Autor: Maria de Lourdes Ferreira – Bacharel em Direito. Pós Graduada em Direito Público. Advogada. (Email: consultoriamlf1@gmail.com)
Resumo: Considerando a modificação do § 1º do art. 17 da Lei nº 8.429/1992 pela Lei nº 13.964/2019, a qual revogou dispositivo que vedava a celebração de transação no âmbito da esfera de responsabilização por atos de improbidade administrativa, para incluir a possibilidade de ser firmado acordo de não persecução cível, sem, contudo, estabelecer os critérios a serem observados pelos legitimados no momento de sua instituição, mostra-se relevante analisar o instituto sob a ótica doutrinária, jurisprudencial e da Resolução 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), com o fim de delimitar os respectivos parâmetros jurídicos. No primeiro momento, estudo apresenta a abordagem doutrinária do acordo de não persecução cível. Posteriormente, traz à baila as disposições da Resolução 179/2017 do CNMP. No terceiro tópico expõe as decisões do do STJ até então existente sobre o tema. Por fim, explana as conclusões referentes à matéria.
Palavras-chave: Acordo de não persecução cível. Improbidade administrativa. Aspectos Jurídicos.
Abstract: Considering the modification of § 1 of art. 17 of Law No. 8,429 / 1992 by Law No. 13,964 / 2019, which revoked a provision that prohibited the execution of a transaction within the sphere of responsibility for acts of administrative improbity, to include the possibility of a civil non-prosecution agreement being signed, without however, to establish the criteria to be observed by those legitimized at the time of its institution, it is relevant to analyze the institute from the doctrinal, jurisprudential and Resolution 179/2017 of the National Council of the Public Ministry (CNMP), in order to delimit the respective legal parameters. In the first moment, a study presents the doctrinal approach of the civil non-prosecution agreement. Subsequently, it brings up the provisions of CNMP Resolution 179/2017. In the third topic, it exposes the decisions of the STJ until then existing on the subject. Finally, explain the conclusions regarding the matter.
Keywords: Civil non-prosecution agreement. Administrative dishonesty. Legal Aspects.
Sumário: Introdução. 1. Acordo de Não Persecução Cível Sob a Ótica Doutrinária. 1.1. Natureza Jurídica e Objeto. 1.2. Requisitos. 1.3.Legitimidade. 1.4.Sanções Convencionáveis. 2. Resolução nº 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público. 3. Jurisprudência do STJ. Conclusão. Referências.
Recentemente, a Lei nº 13.964/2019, denominada “Pacote Anticrime”, modificou o parágrafo primeiro do art. 17 da Lei nº 8.429/1992, para fazer constar a possibilidade de celebração de acordo de não persecução cível (ANPC) entre o agente ímprobo e a entidade lesada, superando-se, consequentemente, a vedação à transação na esfera da responsabilização por atos de improbidade.
Se de um lado o novel dispositivo trouxe a pacificação de antiga discussão doutrinária no que toca à possibilidade, ou não, de serem transacionadas as sanções aplicadas àqueles que praticam condutas violadoras da probidade administrativa, do outro ,em virtude de sua vagueza, originou outras implicações jurídicas a serem solucionadas.
Não foi definido, por exemplo, quem são os seus legitimados, quais sanções podem ser acordadas, se a liberdade de transação é limitada ou não, os pressupostos para celebração do acordo, o meio pelo qual será instrumentalizado e as hipóteses em que será necessária a homologação judicial.
Coube, portanto, a doutrina, jurisprudência e aos supostos legitimados, no exercício do poder normativo, preencher as lacunas legais de acordo com os princípios estruturantes do direito administrativo, especialmente a indisponibilidade de interesse público, compatibilizando-os com a liberdade negocial e a efetividade da reparação dos danos causados, sejam eles de cunho patrimonial ou não.
Nesse contexto, o objetivo geral do presente trabalho é identificar os aspectos jurídicos do acordo de não persecução cível a partir da análise analítica descritiva da doutrina, jurisprudência dos Tribunais Superiores e de ato normativo do CNMP relacionado ao tema.
