Resumo: O presente trabalho versa sobre a regulação das relações homoafetivas em uma analise comparada da legislação do Chile e Brasil, notadamente frente à regulação da união estável e do casamento.
Palavras-chave: homoafetivo; relações; casamento; união estável; Chile; Brasil.
Abstract: This work is about the regulation of same-sex couples' relationships in a review compared to Chile and Brazil against the regulation of stable marriage and same-sex marriage.
Keywords: homosexual; relations; marriage, common-law marriage; Chile; Brazil.
Sumário: Resumo. Palavras-chave. Abstract. Keywords. Introdução. 1. Conceito de família. 2. Princípios. 2.1. Dignidade da pessoa humana. 2.2. Princípio da Igualdade. 2.3. Princípio da Liberdade. 3. Regulação Legal frente aos casais homoafetivos no Chile. 3.1 Direitos conferidos pelo acordo de união civil. 4. Regulação das relações de casais homoafetivos no Brasil. 4.1 União estável. 4.2 Casamento homoafetivo. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata da regulamentação das relações dos casais de mesmo sexo em uma análise comparada entre a legislação do Chile e do Brasil, notadamente no que tange à regulação da união estável e do casamento homossexual.
Os que possuem posição contraria a união de casais homossexuais, dizem que estes não poderiam cumprir o verdadeiro objetivo da família, qual seja, procriar e manter uma relação duradora. Ante isto Barroso (2011) sinala que a concepção contemporânea da família é baseada na afetividade, em um projeto comum da vida, independente da sexualidade. Fala também que o mesmo Código Civil brasileiro, exige como requisito da união estável só a convivência pública, contínua e duradora estabelecida com o objetivo de construir família.
O trabalho está estruturado de forma que inicialmente mostra-se a evolução do conceito de família. Posteriormente abordam-se os princípios que regem o ordenamento jurídico dos países em estudo, para sinalar sobre a necessidade de aceitar as relações dos casais homoafetivos.
1. CONCEITO DE FAMÍLIA
A família em um primeiro momento da história foi construída sobre a “divindade” do pai e marido, sendo assim eminentemente patriarcal e religiosa, manifestando-se um desigual tratamento entre o marido e a mulher. Era concebida a indissolubilidade do matrimônio e castigada a filiação ilegítima (BARROSO, 2011).
Atualmente nos ordenamentos jurídicos dos países em estudo, é possível observar que a família deixa de ser construída sob a ideia de “divindade” do marido, e homem e mulher têm os mesmos direitos. Abriu-se passo a conformar famílias monoparentais, isto é, compostas por um progenitor e seus filhos (QUINTANA, 2013). Foi aceito o término do casamento através da separação ou divórcio, e a distinção de filhos “legítimos e ilegítimos” foi abolida, separando a instituição do casamento da instituição da filiação, entendendo que há filhos que nascem no matrimônio, dando reconhecimento jurídico à união civil como forma de entidade familiar, ou filhos que não nascem produto de uma relação conformada com o fim afetivo ou de procriação.
No Brasil, houve diversas alterações legislativas, como o “Estatuto da Mulher Casada” que devolveu a plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens reservados assegurar-lhe, dentre outros, a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto de seu trabalho, a instituição do divórcio, que acabando com a indissolubilidade do casamento. A Constituição instaura a igualdade entre o homem e a mulher, ampliando a proteção da família constituída pelo casamento, bem como pela união estável entre o homem e a mulher, consagrando a igualdade dos filhos havidos ou não do casamento (DIAS, 2011).
Por sua vez no Chile, realizaram-se diversas reformas, originando a Lei 19.947/2004, que estabelece a “Nueva Ley de Matrimonio Civil”, onde se materializa a instituição do divórcio.
Tanto a Constituição de Chile como a do Brasil, amparam a proteção da família, considerando-a, como “el núcleo fundamental de la sociedade” (Art.1) ou “base da sociedade (art.226) respectivamente. Porém nenhuma destas entrega uma definição satisfatória desta instituição. Para muitos juristas, a omissão de definição do conceito é razoável, já que, a evolução da família, em sua composição, sofreu importantes mudanças ao longo da história.
