transformam o Precatório em novo processo
judicial, com prejuízo dos humildes jurisdicionados e em benefício da União e
de outras pessoas jurídicas de direito público.
Em estudo crítico sobre as mudanças trazidas pela EC nº
30 de 13 de setembro de 2000, o também Magistrado Federal Antônio Sousa
Prudente (2000, p. 3) nos informa:
“Não há dúvida de que a moratória precatorial
em tela se constitui numa grave lesão ao direito da parte vencedora,
reconhecido e declarado como tal, na sentença exeqüenda contra a Fazenda
Pública. A moratória (….) em referência é negativa
de Justiça, pois justiça morosa é
grave injustiça, contrariando, acintosamente, o reclamo popular, neste final de
século.”
A Emenda Constitucional nº 30, de 13/09/2000 agride a
moralidade pública e consagra a ineficiência da Administração na solução de
seus débitos, em tempo razoável, com afronta a princípios do artigo 37, caput, da Carta Magna, anulando, assim, a garantia individual do pleno
acesso à justiça efetiva (CF, art. 5º, XXXV) e, por isso, esbarra na norma
proibitiva do parágrafo 4º, inciso IV, do artigo 60, da Constituição da
República Federativa do Brasil.
De qualquer forma, sem adentrar no mérito das regras
estabelecidas, mormente nas mudanças trazidas pela EC nº 30/2000, é assim que
se dá a execução contra a Fazenda Pública e o cumprimento das decisões
transitadas em julgadas.
3.3 A Dilatação dos
prazos – o art. 188 do CPC.
Como sabemos, é por meio do processo que se busca um
resultado final, solucionando um conflito de interesse. Assim, a idéia de tempo
surge automaticamente quando falamos em demanda processual. Para se chegar ao
resultado desejado pelas partes, o legislador define a prática de diversos atos
que deverão ser levados a cabo pelos litigantes e, para praticá-los, foram
estabelecidos prazos, dentro dos quais a parte deverá se manifestar, sob pena
de acontecer a preclusão de seu direito de falar.
Existem vários tipos de prazos, dependendo de que ponto de vista se analise.
Assim, de acordo com o destinatário, os prazos podem
ser próprios ou impróprios. Os primeiros são aqueles cuja desobediência
acarreta sanções de ordem processual, como a preclusão. Os impróprios são os
fixados em lei como mero parâmetro a ser seguido, sem que de sua inobservância exsurja qualquer tipo de preclusão, pois seus destinatários
são os atores da máquina judiciária, como os juízes, serventuários, etc.
Podemos citar ainda os prazos legais que, como o nome
está a indicar, são aqueles estabelecidos na lei. Em regra, os prazos são
determinados pela lei, entretanto nada impede que a parte pratique
antecipadamente antes mesmo do seu decurso. Por fim, lembramos ainda da
existência dos prazos judiciais e convencionais. Os judiciais são os fixados
pelo juiz, quando a lei não o prevê, e, conforme o art. 177 do CPC, o
magistrado terá em conta a complexidade da causa. Os convencionais são os
fixados de comum acordo pelas partes, a exemplo da suspensão do processo por
iniciativa dos litigantes (art. 265, inciso III do CPC).
Os prazos estabelecidos pela lei para que a parte ré
apresente a defesa, regra geral, estão estampados no art. 297 do Código de
Processo Civil, que nos diz: “O réu poderá oferecer, no prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa,
contestação, exceção e reconvenção”.
Entretanto, falando da Fazenda Pública, a regra a ser
aplicada deverá ser a constante no art. 188 do CPC. Neste dispositivo, foi
estabelecido prazo diferenciado para a Fazenda Pública apresentar sua defesa,
assim como quando recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis. Diz o
nosso Código que: “computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro
para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério
Público”.
Falando do alcance da aplicação do dispositivo em
análise, Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p. 40) nos ensina que:
“[…]
como o dispositivo alude, expressamente, à Fazenda Pública, está a abranger a
União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e suas respectivas
autarquias e fundações públicas. Todos esses entes desfrutam de prazo em
quádruplo para contestar e em dobro para recorrer.
“A
regra aplicar-se a qualquer procedimento, seja ordinário, seja sumário, seja
especial, aplicando-se igualmente ao processo cautelar e ao de execução (com
ressalva dos embargos do devedor, que constituem uma ação, e não um recurso nem
uma contestação, […].
Somente não se aplica o art. 188 quando há regra específica
fixando prazo próprio, a exemplo do prazo de 20 (vinte) dias para contestar a
ação popular (Lei nº 4.717/1965, art. 7º, IV.”
Observa-se também que o art. 188 do CPC é uma norma
excepcional, portanto, a disposição contida no texto deve ser interpretada de
forma literal ou restritiva, o que equivale a dizer que a Fazenda Pública só se
beneficia do prazo quadruplicado para contestar e dobrado, para recorrer, não
alcançando os demais atos processuais.
Vale dizer que a Fazenda Pública é alcançada com o
dispositivo não apenas quando está no processo ocupando a posição de parte, mas
também quando comparece como assistente de um dos litigantes, conforme
entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“Ementa:
Processo Civil – Recurso Especial – Interpretação do disposto no art. 188 do
CPC – Fazenda Pública na Qualidade de Assistente Simples de Empresa Pública
Estadual – Prazo em Dobro para recorrer – Finalidade da norma.
“I
– Interpretando literalmente o disposto no art. 188 do Código de Processo
Civil, que dispõe: “computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em
dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério
Público”, a figura do assistente simples não está contida no termo ‘parte’.
Contudo, a interpretação gramatical, por si só, é insuficiente para a
compreensão do ‘sentido jurídico’ da norma, cuja finalidade deve sempre ser
buscada pelo intérprete e aplicador, devendo ser considerado, ainda, o sistema
jurídico no qual a mesma está inserta. Desta forma, o termo ‘parte’ deve ser
entendido como ‘parte recorrente’, ou seja, sempre que o recorrente for a
Fazenda Pública, o prazo para interpor o recurso é dobrado. Esta é a finalidade
da norma. In casu,
o Estado de Pernambuco, na qualidade de assistente simples de empresa pública
estadual, tem direito ao prazo em dobro para opor Embargos de Declaração, cuja
natureza jurídica é de recurso, previsto no art. 496, IV, da Lei Processual
Civil.
“2
– Precedente (REsp nº
88.839/PI)
“3
– Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão recorrido, determinar
o retorno dos autos à Corte a quo, a fim de que esta aprecie os Embargos
Declaratórios em questão, porquanto tempestivos. (Acórdão unânime da 4ª Turma
do STJ, REsp 663.267/PE,
rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 17/5/2005, DJ de
13/6/2005, p 317.”
Portanto, o que será levado em conta no momento de
aplicar o dispositivo será o fato de ser a Fazenda Pública estar contestando ou
recorrendo, não importando, pois, a condição em que figura.
Por fim, cabe-nos ainda trazer os casos em que o art.
188 do CPC não será aplicado. Podemos citar as petições por meio eletrônico ou
por fac-símile (prazo para entrega dos originais). Assim, tratando-se de
contestação ou recurso por meio eletrônico, não há que se discutir, aplica-se a
norma especial do prazo dilatado, entretanto esta regra não incidirá no prazo
de 05 (cinco) dias estabelecido pela Lei nº 9.800 de 26 de maio de 1999, art. 2º, in verbis:
“A utilização de sistema de transmissão de dados e
imagens não prejudica o cumprimento dos prazos, devendo os originais ser entregues em juízo,
necessariamente, até 5 (cinco) dias da data de seu término.
