1.Introdução
Em 4 de março de 1998 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n.º 9.613, pela qual se pretende implementar um sistema efetivo de combate aos crimes de lavagem de dinheiro que, à falta de regulamentação legal específica, durante anos não puderam ser eficazmente reprimidos pelas autoridades policiais e judiciárias brasileiras.
Esta lei surge como a primeira tentativa concreta do governo brasileiro para combater a reciclagem de dinheiro proveniente do narcotráfico, tráfico de armas, contrabando, seqüestro, crimes financeiros e afins.
Em janeiro de 2001, foram sancionadas duas leis complementares: a Lei Complementar n.º 104, alterando dispositivos da Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966 (o Código Tributário Nacional) e a Lei Complementar n.º 105, dispondo sobre a quebra de sigilo nas operações de instituições financeiras e inaugurando um novo capítulo no combate às atividades de negociação de ativos financeiros relacionados a condutas ilícitas: o intercâmbio de informação sigilosa , no âmbito da Administração Pública.
É preciso entender que a coerção à lavagem de dinheiro é poderoso instrumento indireto de política pública à repressão do tráfico de drogas, venda de armas, seqüestro e corrupção. Por isso, o despertar do legislador para esta questão.
Visto que a globalização do capitalismo tem permitido a inserção de ativos financeiros provenientes de atividades ilícitas no âmbito das economias nacionais, muitas vezes a origem destes capitais acaba sendo encoberta por uma aparência de legalidade.
Cada vez mais tem havido a inserção, nos setores regulares da economia, de bens, direitos ou valores provenientes de práticas criminosas, de modo a ocultar-lhes a origem ilícita.
Preliminarmente, vejamos como se estabeleceu o processo de internacionalização do capital no bojo da Nova Ordem Econômica Internacional e como se deu o surgimento de blocos regionais – econômicos, comerciais e de produção – através da integração dos Estados. O entendimento deste cenário nos será útil, pois constitui o substrato sobre o qual se erigiram a negociação, ocultação e transferência de ativos ilicitamente.
2. A internacionalização do capital
A trajetória do capital e seu esforço em retomar sua expansão pelo mundo remonta ao período subseqüente à Segunda Guerra Mundial.
Desde esta época, podia-se perceber o início de um processo de internacionalização do capital jamais visto até então.
O capital ia perdendo, paulatinamente, suas facetas nacional e setorial para se multiplicar em âmbito internacional, em novas condições e possibilidades de reprodução.
O fim da Guerra Fria (1946-89) estabeleceu um marco para a intensificação dessa internacionalização do capital. O mundo socialista estava desagregado e representava um novo território a ser conquistado pelo capital, uma vez que constituía fronteiras de negócios, espaço perfeito para a transferência de capitais excedentes e de tecnologias, intensificando a generalização dos movimentos de capital em escala mundial.
A “nova ordem econômica” que sucedeu à Guerra Fria lançou as bases de sustentação da nova roupagem adotada pelo capitalismo, sempre se transmudando para garantir sua perpetuação ao longo dos séculos.
Um dos mais notáveis sustentáculos deste processo é a nova divisão internacional do trabalho com a flexibilização dos processos produtivos e outras manifestações do capitalismo em escala mundial, as empresas, corporações e conglomerados transnacionais, os quais passaram a adquirir preeminência sobre as economias nacionais. Nem sempre a geoeconomia e a geopolítica das empresas transnacionais coincidem com aquelas estabelecidas soberanamente pelos Estados nacionais. Perante uma confrontação os ditames daquelas corporações saem vitoriosos.
Em decorrência deste movimento, o princípio clássico da soberania do Estado-nação passou a ser questionado.
Em âmbito mundial parece que a “grande empresa” tem sobrepujado os Estados nacionais. Não é por acaso que se tem assistido à emergência dos monopólios, trustes e cartéis pelo mundo afora.
A flexibilização da produção nos remete à terceirização ou subcontratação, tudo agilizado pelos avanços tecnológicos oferecidos pela microeletrônica e informática.