O objetivo específico é elucidar as questões concernentes ao instituto que não foram estabelecidas expressamente pela lei que o introduziu, analisando os seus impactos na Lei de Improbidade Administrativa.
Desse modo, a pesquisa se inicia com a abordagem doutrina do instituto do acordo de não persecução cível, apontando a sua natureza jurídica, requisitos para pactuação, sanções transacionáveis, meio de instrumentalização e a (des)necessidade de homologação judicial. Em seguida, apresenta-se a visão do Ministério Público quanto à forma de celebração do ANPC, quando firmado por esse órgão. Por fim, expõe-se as decisões até então proferidas pelo STJ sobre a matéria.
O “Pacote Anticrime” foi editado com a principal finalidade de aperfeiçoar a legislação penal e processual penal, porém não se restringiu a tais matérias. Nessa toada, em seu art. 6º, previu a alteração de dispositivos da Lei nº 8.429/1992 para, dentre outras, permitir a celebração de acordo de não persecução cível (ANPC) entre o agente ímprobo e a entidade lesada, passando a dispor da seguinte forma:
“Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
Antes disso, apesar de expressamente vedada, a doutrina já sinalizava a mitigação da proibição de se realizar acordo, transação ou conciliação nas ações de improbidade, consoante redação original do §1º do art. 17 da LIA, ainda que restrita à gradação de certas sanções, como a multa civil e a proibição de contratar com o poder publico, diante da introdução dos institutos da colaboração premiada e do acordo de leniência na seara do direito sancionador. Nesse sentido:
“A LIA veda expressamente a transação, o acordo e a conciliação nas ações de improbidade (art. 17, § 1º), vale dizer, impede qualquer tipo de solução negociada nesse tipo de demanda. O fundamento consiste em que, tratando-se de ofensa ao princípio da moralidade, não haveria ensejo para acordos. No entanto, a legislação vem, a cada dia, admitindo mitigações ou exclusões de penalidades, para permitir que o Estado conquiste benefícios de maior amplitude, mediante informações de infratores. Nesse sentido, os instrumentos do acordo de leniência previsto na Lei nº 12.846/2013, sobre responsabilidade de pessoas jurídicas (art. 16) e da delação (ou colaboração) premiada, prevista na Lei nº 12.850/2013, para efeitos penais (arts 4º a 6º). Considerando tais aspectos e os valores que passaram a sobressair na matéria, a doutrina tem defendido a possibilidade de solução consensual na ação de improbidade, embora limitando as benesses do acusado apenas a certas sanções, como a multa civil, a proibição de contratar e a vedação de receber benefícios fiscais; nunca, porém, haveria isenção da obrigação de ressarcimento do dano”. (CARVALHO FILHO, 2018, p. 1228)
De modo diverso, pensadores como Di Pietro (2017), sustentavam a higidez do art. 17,§1º, da Lei de Improbidade, em sua redação original, em atenção ao princípio da indisponibilidade do interesse público, dada a relevância do patrimônio público, moral ou patrimonial, protegido pela ação de improbidade.
Como se percebe, o novel dispositivo pacificou a controvérsia doutrinária, superando a vedação a formalização de soluções negociadas no âmbito da improbidade administrativa. Contudo, à medida que solucionou uma celeuma jurídica, atendendo à evolução do direito administrativo sancionador, o novo texto também trouxe diversos questionamentos, uma vez que, em virtude dos vetos presidenciais, se limitou a instituir o ANPC, sem definir expressamente os seus contornos.
