Resumo: O assédio moral no ambiente laboral é uma realidade que aflige milhares de trabalhadores pelo mundo afora. Trata-se de reiteradas condutas ofensivas à dignidade da pessoa humana praticadas por chefes e/ou colegas de trabalho. Desenvolve-se de várias maneiras, porém, sempre com o escopo principal de humilhar, depreciar, atingir a honra e a saúde psíquica da vítima. Sem um propósito definido, tal agressão se baliza por razões abjetas, vis, com nítido caráter degradante. Na presente dissertação veremos os conceitos que melhor definem o assédio moral, bem como as cinco modalidades mais usuais pelas quais tal conduta é praticada. Discorreremos sobre os sujeitos protagonistas do assédio moral, abordando tanto os agressores quanto suas vítimas. Trataremos de suas variantes: mobbing, bullying e stalking, ponderando sobre a existência ou não de distinções. Por fim, versaremos sobre as conseqüências do assédio moral em cada uma das searas jurídicas: penal, trabalhista e civil.
Palavras-chave: assédio moral; dignidade humana; ambiente de trabalho; conseqüências; responsabilidades.
Abstract: Psychological harassment in the work environment is a reality that afflicts thousands of workers around the world. This is repeated conduct offensive to human dignity perpetrated by bosses and / or coworkers. It develops in several ways, but always with the main purpose of humiliating, belittling, achieving the honor and mental health of the victim. Without a definite purpose, such aggression is goal for reasons abject, vile, degrading with a clear character. In this paper we will see the concepts that best defines psychological harassment as well as the five most common methods by which such conduct is practiced. Discussing the protagonists of psychological harassment, addressing both the aggressors and their victims. We discuss its variants: mobbing, bullying and stalking, pondering the existence of distinctions. Finally, concerning the consequences of psychological harassment in each of the crops legal, criminal, labor and civil.
Keywords: psychological harassment; human dignity; work environment; consequences and responsibilities.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceitos. 3. Modalidades de Assédio Moral. 4. Sujeitos do Assédio Moral. 5. Variantes do Assédio Moral. 5.1. Mobbing. 5.2. Byllying. 5.3. Stalking. 6. Consequências Jurídicas. 6.1. Responsabilidade Penal. 6.2. Responsabilidade Trabalhista. 6.3. Responsabilidade Civil. 6.4. Projetos de Leis. 7. Conclusão. 8. Referências.
1. Introdução
Antes mesmo de se caracterizar como trabalhador, o ser humano se individualiza como ser dotado da característica mais valiosa já conquistada no cenário histórico-axiológico, qual seja, a dignidade.
É com base na proteção da dignidade da pessoa humana que nosso ordenamento jurídico é pautado, a fim de preservá-la e, quanto o mais puder, estendê-la a todo cidadão, trabalhador ou desempregado, velho ou criança, homem ou mulher, hetero ou homossexual.
Assim, em se tratando de ambiente de trabalho, objeto do presente estudo, salutar que a dignidade humana esteja não apenas presente, mas protegida e, acima de tudo, assegurada.
Não obstante a imperiosa proteção à dignidade, o Brasil não possui legislações específicas e determinadas que versem sobre o assédio moral, sua erradicação e efetiva proteção às vítimas.
Porém, nosso constituinte originário, de maneira circunspecta, estabeleceu como fundamentos da República Federativa do Brasil uma série de preceitos que necessariamente devem ser observados, dentre os quais, destacam-se a “dignidade da pessoa humana” e “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.
Além disso, a Constituição Federal também estabelece em seu artigo 170, que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social […]”.
Todavia, em que pese tais normas assecuratórias, é de se verificar que o assédio moral no trabalho é uma realidade que assola grande parte dos brasileiros, que sofrem ou já sofreram violências outras que não físicas, retratadas como condutas importunadoras, insidiosas, ameaçadoras, degradantes ou abusivas.
Notaremos, portanto, no decorrer dessa explanação, que a vítima de assédio moral é um ser subjugado à mera “coisa” ou a um “animal”, sofrendo grave violação à sua dignidade, bem esse, imprescindível a uma benfazeja vida social.
2. Conceitos
Para o psicólogo sueco, Heinz Leymann, pioneiro nas pesquisas do fenômeno, o assédio moral consiste
“em uma psicologia do terror, ou, simplesmente, psicoterror, manifestado no ambiente de trabalho por uma comunicação hostil e sem ética direcionada a um indivíduo ou mais. A vítima, como forma de defesa, reprime-se, desenvolvendo um perfil que somente facilita ao agressor a prática de outras formas de assédio moral. A alta frequência e a longa duração das condutas hostis acabam resultando em considerável sofrimento mental, psicossomático e social aos trabalhadores que são vítimas do assédio moral.” (LEYMANN)
Para a doutrinadora Hádassa Dolores Bonilha Ferreira, por sua vez, conceitua assédio moral como sendo
“o processo de exposição repetitiva e prolongada do trabalhador a condições humilhantes e degradantes e a um tratamento hostil no ambiente de trabalho, debilitando sua saúde física e mental. Trata-se de uma guerra de nervos, a qual conduz a vítima ao chamado “assassinato psíquico”.” (FERREIRA, 2010, p. 42)
A pesquisadora Margarida Barreto traz como definição de assédio moral
“a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.” (BARRETO, 2000)
Para Sônia Mascaro Nascimento, o assédio moral é
“uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tem por efeito excluir o empregado de sua função ou deteriorar o ambiente de trabalho.” (NASCIMENTO, 2011, p. 14)
Por derradeiro, Luiz Salvador define que o assédio moral
“é caracterizado pela degradação deliberada das condições de trabalho onde prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização.” (SALVADOR, 2003, p. 32)
Com efeito, diante dos conceitos acima expostos, podemos entender por assédio moral todas e quaisquer condutas hostis e degradantes manifestadas por meio de constantes comportamentos humilhantes, provocativos, omissivos, abusivos, obscenos ou ameaçadores, bem como, mediante gestos jocosos e escritos que ofendam a dignidade, a personalidade ou a integridade físico-psíquica do trabalhador, expondo-o a toda sorte de intempéries emocionais.