Tem ocorrido uma transformação bastante importante no bojo da generalização das forças produtivas e da globalização das relações de produção. Corresponde à passagem da industrialização substitutiva de importações para a industrialização orientada para a exportação, manifestados sob a forma de desestatização, privatizações, desregulamentação, abertura de mercados, monitoramento de políticas econômicas por agências e organismos multilaterais.
A intensa internacionalização do capital ocorre no âmbito da internacionalização do processo produtivo.
Na base da idéia de que a sociedade mundial pode ser vista como um sistema coloca-se a tese de que o mundo se constitui de um sistema de atores. Cenário este, composto de todo tipo de sujeito: Estados nacionais, empresas, conglomerados e corporações transnacionais, organizações bilaterais e multilaterais, narcotráfico, terrorismo, Grupo dos 7, ONU, FMI, bird, FAO, OIT, AIEA e muitos outros, compreendendo as organizações não-governamentais (ONG’S) dedicadas a problemas ambientais, defesa de populações nativas, proteção de direitos humanos, denúncias de práticas de torturas e outros.
Contudo, vale ressaltar que em meio à diversidade de agentes que compõem a análise sistêmica sobre a sociedade mundial, a figura do Estado-nação permanece como o parâmetro principal.
A dinâmica das relações e processos que constituem a globalização do mundo reduzem ou anulam os espaços de soberania, tanto para nações subdesenvolvidas como para as centrais e de Primeiro Mundo.
Ocorre que a incapacidade dos Estados nacionais operarem sua inserção no sistema mundial resultará na delegação de tarefas e recursos às agências internacionais e supranacionais. Desta situação nem sempre decorrerão necessariamente soluções democráticas para os problemas, pois estará se formando um intrincado padrão de cooperação e competição que acabará impondo limitações à liberdade de ação dos Estados.
“O mundo não pode mais ser visto como uma coleção de (…) nações e um conjunto de blocos econômicos e políticos. Em lugar disso, o mundo deve ser visto como um conjunto de nações e regiões formando um sistema mundial, por meio de arranjos de interdependências.”[1]
Desde que se intensificou a globalização do capitalismo, com a nova divisão internacional do trabalho, passou-se a falar no fim da geografia, à medida em que ocorre o desmoronamento das fronteiras entre o público e o privado.
Nesta época dos mercados mundiais de capitais, não importa mais a localização geográfica ou o fato de estar inserido dentro de um Estado-nação ou outros territórios definidos juridicamente.
As organizações bancárias estão à frente destes movimentos transnacionais de capitais e estes processos são altamente dinâmicos, desenvolvidos através de estratégias de evasão e de remessa. Desta forma, as barreiras financeiras nacionais foram sendo erodidas gradualmente em detrimento dos mercados estrangeiros.
É notória a concentração de empresas e, até mesmo no tocante ao setor bancário, a criação de monopólios tem sido forte tendência. Grandes corporações financeiras internacionais têm se organizado com o intuito de se unirem a outras empresas de pequeno porte nacionais, as quais, sob pena de serem expurgadas do mercado, preferem ceder às pressões do grupo mais forte.
Assim, torna-se cada vez mais difícil a efetivação de processos de controle, principalmente porque os custos econômicos deste controle excedem, e em muito, os benefícios. Para que as decisões levem ao melhor resultado econômico, os preços devem ser índices sólidos dos benefícios e custos sociais, É, em última análise, a aplicação do princípio da eficiência do art. 37 (constante também dos arts. 70, 74 e 174- inciso IV) da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Este princípio representa um dado econômico, uma relação econômica custo/benefício. Neste conceito de eficiência, que é econômico, está implícita a idéia de eficácia a qual nos remete a uma noção qualitativa, de obtenção de resultados. A noção de eficiência engloba a de eficácia, pois só assim se alcança a finalidade pública. Pois bem, em certas situações os benefícios a serem colhidos não são tão significativos para a sociedade se comparados aos preços e custos envolvidos, que teriam de ser despendidos naquela ação de controle. A proporção do ato em relação à finalidade perseguida é mínima. Destarte, não vale a pena prosseguir no controle daquele ato, vez que esta atividade que se tornou contrária à finalidade pública.