Em um primeiro momento, chegou-se a questionar a impossibilidade de celebração do acordo, mesmo após a vigência do novo parágrafo, considerando os princípios da legalidade e do Estado democrático de Direito. A respeito disso escreveu Henrique Santos Magalhães Neubauer:
“Nesse sentido, apesar de sua previsão normativa, ainda está pendente a elaboração de suas condições, requisitos e alcance, complemento que somente pode ocorrer pelas vias legislativas. Adotar qualquer outro critério seria o mesmo que substituir o legislador em suas escolhas, circunstância que não se coaduna com o Estado democrático de Direito. Como a regra é a indisponibilidade do interesse público e a atuação sempre deve pautar-se no princípio da legalidade, apresenta-se duvidosa qualquer proposta de acordo de não persecução civil sem que exista lei estipulando a margem de atuação dos órgãos legitimados”. A lacuna normativa não pode servir como uma carta branca para se transigir sobre um interesse primordial. Henrique Santos Magalhães Neubauer, 2020, CONJUR, disponível em https://www.conjur.com.br/2020-out-15/neubauer-impossibilidade-acordo-nao-persecucao-civil
No entanto, as pessoas jurídicas interessadas e o Ministério Público vêm celebrando acordos de não persecução cível e editando atos normativos para completar o dispositivo legal, adequando-os às suas peculiaridades. Outrossim, os Tribunas também vêm admitindo a aplicabilidade do art. 17,§1º, da LIA, como o Tribunal de Justiça de Minias Gerais e o Superior Tribunal de Justiça os quais já homologaram acordos com respaldo em tal artigo.
Com efeito, entendemos que a falta de exauriente regulamentação legal sobre as condições do ANPC não é um fator impeditivo para sua celebração, pois é possível preencher as lacunas legais de acordo com os princípios estruturantes do direito administrativo, especialmente a indisponibilidade de interesse público, compatibilizando-os com a liberdade negocial e a efetividade da reparação dos danos causados, sejam eles de cunho patrimonial ou não.
Ademais, com base no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, o juiz não pode deixar de julgar uma causa que lhe foi submetida (proibição ao non liquet), podendo, diante da omissão legal, se valer da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito, nos termos do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB.
Assim, submetido o acordo à apreciação judicial, antes ou durante curso do processo, carece de fundamento não homologá-lo por pura e simples ausência de previsão normativa quanto ao seu objeto, requisito e limite. Merece ser destacado, ainda, que, tal como ocorre com o controle judicial dos atos administrativos, estes aspectos referem-se aos critérios de legalidade, podendo ser controlados pelo Poder Judiciário.
O mesmo pode-se dizer em relação ao acordo de não persecução cível ajustado na via extrajudicial pelas entidades interessadas. O princípio da legalidade é atendido tanto pela previsão do art. 17 da Lei 8.429/1992 quanto pelos atos normativos expedidos para regulamentá-lo, tendo em vista que quando se fala em lei como fonte do Direito Administrativo, devem ser consideradas todas as espécies normativas previstas na Constituição, bem como os diversos atos normativos emanados pela própria Administração Pública, conforme ensina Di Pietro (2017).
Nessa senda, havendo espaço para que a Administração decida discricionariamente sobre o modo como deve ser cumprida a lei, é viável a edição de regulamentos para orientar a forma de agir dos órgãos públicos no tocante aos aspectos procedimentais de sua conduta, tal como aos critérios que devem obedecer em questões de fundo, como condição para cumprir as determinações legais (MELLO, 2013).
Em nossa visão, no que diz respeito ao acordo de não persecução, há margem para as pessoas de direito público, as entidades lesadas e o Ministério Público editarem, desde que razoáveis e proporcionais, atos normativos para disciplinar a forma com a qual poderão pactuar esses acordos, sem usurpar a competência do legislador.
Ultrapassadas essas questões iniciais, convém trazer à baila as configurações específicas do instituto, consoante as orientações da doutrina, jurisprudência e da Resolução nº 179/2017 do CNMP.
Segundo Acácia de Sá, o acordo de não persecução civil tem por finalidade impedir o início de uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa mediante a aceitação de algumas condições e aplicação de sanções aos agentes responsáveis pela prática dos supostos atos de improbidade administrativa, como forma de tornar mais célebre e efetiva a reparação do dano eventual causado ao erário.