Impende notar que não obstante todas as definições aludidas, há uma notória dificuldade em adequar as condutas ao caso concreto de assédio moral, vez que, diante de cada situação será necessária a verificação da subjetividade no julgamento do que pode ou não ser abusivo, insidioso, vil ou degradante. Apesar de tal tarefa ser laboriosa, imprescindível que se faça a busca pela adequação da conduta praticada pelo assediador tomando por base os elementos objetivos trazidos pelas definições acima expostas.
Mister deixar claro que para haver assédio moral, é necessário uma constância nas agressões. Daí percebe-se que uma conduta isolada não é assédio moral, muito embora possa até dar ensejo à indenização por danos morais.
Assim, a fim de aclarar o que efetiva e concretamente é assédio moral, cumpre destacar as considerações de Sônia Mascaro Nascimento, para quem as condutas recorrentes apontadas como assédio moral consistem em:
“(I) desaprovação velada e sutil a qualquer comportamento da vítima; (II) críticas repetidas e continuadas em relação à sua capacidade profissional; (III) comunicações incorretas ou incompletas quanto à forma de realização do serviço, metas ou reuniões, de forma que a vítima sempre faça o serviço de forma incompleta, incorreta ou intempestiva, e ainda se atrase para reuniões importantes; (IV) apropriação de ideais da vítima para serem apresentadas como de autoria do assediador; (V) isolamento da vítima de almoços, confraternizações ou atividades junto aos demais colegas; (VI) descrédito da vítima no ambiente de trabalho mediante rumores ou boatos sobre a sua vida pessoal ou profissional; (VII) exposição da vítima ao ridículo perante colegas ou clientes, de forma repetida e continuada; (VIII) alegação pelo agressor, quando e se confrontados, de que a vítima está paranóica, com mania de perseguição ou não tem maturidade emocional suficiente para desempenhar as suas funções; e (IX) identificação da vítima como “criadora de caso” ou indisciplinada”. (NASCIMENTO, 2011, p. 14-15)
Apesar das várias condutas descritas como caracterizadoras de assédio moral, é oportuno e de extrema necessidade classificar tais atos em modalidades-gêneros, das quais podem ramificar incontáveis espécies de práticas abusivas ao trabalhador assediado.
3. Modalidades de Assédio Moral
Existem cinco principais condutas que configuram o assédio moral: 1ª) impossibilitar uma comunicação adequada com a vítima, recusando a comunicação direta; 2ª) Isolar a vítima; 3ª) Atacar a reputação da vítima; 4ª) Degradar as condições de trabalho e; 5ª) Atacar diretamente a saúde da vítima com uma efetiva violência.
Vejamos a seguir os pormenores de cada uma dessas condutas desviadas.
A recusa na comunicação direta “consiste no tratamento com indiferença, no qual o empregador ou superior hierárquico não se comunica diretamente com a vítima, não a cumprimentando, fingindo, até mesmo sua existência.” (FERREIRA, 2010, p. 67-68)
Essa conduta visa desestabilizar emocionalmente a vítima, silenciando-a, impedindo-a de pensar ou reagir, fazendo com que não compreenda o motivo da rejeição e do desprezo. Assim, impedida de dialogar, à vítima só resta concluir que tal fato nada mais é que uma forma muda de dizer o quanto ela é desinteressante à empresa.
Com o intuito de ser fidedigno, elencamos um julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), o qual demonstra que a conduta reiterada de ignorar uma pessoa no ambiente de trabalho a fim de diminuí-la caracteriza assédio moral. Vejamos:
“A reclamante narrou em sua inicial que durante a vigência do pacto laboral passou por dissabores no ambiente de trabalho, os quais foram causados pela empregadora através de sua coordenadora, Sra. Tais.
[…] Menciona que não mais foi convidada a participar de debates em palestras. Em dado episódio, ao participar de uma reunião de professores, a Sra. Tais, investida de sua função de coordenadora cumprimentou nominalmente todos os presentes menos a reclamante, tendo-a ignorado de forma ostensiva. Fatos semelhantes a estes começaram a ecoar por todo o campus acadêmico, o que veio a causar-lhe constrangimento e profunda angustia no seu cotidiano profissional. Além disso, sem que fosse encaminhada qualquer comunicação, a reclamada reduziu o seu número de aulas, acarretando com este ato a iminente redução salarial.
Para comprovação dos fatos aduzidos, a reclamante trouxe sua testemunha, cujo depoimento deu-se nos seguintes termos: “…que foi aluna da reclamante; que nos dois últimos semestres não teve mais aula com a reclamante, pois a mesma saiu da reclamada; que era representante de classe e participava de reuniões com os professores e a coordenação; que chegou a ver a reclamante ser destratada; que nessas ocasiões, normalmente a coordenadora a cumprimentava os demais professores e não cumprimentava a reclamante, além de cortar por diversas vezes sua palavra; que sua turma sempre pedia para realizar trabalhos extra aula com a reclamante, mas a coordenadora Thais não permitia, sob a alegação de que a mesma não era engajada com a faculdade, dando exemplo de professores que considerava “modelos”, em especial o professor Adolfo; que em palestras todos os professores eram chamados para compor a mesa, menos a reclamante; que a depoente entendia que tal tratamento era agressivo, e gerava um clima estranho nas reuniões, sendo que os demais alunos perguntavam o por quê disso;
[…] Esta prova aliada aos demais elementos contidos nos autos, dão à reclamante o supedâneo necessário a aquilatar o direito à indenização moral […] porquanto restou evidenciado nos autos o comportamento repetitivo e sistematizado da reclamada em relação a sua empregada, com o fito de degradar sua integridade psíquica e desequilibrar seu bem estar, o que por certo acabou por transcender o ambiente de trabalho de modo a afetar o convívio social e familiar, atingindo sua honra e dignidade como pessoa humana, de modo a enfeixar a aplicação dos artigos 186 e 927 do Código Civil, com arrimo no artigo 5º, X da CF.” (BRASIL, TRT, 2ª R., 15ª T., RO 0080100-77.2008.5.02.0034, Rel. Maria Inês Ré Soriano. Disponível em <www.trt2.jus.br>. Acesso em: 05/12/2011)
Perceba, que nesta modalidade, a comunicação é a menor possível, quase inexistente. Quando muito, poderá, quiçá, se dar mediante bilhetes, o que acaba, por conseguinte, levando à segunda conduta desviada, qual seja, o isolamento.