“Parágrafo único. Nos atos não sujeitos a prazo, os
originais deverão ser entregues, necessariamente, até 5
(cinco) dias da data da recepção do material.”
Podemos concluir, então, que a contestação ou recurso
poderão ser apresentados pelos meios eletrônicos e no prazo dilatado, mas no
que se refere a entrega dos originais tal benefício,
isso não será permitido, devendo prevalecer os 5 (cinco) dias estabelecidos
pela Lei nº 9.800/99.
Também não teremos a incidência do prazo diferenciado
para a apresentação do rol de testemunhas, tanto para o procedimento sumário
(art. 276-278 do CPC) e ordinário (art. 407 do CPC). Da mesma forma, a Fazenda
Pública não dispõe de prazo diferenciado para a indicação de assistente técnico
e formulação de quesitos na perícia.
3.4. O reexame
necessário
Para uns, trata-se de verdadeiro recurso, para outros
não passa de uma condição de eficácia da sentença. O fato é que, havendo a
sentença por parte do Magistrado, tem o sucumbente, se não se conformar com a
decisão, a possibilidade de recorrer à instância superior, a fim de que obtenha
uma decisão que lhe favoreça.
O fato é que, estando a Fazenda Pública em um dos pólos
da Ação e, sendo sucumbente, mesmo que seus representantes não queiram
recorrer, ou por desídia não recorram, a mesma não irá
transitar em julgado, tendo em vista a regra contida no CPC, art. 475, in verbis:
“Está
sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada
pelo tribunal, a sentença:
“I
– proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as
respectivas autarquias e fundações de direito público;
“II
– que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida
ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
Ҥ
1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos
autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.”
Assim, apesar de a regra geral ser no sentido
que de que, quedando-se silente a parte, a sentença transita em julgado, está o
dispositivo acima a excepcionar tal regra, em benefício da Fazenda Pública.
Logo, não será obrigatória a remessa, quando a
condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60
(sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do
devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. Também, quando a sentença
estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em
súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
Afora estes casos citados acima, não há que se falar em
trânsito em julgado da sentença, sendo obrigatória a remessa.
3.5 Outras
prerrogativas da Fazenda Pública
Além das prerrogativas já discorridas, o Código de
Processo Civil, bem como as Leis de cunho processual, tem estabelecido outras
prerrogativas em favor da Fazenda Pública, que apesar de não chamarem tanta
atenção quanto às já citadas, o fato é que o tratamento diferenciado em favor da
Fazenda Pública é notório.
Tendo em vista o escopo do nosso trabalho, vamos citar
as mesmas apenas de forma resumida, apenas delineando seus contornos.
3.5.1. Foro
privilegiado
A regra do foro diferenciado está insculpida no art. 99
do CPC, estabelecendo que “O foro da capital do Estado ou do Território é
competente: I – para as causas em que a União for autora, ré ou interveniente;
II – para as causas em que o Território for autor, réu ou interveniente”.
Informa-nos ainda o parágrafo único do artigo mencionado
que, caso o processo corra perante outro juiz, serão os autos remetidos ao juiz
competente da Capital do Estado ou território, tanto que neles intervenha uma
das entidades mencionadas.
Conforme o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior
(2006, p. 198), o art. 99 do CPC deve ser entendido em harmonia com o art. 109,
§ 1º da CF, pelo que o foro especial da União deve ser examinado em duas
circunstâncias diferentes: quando for autora, a ação será perante a Justiça
Federal na Seção Judiciária do domicílio do réu; se for ré, o autor poderá
optar entre o Distrito Federal, a Seção Judiciária onde o autor tiver seu
domicílio, a Seção Judiciária onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem
à demanda, ou a Seção Judiciária onde estiver a coisa litigiosa. Há exceções a
estas regras (executivos fiscais e ações que versem sobre benefícios
previdenciários, que poderão ser ajuizados perante a Justiça local (art. 109, §
3º , c/c Lei nº 5.010/66, art. 15, inciso I).
3.5.2. Dispêndios da
demanda processual
Desde o momento em que se ingressa no processo, em
regra, a parte é obrigada a efetuar diversos tipos de dispêndios de cunho
financeiro, como custas iniciais, despesas para a realização de atos
processuais etc. Entretanto, quando a ré ou autora for a Fazenda Pública, esses
dispêndios ou não existem ou se dão de forma diferenciada, vejamos algumas
delas:
3.5.2.1 Despesas
Dispõe o art. 19 do CPC que “[…] cabe às partes
prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo,
antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final […]”.
O termo despesa, constante do artigo mencionado,
constitui gênero, sendo suas espécies as custas, os
emolumentos e as despesas em sentido estrito.
Conforme entendimento firmado pelo nosso Pretório
Excelso, as custas e emolumentos constituem tributos,
da espécie taxa, destinados a remunerar um serviço público posto à disposição
dos jurisdicionados (Acórdão unânime do Pleno do STF, ADI 1.378 MC/ES, rel.
Min. Celso de Mello, DJ de 30/5/1997).
Observamos que o art. 27 do CPC dispõe que “as despesas
dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da
Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido”.
No que se refere às taxas e aos emolumentos, a
fundamentação para a referida regra especial se funda no fato de que, tratando
as espécies de tributo, não haveria sentido o Estado pagar a si mesmo, posto
que a jurisdição, pelo menos em regra, é de responsabilidade estatal. As demais
despesas, em sentido estrito, são aquelas destinadas a remunerar terceiras
pessoas estranhas ao aparato judicial, a exemplo do perito, das despesas com a
comunicação dos atos processuais etc.
Desta forma, a Fazenda Pública só arcará com algum tipo
de despesas ao final, se sair derrotada na lide, mas apenas pagará o que a parte
vencedora tiver gasto.
O mesmo não acontecerá quando se tratar de causa
perante as Justiças Estaduais, apesar da regra do CPC (art. 1.212), assim como
o disposto na Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, que dispõe sobre o
exercício das atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União, cujo art.
24-A reza in verbis:
“A União, suas autarquias e fundações, são isentas de custas e emolumentos
e demais taxas judiciárias, bem como de depósito prévio e multa em ação
rescisória, em quaisquer foros e instâncias”.
É que, conforme estabelecido pela Constituição (art.
151, inciso III), a União não poderá conceder isenção de tributos estaduais e,
sendo as custas e emolumentos espécies de tributo,
conforme já dito acima, a norma do CPC não foi recepcionada pela Carta Magna.
Reforça esse entendimento o fato de a Lei nº 9.289 de 4
de julho de 1996 estabelecer em seu art. 1º e § 1º que “rege-se pela legislação
estadual respectiva a cobrança de custas nas causas ajuizadas perante a Justiça
Estadual, no exercício da jurisdição federal”.
Concluímos, desta forma, que a Fazenda Pública
Federal está isenta do pagamento de custas e emolumentos, regra que, como já
dito, não alcança as despesas em sentido estrito, tampouco a litigância perante
a Justiça Estadual, a menos que, neste último caso, haja convênio com o
respectivo Estado.
A diferença que se vê aqui coloca a Fazenda Pública em
extrema vantagem na hora de apresentar suas demandas, em desfavor dos
particulares.
3.5.2.2 O preparo nos
Recursos
Conforme dispõe a regra processual
do art. 511 do CPC, “no ato de interposição do recurso, o recorrente
comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo,
inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção”.
A regra acima não deixa dúvida, salvo as exceções
legais, é regra geral o fato de que os recursos estão sujeitos ao preparo.