Cuida-se de um “negócio jurídico, na medida em que depende da clara e livre manifestação de vontade das partes” (SOUZA, 2020).
Nesse contexto, apesar de se tratar de um negócio jurídico sui generis retirado diretamente da lei, é a manifestação de vontade o elemento central desse instituto, pois, uma vez emitida em obediência aos seus pressupostos de existência, validade e eficácia, produzirá os efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico (STOLZE, 2017).
Questão interessante a ser debatida é a (im)possibilidade de aplicação da teoria dos defeitos do negócio jurídico ao acordo de não persecução cível (erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo, simulação e fraude contra credores). Como se sabe, esses defeitos são vícios que impedem a manifestação de vontade seja declarada livre e de boa-fé, prejudicando, consequentemente, a validade do negócio jurídico, podendo ser classificados em vícios de consentimento e vícios sociais.
De início, por incompatibilidade com o objeto do ANPC, verifica-se inviável a configuração dos vícios de lesão, estado de perigo e fraude contra credores. De outro lado, revela-se possível a anulação de tal negócio por erro, dolo e coação.
Deve ser ressaltado, porém, que o acordo de não persecução cível, embora tenha natureza de negócio jurídico, deve ser interpretado conforme o microssistema da tutela coletiva, especialmente pelas disposições específicas relativas à improbidade administrativa. Desse modo, é incabível invocar o prazo decadencial previsto no art. 178 do Código Civil.
Nessas hipóteses, o prazo para anulação do acordo deve ser aquele fixado para a prescrição para a propositura da ação de improbidade. A legitimidade, em tal situação, pertence à pessoa jurídica que firmou o acordo, pelo Ministério Público na defesa do patrimônio público e do agente ímprobo, quando não tenha dado causa ao vício.
Em que pese a natureza negocial do acordo de não persecução cível, ele somente poderá ser celebrado se estiverem presentes: a) a confissão da prática do ato ímprobo, por analogia ao acordo de não persecução penal; b) reparação integral do dano causado ao erário, quando houver, uma vez que se trata de um núcleo intangível da Lei de Improbidade Administrativa; c) transferência não onerosa dos bens ou valores acrescidos ao patrimônio do agente em razão do ato de improbidade, os quais serão revertidos às entidades lesadas; e d) aplicação de ao menos uma das sanções previstas do art. 12 da Lei nº 8.429/1992.
Após os vetos presidenciais, não sobrou nenhuma previsão na Lei de Improbidade Administrativa quanto à legitimidade para celebração do acordo de não persecução cível. Desse modo, o melhor entendimento é o que confere legitimidade àqueles que podem ingressar a ação de improbidade administrativa.
O acordo de não persecução cível poderá ser celebrado na fase extrajudicial, situação em que deverá ser instrumentalizado mediante terno de ajustamento de conduta (art. 5º, §6º, da Lei nº 7.347/1985), ou no curso da ação de improbidade, estando condicionada à homologação judicial.
Como observa Souza (2020), nem todos os entes legitimados à propositura da ação de improbidade administrativa possuem legitimidade para a celebração do compromisso de ajustamento de conduta. Nesse caso, haveria a necessidade de submissão do ajuste ao controle judicial para ser obtido um título executivo judicial.
“As empresas públicas e as sociedades de economia mista, por exemplo, quando vítimas de um ato de improbidade administrativa, detêm legitimidade para a propositura da correspondente ação de improbidade, contudo, não detêm legitimidade para a celebração de compromisso de ajustamento de conduta, pois não são entes públicos. Isso posto, entendemos que os acordos de não persecução cível celebrados extrajudicialmente pelas sociedades de economia mista e pelas empresas públicas precisarão, necessariamente, ser homologados em juízo, na forma do artigo 515, III, do Código de Processo Civil. A partir daí, tais acordos passarão a dispor da eficácia de um título executivo judicial. Nesses casos, a homologação dependerá obrigatoriamente da oitiva do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica, decorrência lógica do microssistema do processo coletivo. Se o Ministério Público intervém em todas as ações de improbidade, também na homologação judicial do acordo extrajudicial de não persecução cível sua oitiva é obrigatória”. Landolfo Andrade, 2020, Gen Jurídico. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2020/03/05/acordo-de-nao-persecucao-civel/.