O isolamento é uma das práticas consideradas mais comuns dentre as existentes no assédio moral. Nessa fase, os colegas de trabalho já estão envolvidos de tal maneira com o processo que acabam endossando o tratamento que a vítima recebe, talvez por medo ou mesmo por conveniência, passando a tratá-la de modo semelhante. (FERREIRA, 2010, p. 68)
Para Marie-France Hirigoyen
“o isolamento promovido pelo superior hierárquico é evidenciado por privar a vítima de informações úteis, não sendo comunicadas as reuniões que serão realizadas, ou, ainda, não lhe passando o serviço que deveria fazer, deixando o empregado, alvo do assédio moral, ocioso no trabalho.” (HIRIGOYEN, 2002, p. 108-109)
O julgado abaixo corrobora o isolamento como uma das formas do assediador agredir sua vítima, in verbis:
“O reclamante postulou indenização por dano moral por sob dois argumentos distintos e independentes: o primeiro, relacionado com as ofensas verbais por parte do superior hierárquico sofridas durante o contrato de trabalho; o segundo pelo rebaixamento e isolamento funcional.
[…] Assim, a prova oral demonstrou que o autor tinha mais de 100 subordinados, não se compreendendo o porquê de a reclamada ter colocado o reclamante para trabalhar isolado no “parquinho” do clube. De se ver, portanto, que a reclamada não se limitou ao rebaixamento funcional do obreiro, mas extrapolou seu poder diretivo ao isolar o empregado em determinada área da ré e impedir que o mesmo adentrasse em sala coletiva.
[…] O dever de indenizar decorre do ato ilícito cometido (art. 186 e 927 do CC), consistente em isolar o reclamante em determinada área da ré, procedimento humilhante perante os demais colegas de trabalho, em especial os seus anteriores subordinados. Deve-se destacar que o reclamante foi admitido em 2000 (fls. 05) e, depois de exercer por quase 5 anos a função de encarregado, a reclamada remanejou o obreiro para área isolada do clube.
O dano moral atinge fundamentalmente valores ideais, ligados diretamente ao sentimento de honra e dignidade que cada pessoa natural possui.
Consubstancia-se, portanto, na agressão à auto-estima que a pessoa possui em relação ao seu sentimento de moral e dignidade, cuja natureza é a mais importante, já que a partir dela se forma o homem e por conta dela se forma, na soma de todos, a própria sociedade.
Presente a conduta, o dano, a culpa e o nexo causal, não há como se afastar a condenação”. (BRASIL, TRT, 2ª R., 17ª T., RO 0043000-96.2009.5.02.0020, Rel. Maria de Lourdes Antonio. Disponível em <www.trt2.jus.br>. Acesso em: 05/12/2011)
Outra conduta desviada caracterizadora de assédio moral é o ataque à reputação da vítima, consistente, segundo Hádassa Dolores Bonilha Ferreira
“em desqualificar e desacreditar a vítima, colocando em dúvida sua competência, ou mesmo sua sanidade, para que ela perca sua autoconfiança. […] O agente assediador utiliza-se de humilhações e ridicularizações, fazendo insinuações quanto à etnia, gênero sexual, religião ou traços físicos da vítima”. (FERREIRA, 2010, 68-69)
Para Marie-France Hirigoyen, os assediadores
“utilizam-se insinuações desdenhosas para desqualificá-la. Fazem gestos de desprezo diante dela (suspiros, olhares desdenhosos, levantar de ombros…). É desacreditada diante dos colegas, superiores ou subordinados. Espalham rumores a seu respeito. Atribuem-lhe problemas psicológicos (dizem que é doente mental). Zombam de suas deficiências físicas ou de seu aspecto físico; é imitada ou caricaturada. Criticam sua vida privada. Zombam de suas origens ou de sua nacionalidade. Implicam com suas crenças religiosas ou convicções políticas. Atribuem-lhe tarefas humilhantes. É injuriada com termos obscenos ou degradantes”. (HIRIGOYEN, 2002, p. 109)
Retratando essa dura realidade, convém colacionar julgados atinentes à essa modalidade de assédio moral:
“Dano Moral. Falta de civilidade no trato com os empregados. A convivência em sociedade é informada por regras de boas maneiras e respeito mútuo. Ofensas verbais continuadas e gerais praticadas pelo empregador, demonstrando má educação, grosseria e xingamentos, viola os Direitos da Personalidade do empregado, ensejando condenação em indenização de dano moral. […]
Consta dos autos que o autor era ofendido e humilhado pelos próprios administradores da empresa, Srs. Rogério e seu filho Augusto. Salienta-se que esse procedimento se estendia a todos os empregados da empresa.
[…] O Sr. Edilson de Almeida, testemunha do autor, destaca que: era comum tanto o senhor Rogério quanto o seu filho Augusto xingarem o depoente e humilharem todos os funcionários, sendo inclusive que ao cumprimentar aquelas pessoas pela manhã, às vezes ouvia um “vai tomar” como resposta.
O Sr. Rodrigo Fermino, também testemunha do autor, declarou que: era comum o senhor Augusto dirigir-se ao depoente e aos demais funcionários como burros e ignorantes, e às vezes sequer respondia a um bom-dia no início do expediente.