Entretanto, tratando-se da Fazenda Pública, a regra a
ser utilizada é a constante do parágrafo primeiro do artigo citado acima, a nos
dizer que “são dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério
Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e
pelos que gozam de isenção legal”.
Além de estar dispensada de preparo para interpor
recursos no processo civil, a Fazenda Pública encontra-se igualmente liberada
do depósito prévio – quando exigido – para a mesma finalidade. É o que dispõe o
art. 1º-A da Lei 9.494, de 10 de setembro de 1.997. in
verbis: “Estão dispensadas de depósito prévio, para
interposição de recurso, as pessoas jurídicas de direito público federais,
estaduais, distritais e municipais”.
Por fim, vale referir que a Fazenda Pública também está
isenta do pagamento da importância de 5%, previsto no art. 488, inciso II do
CPC, referente à Ação Rescisória, tendo em vista que o parágrafo único do mesmo
artigo faz a ressalva de que tal dispositivo não se aplica à União, ao Estado,
ao Município e ao Ministério Público.
Apesar de existirem outras prerrogativas referentes à
Fazenda Pública em Juízo, entendemos serem estas as principais e, ao menos para o
nosso escopo, já dão uma idéia das diferenças existentes nas regras
procedimentais.
4 Prerrogativas ou privilégios?
Não é de hoje a discussão a respeito das regras
diferenciadas concedidas à Fazenda Pública quando a mesma ocupa um dos pólos do
embate processual.
De um lado, há aqueles que defendem tais discrímenes como meras e necessárias prerrogativas,
principalmente em razão do interesse em disputa ser não de um indivíduo, mas da
coletividade.
Por sua vez, entendimentos há, e não são poucos, que
vêem os tratamentos diferenciados como absurdos privilégios, intoleráveis,
frente ao princípio da igualdade. Resta-nos, assim, tentar entender se tais
regras são legítimas ou se as mesmas ferem os princípios constitucionais do
processo.
4.1 A doutrina favorável às regras
diferenciadas
Parte da doutrina entende que as regras outorgadas em
benefício da Fazenda são prerrogativas apenas, tendo em vista o interesse
defendido no Processo.
Assim como em relação ao direito material, em que a Fazenda
Pública se submete aos princípios e regras de direito público, quando existe a
supremacia do interesse público sobre o privado, da mesma forma, afirmam, no
processo em que um dos litigantes é a Fazenda Pública, deverá haver a adequação
a tais preceitos e regras, devendo ser-lhe conferido um tratamento
diferenciado.
Roberto de Morais (apud
CUNHA, 2007, p. 33-34) aduz:
“Quando
a Fazenda Pública está em Juízo, ela está defendendo o erário. Na realidade,
aquele conjunto de receitas públicas que pode fazer face às despesas não é de
responsabilidade, na sua formação, do governante do momento. É toda a sociedade
que contribui para isso. […] Ora, no momento em que a Fazenda Pública é
condenada, sofre um revés, contesta uma ação ou recorre de uma decisão, o que
se estará protegendo, em última análise, é o erário. É exatamente essa massa de
recurso que foi arrecadada e que evidentemente supera, aí sim, o interesse
particular. Na realidade, a autoridade pública é mera administradora.”
Vemos que o interesse defendido no processo é o
principal argumento utilizado pelos defensores da manutenção das regras
diferenciadas. Segundo alegam, o interesse que está em jogo, diferente daquele
que envolve a demanda entre dois particulares, é o interesse de toda a
sociedade; assim, é do interesse público viabilizar o exercício dessa sua atividade no processo da melhor e mais ampla forma
possível, de forma que se evitem condenações injustificáveis ou prejuízos
incalculáveis para o Erário e, por fim, de toda coletividade, que por isso
seria beneficiada com serviços públicos custeados com tais recursos.
Conforme esse entendimento, não se trata de privilégios
e sim, de prerrogativas haja vista a razoabilidade de seus fundamentos. Mais
uma vez, invoca-se o argumento de Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p.34):
“Para
que a Fazenda Pública possa, contudo, atuar da melhor e mais ampla maneira
possível, é preciso que se lhe confiram condições necessárias e suficientes a
tanto. Dentre as condições oferecidas, avultam as prerrogativas processuais,
identificadas, por alguns, como privilégios.
Não se trata, a bem da verdade, de privilégios.
Estes – os privilégios – consistem em vantagens sem fundamento, criando-se uma
discriminação, com situações de desvantagens. As ‘vantagens’ processuais
conferidas à Fazenda Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contêm
fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao princípio da igualdade, no
sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma
desigual.” (grifo no original)
Conforme o processualista Nelson Nery Junior, que se
mostra favorável à manutenção das prerrogativas, os procuradores da Fazenda
Pública não reúnem as mesmas condições de um particular para defender seus
interesses em juízo, posto que, além de atender ao interesse público, como já
dito, a Fazenda Pública mantém uma burocracia que é inerente à sua atividade,
tendo dificuldade de acesso aos fatos, elementos e dados da causa, assim como o
volume de trabalho dos advogados públicos impede o
desempenho de suas atividades nos prazos fixados para os particulares.
Com a mesma visão acima exposta, porém dita de forma
diferente, verifica-se a defesa em favor das diferenças feita pelo Professor
José Albuquerque Rocha. De suas palavras podemos assentar que as diferenças de
tratamento dadas ao Poder Público em Juízo se firmam sob duas razões: sua
estrutura e sua função.
No que diz respeito à estrutura, o Professor da
Universidade Federal do Ceará nos informa que “o Estado apresenta uma estrutura
sem paralelo no mundo das organizações, que se manifesta na grande intensidade
de seu poder onipresente e na existência de um colossal aparato burocrático
[…] a lhe conferir uma natureza estrutural distinta dos entres de direito
privado”.
Da perspectiva funcional, conforme o mencionado autor,
o Estado tem sob sua responsabilidade a realização dos interesses de toda a
comunidade. Com base nesses dois fundamentos é que se justifica a destinação de
regras diferentes ao Estado, tanto no direito material como no processual. Assim,
o Professor José Albuquerque Rocha (1995, p. 37) entende serem necessárias tais
regras diferenciadas, e encerrando suas palavras, aduz que:
“Assim, os poderes processuais diferenciados dispensados ao
Estado em juízo, longe de determinar um privilegio, realizam, ao contrário, uma
situação de substancial paridade, já que, em tese, são instrumentos
indispensáveis ao seu adequado aparelhamento para a defesa do interesse
público, qualificado pela Constituição como prioritário,
justamente, por exprimir interesses abrangentes da sociedade, ao contrário do
privado que, de regra, só leva em conta conveniências particulares, segmentadas
e dependentes.”
Observamos que os argumentos trazidos pelo Professor da
Universidade Federal do de forma magistral se assentam no argumento do
interesse envolvido, ou seja, o interesse coletivo é a razão do tratamento
diferenciado, tratando-se apenas de uma prerrogativa do Poder Público sendo portanto, aceitável.
4.1.1. A posição da Jurisprudência
Nossos Tribunais têm se manifestado reiteradamente
sobre a questão dos privilégios da Fazenda Pública em Juízo. Reconhecendo que
se trata apenas de prerrogativa e que, portanto, são necessárias e
perfeitamente toleráveis, posto que, em sua visão, não afrontam em nada o
princípio da igualdade processual.
O Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgados,
tem entendido como constitucionais os benefícios concedidos à Fazenda Pública,
senão vejamos:
“EMENTA: PROCESSO
CIVIL – INTIMAÇÃO – PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA –IGUALDADE DAS PARTES –
ASSIMETRIA DE RELAÇÕES – LEI 11.033/2004.