“Na verdade, o dinheiro não viaja de um país para o outro no sentido físico, as transferências são eletrônicas, ou seja, realizadas no mesmo segundo que se toma a decisão por um investimento. Não há transferência física de dólares. (…). Realiza-se uma simples operação de débito e crédito eletronicamente. O fluxo internacional de capitais também se processa da mesma forma. Nessa imensa massa de recursos, confunde-se o dinheiro com origem legal e aquele que se ganhou por atividades ilegais.”[2]
Dadas as condições técnicas e econômicas sob as quais são abertos os mercados, agilizados os circuitos financeiros e fortalecidos os centros decisórios das corporações transnacionais e das redes bancárias, a lavagem de qualquer tipo de dinheiro torna-se relativamente fácil.
A crescente informatização dos sistemas de transferências eletrônicas contribui para acelerar o movimento de capitais, favorecendo uma integração maior da economia ilícita nas atividades dos grandes bancos internacionais.
Na época da globalização do capitalismo, o capital subsume diversas formas seja singular e particular, setorial e nacional, tornando-se o parâmetro sobre o qual se erigem as relações desenvolvidas entre povos e indivíduos, conglomerados e empresas transnacionais e organizações multilaterais.
3. Da criminalização da lavagem de dinheiro no Brasil
A principal conduta delituosa prevista na Lei n.º 9.613/98, punida com pena de reclusão de três a dez anos e multa, consiste em ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, dos seguintes crimes (doravante designados “crimes antecedentes”):
– de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
– de terrorismo;
– de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
– de extorsão mediante seqüestro;
– contra a administração pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
– contra o sistema financeiro nacional
– praticado por organização criminosa.
Sujeita-se à mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes dos crimes anteriormente descritos:
– os converte em ativos ilícitos;
– os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; ou
– importa ou exporta bens como valores não correspondentes aos verdadeiros.
Também estará abrangido pela mesma sanção penal, aquele que:
– utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes, ou
– participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos na Lei n.º 9.613/98.
Percebe-se, ainda uma preocupação do lesgislador em estimular a colaboração espontânea dos infratores para com as autoridades legais, ao prever uma sensível redução da pena do co-autor ou partícipe que prestar esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações, podendo o Juiz até mesmo deixar de aplicá-la ou substituí-la por uma pena restritiva de direito, conforme o caso.
Destacam-se, como novidade, as medidas assecuratórias que poderão ser determinadas pelo Juiz no curso do inquérito ou da ação penal, tais como a apreensão ou o seqüestro de bens, direitos ou valores do acusado dos crimes previstos no texto legal. Note-se que a liberação destes bens ficará sujeita à comprovação pelo interessado da licitude da origem dos mesmos, ocorrendo ainda a inversão do ônus da prova.
Outro aspecto processual inovador da lei consiste na possibilidade da ação penal correr à revelia do réu que, citado por edital, não comparecer à Justiça, sendo inaplicável o art. 366 do Código de Processo Penal, que determina a suspensão do processo em tais condições.
A condenação imposta nos crimes de lavagem de dinheiro acarretará a perda, em favor da União, dos bens, direitos ou valores do acusado, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa fé. Com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o réu também ficará impedido de exercer cargo ou função pública de qualquer natureza, não podendo integrar a diretoria, o Conselho de Administração ou a gerência das pessoas jurídicas indicadas no artigo 9º da lei, tais como instituições financeiras, corretoras, seguradoras, administradoras de cartão de crédito ou de consórcio, entre outras, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade.
A Lei n.º 9.613/98 também estabeleceu medidas de caráter preventivo com o propósito de inibir e dificultar a utilização de determinados setores da economia como instrumento de reciclagem dos ganhos ilicitamente auferidos.
Assim, o legislador procurou criar um mecanismo de controle sobre todas as transações comerciais e financeiras, envolvendo os ativos sujeitos a utilização no processo de lavagem, bem como um órgão especializado para investigar a prática dessas operações, denominado Conselho de Controle de Atividades Financeiras –COAF, vinculado ao Ministério da Fazenda.