Entre os juristas, as concepções de família são diversas. Segundo Manuel Somarriva, citado por Ramos (2009) e “un conjunto de personas unidas por el vínculo de matrimonio, del parentesco o de la adopción”.
Em um sentido diverso, Susan Turner (2010) afirmar:
“La familia, cualquiera sea la forma que ésta adopte, constituye un espacio personalísimo de asociación, el cual está fundado en la existencia de una especial afectividad entre sus miembros”.
Assim, é considerada a afetividade entre os cônjuges ou conviventes como elemento central do relacionamento. A respeito da noção de afetividade, Maria Berenice Dias (2010) incorpora de maneira importante este termo para as relações de casais do mesmo sexo. O conceito de homoafetividade não só trata de atração sexual e de desejo, mas também da instituição de laços duradouros de amor e carinho.
2. PRINCÍPIOS
Os ordenamentos jurídicos em geral, ao reconhecer tanto a união civil como o casamento igualitário, baseiam-se nos princípios que regem as suas constituições nacionais, e assim extensivamente à união civil e ao casamento de casais do mesmo sexo. O valor e principio supremo, tanto do ordenamento jurídico chileno, como do ordenamento jurídico brasileiro, é a dignidade da pessoa humana, daí derivando tanto o principio da igualdade como o da liberdade. A importância dos princípios nas relações homoafetivas é a de auxiliar na interpretação e suprimento das lacunas legais na regulação de cada país. Neste passo, vejamos os princípios aplicáveis a tais relações.
2.1. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana é considerada base dos direitos fundamentais, apresentando-se de forma explicita e implícita na maioria das cartas fundamentais. Segundo Alcalá (2010):
“A dignidade humana é uma qualidade intrínseca, irrenunciável e inalienável de todo e a qualquer ser humano, constituindo um elemento que qualifica o individuo enquanto tal, sendo uma qualidade integrante e irrenunciável da condição humana. Ela é assegurada, respeitada, garantida e promovida pela ordem jurídica estatal e internacional, sem possa ser retirada de alguma pessoa pelo ordenamento jurídico, sendo inerente à sua natureza humana, ela não desaparece por mais baixa e vil que seja a pessoa em sua conduta.”
Esta afirmação pode ser respaldada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em seu artigo 1°: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência, devem atuar uns com os outros em um espírito de fraternidade”
O fundamento da dignidade da pessoa está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 1°, III:
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III) a dignidade da pessoa humana”.
Na Constituição Política da República do Chile (CHILE, 2005) em seu artigo 1° inciso 1, a ideia é mantida: “Las personas nacen libres e iguales en dignidad y derechos”
A importância da dignidade humana tem real relevância e reconhecimento por parte dos estados em suas constituições, em face de acontecimentos onde foi vulnerada, por exemplo, a segunda guerra mundial e as ditaduras dos países em estudo. O Chile teve ditadura militar por quase 20 anos, onde foram vulnerados os direitos humanos de centenas de pessoas, incluindo os homossexuais. Porém o grupo ganhou força, e no ano 1973 eles manifestaram-se pela primeira vez exigindo o reconhecimento de seus direitos, sua igualdade frente aos outros e fazendo notar fortemente a discriminação e opressão que se exercia contra eles.
Por seu turno, o Brasil também foi vítima da ditadura militar entre os anos 1964 e 1985, período de violação sistemática dos direitos humanos, razão pela qual a Constituição de 1988 destaca a dignidade humana como princípio e fundamento que tem sido invocado para acabar com discriminações de gênero, influenciando as decisões dos tribunais no momento de aceitar a união estável e o matrimônio igualitário no país, entendendo que tanto homossexuais como heterossexuais tem o mesmo direito de formar suas vidas e a sua família (FRANCO, 2013).
Apesar do princípio da dignidade humana fixado nas constituições dos países estudados, ocorreram e ocorrem inúmeros casos de homofobia. No Chile, na madrugada de 3 de março de 2012, quatro pessoas, golpearam até gerar fraturas no corpo e queimaram cigarros no corpo de Daniel Zamudio, tendo sido internado, e depois de muitos dias, morreu por parada cardiorrespiratória. Os imputados do caso disseram que o ataque teve caráter homofóbico, razão pela qual associações exigiram a criação de uma lei de não discriminação (MOVILH, 2014). Finalmente o 12 de julho de 2012, foi promulgada a Lei 20.609 que estabelece medidas contra a discriminação.