“1. Dentre os princípios constitucionais que regem a
relação processual está o da igualdade entre as partes, o qual não afasta as
prerrogativas de partes em circunstâncias especiais, tais como: Ministério
Público, Defensoria Pública e Fazenda Pública, abrangendo também as autarquias
e as fundações públicas.
“2. A intimação pessoal instituída para estas entidades
não desequilibra a relação, na medida em que representam elas a coletividade ou
o interesse público.
“3. A Corte Especial, em recente decisão, interpretando
a regra que ordena a intimação da Fazenda Pública, deixou sedimentado
que tal ato processual se realiza por oficial de justiça, contando-se o prazo
da juntada do mandado, devidamente cumprido.
“4. […]; (Processo: EDcl
no REsp 531308 / PR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO
ESPECIAL 2003/0070943-0. Relatora: Ministra ELIANA CALMON. Órgão
Julgador: T2 – SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 08/03/2005. Data da
Publicação/Fonte: DJ 04.04.2005 p. 262 RDDP vol. 27 p. 122 )”
No mesmo sentido se tem mostrado o entendimento do Egrégio
Supremo Tribunal Federal, analisando a fixação de juros diferenciados em favor
da Fazenda Pública (A Constituição e o Supremo – art. 5º):
“Discute-se a constitucionalidade do art. 1º-F da Lei no
9.494, de 10 de setembro de 1997 […]. A Lei n. 9.494, de 1997, […]
disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública. O núcleo
da discussão […] no art. 1º-F da Lei n. 9.494, de 1997, que dispõe: ‘os juros
de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para
pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos,
não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano’. […] A decisão
teve por base no Enunciado no 32 das Turmas Recursais dos Juizados Especiais
Federais do Rio de Janeiro que dispõe: ‘O disposto no art. 1º-F da Lei n.
9.494/97 fere o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CF) ao
prever a fixação diferenciada de percentual a título de juros de mora nas condenações
impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a
servidores e empregados públicos federais.’ Não penso assim! O atentado à isonomia consiste em se tratar
desigualmente situações iguais, ou em se tratar igualmente situações
diferenciadas, de forma arbitrária e não fundamentada. É na busca da isonomia
que se faz necessário tratamento diferenciado, em decorrência de situações que
exigem tratamento distinto, como forma de realização da igualdade. É o caso do
art. 188 do Código de Processo Civil […]. Razões de ordem jurídica podem
impor o tratamento diferenciado. O
Supremo Tribunal Federal admite esse tratamento, em favor da Fazenda Pública,
enquanto prerrogativa excepcional (AI-AgR
349477/PR — rel. Min. Celso de Mello, DJ- 28-2-2003.) Esta Corte, à vista do
princípio da razoabilidade, já entendeu, por maioria, que a norma inscrita no
art. 188 do CPC é compatível com a CF/88 (RE 194925-ED-EDV Emb. Div. nos Emb. Decl. no RE, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 19-4-02). […] Não
é, porém, a questão que se põe nos presentes autos. O conceito de isonomia é
relacional por definição. O postulado da igualdade pressupõe pelo menos duas
situações, que se encontram numa relação de
comparação. Essa […]. Se a Lei trata igualmente os credores da Fazenda
Pública, fixando os mesmos níveis de juros moratórios, inclusive para verbas
remuneratórias, não há falar em inconstitucionalidade do art. 1o-F, da Lei n.
9.494, de 1997. […]. A análise da situação existente indica não haver
qualquer tratamento discriminatório, no caso, entre os credores da Fazenda
Pública, que acarretem prejuízo para servidores e empregados públicos. (RE 453.740, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-2-07, DJ
de 24-8-07)” (grifo nosso)
Vemos assim que, em nenhum momento, há qualquer rechaça
às diferenças de tratamento concedidos ao Poder
Público no embate processual. Ao contrário, nosso Superior Tribunal aceita sem
maiores discussões as diferenças, entendendo as mesmas como meras
prerrogativas.
No Supremo Tribunal Federal, o entendimento parece
caminhar no mesmo sentido. No julgamento do Recurso Extraordinário nº
181138-2-SP, publicado no DJU-I, em 12/05/1995, ao ementar o acórdão, o Min.
Celso de Mello decidiu que “O benefício do prazo recursal em dobro outorgado às
pessoas estatais, por traduzir prerrogativa processual ditada pela necessidade
objetiva de preservar o próprio interesse público, não ofende o postulado
constitucional da igualdade entre as partes”.
São do mesmo Ministro as seguintes palavras,
enfrentando a questão noutro feito, (Agravo de Instrumento nº 349.477-1/PR):
“Não se pode desconhecer, a propósito da questão pertinente
à dilatação dos prazos processuais, notadamente aqueles de índole recursal que
essa matéria está sujeita a uma estrita disciplina de caráter jurídico-legal,
pois, como se sabe, as hipóteses que dispõem sobre o benefício da ampliação do
prazo recursal (contagem em dobro), necessariamente prevista em lei de âmbito
nacional, são aquelas que se referem, unicamente, ao Ministério Público e às
entidades de direito público (CPC, art. 188), aos defensores Públicos (LC nº
80/94, art. 44, I; art. 89, I e art. 128, I) e apenas àqueles que exercem cargo
equivalente (Lei nº 1.060/50, art. 5º, § 5º, na redação dada pela Lei nº
7.871/89) e aos litisconsortes com procuradores diversos (CPC, art. 191).”
Do exposto, observamos que a visão
dos defensores da manutenção
dos privilégios, ou prerrogativas, como fazem questão de falar, tem se
coadunado com o entendimento majoritário de nossa jurisprudência. Tanto no STJ
como no STF, até o momento tem prevalecido a visão de que tais regras
protetoras devem ser mantidas, tendo também, nestes tribunais, sido utilizado
como principal fundamento o interesse que envolve a demanda, pois, dizem: está
em jogo o interesse coletivo.
4.2. A doutrina
contrária às regras diferenciadas
São muitos os argumentos levantados por aqueles que
defendem a extinção dos comandos legais que concedem, segundo os mesmos,
privilégios à Fazenda Pública no desenrolar dos atos processuais. Para tais
doutrinadores as regras processuais diferenciadas concedidas ao Poder Público
agridem frontalmente os princípios constitucionais do processo, com mais
relevância para o da igualdade. Vejamos, então, quais os fundamentos utilizados
por tais doutrinadores:
4.2.1. O Estado é
parte mais fraca da Relação Processual?
A idéia principal levantada parte da idéia de que a
Constituição de 1988, quando tratou de elencar os bens protegidos, como a vida,
a segurança, liberdade propriedade e igualdade, tem em seu fundamento o fato de
que os mesmos foram elevados a um patamar que os tornou insuscetíveis de
gerarem, por si só, qualquer discriminação. Significa isso que tais bens
protegidos são essenciais ao corpo social e não podem ser fontes de
desequilíbrios.
A fórmula ideológica escolhida pelo povo brasileiro foi
o Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF de 1988), o que significa ter o
dono da soberania decidido pelo total abandono do Estado Ditatorial, que
prevalecia até aquele momento, querendo ingressar numa ordem jurídica
diametralmente oposta,
plenamente baseada na democracia.
Sob este ponto de vista, não se pode aceitar qualquer
regra antidemocrática e, por óbvio, deverão ser extirpadas do nosso ordenamento
todas as regras que concedem privilégios inaceitáveis, odiosos, posto que manifestam afronta à nossa Carta Maior. Seria aceitável
dizer que, no mínimo, as regras que concedem tratamento diferenciado devem
passar pelo crivo da vontade do soberano do poder, posto que erigidas num
momento em que sua vontade não fazia parte da ideologia dominante.