O não cumprimento das obrigações previstas na Lei n.º 9.613/98 poderá sujeitar o infrator às penalidades de advertência, multa, inabilitação temporária para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas indicadas no artigo 9º da lei, tais como instituições financeiras, corretoras, seguradoras, administradoras de cartão de crédito.
Estas penalidades serão aplicadas pelos órgãos fiscalizadores de cada categoria como o Banco Central, no caso da instituições financeiras e pelo COAF, quando os infratores não estiverem submetidos a qualquer autoridade competente.
Paralelamente a essa função disciplinar, o COAF terá a incumbência de receber, examinar, identificar e investigar as ocorrências suspeitas da prática de lavagem de dinheiro, devendo provocar as autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de indícios ou provas dos crimes dessa natureza.
Buscando tipificar em lei os procedimentos de investigação e fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa, foi sancionada a Lei Complementar n.º 105, em 10 de janeiro de 2001.
Referida lei dispõe as hipóteses em que se autoriza a quebra de sigilo nas operações de instituições financeiras e no art. 1º 4º, estabelece:
“A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:
-de terrorismo;
-de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
-de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
-de extorsão mediante seqüestro;
– contra o sistema financeiro nacional;
– contra a Administração Pública;
– contra o ordem tributária e a previdência social;
– lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores;
– praticado por organização criminosa”.
Depreende-se, portanto, uma preocupação crescente do legislador em criar condições suficientemente amparadas em lei, a fim de se intensificar a obtenção de informações, sempre que houver qualquer suspeita de prática de ilícitos penais ou administrativos.
Ressalte-se, ainda, que a permissibilidade de quebra de sigilo bancário tipificada na Lei Complementar 105, de 10.01.2001 abrange os mesmos crimes antecedentes elencados no art. 1º da Lei n.º 9.613/98.
4. Da mudança de paradigma na Administração Pública, da Polícia Federal e seu papel no combate à lavagem de dinheiro.
Com o fortalecimento dos blocos econômicos e grupos de corporações transnacionais lutando pela prevalência dos interesses de suas lideranças, reduzem-se os controles nacionais. Os governos nacionais, suas agências e organizações que tradicionalmente orientam e administram os movimentos do capital, vêem reduzidas suas capacidades de controlar os movimentos do capital.
Contudo, o princípio da soberania do Estado-Nação ainda prevalece e por trás dele está a defesa de divisas, bloqueando a evasão de capital nacional. Portanto, existe uma política de cooperação internacional, onde diferentes países empreendem esforços comuns na busca da repressão ao crime.
Desta forma, é relevante a atuação da Polícia Federal, enquanto órgão repressor e investigador, no combate a estes processos de infiltração de ativos ilícitos na economia nacional e na evasão de divisas para os sistemas internacionais como forma de burlar a lei brasileira.
A legitimação das ações da Polícia Federal extrapolam o âmbito nacional, detendo, enquanto órgão, ampla credibilidade internacional e autoridade para atuar fora dos limites das fronteiras brasileiras. É, portanto, um órgão estratégico nesta batalha, vez que sua função não está adstrita ao território nacional e este é um requisito essencial para o pleno desempenho deste trabalho coibitivo, como já constatado.
A Polícia Federal deverá atuar com o apoio de alguns parceiros: o Banco Central e a Receita Federal. Suas ações combinadas potencializarão os resultados obtidos.
A Lei Complementar n.º 104, de 10.01.2001 já prevê o intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública e dispõe que ele será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.
De fato, a cooperação tem sido a tônica dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do Banco Central, da Receita Federal e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Cooperação que transcende as fronteiras nacionais como se depreende do artigo 2º 4º, da Lei Complementar n.º 105, de 10.01.2001:
“(omissis) O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, em suas áreas de competência, poderão firmar convênios:
I – com outros órgãos públicos fiscalizadores de instituições financeiras, objetivando a realização de fiscalizações conjuntas, observadas as respectivas competências;
II – com bancos centrais ou entidades fiscalizadoras de outros países, objetivando:
a fiscalização de filiais e subsidiárias de instituições financeiras estrangeiras, em funcionamento no Brasil e de filiais e subsidiárias, no exterior, de instituições financeiras brasileiras;
a cooperação mútua e o intercâmbio de informações para a investigação de atividades ou operações que impliquem aplicação, negociação, ocultação ou transferência de ativos financeiros e de valores mobiliários relacionados com a prática de condutas ilícitas.”
