Resumo: O presente artigo visa analisar as alterações feitas pela Lei n.º 12.683 de 09 de julho de 2012 à Lei de Lavagem de Capitais, a Lei n.º 8.613 de 03 de março de 1998, em especial, ao acréscimo artigo 17-D, que determina o afastamento do servidor público em caso de indiciamento por parte da Autoridade Policial, até que o seu retorno seja determinado por decisão fundamentada por parte do juiz competente. O referido dispositivo legal, assim como outros aspectos da Lei de Lavagem de Dinheiro, tem sua constitucionalidade amplamente discutida, impasse que vem a ser rotineiro no estudo do ordenamento jurídico brasileiro, ainda mais quando abordada a legislação de caráter penal e processual penal. O artigo 17-D encontra tal impasse por trazer um aspecto de maior rigor, tratando-se de uma sanção administrativa antecipada e de reversão complexa. A relevância do tema chegou ao Supremo Tribunal Federal, com o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.911, a requerimento da Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR, cujo relator é o Ministro Ricardo Lewandowski, sendo o seu julgamento ainda é aguardado.
Palavras-chave: lavagem de dinheiro; indiciamento; servidor público.
Abstract: The following article seeks analyze the changes mades by the Law 12.683 of July 09, 2012, to the Money Laundering Law, the Law 8.613 of March 03 of 1998, in particular, to the article 17-D, that order the removal of the government employee when indicted by the police chief, until the return of the government employee been determined by the competent judge. This article, like others aspects of the Money Laundering Law, has its constitutionality widely discussed, a problem that’s common when studied the Brazilian law, in particular, the criminal law. The article 17-D becomes a problem thanks to its rigor, once it’s an anticipated administrative sanction of complex reversion. The relevance of the theme has reach the Supremo Tribunal Federal (Brazilian Supreme Court), by the lawsuit 4.911, requested by the Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR (Federal prosecutor’s association), in judgment lead of the Vice-Chief of Justice Ricardo Lewandowski, but its judgment still processing.
Keywords: money laundering; police indictment; government employee.
Sumário: Introdução. 1. Do indiciamento. 2. Da lei n. 12.683/12. 3. Do artigo 17-d da lei n. 9.613/98. Conclusão. Referências.
A Lei n.º 9.613/98 é dotada de diversos dispositivos que são amplamente debatidos quanto ao seu caráter constitucional ou não, por serem estes responsáveis por trazerem medidas mais rígidas no âmbito do inquérito policial e da ação penal que versem sobre os crimes de lavagem de capitais.
O texto elaborado a seguir se limita a analisar o artigo 17-D da Lei n.º 9.613/98, que dispõe do indiciamento do servidor público investigado por crimes de lavagem de capitais, sendo que este dispositivo determina o seu afastamento.
A primeira parte do trabalho traz aspectos gerais sobre o indiciamento, destacando-se as alterações feitas pela Lei n.º 12.830/13.
A segunda parte, por sua vez, realiza apontamentos gerais sobre as modificações realizadas pela Lei n.º 12.683/12.
Por fim, a terceira parte se limita a analisar o artigo 17-D, fazendo alguns apontamentos sobre argumentos que sustentam a sua inconstitucionalidade, bem como os contrapontos existentes a tais fundamentos, sendo seguida pela conclusão.
Entende-se por indiciamento um ato por parte do delegado de polícia que visa indicar, apontar, aquele que ele entende ser o responsável pela prática de uma infração penal.
Trata-se de uma mera imputação de um fato a alguém que será apurado nos autos do inquérito policial, que será posteriormente aderido ou não pelo membro do Ministério Público. Nas palavras de João Carvalho de Matos, “o cidadão indiciado, conforme dito, não é propriamente sujeito de direito, mas apenas objeto de investigação”.
Sendo assim, o indiciamento é uma opinião da Autoridade Policial, que resulta em registro nos bancos de dados do Estado e num suporte ao membro do Parquet ao analisar os autos do inquérito policial.
Após a Lei n.º 12.830/13, o indiciamento passou a ser um ato fundamentado, conforme se observa no parágrafo 6º do artigo 2º desta lei: “O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.
A Lei n.º 12.683/12 trouxe diversas modificações à Lei n.º 9.613/98, entre elas, a extinção do rol taxativo de crimes antecedentes, sendo admitidas quaisquer infrações penais que gerem proveito econômico que possa ser ocultado ou dissimulado, deixando de ser uma lei de segunda geração e passando para a terceira geração[1].
Outras modificações compreendem a ampliação do rol de pessoas sujeitas ao mecanismo de controle dos artigos 10 e 11 da Lei n.º 9.613/98, a possibilidade do delegado de polícia e do promotor de justiça acessarem dados cadastrais sem a necessidade de autorização judicial, a previsão de alienação antecipada de bens apreendidos etc.
Outra modificação é a inclusão do artigo 17-D, que dispõe sobre o afastamento do servidor público após o seu indiciamento, o que será melhor analisado a seguir.
3. DO ARTIGO 17-D DA LEI N.º 9.613/98
O artigo 17-D da Lei n.º 9.613/98 dispõe que “Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno”.