No Brasil registra-se um caso de violência contra gays a cada hora (GAZETA DO POVO, 2014). Algumas vezes são casos só de agressão pela orientação sexual, que acabam com importantes consequências para quem foi agredido, como no caso de Lucas Fortunia em Pernambuco que foi jogado ao mar por uma dupla de homens, que confessaram que o crime foi motivado por homofobia. No Brasil existe o Projeto de Lei 122 contra a homofobia, ainda esta em tramitação desde ano 2006.
2.2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Amparado na Constituição de Brasil pelo artigo 3º, inciso IV que sinala constituir “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Por seu turno o caput do seu artigo 5º determina que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”.
A Constituição Chilena também ampara este princípio no artigo 1°: “Las personas nacen libres e iguales en dignidad y derechos”, bem como no artigo 19, parágrafos 2º e 3º: “La Constitución asegura a todas las personas: 2º.- La igualdad ante la ley. En Chile no hay persona ni grupo privilegiados. En Chile no hay esclavos y el que pise su territorio queda libre. Hombres y mujeres son iguales ante la ley. Ni la ley ni autoridad alguna podrán establecer diferencias arbitrarias; 3º.- La igual protección de la ley en el ejercicio de sus derechos.”
Neste momento cabe distinguir entre a igualdade formal e a igualdade material. A primeira centra-se na origem histórica e liberal do princípio, na raiz da revolução francesa, impedindo a hierarquização entre as pessoas, vedando privilégios. Por sua vez, a igualdade material se associa a uma justiça distributiva, já que se deve dar o mesmo tratamento para os indivíduos que se encontram em igual situação os que se encontram em uma situação diferente deve ter tratamento jurídico diferente.
As relações de casais homoafetivos baseiam-se na igualdade formal, já que, não é possível hierarquizar as pessoas e, de acordo como o âmbito das relações, não é possível considerar mais importante ou privilegiar a relação entre pessoas de sexos diferentes, frente à relação de pessoas do mesmo sexo. Assim, discriminar este tipo de relação, é uma discriminação arbitrária, já que, não tem uma justificativa, considerando que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, o como bem sinaliza a Constituição brasileira, todos são iguais ante a lei, assegurando o direito à igualdade, proibindo a discriminação em razão de seu sexo.
Assim, cada pessoa tem direito a ser tratado em igualdade de condições e não ser discriminado arbitrariamente por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero.
2.3. PRINCÍPIO DA LIBERDADE
A liberdade aqui analisada abrange a liberdade de orientação sexual e o direito de determinar a própria vida. Há autores que entendem que as relações sexuais concentram-se entre os direitos da personalidade, como a liberdade de expressão e o respeito à integridade física e psíquica. Maria Berenice Dias (2010) afirma que
“O princípio da liberdade está consubstanciado numa perspectiva de privacidade e intimidade, podendo o ser humano realizar suas próprias escolhas, isto é, o seu próprio projeto de vida. No campo específico da homoafetividade, o princípio da liberdade se faz presente no sentido de que toda e qualquer pessoa possui a prerrogativa de escolher o seu par, independentemente do sexo, assim como o tipo de entidade familiar que desejar constituir”.
A liberdade diz respeito também ao direito que acompanha o ser humano, que é de sua própria natureza. O respeito ao exercício da sexualidade, compreendido nele a liberdade sexual e a liberdade da livre orientação sexual, é um direito inalienável e imprescritível de cada ser humano, já que é parte importante da realização pessoal da pessoa (DIAS, 2010).
3. REGULAÇÃO LEGAL FRENTE AOS CASAIS HOMOAFETIVOS NO CHILE
Desde que foi editado o Código Civil chileno em 1855, o direito de família, é o ramo do direito civil que mais transformações sofreu.
Inicialmente, a família no Chile era caracterizada como tradicional, com predominância da figura do pai e esposo frente à esposa e filhos. Conservadora e fortemente religiosa, era fundada basicamente no matrimônio, regulado integramente pelo direito canônico. Em 1884 o legislador chileno outorgou competência às autoridades civis para que ditassem as normas referentes ao matrimônio, privando às autoridades eclesiásticas, de uma potestade que exerciam quase sem contrapesos desde a idade media (ARANCIBIA, 2014).