Determina, ainda, no parágrafo único do artigo 7º, que o Banco Central do Brasil e a CVM , “manterão permanente intercâmbio de informações acerca dos resultados das inspeções que realizarem, dos inquéritos que instaurarem e das penalidades que aplicarem, sempre que as informações forem necessárias ao desempenho de suas atividades.”
Infelizmente, a referida lei não citou expressamente a Polícia Federal e a Receita Federal como participantes deste empreendimento cooperativo de intercâmbio de informações, pois ambas lidam no seu cotidiano com questões relacionadas a este tipo de investigação e, certamente, muito teriam a contribuir para a elucidação de condutas ilícitas no tocante a operações financeiras.
Embora a L.C. n.º 105/01 nada mencione a respeito, a própria Receita Federal já vem trabalhando em parceira com o BACEN. Sempre que surge alguma suspeita de movimentação de elevados valores em conta-corrente e evasão de divisas, este aciona a Receita para averiguar a respeito do patrimônio do contribuinte sob investigação, a fim de se certificar da capacidade financeira daquele agente econômico.
A Coordenação-Geral do Sistema de Fiscalização (COFIS) através da Portaria COFIS 007/99 criou o Grupo Especial, que trata, em conjunto com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, das representações recebidas do Banco Central do Brasil no âmbito da 9ª Região Fiscal. Quando se verifica a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes, informarão ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal, juntando à comunicação os documentos necessários à apuração ou comprovação dos fatos.
O Banco Central vem há muito buscando rastrear as operações de remessa de recursos. Em 27/02/69 editou a Carta-Circular n.º 5 ( “CC-5”) normatizando o funcionamento destas contas bancárias.
As contas “CC-5” são contas bancárias em moeda nacional, mantidas por pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior, em bancos credenciados a operar no mercado de câmbio de taxas flutuantes. São também denominadas de contas de não-residentes no país.
Esta denominação é usual até hoje, mesmo após a revogação da Carta-Circular n.º 5, pela Circular BACEN n.º 2.677, de 10/04/96, que passou a regular a matéria.
A mecânica das contas “CC-5” funciona a partir de uma pessoa, física ou jurídica, que efetua um depósito bancário, em moeda nacional, em conta mantida por banco estrangeiro (conta “CC-5”) em um banco autorizado a operar no mercado de câmbio brasileiro. Ao fazê-lo, a pessoa informará à instituição não-residente como e onde quer receber os recursos no exterior. O banco estrangeiro, por sua vez, efetua a operação de câmbio com o banco nacional, e disponibiliza o montante no exterior, na conta e banco indicados pelo depositante.
Daí em diante, o remetente poderá destinar os recursos no exterior para a finalidade que lhe aprouver, inclusive repatriá-los.
A utilização de uma conta “CC-5” para transferências internacionais de reais não autoriza, por si só, a presunção de ilicitude. Tal somente se demonstra em relação à origem dos recursos expatriados e/ou repatriados, para os quais poderá ou não ter sido dado o tratamento tributário adequado.
Assim, as ações fiscais relacionadas com estas operações observam, em linhas gerais, o mesmo tratamento dispensado às ações fiscais baseadas em operações bancárias comuns: deve-se indagar se os recursos utilizados nas remessas (ou mesmo recebidos através de contas “CC-5”) foram corretamente oferecidos à tributação ou estão simplesmente se refugiando em algum paraíso fiscal.
Também deve-se atentar para o fato de que determinadas remessas, pela sua finalidade, podem estar sujeitas à incidência do imposto de renda devido na fonte.