O referido dispositivo tem sido alvo de grandes discussões que chegaram ao Supremo Tribunal Federal – STF, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n.º 4.911, que se fundamenta em diversos aspectos, como a exclusão da apreciação judicial de restrição a direito, a inexistência de rito procedimental para o indiciamento e na ofensa ao princípio do devido processo legal e na violação do contraditório e da ampla defesa[2].
É possível encontrar posições que indicam a ofensa à presunção de inocência, por ser o afastamento uma medida cautelar demasiada severa em relação a um ato administrativo como o indiciamento, sem prévio controle jurisdicional, que somente viria após a concretização da medida[3].
Apesar da maioria das críticas se originarem de advogados e membros do Ministério Público, existem até mesmo delegados de polícia se manifestando pela inconstitucionalidade do artigo 17-D, conforme se destaca no trecho a seguir:
“Não se vislumbra no caso do afastamento do funcionário público de suas funções no momento do indiciamento essa urgência ou preventividade anormal a fundamentar uma exceção à regra da jurisdicionalidade das cautelares.
Embora não tenha sido lembrada pela ANPR, há ainda mais uma usurpação de função incrustada no dispositivo em discussão. Essa usurpação se refere à Autoridade de Polícia Judiciária (Delegado de Polícia de Carreira). Note-se que quando a lei simplesmente determina o afastamento do funcionário com o ato do indiciamento, está aviltando a função do Delegado de Polícia de representar ou não por uma medida cautelar. Isso porque o indiciamento, por si só, não significa manifestação alguma da Autoridade Policial quanto ao seu entendimento jurídico acerca da necessidade e adequação de alguma medida cautelar, inclusive aquela prevista no artigo 17 – D, da Lei 9.613/98”[4].
Em contrapartida, sustenta-se, também, que o artigo 17-D não afronta a Constituição Federal e nem o restante do nosso ordenamento jurídico, uma vez que o indiciamento não seria um ato arbitrário do delegado de polícia, mas sim um ato administrativo como qualquer outro, que se sujeita aos princípios inerentes à Administração Pública, ou seja, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, todos previstos no caput do artigo 37 da Carta Magna[5].
Nessa linha de raciocínio, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo esclarece que:
“Indiciar alguém, como parece claro, não deve surgir qual ato arbitrário, ou de tarifa, da autoridade, mas, sempre legítimo. Não se funda, também, no uso do poder discricionário, visto que inexiste, tecnicamente, a possibilidade legal de escolher entre indiciar ou não. A questão situa-se na legalidade estrita do ato. O suspeito, sobre o qual se reuniu prova da infração, tem que ser indiciado. Já aquele que, contra si, possui frágeis indícios, ou outro meio de prova esgarçado, não pode ser indiciado. Mantém-se ele como é: suspeito”[6].
Com o parágrafo 6º do artigo 2º da Lei n.º 12.830/13, o indiciamento seria um ato com maior cautela, evitando-se uma imputação arbitrária e infundada, possibilitando que o indiciado conheça dos fundamentos a si imputados, que lhe possibilita uma melhor elaboração de sua defesa para aquele momento.
O artigo 17-D também encontraria respaldo no fato de não haver previsão expressa na Constituição Federal que impossibilite tal ato, excluindo-se, assim, a reserva legal[7]. Nesse sentido:
“O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’. A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) – traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado." (STF. Pleno. MS nº 23.452/RJ. Relator: Celso de Mello)[8].
O artigo 17-D da Lei n.º 9.613/98 se encontra numa situação delicada quanto à sua aplicabilidade, uma vez que o seu rito não é muito bem definido e as suas consequências não aparentam ter sido muito bem analisadas pelo legislador.
A princípio, discute-se se tal dispositivo se aplica tão somente aos crimes de lavagem de dinheiro ou a qualquer outro ilícito penal, uma vez que a sua redação foi omissa nesse sentido. Se aplicável a qualquer situação, poderia acarretar na desproporcionalidade da medida cautelar de afastamento do servidor em relação a um ilícito de menor gravidade, podendo, até mesmo, ocorrer em razão de um crime culposo.
No mais, essa medida pode gerar consequências gravosas, como o prejuízo do funcionamento da máquina administrativa em sacrifício de um afastamento que poderia ser desnecessário, além de lesões de caráter pessoal, como a imagem do servidor público diante familiares, amigos e colegas de trabalho e até mesmo o encargo ao Estado de pagar grandes indenizações, como no caso de um servidor público afastado por um indiciamento e, posteriormente, tido a sua inocência cabalmente comprovada.
Em contrapartida, tal medida pode se fazer imprescindível para o sucesso da persecução penal. O afastamento automático do servidor tornaria a medida mais eficaz e célere, agilizando o andamento das investigações e salvaguardando a produção de elementos necessários ao oferecimento da denúncia e posterior instrução da ação penal.
A problemática se encontra no fato dessa medida ser tomada de maneira genérica e, muitas vezes, ao contrário da própria vontade do delegado de polícia. Sendo assim, o artigo 17-D, independentemente de sua constitucionalidade ou não, deveria, ao menos, ter limitado essa hipótese ao crivo do delegado de polícia que determinaria ou não o afastamento do indiciado de suas funções públicas, de acordo com a oportunidade e conveniência, respeitando a discricionariedade da Autoridade Policial.
Notas:
Advogado. Cursando pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal nas Faculdades Metropolitanas Unidas
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