Nesse contexto, vê-se que o tratamento dispensado aos empregados não era dos mais amistosos. Ademais, como bem ressaltado na sentença, restou demonstrada a violação moral sofrida pelo autor. Assim, entendo correta a decisão de primeiro grau que determinou que a ré indenizasse o autor em danos morais.” (BRASIL, TRT, 12ª R. 1ª T., RO 03041-2006-002-12-00-9, Rel. Alexandre Luiz Ramos. Disponível em <www.trt12.jus.br>. Acesso em: 05/12/2011)
“Dano moral. Ofensas à autora. A autora era chamada de “gorda, relaxada, barriga de pochete, topeira, pêra cintura”. O dano moral ficou evidenciado.” (BRASIL, TRT, 2ª R., 8ª T., RT 01480-2005-401-02-00-7, Ac. 20070601997, Rel. Sergio Pinto Martins, DOE/SP, 14/08/2007)
“Dano moral – confinamento de trabalhador acidentado e sequelado em sala de vidro apelidada de “gaiola das loucas” e “cemitério”. Aguardo, por prazo indefinido, de recolocação em posto de trabalho compatível. Situação vexatória que desencadeou chacotas e zombarias. Rotulação depreciativa dos trabalhadores acidentados, mantidos afastados dos demais, sem qualquer atividade, de “sequelados, “gardenal”, “rivotril”, “vagabundos”, “zero à esquerda”, etc. A conduta patronal de manter todos os trabalhadores acidentados, com recomendação médica de readaptação, isolados em sala especial, com proibição de saída e aplicação de punição de suspensão, configura tratamento desumano, humilhante, insultuoso, e portanto, ofensiva à dignidade humana. Inconteste o dano moral e a responsabilidade do empregador. Inteligência dos artigos 1º, III, e 5º, caput e inciso X, da CF.” (BRASIL, TRT, 2ª R., 6ª T., RO 02098-2004-465-02-00-9, Ac. 20060729303, Rel. Ivani Contini Bramante, DOE/SP, 06/10/2006)
Seguindo a linha de condutas assediadoras, temos também a degradação proposital das condições de trabalho, que se caracteriza pela omissão de informações para o desenvolvimento do trabalho ou, até mesmo, pela ausência de instalações físicas em condições mínimas para a realização laboral. Com tal atitude, quer o agressor imputar à vítima a incompetência pela ausência da prestação do serviço ou pelo serviço mal realizado. Perceba, entretanto, que o agressor foi quem tolheu o empregado para que o compromisso não se realizasse ou ao menos não obtivesse a qualidade desejada. Tal atitude, por vezes, perdura até que a vítima, não suportando tais condições, esmoreça, vindo a pedir sua demissão.
Marie-France Hirigoyen traz-nos uma lista exemplificativa de deterioração das condições do trabalho:
“Retirar da vítima a autonomia. Não lhe transmitir mais informações úteis para a realização de tarefas. Contestar sistematicamente todas as decisões. Criticar seu trabalho de forma injusta ou exagerada. Privá-la do acesso aos instrumentos de trabalho: telefone, fax, computador… Retirar o trabalho que normalmente lhe compete. Dar-lhe permanentemente novas tarefas. Atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas inferiores às suas competências. Atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas superiores às suas competências. Pressioná-la para que não faça valer seus direitos (férias, horários, prêmios). Agir de modo a impedir que obtenha promoção. Atribuir à vítima, contra a vontade dela, trabalhos perigosos. Atribuir à vítima tarefas incompatíveis com sua saúde. Causar danos em seu local de trabalho. Dar-lhe deliberadamente instruções impossíveis de executar. Não levar em conta recomendações de ordem médica indicadas pelo médico do trabalho. Induzir a vítima ao erro”. (HIRIGOYEN, 2002, p. 108)
Perceba pelo julgado abaixo essa modalidade de assédio moral, onde o empregado era obrigado a cumprir metas por vezes inatingíveis:
“Os empregados conviviam com a possibilidade de a qualquer momento serem dispensados ou punidos por “falta grave” caso não atingissem as cotas diárias repassadas pelos prepostos da reclamada ou não repassassem para os clientes os produtos acessórios ocorridos com as vendas […].
Observa-se [que] a reclamada atribui ao empregado toda a responsabilidade pelo sucesso do empreendimento, cobrando sua condição de “ator” para ludibriar o consumidor e violando os fins sociais da empresa e a boa fé objetiva inerente a qualquer relação. [sic.]
Os documentos apresentados coma exordial, em especial os já supra mencionados, deixam claro a pressão vivida diariamente pela reclamante, fazendo-os ver que nada importa, a não ser vender, mesmo que isso venha em detrimento de terceiros, no caso o cliente.
A prova oral apresentada pela reclamante ratifica a tese da exordial e confirma que existiam dois tipos de “boca de caixa”, um mediante escala e outro como forma de castigo aos vendedores que não atingissem as metas. Salientou ainda, que o seguro garantia era incluído no produto sem o conhecimento do cliente.
Nesse diapasão, manifesta é a ocorrência do alegado assédio moral, revelador do constrangimento sofrido pela autora com as ofensas e degradações no ambiente de trabalho. Restou demonstrada, de modo indubitável, a conduta desrespeitosa e humilhante dos gerentes do reclamado em relação ao tratamento a ela dispensado.
Diante desse contexto, não dúvida de que houve, no presente caso, não só meros “aborrecimentos”, mas ofensa à esfera moral da laborista, de modo a ensejar a indenização vindicada.
Impende ressaltar, ainda, que, demonstrado o ato ilícito, o dano que daí decorre advém como corolário, ante a manifesta afronta à dignidade da pessoa humana.
Desse modo, a reparação pertinente encontra assento, como supra mencionado, tanto na legislação civil quanto na Carta Constitucional.” (BRASIL, TRT, 2ª R., 1ª T., RO 0198700-07.2009.5.02.0492, Rel. Luís Augusto Federighi. Disponível em <www.trt2.jus.br>. Acesso em: 05/12/2011)
Por derradeiro, a conduta mais grave, dentre as elencadas como assédio moral é o ataque direto à saúde da vítima com efetiva violência, ou seja, violência verbal, física ou sexual.
Segundo Hádassa Dolores Bonilha Ferreira
“a violência, em geral, consiste na última conduta adotada pelo agente agressor, uma vez que o assédio moral já é visivelmente percebido por todos. Fica difícil para a vítima resistir diante da violência, que inclusive invade a esfera íntima dela”. (FERREIRA, 2010, p. 70)
Como exemplo dessa atitude extremada, podemos citar: ameaças, agressões físicas, empurrões, chacoalhões, batidas de porta na cara, gritar com a vítima, devassar sua vida privada, perseguição, causar danos físicos pessoais ou a objetos ligados à vítima, propostas sexuais, lesão à imagem, etc.
A seguir, vejamos um julgado que elucida bem o que passa a vítima dessa modalidade de assédio:
“A reclamante alegou ter sofrido assédio sexual por parte do gerente geral da agência, Sr. José Carlos de Andrade, consubstanciado, segundo a decisão de primeiro grau, em “’convites’ e cantadas’ de conotação sexual de seu superior hierárquico, o Sr. José Carlos de Andrade, até mesmo com carícias corporais indesejadas” (fls. 232), caracterizando “assédio sexual por chantagem”.