Durante anos e anos de nossa história observamos que as
regras processuais estatuídas andam sempre no sentido de privilegiar o Estado
na relação processual. O professor Cândido Rangel Dinamarco
(2001) nos ensina que no modelo infraconstitucional do processo civil
brasileiro, concebido sob o governo de Getúlio Vargas no Código de 1939 e
continuando pelo vigente, figuravam desde o início alguns pontos de uma
autoritária preocupação em favorecer o Estado como litigante. Assim, eram os
benefícios dos prazos mais dilatados concedido à Fazenda e ao Ministério
Público (CPC-73, art. 188), a devolução oficial instituída em favor daquela
(art. 475, incs. II-III) e havia a quase-absoluta impenhorabilidade dos bens
das pessoas jurídicas de direito público (arts. 730
ss., c/c Const., art. 100).
Referindo-se à defesa dos privilégios feita pelo
Professor Nelson Nery Junior em sua obra sobre os Princípios Constitucionais do
Processo e depois de fundamentar suas idéias nas palavras do professor Cândido
Rangel, como acima já exposto, José Carlos de Araújo Almeida Filho, presidente
do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (2006, p. 24), nos diz:
“Não
há, com a devida vênia do Prof. Dr. Nelson Nery
Junior, como justificar esta proteção excessiva concedida ao Estado e seus
entes.
“Feridos
os princípios filosóficos, feridos os jurídicos, porque, em verdade, as
malsinadas Medidas Provisórias nada mais são do que ressuscitar, em pleno
Estado Democrático de Direito, os “famosos” decretos. Assim, ainda
que o princípio contratualista de Rousseau seja o
pilar desta figura controvertida, inexiste igualdade quando deixamos de votar
no Judiciário. Inexiste independência e harmonia entre os poderes. Enfim,
impera o caos jurídico, sempre sob o pálio de uma ficção jurídica de que
estamos em um Estado Democrático, que flutua ao prazer dos criadores de sonhos,
daqueles que prometem e, ao serem prometidos, esquecem-se de sua própria
moral.”
Como podemos observar, conforme os autores acima, não
há que se falar no fato, alegados por alguns, de que o Estado é parte mais
fraca na relação e que, por isto, deve ser tratado com regra desigual. O que
acontece é exatamente o contrário, o Estado é diferente, mas é no sentido de
ser maior, mais poderoso, tanto em tamanho como em termos econômicos. Logo, se
alguma regra diferenciada devesse existir, não seria em seu favor.
Com os argumentos acima expostos, corroboram as
palavras do Professor da Universität Erfurt da Alemanha – Dr. Hermann-Josef Banke,
no I seminário de Direito Processual Administrativo da UFF, realizado em agosto
de 2003 no Rio de Janeiro, o qual nos informa que a tutela judicial, que
pressupõe lesão a direito subjetivo, deve ser capaz de reparar com efetividade
o dano e, para isso, é indispensável que no processo haja igualdade de armas
entre os litigantes.
Concordando com os argumentos referidos acima, o
Professor Titular da Faculdade de Direito da UFF e Juiz Federal no Rio de
Janeiro – Dr. Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva
(2006, p. 8), nos diz:
“No
Brasil, a única prerrogativa que parece ser verdadeiramente necessária para
preservar o interesse público é a proibição de execução forçada em face de bens indispensáveis à
existência do Estado e, indiretamente, a proibição de medidas de urgência,
como liminares ou cautelares, que possam permitir a execução forçada e a tingir
bens necessários à existência do Estado. Isto porque todas as demais prerrogativas existentes no Brasil, que são muitas,
não têm fundamento no interesse público
ou na supremacia do interesse público, e sim fundamento meramente processual,
no interesse econômico do Estado.” (grifo nosso)
Não
se pode, assim, ignorar os termos do art. 5º de nossa Carta Maior, tampouco o
art. 125 de nosso diploma processual. As partes são iguais perante a lei e não
pode ela, a lei, conceder diferenças que não encontrem justificativas, tais
como as citadas, posto que erigidas no regime ditatorial (1939 e 1973).
4.2.2 Estrutura
burocrática e deficiente do Estado?
Justificando esta prerrogativa vêm seus defensores,
dentre eles renomados publicistas, como Pedro Batista
Martins e Pontes de Miranda. Conforme estes autores, a justificativa para esta
diferenciação está no fato do avultado complexo da administração pública, que
socorre de informações com grandes dificuldades, pois, muitas vezes, os dados ou documentos não
estão acessíveis. Há outros, como Ada
Pellegrini Grinover, que aduzem que não há
inconstitucionalidade na dilatação do prazo, mas a inconstitucionalidade do
dispositivo estaria em sua enormidade.
Roberto Rosas (1999, p. 40), Ex-Ministro do Superior
Tribunal Eleitoral e Professor da Universidade de Brasília, nos informa o seguinte:
“A nosso ver, além de uma excrescência, é também uma
desigualdade, pois essas pessoas jurídicas têm corpo de defensores habilitados
às defesas. Argúi-se com a possível fraqueza ou desinteresse do defensor da
Fazenda em recorrer. Não é argumento jurídico simples constatação de inércia
administrativa, passível de correção na estrutura. Não se pode, a priori, colocar sob suspeita o
servidor em todos os graus, senão a Administração ficaria totalmente
desacreditada.”
Por outro lado, é absolutamente desprovido de
fundamento o argumento de que o Estado é burocrático por natureza, que seus
negócios são gigantes e, por isso, seus defensores têm mais dificuldade de
acesso às informações e documentos para apresentarem seus argumentos. Não
encontra respaldo nem nas leis e, muito menos, na realidade atual. Com maestria
nos informa José
Rogério Cruz e Tucci (1989 p. 43-44):
“Um Estado organizado, melhor do que qualquer
particular, deve primar pela perfeição dos seus
serviços, tendo, a tempo e à hora, todos os elementos indispensáveis à sua mais
perfeita quão possível efetuação, e correlatas informações.
“Por outro lado, se a carga dos serviços das pessoas
jurídicas de direito público e do Ministério Público é bem maior do que a dos
particulares, enquanto estes, normalmente, têm só um, alguns, ou um pequeno
conjunto de advogados, aqueles têm centenas , milhares
de procuradores e Promotores de Justiça, que, necessariamente cônscios de seu
dever funcional, devem ter às mãos, imediatamente, sem a burocracia própria da
inação profissional, elementos suficientes ao desempenho dos serviços
correspondentes às respectivas atuações judiciais.
“Principalmente nesta época, em que a informática passa
a dominar todo o contexto laborial, de que natureza sejam, os argumentos lançados para a preservação desse
autêntico privilégio, se já não estavam, vêem-se sufocados, já agora, pela nova
orientação legislativa constitucional, gritantemente posta, como visto, na
preservação da igualdade de todos perante a lei.”
No mesmo sentido, porém como maior profundidade, são os
argumentos trazidos pelo processualista Cassio Scarpinella Bueno (2007 p. 129):
“A resposta à questão reside em saber se o tratamento
diferenciado é ou não justificável. […] Nada justifica que, no plano do
processo, o Estado tenha prerrogativas
(privilégios) que as outras partes não têm. Mais ainda quando é a
Constituição Federal, sempre a Constituição Federal, que determina a atuação eficiente da Administração Pública (art.
37, caput) e, mais ainda, quando é a
mesma Constituição Federal que institucionaliza as advocacias públicas como
órgãos institucionais para tutela, em juízo e fora dele, dos interesses e
direitos do Estado.