Por fim, na visão do autor, o único limite temporal para a celebração do acordo é o trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, a norma do art. 17,§10-A, da LIA (interrupção do prazo para contestação por requerimento das partes) denota a intenção de ampliar as possibilidades de uma solução negociada, mas não a fixação de um prazo fatal para a celebração do acordo. Todavia, existe decisão do STJ em sentido contrário ao entendimento exposto, conforme será posteriormente.
Como visto, a redação atual da Lei de Improbidade permite a adoção de soluções negociais em seu âmbito, sem definir, contudo, as sanções que poderão ser objeto de acordo.
Desse modo, é sustentado pela doutrina a possibilidade de ser aplicada toda e qualquer punição prevista no art. 12 do mesmo Diploma. Assim, podem ser impostas no acordo de não persecução cível a: a) perda dos bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; b) ressarcimento integral do dano; c) perda da função pública; d) suspensão dos direitos políticos; e) multa civil; e f) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário (BRASIL, 1992).
Em relação à perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos, Souza (2020) entende que tais sanções são compatíveis com o instituto, não lhe parece prosperar o argumento de que produzem efeitos depois do trânsito em julgado de uma sentença condenatória na ação de improbidade administrativa.
Isso porque, a regra do art. 20, “caput”, da Lei nº 8.429/1992 pressupõe a resistência do agente público à pretensão punitiva. É importante frisar que a bilateralidade do acordo de não persecução de cível torna facultava tanto a proposição do negócio quanto adesão do agente ímprobo. Portanto, se o ele concorda com a imposição daquelas penalidades, afasta-se a aplicação do mencionado dispositivo.
Além do mais, a sanção de suspensão dos direitos políticos é fundada no texto constitucional, que não exige a condenação definitiva pela prática do ato de improbidade administrativa, mas sim e tão somente a prática do ilícito, diferentemente da hipótese de suspensão relacionada à prática de infração penal, essa sim condicionada ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória (SOUZA, 2020). Essa interpretação é compatível com as normas constitucionais in verbis:
“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II – incapacidade civil absoluta;
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[…]§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Entendimento diverso limitaria a efetividade do acordo, sobretudo os pactuados extrajudicialmente pelos órgãos públicos, que possuem legitimidade para tomar dos interessados termo de ajustamento de conduta com eficácia de título executivo extrajudicial nos termos da Lei da Ação Civil Pública, instrumento pelo qual o ANPC deverá ser formalizado, impondo a necessidade de intervenção judicial para conferir eficácia as cláusulas ajustadas no tocante às respectivas sanções.
A Resolução nº 179/2017 regulamenta, no âmbito do Ministério Público, o art. 5º, §¨6º, da Lei nº 7.347/185 no que diz respeito à tomada de compromisso de ajustamento de conduta por tal órgão. Embora editada antes da vigência do “Pacote Anticrime”, já previa em seu art. 1º, §2º a possibilidade de ser tomado compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses condutas ímprobas, in verbis:
“Art. 1º O compromisso de ajustamento de conduta é instrumento de garantia dos direitos e interesses difusos e coletivos, individuais homogêneos e outros direitos de cuja defesa está incumbido o Ministério Público, com natureza de negócio jurídico que tem por finalidade a adequação da conduta às exigências legais e constitucionais, com eficácia de título executivo extrajudicial a partir da celebração.
[…]§ 2º É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado”.