Pela prova oral, apurou-se que tinha o hábito de conversar pegando nos seus interlocutores, o que é referido por diversas testemunhas, sendo que a testemunha Andreia Talita Machado Pinto informou que “o gerente geral José Carlos de Andrade não era respeitoso, fazendo assédio moral e inclusive sexual com relação à depoente; a depoente e a autora estavam na cozinha, quando o sr. José chegou e abraçou a cintura da depoente e disse ‘que estava emagrecendo e ficando gostosinha como os homens gostam’; o sr. José normalmente conversava pegando, apesar de o interlocutor dar um passo para trás, mas sr. José continuava a se aproximar; em todas as vezes dava a entender que se quisesse continuar no Banco, deveria ‘dar algo mais’; foi sr. José Carlos quem dispensou a autora; a autora já chegou a reclamar do sr. José, dizendo que a postura dele era inadequada até porque ele sabia que a autora era casada; a autora reclamou mais de uma vez; […] a depoente chegou a discutir com sr. José por não aceitar a sua postura; disse ao sr. José que se ele não parasse com o assédio, que ia levar o assunto ao conhecimento da superintendência, o que ocorreu” (fls. 193/194).
[…] Desta forma, se o gerente possuía o hábito de conversar “pegando” nas pessoas, possuía um mau hábito, não muito condizente com o ambiente de trabalho.
Quanto à questão de não ter sido presenciado assédio algum por outra pessoa, talvez seja o caso de considerar que propostas inconvenientes geralmente não são feitas abertamente, justamente porque não são para serem descobertas. Atos ilícitos em geral são assim, e a questão da prova do assédio sexual, mais do que do moral, é clássica, como a prova dos crimes sexuais no Direito Penal quando perdido o corpo de delito. Desta forma, a utilização desse argumento como razão de decidir deve ser feita com cautela. Não é porque ninguém viu que o fato não aconteceu.
[…] Houve assédio sexual. Configurou-se o dano moral, sobre o qual nem é necessário expender maiores considerações. Deve ser indenizado.” (BRASIL, TRT, 2ª R., RO, Origem 5ª V. Trabalho de São Paulo, Recorrentes 1.Banco Santander S/A; 2.Jordana Parreira e Silva, Rel. Davi Furtado Meirelles. Disponível em <www.trt2.jus.br>. Acesso em: 05/12/2011)
Importante frisar que as condutas elencadas acima podem se dar de forma isolada ou concomitantes entre si.
O julgado colacionado abaixo relata uma vítima que sofreu diversas modalidades de assédio moral no mesmo ambiente de trabalho. Vejamos:
“[…] afirmou “…que aconteceu de vendedores que não atingirem as metas do dia anterior serem motivos de chacota na reunião matinal; que o autor era apelidado de ‘negão malzibier’; que o nome do vendedor que não alcançasse a meta ficava exposto num quadro e era o motivo de chacotas; que presenciou vendedor pagando polichinelo, e o próprio depoente pagou polichinelo; que viu vendedor pagando ‘prenda’, se vestindo de mulher, geralmente por não ter atingido a meta; que também era feito um corredor polonês, no qual passava o vendedor; que viu vendedor chorando, pelo constrangimento; que o depoente entende que o apelido do autor tinha conotação pejorativa e até racista; que o depoente tem o sobrenome Galina e às vezes, era chamado de ‘galinha’; que essas chacotas partiam dos superiores hierárquicos; que presenciou o autor pagando apoio e passando pelo corredor polonês”. (…) Ao contrário do alegado pela reclamada, nenhuma prova restou produzida em sentido contrário pela reclamada, em face do que deve ser acolhida a prova testemunhal produzida pelo autor. Analisando a prova oral produzida, não resta dúvida de que os atos praticados por prepostos da empresa causaram constrangimento, humilhação, atingindo a honra subjetiva do empregado, gerando a obrigação de indenizar.” (BRASIL, TRT, 4ª R., RO 00594-2006-011-04-00-4, Rel. Maria Beatriz Condessa Ferreira. Disponível em <www.trt4.jus.br>. Acesso em: 05/12/2011)
4. Sujeitos do Assédio Moral
Veremos nesse tópico que a relação de hierarquia não é fator crucial para que haja assédio moral. Tanto é assim, que podemos classificar o assédio moral nas relações de trabalho sob três vertentes: (I) assédio moral vertical descendente – a agressão parte do superior para o subordinado; (II) assédio moral horizontal – a agressão se dá perante trabalhadores da mesma posição e; (III) assédio moral vertical ascendente – mais raro, ocorre quando a agressão parte do subordinado para seu superior.
Assim, apesar de ser prescindível a relação hierárquica entre a vítima de assédio moral e seu agressor, podemos dizer que a forma mais comum de se verificar tal conduta ocorre na posição vertical descendente (superior agredindo subordinado).
Porém, há de se ressaltar que poderá haver também assédio moral entre colegas da mesma posição numa relação de trabalho, ou seja, entre pessoas hierarquicamente igualitárias. Como vimos, quando isso ocorre, dá-se o nome de assédio moral horizontal.
Sem prejuízo das duas classificações de assédio moral já citadas (vertical descendente e horizontal), cumpre analisarmos uma terceira, compreensivelmente rara de se observar, porém, possível, no qual o assédio se instala da posição hierárquica inferior para a superior, ou seja, do subordinado perante seu chefe. Essa forma de assédio moral é o chamado vertical ascendente.