“Não convence o entendimento de que o Estado representa
interesses e direitos de uma coletividade e que, por isto, sua figura impõe
tratamento diferenciado em juízo. É que a se pensar desta forma, estar-se-ia
criando uma imunidade à atuação do Estado, um protecionismo não autorizado na
Constituição. (grifo original)”
Realmente, como asseverado nas palavras transcritas
acima, não há justificativa plausível, aceitável, como falar-se num Estado
deficiente, burocrático, ainda mais alegar-se que isto é próprio da máquina
estatal é mais absurdo ainda.
Ora, a existência de um Estado burocrático, cujo acesso
às informações é mais dificultoso do que para os particulares, não encontra
guarita na nossa Carta Maior, ao contrário, ela dotou este mesmo Estado de
todos os instrumentos necessários a que tenha uma ação altamente eficiente, e
dele exige tal comportamento, conforme veremos no item a seguir.
4.2.3 A Administração
Pública – a Advocacia Pública
Inicialmente, é relevante trazer à lembrança o fato de
que a Constituição Federal dotou o Estado de todo o aparato necessário para que
este aja com toda a desenvoltura nos interesses maiores da sociedade. Assim,
ela não apenas sugere, mas exige que o Estado saia do
comportamento de marasmo, que foi sua marca durante longos períodos da
história, e passe a atuar de forma célere, eficiente.
Em seu art. 37, caput a Constituição Federal é clara ao
prescrever que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência […]”.
Do preceito citado, chama-nos a atenção a preocupação de
nossa Lei Maior, ao estabelecer que o Estado deve atuar obrigatoriamente de
forma eficiente. Hely
Lopes Meirelles (1996, p. 90-91) conceitua o Princípio da Eficiência como:
“o que se impõe a todo agente público de realizar suas
atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno
princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada
apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e
satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.”
Já Maria Sylvia Zanella de Pietro
(2002, p. 83), acompanhando o entendimento do renomado Administrativista,
porém dando uma visão mais ampla, ensina-nos que:
“O princípio da eficiência apresenta, na realidade,
dois aspetos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente
público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições,
para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar,
estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de
alcançar os melhores resultados na prestação de serviços públicos.” (grifo
original).
É interessante notarmos o fato de que a Carta Magna não
apenas exige a atuação eficiente da Administração Pública, mas ao mesmo tempo
procurou dotar a mesma dos instrumentos necessários para que isso acontecesse.
Vemos isso quando se trata de patrocinar a defesa da Fazenda Pública, no atuar
processual, pelo fato de a mesma ter se preocupado em criar instituições para
que bem defendessem os interesses da coletividade.
Deixando de lado a prática existente no período
anterior, ou seja, a possibilidade de o Ministério Público atuar no Processo
Civil em defesa da União Federal, a Carta de 1988 criou para a União Federal
uma entidade própria – Advocacia Geral da União – AGU (art. 131), a qual é
voltada especificamente para o desempenho desta tarefa e para outras que lhe
são correlatas. Vejamos o que diz o dispositivo:
“Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição
que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e
extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser
sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e
assessoramento jurídico do Poder Executivo.
“[…].
“§ 3º – Na execução
da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional, observado
o disposto em lei. (grifo nosso)”
No âmbito dos Estados-Membros e do Distrito Federal, a
preocupação foi a mesma, tendo em vista que também foi
criada a devida instituição para defender seus interesses. Vejamos o que nos
diz o texto maior:
“Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito
Federal exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas, organizados em carreira na qual o ingresso
dependerá de concurso público de provas e títulos, observado o disposto no art.
135.”
Da mesma forma, visando dar eficácia ao disposto no
art. 5º, inciso LXXIV, que determina que “o Estado prestará assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”,
preocupou-se o constituinte em oferecer os meios para que a norma não se
tornasse letra morta, tampouco o Estado pudesse alegar a impossibilidade de
fazê-lo. Assim, diz-nos o dispositivo constitucional:
“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial
à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
“§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública
da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá
normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira,
providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos,
assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o
exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
“§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas
autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária
dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e
subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004).”
A Conclusão a que chegam todos os que se indignam
contra as normas processuais protetoras é que fica difícil argumentar em defesa da
necessidade de existência dos privilégios concedidos à Fazenda Pública sob o
fundamento da burocracia própria das instituições estatais.
Não há que se falar em máquina despreparada para agir
em defesa dos interesses coletivos, posto que nossa Lei Maior oferece a solução para que o Estado desenvolva todas suas
atividades de forma eficiente. Nessa linha de argumentação, não é absurdo dizer
que, levando em consideração todos os instrumentos postos pela nossa Carta
Magna a disposição do Estado para sua ação e sendo os mesmos colocados em ação,
a Fazenda Pública é parte muito mais forte que qualquer particular no processo.
Conclusão
A existência do Estado se deu de forma gradativa na
história humana. De acordo com as necessidades de controle do corpo social,
surge o Estado com o objetivo de proteger os interesses coletivos. Na
Antigüidade (Egito, Palestina, Mesopotâmia, Irã e Fenícia, Grécia e Roma),
surge a configuração mais clara organizada do Estado, que nesse período se
confundia com a cidade e se apresentava através da força bruta das tiranias
imperiais típicas do Oriente e da onipotência consuetudinária do Direito ao
fazer suprema, de certa maneira, a vontade do corpo social, qualitativamente
cifrado na ética teológica da polis grega ou no zelo sagrado da coisa pública,
a res pública da civitas
romana.
Na Idade Média (476 d.C. até 1453), o Estado, sofreu
uma decadência. Sob o sistema de organização econômica, política e social do
feudalismo, o desenvolvimento político e econômico era fundamentalmente local,
o comércio regular desapareceu quase por completo. A segurança, a administração
da justiça acontecia de forma isolada dentro dos feudos. Todos estes sistemas
de relação impediram que se produzisse uma consolidação política efetiva.
Já na Idade Moderna (1453 até 1789) surge o chamado Estado Moderno, que traz como principal
característica o modo de produção capitalista. Surge também sua principal
característica: a soberania, conforme Paulo Bonavides
(2004). Segundo a versão mais aceita, foi Maquiavel (1513) que deu origem à
expressão “Estado”, por meio de sua célebre obra.
No estado de sociedade, havia um preço a pagar, pois em
troca das garantias que seriam auferidas, a certeza de conservação que garantia
este estado, era necessária a alienação de todas as liberdades, trasladadas ao
Estado, senhor absoluto da vida e dos comportamentos humanos.
Com a
deflagração da Revolução
Francesa em 1789, temos,
em termos históricos,
a gênese do aparecimento
do Estado Constitucional, que
permanece até os
dias atuais. Foi na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que foi traçada a fórmula da divisão dos poderes. Conforme Paulo Bonavides (2004, p. 38):
“Estava posto, assim, pela primeira vez no Direito
Constitucional, como uma de suas colunas-mestras de sustentação e
reconhecimento o Clássico Princípio da Separação dos Poderes, do qual não se
pode prescindir sem correr o risco de recair nos regimes de exceção e
arbítrio.”
Na realidade o Estado não possui três poderes, haja
vista que o poder é uno. Assim, a separação de poderes é, na verdade, divisão
de órgãos para exercitarem as distintas funções do Estado. Essas funções são
exercidas por meio dos órgãos estatais: o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, que são poderes interdependentes no sentido literal da palavra, já
que devem ser harmônicos e coordenados entre si.