A Resolução traz em seu bojo importantes previsões gerais que, em nosso sentir, podem ser observadas no momento a da celebração do acordo de não persecução cível, tais como: a) a proibição de o Órgão Ministerial fazer concessões que impliquem renúncia aos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos; b) a possibilidade de serem adotas medidas provisórias; c) garantia de o compromissário ser acompanhado por advogado; d) viabilidade de o acordo ser proposto pelo Ministério Público em conjunto com outro legitimado; e) estipulação de obrigações certas, líquidas e exigíveis; e f) publicação do acordo no meio de comunicação oficial como condição de eficácia do compromisso.
Com base no princípio da adequada representação da legitimação coletiva, o Ministério Público não é o titular dos direitos concretizados no compromisso de ajuste de conduta, mas uma das “pessoas” (em sentido lato) a quem a legislação atribui a incumbência de resguardar o interesse da coletividade.
Por tal motivo, o Órgão Ministerial não pode fazer concessões de direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, porém lhe é permitido negociar a interpretação do direito para o caso concreto, cingindo-se à especificação das obrigações adequadas e necessárias, em especial o modo, tempo e lugar do cumprimento, bem como à mitigação, compensação e à indenização dos danos que não possam ser recuperados (§1º do art. 1º da Resolução nº 179/2017).
Daí surge um dos pressupostos para a celebração do acordo de não persecução cível, a inafastabilidade da reparação integral do dano causado ao erário, quando houver, afigurando-se um núcleo intangível que não ser objeto de negociação.
Dentro do espaço da consensualidade, o art. 3º, “caput”, da referida Resolução exige a prescrição de obrigações certas, líquidas e exigíveis, salvo peculiaridades do caso concreto, artigo este coadunável com o ANPC. Isso porque em um acordo desse jaez é indispensável à sua efetividade a aptidão para produzir de todos os efeitos que lhe são próprios tão logo seja concluída a sua formalização com a publicação na imprensa oficial, dispensando a intervenção do Poder Judiciário.
Além do que representa uma espécie de dupla garantia: uma para o compromissário que, ao aceitar termos do acordo, conhece com exatidão o tempo, modo e o alcance de suas obrigações e sanções, favorecendo, pois, a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima; a outra para a coletividade como garantia do princípio da transparência, facilitando o controle social, a fiscalização do Ministério público e das entidades lesadas.
Acrescente-se a isso que, pelos princípios norteadores da tutela coletiva, infere-se implicitamente que as cláusulas devem ser apostas com uma linguagem clara e objetiva.
É importante acrescentar que também se revela compatível com o acordo de não persecução cível tomar compromisso para adoção de medidas provisórias ou definitivas, parciais ou totais (art. 2º, “caput”, da Resolução n. 179/2017), contanto que sejam razoáveis e proporcionais e não importem em ingerência indevida na organização e atribuições de outros órgãos públicos e/ou estrutura de poder.
Por sua vez, nos moldes do §6º do art. 3º da Resolução nº 179/2017, é permitida a celebração em conjunto do termo de ajustamento de conduta por órgãos de ramos diversos do Ministério Público ou por este e outros órgãos públicos legitimados.
Da finalidade do ANPC extrai-se que a notificação da entidade interessada para, se quiser, ser parte no acordo firmado pelo Parquet não representa apenas um mero diálogo institucional, mas sim um poder-dever do Ministério Público.
Isso porque o princípio da autonomia das instâncias prega que, em regra, não há relação de prejudicialidade entre a condenação ou absorvição na esfera administrativa, por exemplo, nas demais esferas de responsabilização. Contudo, não é permitido que o mesmo agente sofra duas condenações pelo mesmo fato na mesma instância, sob pena de bis in idem.
Desse modo, apesar de todas as entidades legitimadas poderem firmar, por si sós, acordos de não persecução cível, haverá relação de prejudicialidade entre o primeiro acordo celebrado (seja pelo Ministério Público, seja pelos demais legitimados), não havendo interesse do legitimado concorrente na propositura de acordo ou da ação de improbidade para cominar as mesmas sanções estipuladas, ou as expressamente afastadas. Isso porque, o interesse público é uno – defesa do patrimônio público e moralidade administrativa-,e deve ser privilegiado o princípio da confiança legítima do compromissário.