Quanto ao controle dessas operações, desde o advento da Carta-Circular n.º 5 os bancos estavam obrigados a registrar a origem dos recursos, a identidade do depositante e do favorecido. A partir de outubro de 1992, as operações de transferências passaram a ser registradas diariamente no SISBACEN, mantendo-se tal registro até hoje, por força do artigo 11 da circular 2.677/96, devendo serem informados a proveniência e destinação dos recursos, a natureza dos pagamentos, a identificação dos depositantes e beneficiários e as instituições financeiras intervenientes.
Inclusive, nos casos de remessas para constituição de depósitos no exterior, em nome do próprio remetente, devem ser informados o número da conta e o nome do estabelecimento depositário no exterior ( art.12, inciso I, da Circular Bacen 2.677/96).
Na época, o Fisco enfrentava a dificuldade de acesso a estas informações em virtude do sigilo bancário que impedia a disponibilidade sistemática dos dados. Como vimos, através do advento da Lei Complementar n.º 105, de 10.01.2001, este problema foi solucionado.
Em alguns casos as operações em contas “CC-5”, ao mesmo tempo em que estão sob verificação fiscal, são também objeto de investigação pela Polícia Federal ou Ministério Público, podendo as ações serem desenvolvidas em cooperação.
Para elaboração dos inquéritos a Polícia Federal conta normalmente com a transferência judicial do sigilo bancário e se encarrega da obtenção dos documentos comprobatórios. Também são ouvidas as pessoas envolvidas como por exemplo, o titular da conta, gerentes da agência em que foi aberta a conta etc.
Nestes casos, tanto a documentação bancária como os depoimentos das pessoas envolvidas podem ser obtidos junto ao inquérito policial, desde que seja providenciada a extensão da transferência do sigilo bancário para a Secretaria da Receita Federal e, se for o caso, excluído o segredo de justiça em que eventualmente transcorra o inquérito.
Desta forma, um contato prévio com a Polícia Federal ou o Minstério Público pode ser muito produtivo, no sentido de se estabelecer um intercâmbio das informações obtidas no inquérito, evitando a duplicidade de ações sobre o mesmo caso.
De todo o exposto, constata-se um reflexo profundo no perfil do Agente de Polícia Federal, bem como de outros servidores da Administração Pública que lidam com informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza de seus negócios ou atividades. Observa-se uma modificação neste perfil, sendo exigido um crescente conhecimento destes profissionais no tocante a diversas áreas afins para uma eficiente investigação.
No curso de uma investigação não se requer apenas habilidade policial como bom manejo de armas, preparo físico e perspicácia na captura de agentes perversos à sociedade.
É necessário que este profissional entenda bem conceitos contábeis e econômicos, de Direito Internacional, Tributário, Penal, enfim, há uma exigência de conhecimentos multidisciplinares, de maneira a se efetivar uma investigação eficaz e proativa, capaz de desvendar todos os liames da conduta criminosa a qual, muitas vezes se revestiu de um aparente véu de legalidade.
As informações sobre as quais se basearão as futuras ações da Polícia Federal devem conter o maior número possível de elementos e embasamento técnico preciso. Daí a necessidade premente de um Agente de Polícia Federal deter esta gama de conhecimentos.
Um inquérito policial será bem elaborado na medida em que os elementos que o informam assim o forem. Estas informações compiladas pelo Delegado Federal são fruto do trabalho dos Agentes, que se encontram em campo.
E o inquérito, em última instância, é o instrumento técnico de subsídio ao Juiz Federal no exercício de suas funções. O Juiz, ao examinar um caso concreto, precisa ter clareza sobre determinados conceitos que muitas vezes fogem à realidade intrínseca do Direito e dos Tribunais, daí a importância de um inquérito bem instruído.
Não somente para que as ações e seus resultados sejam otimizados, mas também em homenagem ao princípio da eficiência, alçado à categoria de princípio constitucional (artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil) faz-se mister esta multidisciplinariedade na carreira de Agente.
“Art.37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (omissis)”.
Mister se faz dizer que se buscou analisar, neste ensaio, os diversos aspectos para a discussão de políticas internacionais de segurança pública, em suas linhas gerais, não se tendo pretendido esgotar o tema.
Advogada e Economista, Sócia do Escritório Data Lege Tributo e Governo
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