Após quase nove anos de tramitação no Congresso, no ano de 2004, entrou em vigor a Lei 19.947 que estabelece a “Nueva ley de matrimonio civil” substituindo a Lei de Matrimonio Civil, do 10 de janeiro de 1884. A principal incorporação desta nova lei foi a inclusão no capítulo VI, artigo 53, do divórcio como forma de terminar o matrimônio.
O matrimônio foi tradicionalmente concebido como a união entre um homem e uma mulher, com o fim de constituir uma família e atingir a procriação.
O Código civil chileno, que regula o casamento no Título IV do Livro I, o define no artigo 102 como: "un contrato solemne por el cual un hombre y una mujer se unen actual e indisolublemente, y por toda la vida, con el fin de vivir juntos, de procrear y de auxiliarse mutuamente”. Mas, esta forma de conceber o casamento e o conceito de família, está mudando em vários países do mundo. Noruega, Suécia, Holanda, Bélgica, França, como exemplos de países Europeus, e Argentina, Uruguai e Brasil como exemplos de países latinoamericanos, vem reconhecendo às relações homoafetivas, mudando o conceito conservador de família.
Da mesma forma, o casamento entre pessoas do mesmo sexo tem reconhecimento em ordenamentos jurídicos mundiais, mas no Chile esta previsão normativa.
Neste sentido, após quatro anos de discussão no Congresso chileno, em 21 de abril de 2015, foi publicada a Lei 20.830, que cria o “Acuerdo de Unión Civil” (AUC), determinando em seu artigo 1°:
“El acuerdo de unión civil es un contrato celebrado entre dos personas que comparten un hogar, con el propósito de regular los efectos jurídicos derivados de su vida afectiva en común, de carácter estable y permanente. Los contrayentes se denominarán convivientes civiles y serán considerados parientes para los efectos previstos en el artículo 42 del Código Civil. Su celebración conferirá el estado civil de conviviente civil. El término de este acuerdo restituirá a los contrayentes el estado civil que tenían antes de celebrar este contrato, salvo en la situación prevista en la letra c del artículo” 26.
Assim, por pessoa entende-se, “Individuo de la especie humana / Hombre o mujer cuyo nombre se ignora o se omite”. Desta forma, a incorporação da celebração de união civil a qualquer individuo da espécie humana, inclusive para casais do mesmo sexo.
3.1 DIREITOS CONFERIDOS PELO O ACORDO DE UNIÃO CIVIL.
O Acordo de União Civil deixa de lado a discriminação frente à união de casais do mesmo sexo, já que a norma legal a reconhece expressamente, permitindo que ao contrair este acordo sejam considerados como entidade familiar.
Também permite a qualquer dos conviventes ser dependente do outro para os efeitos do regime público e privado de saúde, assim como, de acordo com o Decreto Lei 3.500/1980 do Ministério do Trabalho y Previsão Social, foi incorporada a expressão “conviviente civil” para que este seja beneficiário da pensão de sobrevivência.
O acordo de união civil pode terminar da mesma forma que o casamento, pela morte de um dos conviventes, pela morte presumida de algum deles, pelo mútuo acordo, e pelo matrimônio dos conviventes entre si. A forma que diferencia a terminação da união civil com o casamento é pela vontade unilateral de um dos conviventes, que deve constar por escritura pública.
A lei também outorga direitos em caso de falecimento, já que, cada convivente civil vai ser herdeiro legítimo do outro e concorrera à sua sucessão, gozando dos mesmos direitos que correspondem ao cônjuge sobrevivente.
Ademais o convivente civil tem legitimação ativa para reclamar indenizações derivadas de fato ilícito de terceiro, causador do falecimento de seu companheiro.
Trata ainda de regularizar os aspectos patrimoniais. O AUC elegeu como regime legal a separação total de bens, onde o patrimônio de cada um dos conviventes pode ser administrado com ampla liberdade, sem existir um patrimônio comum. Porém, os conviventes podem adotar o regime de comunhão de bens.