Devem ser ressaltado que permanece hígido o interesse das entidades lesadas para o ingresso de ação de improbidade, para vindicar a reparação integral do dano, caso não seja identificada pelo seu total no momento do acordo – pretensão esta imprescritível.
De outra banda, a faculdade de compromissário ser acompanhado ou representado por advogado constituído (art. 3º,§4º, da Resolução) deve passar por uma releitura. Os interesses envolvidos revelem a necessidade de representação por advogado ou, pelo menos, que sejam esclarecidas detalhadamente as implicações das sanções impostas, sobretudo for imposta a suspensão dos direitos políticos, como garantia da paridade de armas na negociação.
Por fim, em atenção ao princípio da publicidade, o ANPC deverá ser publicado na imprensa oficial, a partir da qual se tornará um ato jurídico perfeito. Podendo ser executado. Tal como disciplinado pelo art. 7º, ipsi literis:
“Art. 7º O Órgão Superior de que trata o art. 6º dará publicidade ao extrato do compromisso de ajustamento de conduta em Diário Oficial próprio ou não, no site da instituição, ou por qualquer outro meio eficiente e acessível, conforme as peculiaridades de cada ramo do Ministério Público, no prazo máximo de quinze dias, a qual deverá conter: I – a indicação do inquérito civil ou procedimento em que tomado o compromisso; II – a indicação do órgão de execução; III – a área de tutela dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos em que foi firmado o compromisso de ajustamento de conduta e sua abrangência territorial, quando for o caso; IV – a indicação das partes compromissárias, seus CPF ou CNPJ, e o endereço de domicílio ou sede; V – o objeto específico do compromisso de ajustamento de conduta; VI – indicação do endereço eletrônico em que se possa acessar o inteiro teor do compromisso de ajustamento de conduta ou local em que seja possível obter cópia impressa integral”.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é possível identificar algumas decisões referentes ao acordo de não persecução cível demonstrando como se dará a construção do instituto nesta Corte.
Diferente do que defende a doutrina, no AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.659.082 – PB (2017/0052752-2), o Ministro Relator Gurgel de Faria entendeu que “o legislador ordinário limitou a possibilidade da celebração de acordo no curso da ação de improbidade até a apresentação da contestação”, entendimento seguido unanimemente pelos demais Ministros da Primeira Turma, eis a ementa do voto:
PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTOS. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO. FASE.
Diametralmente, foi homologado acordo de não persecução cível celebrado pelo Ministério Público de Goiás no curso do Recurso Especial nº 1.467.807-GO, relatoria do Ministro Herman Benjamin, nos seguintes termos:
Acordo no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.467.807 – GO (2019/0072743-3) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS AGRAVADO : HYULLEY AQUINO MACHADO AGRAVADO : MOZARTO DIAS MACHADO ADVOGADOS : THIAGO SANTOS AGELUNE E OUTRO(S) – GO027758 DEMÓSTENES LÁZARO XAVIER TORRES E OUTRO(S) – GO007148 INTERES. : NIVALDO ANTONIO DE MELO INTERES. : MANOEL INACIO D ABADIA AQUINO DE SA FILHO ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS – SE000000M DECISÃO Trata-se de pedido de homologação de acordo celebrado entre as partes, com extinção do processo, nos termos do artigo 487, inciso III, alínea “b”, do Código de Processo Civil (fls. 1052-1053, e-STJ). Conforme estabelece o art. 487, III, “b”, do CPC/2015, a homologação da autocomposição das partes acerca do objeto litigioso resulta na resolução do mérito. Diante do exposto, julgo prejudicado o agravo interno das fls. 940-987, e-STJ, por perda de objeto, homologo o acordo noticiado às fls. 1.052-1.061, e-STJ, e extingo o processo com resolução do mérito. Após o trânsito em julgado, encaminhem-se os autos à origem. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 19 de maio de 2020. MINISTRO HERMAN BENJAMIN Relator(STJ – Acordo no AREsp: 1467807 GO 2019/0072743-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Publicação: DJ 02/06/2020)
Como se percebe, o momento de celebração do ANPC no curso da ação de improbidade ainda será alvo de constantes debates na Corte Cidadã, devendo ser aguardo a evolução da jurisprudência sobre o tema.