Segundo Hádassa Dolores Bonilha Ferreira
“a relação mais comum é a descendente ou assimétrica, na qual o assédio moral emana da hierarquia. Dentro dessa relação, as causas que levam ao processo assediador são diversas, as quais se destacam: o objetivo puro e simples de eliminar a vítima para valorizar o próprio poder (do agressor); há, também, a finalidade de levar a vítima a pedir demissão, o que eliminaria custos adicionais e impediria procedimentos judiciais; e, ainda, há a própria gestão de empresa que incentiva e aprova o assédio moral como meio de administrar seus empregados.” (FERREIRA, 2010, p. 52)
Continua a doutrinadora dizendo que
“a relação pode ser estabelecida, ainda, na forma horizontal, ou simétrica, quando o assédio é desenvolvido entre os colegas de trabalho. Geralmente ocorre quando dois empregados disputam a obtenção de um mesmo cargo ou uma promoção. […] Além disso, há alguns fatores que podem ser responsáveis pela prática desse tipo de assédio moral, como a competição, a preferência pessoal do chefe porventura gozada pela vítima, a inveja, o racismo, a xenofobia e motivos políticos.” (FERREIRA, 2010, p. 52-53)
E, conclui a autora mencionando a última modalidade de assédio moral, qual seja, a realizada
“na direção ascendente, isto é, quando um superior hierárquico é assediado por um ou mais subordinados. A situação pode não ser muito comum, mas ocorre, nas formas já observadas, diante das falsas acusações de assédio sexual, ou, ainda, quando todo um grupo de subordinados se une para ‘boicotar’ um superior hierárquico indesejado.” (FERREIRA, 2010, p. 55-56)
Com efeito, há que se ressaltar que tal classificação não exclui a possibilidade de condutas com sujeitos plúrimos. Isso quer dizer que alguém poderá ser vítima de assédio moral tendo como agressor tanto seu superior hierárquico (assédio moral vertical descendente), como também seus pares (assédio moral horizontal), sendo, nesse contexto, atacada por todos os lados. É o que Sonia Mascaro Nascimento chama de assédio moral misto. (NASCIMENTO, 2011, p. 16)
5. Variantes do Assédio Moral
O assédio moral pode se travestir de diversas nomenclaturas diferentes, porém, todas, em sua essência, visam reduzir a dignidade do ser humano atacado, seja expondo-o ao ridículo, seja ocasionando situação vexatória, seja humilhando-o.
Percebe-se, portanto, que independentemente das espécies que analisaremos a seguir, é importante frisar que todas têm por escopo fundamental a ofensa à integridade física e psíquica da pessoa “escolhida” para ser vítima desse despautério.
O termo “escolhido” se faz presente por uma simples razão: a vítima de assédio moral é eleita pelo seu agressor. Razões de compleição física, de características intelectuais, de introspecção, de gênio ou qualquer outra peculiaridade que a vítima possa ter fazem com que ela se destaque positiva ou negativamente perante os demais, o que acaba por atrair a atenção para si, tornando-se potencialmente elegível para ser vítima das agressões laborais.
Passemos adiante, à análise das variantes do assédio moral.
5.1. Mobbing
É de se notar que o mobbing, o bullying e o sltalking, variantes do assédio moral, são fenômenos que se complementam, vez que não existem diferenças técnicas entre elas, distinguindo-as apenas pela etimologia e tempo histórico de surgimento.
Sendo assim, partindo das explicações de Hádassa Dolores Bonilha Ferreira, podemos compreender que
“a primeira forma de descoberta do assédio moral foi o chamado mobbing. Esse termo advém do verbo inglês to mob, que transmite a idéia de tumulto, turba, confusão. […] Consiste em um processo envolvendo vários indivíduos contra apenas um. […] Sua utilização hodierna corresponde a perseguições coletivas, as quais podem culminar em violência física”. (FERREIRA, 2010, p. 57)
Perceba que diante da definição exposta, tudo o que foi visto até aqui se amolda ao conceito de mobbing, assim como se amoldará também ao conceito de bullying e stalking.
5.2. Bullying
O Bullying ou Bullyin, se caracteriza por ser um fenômeno de chacota que teve como precursor o ambiente escolar da Inglaterra, gerando diversos conflitos entre os próprios alunos, onde um(ns) figurava(m) como agente(s) provocador(es) enquanto outro(s) como vítima(s), chegando a casos extremos, porém não raros, de suicídio por parte do provocado em decorrência da humilhação sofrida.
Conforme ensinamentos de Hádassa Dolores Bonilha Ferreira
“o termo bully em inglês significa provocador, tirânico, sendo que o verbo traduz a idéia de maltratar e intimidar, tratar com desumanidade. A aplicação à relação laboral é visto pela própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) como uma forma de violência no trabalho”. (FERREIRA, 2010, p. 58)
Para Cleo Fante
“o bullying […] define o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão; é um termo que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais, utilizado pela literatura psicológica anglo-saxônica nos estudos sobre a violência escolar”. (FANTE, 2005, p. 27)
Com propriedade que lhe é peculiar sobre o assunto, Lélio Braga Calhau expõe que
“o fenômeno bullying estimula a delinquência e induz a outras formas de violência explícita, produzindo, em larga escala, cidadãos estressados, deprimidos, com baixa autoestima, capacidade de autoaceitação e resistência à frustração, reduzida capacidade de autoafirmação e de autoexpressão, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves. Tem, como agravante, interferência drástica no processo de aprendizagem e de socialização, que estende suas consequências para o resto da vida podendo chegar a um desfecho trágico”. (CALHAU, 2009, p. 98)
Marie-France Hirigoyen aduz que “o termo bullyin […] vai de chacotas e isolamento até condutas abusivas de conotação sexual ou agressões físicas. Refere-se mais a ofensas ou violência individual do que organizacional”. (HIRIGOYEN, 2002, p. 27)
É de se notar que, embora sem distinções de relevo, alguns pesquisadores do tema (juristas, sociólogos, psicólogos, médicos, educadores, etc.) classificam o mobbing como sendo a agressão realizada em ambiente laboral, enquanto o bullying seria a agressão realizada em ambiente escolar. Em que pese tal afirmação, é inócua a tentativa de distinção, vez que tratam de situações de ofensa à dignidade da pessoa humana, com as mesmas consequências para a vítima seja ela trabalhadora ou estudante.