Permite a lei formalizar a união como no matrimônio, já que o acordo de união civil é celebrado e inscrito no Registro Civil.
Também são reconhecidos como uniões civis os contratos equivalentes a acordos de união civil celebrados no estrangeiro, desde que cumpridas as regras do artigo 12 da Lei 20.830.
Por derradeiro para processar e julgar os conflitos da união civis, são competentes os Tribunais de Família.
Porém, embora a união civil possa soar muito similar ao casamento, há duas grandes diferenças que os separam nos termos legais, pois o estado civil adquirido é diferente, e a adoção não é possível no primeiro caso. Segundo a Lei 19.620 que dita normas sobre adoção de menores, determina em seu artigo 20 “podrá otorgarse la adopción a los cónyuges chilenos o extranjeros (…)”, enquanto o artigo 21 diz que “en caso de que no existan cónyuges interesados en adoptar a un menor que cumplan con todos los requisitos legales o que solo les falte el de residencia permanente en Chile, podrá optar como adoptante una persona soltera, divorciada o viuda (…”), fechando a possibilidade de adoção as casais do mesmo sexo, ainda que unidos pelo AUC.
Em 2012 o “Movimiento de Integración y Liberación Homosexual (Movilh)” denunciou o Estado do Chile ante a Corte Interamericana de Direitos Humanos pela proibição do casamento igualitário e direitos de pessoas lésbicas, gays, bissexuais y transexuais (LGBTI). A denúncia foi positiva, já que, o 11 de junho 2016, foi acordado que o Chile impulsionará o casamento igualitário e adotará outras medidas contra a homofobia e a transfobia (MOVILH, 2016).
4. REGULAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CASAIS HOMOAFETIVOS NO BRASIL
A diferença entre a situação atual do Chile e do Brasil reside no fato deste reconhecer a união civil e o casamento de casais do mesmo sexo. Isto surgiu a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça.
4.1. UNIÃO ESTÁVEL
Os vínculos afetivos fora do casamento sempre existiram. O Código Civil de 1916 omitiu-se quanto a isso, e as uniões surgidas sem o selo do matrimônio eram identificadas como concubinato. Anos mais tarde esta relação foi considerada como sendo entre “sócios”. Quando estas uniões fora do matrimônio foram aceitas pela sociedade, a Constituição as reconheceu como entidade familiar, designando-as como união estável (BARROSO, 2011).
Em 1980 a união estável era definida como sendo a relação prolongada do homem com a mulher, vivendo ou não sob o mesmo teto, sem vínculo pelos laços de casamento, revestindo-se, porém, tal união, de algum requisito como a notoriedade, fidelidade da mulher e continuidade de relacionamento sexual (SILVESTRE, 2013).
Posteriormente, com o advento da Lei 8.971/94, que regulava o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, foi regrada pela primeira vez a união estável, definindo como companheiros o homem e a mulher que mantenham uma união comprovada ainda que solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, por mais de cinco anos.
Em 1996 foi promulgada a Lei 9.278/96, modificando a lei anterior. Em vez de companheiros, agora se fala em conviventes. Por outro lado, houve o reconhecimento pela Constituição da República da união estável em 1988, no artigo 226, § 3°, considerando a união estável como entidade familiar.
Em 2002, o conceito de união estável foi consolidado no atual Código Civil, reconhecendo no artigo 1.723 a união estável como uma entidade familiar, eliminando o prazo mínimo de convivência (BARROSO, 2011).
Segundo dados do IBGE de 2010, no Brasil se registravam cerca de 60 mil casais autodeclarados homossexuais. Porém, não existia amparo na lei para frente à união deste grupo de pessoas, até que em cinco de maio de 2011 o Supremo Tribunal Federal, interpretando a legislação infraconstitucional de acordo à Constituição, fez história no julgamento conjunto da ADI 2477 e da ADPF 132 (PINHEIRO, 2014). A primeira foi ajuizada pela Procuradoria Geral da República, para que fosse declarado o reconhecimento das relações homoafetivas como entidade familiar, e a equiparação à união estável heterossexual. A segunda foi ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, pois decisões judiciais proferidas no Estado do Rio de Janeiro e em outras unidades federativas do País, negavam às uniões homoafetivas estáveis o rol de direitos pacificamente reconhecidos àqueles cuja preferência sexual se define como “heterossexual”, alegando que era inconstitucional a alegação de impossibilidade de equiparação da união homossexual à união estável heterossexual.