Noutro giro, é consolidada no STJ a posição de que o ressarcimento integral ao erário não é consideração uma sanção em si, mas uma consequência necessária do prejuízo causado. Consequentemente, revela-se imperiosa a imposição de, pelo menos, uma das sanções constantes do art. 12 da LIA nos acordos firmados entre o Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada e o causador do ato de improbidade, sob pena de esvaziar os objetivos da Lei de Improbidade, nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATAÇÃO DIRETA DE ADVOGADO PELO MUNICÍPIO.
PREFEITO E ADVOGADO CONDENADOS PELA PRÁTICA DOS ATOS ÍMPROBOS DE QUE TRATAM OS ARTS. 10 E 11 DA LEI Nº 8.429/92. CARACTERIZAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO E DE OFENSA A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. IMPOSIÇÃO DO RESSARCIMENTO DO DANO COMO ÚNICA SANÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MERA CONSEQUÊNCIA LÓGICA DO ATO ÍMPROBO CAUSADOR DE LESÃO AO ERÁRIO.
NECESSIDADE DE CONJUGAÇÃO COM UMA OU MAIS PENALIDADES PREVISTAS NO ART. 12 DA LIA. PRECEDENTES.
Nessa toada, a doutrina, com razão, coloca o ressarcimento integral ao dano e a aplicação de, ao menos, uma sanção prevista na Lei de Improbidade como alguns dos requisitos para a celebração do acordo. No mais, o instituto é recente e pouco debatido nos Tribunais.
O desenvolvimento destas ideias possibilitou um estudo do acordo de não persecução cível, instituto de grande impacto na Lei de Improbidade, analisando-o à luz da doutrina, Resolução nº 179/2017 do CNMP e da jurisprudência do STJ.
É inegável os avanços trazidos pela nova redação do art. 17,§1º, da LIA, sobretudo em razão da nova tendência do direito administrativo sancionador de incluir as soluções negociadas como meio de atingir o interesse público.
Ao analisar o referido acordo, nota-se a sua compatibilidade com o princípio da indisponibilidade do interesse público na medida em que é alcançado através de medidas céleres, sem passar pela longa marcha processual, com a garantia de serem observados núcleos essenciais da Lei de Improbidade, como o ressarcimento integral ao dano e aplicação de sanções – as quais mesmo antes da novel alteração já podiam ser aplicadas em conjunto ou isoladamente, conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores.
Ademais, a possibilidade de celebração do acordo não retira o juízo de conveniência e oportunidade do Ministério Público ou da pessoa jurídica interessada quanto à propositura da ação de improbidade, não havendo direito subjetivo do agente ímprobo à transação, dado a natureza bilateral do acordo de não persecução cível.
Apesar disso, não deve escapar das críticas a vagueza legislativa ao instituí-lo sem preconizar objetivamente o modo, o momento em que poderá ser pactuado e os requisitos. Assim, diante da omissão legal também nos parece legítimo a edição de atos normativas pelos presumidos legitimados a fim de adequar o ajuste às suas peculiaridades.
Em suma, a partir do arcabouço teórico explanado no presente trabalho, conclui-se que o acordo de não persecução cível não acarreta prejuízo ao interesse público, tampouco a edição de atos normativos pelos legitimados ofende o princípio da legalidade, e seus aspectos jurídicos, na atual formatação, são retirados das disposições da doutrinária, jurisprudência e da Resolução nº 179/2017 do CNMP, em relação ao Ministério Público.
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