5.3. Stalking
O Professor Lélio Braga Calhau, parafraseando Damásio de Jesus, ensina-nos que o
“stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela Polícia etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos. Segundo Damásio de Jesus, esse comportamento possui determinadas peculiaridades: 1ª) invasão de privacidade da vítima; 2ª) repetição de atos; 3ª) dano à integridade psicológica e emocional do sujeito passivo; 4ª) lesão à sua reputação; 5ª) alteração do seu modo de vida; 6ª) restrição à sua liberdade de locomoção”. (CALHAU, 2009, p. 102)
De acordo com o doutrinador Jorge Trindade
“é bastante difícil delimitar os comportamentos que configuram o fenômeno do stalking. Na realidade, trata-se de uma constelação de condutas que podem ser muito diversificadas, mas envolvem sempre uma intrusão persistente e repetida através da qual uma pessoa procura se impor à outra, mediante contatos indesejados, às vezes ameaçadores, gerando insegurança, constrangimentos e medo na vítima. Em decorrência dessa invasão na sua privacidade, a vítima também inicia um conjunto de comportamentos evitativos, tais como trocar o número do telefone, alterar a rotina diária, os horários, os caminhos e os percursos que costumava fazer, deixar avisos no trabalho ou em casa, ou aumentar os mecanismos de segurança e proteção pessoal, podendo transitar da evitação para a negociação e mesmo para o confronto”. (TRINDADE, 2008, p. 352-353 )
Diante dos mais variados conceitos, o que se observa é que, trazendo para o universo laboral, tais ocorrências fenomenológicas de impulsionar o próximo ao abismo da violência física e psicológica consiste, na verdade, em espécies do gênero assédio moral.
6. Consequências Jurídicas
Antes de analisarmos as consequências jurídicas oriundas do assédio moral, importa destacar que de tais agressões decorrem uma série de outras implicações não jurídicas, porém, consideradas tão graves quanto às primeiras. Assim, pode-se destacar como corolários do assédio moral: a queda de produtividade da vítima, o retrocesso econômico, tendências ao alcoolismo, perturbações mentais, insônia, queda da libido, lesões à saúde, involução social, danos psicológicos, isolamento, descontrole emocional, depressão e, em casos mais agudos até mesmo o suicídio, entre outros.
É de se notar que as consequências não jurídicas podem trazer danos irreversíveis ao trabalhador, o que sensivelmente agravará as consequências jurídicas de tais atos.
Por certo que a consequência não jurídica prejudica tão somente a vítima do assédio moral, ao passo que a consequência jurídica visa reprimir prioritariamente o agressor das ofensas.
A fim de compreendermos o tema em seu todo, cumpre explanarmos acerca das responsabilidades legais. Para tanto, é preciso decompor os encargos jurídicos advindos do assédio moral em: (I) responsabilidade penal; (II) responsabilidade trabalhista e; (III) responsabilidade civil.
6.1. Responsabilidade Penal
Não obstante a ausência de lei específica de repressão e punição dos praticantes de assédio moral, é certo que a aplicação dos instrumentos fornecidos pela legislação vigente têm, com suas limitações, servido para coibir tal prática degradante.
Sendo assim, no âmbito penal, dependendo do caso concreto, a conduta do agressor poderá subsumir-se em: (I) crimes contra a honra – do qual se destacam a calúnia, a difamação e a injúria; (II) crimes contra a liberdade individual – com destaque tanto para o constrangimento ilegal quanto para a ameaça e; (III) crime contra a dignidade sexual – referente ao delito de assédio sexual.
De forma concisa e sem esgotar suas peculiaridades, veremos os significados de cada um desses delitos.
A calúnia, tipificada no artigo 138 do Código Penal Brasileiro, consiste na falsa imputação a alguém da prática de crime. Já a difamação, tipificada no artigo 139 do mesmo Código, consiste na imputação de fato ofensivo à reputação da vítima. Por fim, para encerrar as condutas ofensivas à honra, temos, no artigo 140 do Código Penal, o crime de injúria, no qual a vítima tem sua dignidade ou decoro subjetivos ofendidos.
No rol dos crimes contra a liberdade individual, temos o constrangimento ilegal, delito previsto no artigo 146 do Código Penal, consistente em coagir alguém, mediante violência ou grave ameaça a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda; e temos também, a ameaça, tipificada no artigo 147 do Código Penal.
Além desses crimes, o assédio moral, dependendo da conotação da conduta do agressor, poderá configurar assédio sexual, delito pertencente ao rol dos crimes contra a dignidade sexual, tipificado no artigo 216-A do Código Penal, o qual se consuma mediante o constrangimento de “alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Cumpre ressaltar que a grande maioria das condutas do assédio moral se amoldará em algum desses crimes elencados, porém, isso não exclui a possibilidade de aplicação de legislações especiais, caso se adéquem com maior especificidade ao caso concreto.
6.2. Responsabilidade Trabalhista
Como exaustivamente fora dito, nossa Constituição Federal delineou preceitos para a proteção de um dos bens mais valiosos que o indivíduo carrega consigo, qual seja, a dignidade humana.
Não obstante a suprema tutela que nossa Carta Constitucional impinge à dignidade, impende ressaltar que na seara infraconstitucional ela também tem seu amparo, vale dizer, na Lei n.º 9.029/1995, que provê o cidadão de mecanismos para sua proteção, bem como proíbe a discriminação nas relações de trabalho.
Assim, em conformidade com os ditames constitucionais, estabelece o artigo 1º, da Lei n.º 9.029/1995, a proibição da adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.
Com efeito, de acordo com o artigo 4º da Lei n.º 9.029/1995, caso haja o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes [do artigo 1º] desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: (I) a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais ou; (II) a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.
Além dessa proteção, a Consolidação das Leis Trabalhistas também resguarda o empregado vítima de assédio moral. Neste sentido, pertinente são as palavras de Sônia Mascaro Nascimento, para quem
“o assédio moral praticado pelo empregador além de caracterizar descumprimento de obrigação contratual afeta a honra e a boa fama do empregado, o qual fica autorizado a deixar o emprego e pleitear a rescisão indireta do contrato, nos termos do art. 483, d ou e, da CLT.” (NASCIMENTO, 2011, p. 163)
Todavia, ocorrendo a hipótese do autor da agressão não ser o empregador, mas sim outro empregado da empresa, a vítima deverá comunicar tal fato à direção da organização, para que a conduta ilícita do assediador possa ser punida com a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, conforme artigos 482, alínea, “j”, da CLT.
6.3. Responsabilidade Civil
A Constituição Federal, mais do que tutelar a dignidade da pessoa humana, conferiu ao indivíduo – independente de raça, credo, cor, sexo, nacionalidade – ampla proteção aos seus direitos e garantias fundamentais, possibilitando, inclusive, a reparação pelo dano moral sofrido, conforme se extrai de seu artigo 5º, incisos V e X, in verbis:
“V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; […]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”;
Destarte, sendo o assédio moral uma agressão causadora de um injusto à vítima, violadora da dignidade da pessoa humana e ofensiva a tais preceitos constitucionais, nada mais plausível que seja civilmente indenizável.