As duas ações abordam o mesmo tema central, o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade e isto através da interpretação do artigo 1.723 do Código Civil que reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, interpretado conforme a Constituição, para que fossem atendidos os princípios da dignidade da pessoa humana (art.1º,III, CF), da igualdade (art.5º, CF), da vedação de discriminação (art. 3º, IV, CF) e da liberdade (art.5º, CF), atendendo então, ao artigo 226 da Constituição: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. A respeito destes julgamentos, o ministro relator Ayres Britto afirmou:
“Se as pessoas de preferência heterossexual só podem se realizar ou ser felizes heterossexualmente, as de preferência homossexual seguem na mesma toada: só podem se realizar ou ser felizes homossexualmente. Ou “homoafetivamente”, como hoje em dia mais e mais se fala, talvez para retratar o relevante fato de que o século XXI já se marca pela preponderância da afetividade sobre a biologicidade. Do afeto sobre o biológico, este último como realidade tão somente mecânica ou automática, porque independente da vontade daquele que é posto no mundo”.
4.2. CASAMENTO HOMOAFETIVO
As concepções do casamento ao longo dos anos no Brasil sempre foram conservadoras como deixa clara a definição de Lafayette Rodrigues Pereira (1956): o casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferentes se unem para sempre sob promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida”.
Até o advento da República, em 1889, só existia o casamento religioso, apenas acessível aos católicos. O casamento civil surgiu em 1891, mas mantendo sua concepção conservadora. Já no Código Civil de 1916, o único modo de constituição da família era pelo casamento, com viés patriarcal e influência religiosa. As mudanças mais significativas ocorreram com a Constituição de 1988, que trouxe o conceito de entidade familiar para relacionamentos fora do casamento, dando proteção para os vínculos monoparentais e para a união estável (DIAS, 2011).
O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo foi reconhecido quando do julgamento de REsp 1.183.378/RS em 2011, pela quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, acompanhado da Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça do 14 de maio de 2013. No julgamento do STJ, fala-se de um pluralismo família que é reconhecido pela Constituição e também na jurisprudência do STF e do STJ, impedindo afirmações de que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do estado em comparação com as famílias heteroafetivas.
Essa situação não deve ser negada a nenhuma família, independente da orientação sexual dos participes. Esta situação dos anos mais tarde é recolhida pelo Conselho Nacional Justiça na Resolução 175 tratando sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo.
Nem a Constituição, nem a lei proíbem o casamento homoafetivo. Segundo se depreende do artigo 1.511 do Código Civil, o casamento e a união estável são baseadas no amor e não determinada pelo sexo dos cônjuges.
Através da jurisprudência dos Tribunais superiores, é que se reconhece que não existem impedimentos constitucionais para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, já que, o casamento não é entendido com o único fim de unir pessoas para procriar, senão que é fundado nas relações afetivas entre as pessoas (SILVESTRE, 2013).
Conclusão
Tanto o Brasil quanto o Chile são países com regulação do Direito de Família conservadora. Antecipando-se ao Chile, o Brasil possibilitou a união estável e o casamento de casais homoafetivos. Por seu turno o Chile deu um grande passo com o acordo de união civil, outorgando direitos aos conviventes que por muitos anos foram discriminados pela lei. Ainda falta um longo caminho a percorrer, já que a adoção por parte dos casais do mesmo sexo ainda é impossível.
Ainda que os países civilizados trabalhem para erradicar a discriminação, a homofobia ainda é um problema presente na maioria das nações. O tema da homossexualidade ainda é refratário à discussão, principalmente pelos segmentos mais conservadores da sociedade, o que inclui a igreja católica. Ademais muitos ainda defendem a impossibilidade da união de casais do mesmo sexo como entidade familiar, já que essa união é contraria aos valores cristãos, o que contraria a essência do estado laico.
Professor de Direito Civil e Prática Jurídica da UNB – Universidade de Brasília
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