O mecanismo de seguro de veículos no Brasil se torna hoje, em não raras oportunidades, uma grande exploração contra o consumidor que quer proteger seu patrimônio, gerando ao invés de tranqüilidade uma tremenda dor de cabeça. Já no âmbito internacional as seguradoras têm obtido destaque na mídia devido a sua parcela de culpa na crise financeira, envolvendo consumidores e presente de modo tão problemático no Brasil assim como nos Estados Unidos.
Cada vez mais, a população se mobiliza para denunciar as fraudes causadas pelas seguradoras contra os seus segurados: não pagamento e liberação de consertos, acusações de que seus clientes tentam burlar as regras gerando prejuízos para a empresa, documentos fraudulentos de cartórios do Paraguai, perícias falsas em desfavor dos segurados. Mas, pior que isso, é a constatação de que hoje algumas companhias estão agindo de forma irresponsável contra os segurados, usando contra eles as mesmas armas que antes os bandidos usavam contra elas: a fraude.
O grande problema hoje sobrepujou a demora no pagamento feito pelas empresas aos segurados. A triste constatação é que seguradoras estão utilizando meios ilícitos para não indenizar seus clientes, cometendo vários tipos de fraude. Chega-se ao absurdo de acusar os consumidores de terem simulado o furto de seus veículos e vendido os mesmos na fronteira. Além disso, no caso específico dos acidentes automobilísticos, existe o afrontamento às leis com a utilização de uma “rede credenciada”, oficinas que são praticamente obrigadas a realizar o conserto dos veículos, em desfavor do consumidor. O cidadão perde o direito de escolher a oficina através de um suposto benefício de desconto ou carro reserva. E isso tem uma razão: elas buscam das oficinas credenciadas os menores custos para a aquisição de peças.
A seguradora libera para o conserto do veículo um valor muito abaixo do valor normal de mercado o que obriga as oficinas a comprarem as peças no chamado “mercado paralelo” em detrimento das peças originais. Com a grande procura no mercado paralelo, aumentam os furtos de veículos para desmanche. Cria-se um circulo vicioso que gera também violência, criado pelas próprias seguradoras, que são, em última análise, as que mais ganham com isso. Mais de 383 mil carros foram furtados ou roubados em 2006 (Fenaseg – Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização) e cerca de 789 mil veículos seria o número exportado pelo Brasil em 2007 (Anfavea). Ou seja, quase a metade do que o país exporta durante 1 ano vai parar nas mãos de bandidos.
Vem se descobrindo agora – em uma escala maior do que se supunha – muitas fraudes contra segurados. Fraudes que podem ser variadas. Como dissemos anteriormente, acusar o cliente de simulação de furto e fazer acreditar que o segurado foi o responsável, evitando-se assim o pagamento do seguro. Existem outras inúmeras modalidades de fraudes contra os segurados. E todas elas com o mesmo objetivo: evitar o pagamento e postergar a decisão para o Judiciário.
Hoje, uma estimativa conservadora aponta 1,8 milhão de ações contra seguradoras. E o número impressionante se justifica: convém negar o pagamento de seguro ao consumidor, que leva dez, quinze anos discutindo na Justiça. O dinheiro que deveria ser pago ao cliente pode ser aplicado no mercado pela seguradora a juros de 10% ao mês e, quando condenada a seguradora vai pagar ao cliente juros de 1% ao mês, que é o que determina a Justiça.
São óbvias as constatações de que também existem fraudadores de seguros. Porém, várias companhias de seguros têm, nos últimos anos, se comportado de maneira negligente. Assim, como os órgãos reguladores e fiscalizadores. O fraudador de seguros merece ser punido pela lei, mas a recíproca é verdadeira, e torna-se muito mais grave a medida em que consumidores inocentes tornam-se marcados como fraudadores quando na verdade não o são.
O Governo deve tomar consciência de todos os problemas que vem ocorrendo não só com as companhias de seguro no Brasil, mas como em todo mercado. A SUSEP informa 60 mil mortes e seguros pagos pelo Dpvat em 2007. O Ministério da Saúde informa 30 mil mortes. Há uma diferença de 30 mil mortos em informações distintas fornecidas por dois órgãos federais. Veja, são dois órgãos do Governo informando números contraditórios. A listagem dos mortos não é fornecida pela SUSEP. E o dinheiro do pagamento é arrecadado por um fundo de seguradoras.
A propósito, A ANAC e a SUSEP são dois dos órgãos públicos que não se tornaram agências reguladoras. A SUSEP não é fiscalizada pelo Banco Central, embora tenha viés de operação junto ao sistema financeiro. Por derradeiro, parte da maior crise internacional que se tem notícia é oriunda das companhias de seguros, e pelo que se tem lido nos jornais a perspectiva do cenário mundial para o futuro é uma nova conjuntura de maior e mais rigorosa fiscalização sobre as mesmas, de maior rigor que sobre os próprios bancos. E é isso que esperamos aqui também: antes de um colapso, maior rigor na fiscalização dessas empresas.
Advogado, sócio diretor do escritório Fernando Quércia e Advogados Associados
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