Também é deste período, mais precisamente na Revolução
Francesa de 1789, o surgimento do princípio da Igualdade. Inicialmente surgiu a
igualdade formal, em resposta à insatisfação quanto à existência de diversos
ordenamentos jurídicos, isto é, um para cada classe, logo, uma jurisdição
diferente para cada indivíduo, dependendo em que camada social o mesmo
estivesse inserido. A Lei veio tratar de forma igual a todos, independente a
que classe pertencesse o sujeito. Foi na Declaração Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, que foram
proclamados em seu artigo primeiro a liberdade e a igualdade dos homens em
direitos, proibindo as distinções fundadas na condição social.
Pela igualdade formal, estabeleceu-se a igualdade de
todas as pessoas diante dos efeitos e do alcance da lei, no sentido de que a
lei opera os mesmos efeitos e possui o mesmo alcance em relação a todos. A
norma já não mais se dirigia a classes ou grupos específicos, mas a toda a
sociedade, implicando a proibição de privilégios e diferenciações,
características do antigo regime. Trouxe também a exigência de que, na
elaboração das normas, se respeitasse uma de suas características até então
esquecida, que é a abstração, isto é, a lei deve se aplicar, primeiramente a
situações futuras, previstas por ela abstratamente.
Porém, a igualdade formal serviu apenas para agravar as
contradições entre os que possuem e os despossuídos, entre riqueza e pobreza,
com mais acentuação nas nações pobres.
Ora, numa sociedade em que a lógica é a sobrevivência do mais forte, o
princípio da igualdade, visto sob este ângulo, ao invés de atenuar diferenças,
faz com que sejam exacerbadas, sobretudo nas relações de produções em que o
explorador fica sempre mais rico e o explorado, cada vez mais miserável. Esta
situação fez com que os grupos discriminados, os mais frágeis, começassem a se
organizar com o objetivo de resistir às opressões a que estavam sendo
submetidos.
Diante deste quadro, o Estado foi obrigado a sair do
absenteísmo e passar a agir de forma intervencionista nos campos econômico e
social, conduzindo à superação histórica da igualdade formal que até então
prevalecia, surgindo a idéia de igualdade material. O
Estado transmuda-se de Liberal para Social. Do ponto de vista estrutural,
o que ocorreu foi uma fragmentação das normas, posto que necessária a produção
de normas setoriais e concretas visando a atender aos interesses dos inúmeros
setores desfavorecidos da sociedade.
Funcionalmente falando, o direito deixa de ser uma arma
a serviço da manutenção e conservação dos interesses burgueses, para se tornar
um instrumento eficaz de transformação das realidades sociais tendo como objetivo corrigir as
absurdas diferenças existentes entre a classe dominante e os setores
emergentes, isto é, o direito passa a ser uma arma de nivelamento das
diferenças.
No atual modelo de Estado, as constituições reconhecem
sem maiores dificuldades a igualdade formal. Assim foi a Constituição de 1824,
a Carta de 1891 e as seguintes. A Carta Cidadã de 1988 proclama “que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º caput).
Entretanto, conforme já vimos, a igualdade material exige que se conceda
tratamento isonômico aos iguais e diferenciado aos desiguais,
conforme afirmava Aristóteles, na medida de suas desigualdades.
Nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Melo
(1998), para que uma diferenciação não viole o princípio da igualdade ou da
isonomia, é indispensável que exista uma justificativa objetiva e racional, uma
conexão lógica entre o fator escolhido e o tratamento jurídico discriminatório.
Verificamos, assim, que o princípio da igualdade é a
base fundamental do princípio republicano e da democracia e há que ser
respeitado tanto pelo legislador ao elaborar as normas jurídicas, como pelo aplicador,
autoridade pública ou intérprete do direito, e para o particular. José Afonso
da Silva (2006) nos
ensina que a Constituição reforça o princípio com muitas outras normas sobre a
igualdade ou buscando a igualização dos desiguais
pela outorga de direitos sociais substanciais.
Podemos, então, entender que a legitimação do Estado
Democrático de Direito se concretizará através da participação de todos, com
liberdade e igualdade, primeiro na estruturação do próprio
Estado, depois nos discursos legislativos, e principalmente na aplicação
pela administração e pelo Judiciário.
Do ponto de vista processual é certo dizer que não há
que se falar em processo onde não impere o respeito ao princípio constitucional
da igualdade, haja vista que não é esse o espírito de nossa Carta Republicana
de 1988, mas, ao contrário, nenhuma norma que desrespeite seus princípios orientadores
deve prevalecer, posto que eivada de vício insanável.
A igualdade processual jurisdicional significa
igualdade perante a lei ou perante o juiz. Como nos informa Ada Pellegrine Grinover (1975, p.
25): “a igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade
perante o juiz”.
Enfim, a isonomia processual constitui-se na simétrica
paridade de armas, isto é, a oportunidade que deve ser dada às partes tanto
para dizer como para contradizer, e isso deverá ser indiferenciado para ambas
as partes. É essa a exigência do Estado Democrático de Direito.
A relação Processual estabelecida entre os litigantes
quando uma delas é a Fazenda Pública se desenvolve de forma diferente das
demais. É que ao Poder Público, quando em Juízo, foram concedidas diversas
vantagens de cunho processual em relação ao seu oponente.
Assim, tanto as leis materiais quanto as processuais
vêm ao longo de nossa história concedendo privilégios à Fazenda Pública, os
quais, apesar de serem rebatidos por parte da doutrina, por os considerarem
inconstitucionais e afrontarem os princípios constitucionais do processo, com
destaque para o da igualdade, objeto de nosso estudo; por outros doutrinadores
são considerados como meras e necessárias prerrogativas, tendo em vista o
interesse público envolvido nas demandas.
Destacamos, em nosso estudo, diversos desses
privilégios e apenas a título exemplificativo, citamos alguns: a) A prescrição
e as pretensões formuladas em face da Fazenda Pública com prazo de 05 (cinco)
anos, enquanto a regra geral do Código Civil estabelece 10 (dez) anos para os
demais; b) A execução com regras especialíssimas, com pagamento por meio de
Precatórios com prazos elastecidos e de forma
parcelada, o que levam as demandas a demorarem entre quinze e vinte anos; c) a
dilatação de prazos para contestar e recorrer; d) o reexame necessário, com
poucas exceções; d) foro privilegiado em quase todos os tipos de demanda; e)
dispensa de pagamento de despesas iniciais do processo, bem como do preparo em
relação aos recursos;
Parte da doutrina entende que as regras outorgadas em
benefício da Fazenda são prerrogativas apenas, tendo em vista o interesse
defendido no Processo. Alegam que, assim
como em relação ao direito material, a Fazenda Pública se submete aos
princípios e regras de direito público, com mais acentuação para a supremacia
do interesse público sobre o privado, e da mesma forma, afirmam, no processo em
que um dos litigantes é a Fazenda Pública, deverá haver a adequação a tais
preceitos e regras, devendo ser-lhe conferido um tratamento diferenciado.
Favoráveis à concessão das regras protetoras, podemos
citar doutrinadores como Roberto de Morais, Leonardo José Carneiro da Cunha,
Nelson Nery Junior, José Albuquerque Rocha, Pedro Batista Martins e Pontes de
Miranda, dentre outros.
Vale dizer que a Jurisprudência de nossos Tribunais
Superiores (STJ e STF) também tem se manifestado favorável à manutenção das
prerrogativas.