Neste mesmo sentido, Hádassa Dolores Bonilha Ferreira aduz que a
“solução do assédio moral através de indenização por danos morais encontra respaldo legal na legislação civil, aplicável subsidiariamente na seara trabalhista. A nova principiologia civil determina que os contratos de modo geral – incluindo os de trabalho – sejam regidos desde a pré-contratação até a pós-contratação pelos princípios basilares da eticidade, boa-fé, sociabilidade e operabilidade. Isto é depreendido do art. 422 do Código Civil Vigente que dispõe que “os contratantes estão obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. (FERREIRA, 2010, p. 119)
Complementando a idéia da responsabilidade civil pelo prática do assédio moral, Sônia Mascaro Nascimento anota que
“de acordo com os arts. 932, III, 933, 934 e 935 do Código Civil vigente, os quais devem ser combinados com os arts. 1.521, III, 1.522 e 1.523 do mesmo diploma legal, o empregador responde pelos danos que causar a terceiros em decorrência de obrigação contraída pela emprega, firmando relações jurídicas nacionais ou internacionais, por atos praticados por seus empregados ou prepostos, nacionais ou estrangeiros, com fundamento nas culpas in vigilando e in eligendo.” (NASCIMENTO, 2011, p. 165)
Tal posicionamento é corroborado pela Súmula n.º 341 do Supremo Tribunal Federal, o qual assinala que “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.
Cumpre destacar, todavia, que caso o empregador tenha que indenizar a vítima do assédio moral, fica àquele assegurado o direito a ação regressiva contra o empregado causador do prejuízo restando comprovado ter agido com dolo ou culpa.
Com o mesmo entendimento, a 1ª Jornada de Direito Civil, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, ratificou, em seu enunciado n.º 44 que “na hipótese do art. 934, o empregador e o comitente somente poderão agir regressivamente contra o empregado ou preposto se estes tiverem causado dano com dolo ou culpa”.
Denota-se, com isso, que a vítima do assédio moral detém o poderio de três esferas de responsabilidades jurídicas diferentes, o que, em tese, deveria repreender a prática desse tipo de agressão.
6.4. Projetos de Leis
Atualmente, existem inúmeros projetos de leis em trâmites perante nosso Congresso Nacional. Há projetos de iniciativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, todos versando, de uma forma mais completa, outros nem tanto, do assédio moral.
Existem os que são tendentes a criminalizar a conduta do assédio moral a fim de tipificá-los no Código Penal. São eles: PL 4742/2001, PL 4960/2001, PL 5887/2001 e PL 5971/2001, todos iniciados na Câmara dos Deputados.
Por outro lado, existe o PL 4591/2001, também iniciado na Câmara dos Deputados, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de assédio moral por parte de servidores públicos da União, das autarquias e das fundações públicas federais a seus subordinados, alterando a Lei nº 8.112/1990.
Nesse contexto, há o PL 7202/2010, iniciado na Câmara dos Deputados, que tem por finalidade alterar a alínea b do inciso II do art. 21 da Lei nº 8.213/1991, para equiparar o assédio moral ao acidente de trabalho para o segurado do Regime Geral de Previdência Social.
Outro projeto de lei que faremos referência é o PL 2369/2003, iniciado na Câmara dos Deputados, no qual dispõe de maneira ampla sobre o assédio moral nas relações de trabalho.
Sem prejuízo dos projetos de leis anteriores, existe o recente PLS 136/2011, iniciado no Senado Federal, tendente a criar mecanismos para prevenir, coibir e punir a discriminação contra a mulher, abrangendo o assédio moral de forma ampla.
Cumpre salientar que mesmo ausente uma norma vigente que regule de maneira contundente e eficaz o assédio moral, importante mencionar que tal assunto já foi objeto de várias leis municipais de inúmeras cidades brasileiras, as quais encontram-se em pleno vigor.
Todavia, essas leis municipais esparsas, bem como a anomia de norma federal sobre o assunto demonstram a necessidade imperiosa por parte dos nossos legisladores de acelerar a discussão e, consequentemente a aprovação de uma lei de âmbito nacional a fim de padronizar os efeitos de repressão, penalização e responsabilização (em sentido amplo) por ela trazidos para todos os municípios brasileiros e indistintamente, para qualquer cidadão.
7. Conclusão
Como foi explanado, o assédio moral atinge tanto a saúde psicológica como a saúde física do trabalhador, acarretando consequências drásticas em sua vida laboral e familiar, levando-o a diminuição da capacidade de se autodeterminar, tornando-o, por corolário, uma pessoa depressivamente afastada do universo social.
Independente de como se caracterizar, seja ataque em grupo ou ataque individual, seja com intenção jocosa de humilhação ou de reduzir a motivação do próximo, seja para realizar a adaptação de empregados ao sistema arbitrário da organização ou para forçá-los a deixar a empresa, ou de qual roupagem o assédio moral utilizará, o importante é frisar de que se trata de procedimento de extinção da dignidade da pessoa humana que almeja tão somente a desvalorização do cidadão em seu ambiente de trabalho.
Isso pode ser o fruto de uma “evolução” conquistada durante alguns anos onde condutas humanas desprovidas de princípios éticos e valores morais norteadores se tornaram relativizadas em face da dignidade do próximo, extirpando o tênue limite entre o socialmente aceitável e o inaceitável.
A consequência da relativização dos axiomas sociais poderá fazer com que o mundo moderno perca a noção de moral, principalmente entre os jovens, no qual as gerações em formação e as vindouras carecerão de senso crítico de certo ou errado, sendo “recrutados” a tornarem-se agressores, vítimas ou, ao menos, espectadores dos famigerados mobbing, bullying ou stalking, leia-se, assédio moral.
Não se quer como isso, generalizar tal aspecto, pelo contrário, a existência do assédio moral é exceção, porém, devemos como sociedade, como pais, como educadores e como Estado, ter consciência de que esse mal deve ser extirpado das relações sociais, a fim de se evitar condutas desviantes graves que têm por destino uma série de consequêcias já exaustivamente elencadas.
Delegado na Polícia Civil do Estado de São Paulo. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Pós-graduado em Direito Processual Penal. Professor universitário
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