Para fundamentarem seu entendimento, os que se mostram
favoráveis à concessão das regras protetoras alegam, em primeiro lugar, o fato
de que os processos envolvendo a Fazenda Pública envolvem o interesse público
e, tratando-se do interesse da coletividade, merecem a proteção de regras
diferentes. Em segundo lugar, alegam que o Estado historicamente tem como característica
a burocracia e funcionalmente é formado de um aparato ineficiente, constituído
de um avultado complexo da administração pública, que se socorre de informações
com grandes dificuldades, com dados ou documentos com difícil acesso. Tais
razões justificam a necessidade de que haja regras compensatórias desses
fatores, visando a proteger os interesses da sociedade.
Em posição diametralmente oposta, alega a doutrina
contrária à concessão de regras diferenciadas, alegando que se tratam de odiosos privilégios e que não há qualquer
harmonização com o Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF de 1988),
fórmula ideológica escolhida pelo povo brasileiro, de tal forma que não se pode
aceitar como válida qualquer regra que venha ferir tal princípio.
Contrários aos privilégios, podemos
citar a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco, José
Carlos de Araújo Almeida Filho, Hermann-Josef Banke
(Professor da Universität Erfurt
da Alemanha), Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva
(Professor Titular da Faculdade de Direito da UFF e Juiz Federal no Rio de
Janeiro), Roberto Rosas (Ex-Ministro do Superior Tribunal Eleitoral e Professor
da Universidade de Brasília), Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci,
Cassio Scarpinella Bueno,
dentre outros.
Alegando a inconstitucionalidade das regras
diferenciadas, por ofensa ao princípio da igualdade, representante maior do
Estado Democrático de Direito, não aceitam sob nenhuma hipótese alegações de
que o interesse da coletividade justificaria o estabelecimento dos discrímenes, até porque a igualdade processual, o
contraditório, a paridade de armas visam exatamente à proteção aos interesses
coletivos, e nestes está incluído o direito de todos os indivíduos, seja de
forma isolada, seja de forma coletiva. Quando o Estado-juiz profere a decisão e
faz com que prevaleça a vontade da Lei, não importando o sujeito vencedor da
demanda, em última análise, está estabelecendo o interesse da coletividade.
Alegar-se a máquina administrativa ineficiente do
Estado ou o seu complexo de atividades se mostra inaceitável, tendo em vista
que a Constituição Federal não permite tal comportamento por parte da
administração, inclusive estabelece regra cogente de que o Estado é obrigado a
agir de forma eficiente, assim como lhe fornece todas as armas para esse agir
eficiente, a exemplo da Defensoria Pública, do Ministério Público, das
Procuradorias Estaduais etc.
Posicionar-se sobre o assunto nesse momento se faz
necessário. Para tanto, precisamos colocar lado a lado os dois pontos de vista
e levando em consideração os argumentos levantados pelas duas posições
doutrinárias, verificarmos se, tendo por balizamento o princípio constitucional
da igualdade, as regras processuais que concedem atuação diferenciada à Fazenda
Pública em Juízo constituem privilégios ou se as
mesmas se mostram apenas como prerrogativas e, por isso, necessárias e
perfeitamente admissíveis no nosso ordenamento processual.
Após termos analisado pormenorizadamente os argumentos
de ambas as posições já referidas, entendemos serem irrefutáveis os argumentos
apresentados por aqueles que reconhecem nas normas que concedem tratamento
diferenciado à Fazenda Pública se tratarem de inadmissíveis privilégios,
porém não de forma absoluta.
Não é possível admitir a existência de normas
protetoras quando não há justificativas razoáveis e que se fundamentem no
interesse coletivo. É o que parece acontecer com a grande maioria das regras
processuais concessoras de privilégios ao Poder Público em Juízo que imperam
atualmente no nosso ordenamento processual. Tais regras revelam mais uma
proteção com fundamento econômico.
Com relação ao argumento de que o interesse em jogo no
processo pertence à coletividade, concordamos com os argumentos do
processualista Cassio Scarpinella
Bueno (2001) o qual nos informa que, muitas vezes, em nome de um “interesse
público”, tão maleável e elástico consoante os valores passageiros das mais
diversas influências, alterações são introduzidas no cenário jurídico
processual com a aptidão ímpar de esvaziar a possibilidade de ser concretizado
direito reconhecido ao particular em face do Poder Público. Ademais, nos lembra
ainda que, na exata proporção em que o Estado-juiz declara que o particular tem
direito contra o Estado, o titular do interesse público passa a ser o particular
e não mais o Estado.
Não vemos nenhuma razoabilidade em tratar o Estado de
forma diferenciada no Processo sob o fundamento do interesse público, haja
vista que, nesse particular, o Poder Público sob todos os aspectos se mostra
maior e mais forte na relação. Tanto economicamente como funcionalmente, a
Fazenda Pública tem possibilidades de se mostrar mais forte no conflito de
interesses.
Assim apenas a título ilustrativo, indagamos: como é
possível defender a constitucionalidade de normas como as limitadoras e até
proibitivas de concessão de tutela de urgência contra o Poder Público (Lei
8.437/92, Lei nº 4.348 de 26.06.1964, etc)? E o que
dizer das absurdas regras trazidas pela EC nº 30 de 2000, que, por tão
vergonhosa, foi apelidada como a “Emenda do calote dos precatórios”? Como
justificar um prazo quadruplicado para apresentar uma contestação e dobrado
para os recursos?
É forçoso reconhecer que as regras diferenciadas
concedidas ao Poder Público em Juízo, em sua maioria, se mostram tão
desarrazoadas que, ao invés de efetivarem os direitos individuais e coletivos,
assegurados pela nossa Carta Magna (art.5º, XXXV e LXXVIII), funcionam
exatamente no sentido inverso, ou seja, agem para que o processo não funcione
e, conseqüentemente, o direito material, que dele necessita para ser realizado
e concretizado, fica carente de realização concreta em idêntica medida.
Todos somos sabedores de que direito sem
realização concreta, palpável, não é direito. Não se pode mais admitir a idéia
de que a mera declaração formal de direitos na Constituição ou nas leis
infraconstitucionais seja suficiente. Cidadania é ter, além da declaração
formal de tais direitos, mecanismos eficazes e concretos para exercê-los.
Mais frágil é o argumento que se funda na estrutura
burocrática e historicamente ineficiente do Estado. Estes argumentos há muito
não mais encontram guarita sob nenhum aspecto.
A inexistência de recursos financeiros, no atual
contexto brasileiro, é argumento dos mais infelizes, posto que é de conhecimento público e notório que a cada ano a
arrecadação fiscal cresce de forma surpreendente; uma prova concreta disso são
os números invejáveis nas reservas monetárias do nosso País.
Sob o ângulo estrutural, tampouco subsiste qualquer
argumento nesse sentido. Nossa Constituição de 1988 dotou o Estado Brasileiro
de todos os meios necessários para que o mesmo aja de forma eficiente.
Consolidou o Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradorias Estaduais,
dentre outros órgãos. Além do mais, não admite, sob nenhum fundamento, a ação
administrativa ineficiente. Contra isso, há dispositivo expresso e claro,
constante do art. 37, que estatuiu o princípio da eficiência e nele deve o
Estado balizar todo o seu funcionamento.
Entendemos, assim, só ser possível a existência de
prerrogativas estritamente necessárias, a exemplo da proteção ao patrimônio
público stricto
sensu, como
os bens afetos a serviço essencial à coletividade, no caso da execução
forçada. Não estando amparado neste
fundamento, concordamos com a Professora Ada Pellegrine
Grinover (1975, p. 30), para quem “a prerrogativa não deve superar
o estritamente necessário para restabelecer o equilíbrio”. Noutro momento, já
citado antes neste trabalho, confirmando seu entendimento, ela aponta como
inconstitucional a elasticidade do prazo para contestar concedida à Fazenda
Pública.
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