INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda a questão do Assédio Moral, um tema que tem
ganhado atenção nos últimos tempos, pois interfere no bom funcionamento das
relações entre os indivíduos de uma sociedade, prejudicando o aprimoramento da
vida de forma coletiva e individual. Objeto de estudo de vários pesquisadores
nos últimos anos, o Assédio Moral tem atraído a atenção de trabalhadores,
psicólogos, operadores do Direito, autoridades e demais pessoas interessadas
pelo mundo do trabalho, que vêem nessa questão uma forma de violação dos
direitos dos trabalhadores.
Este
escrito busca demonstrar, por intermédio de fundamentos jurídicos, que os
trabalhadores moralmente assediados merecem receber do Estado a tutela jurídica
contra o Assédio Moral. Para tanto, em um primeiro momento, são situados os
aspectos fundamentais do trabalho humano e sua evolução histórica. Em seguida,
é exposto o fenômeno do Assédio Moral e as suas variações, a fim de identificar
claramente o conceito, as características e as conseqüências. A argumentação
legal que tem sido eficaz na luta contra o Assédio Moral também é abordada.
Longe de
almejar uma conclusão do assunto, este trabalho presta-se a salientar idéias e
contribuir no combate de tal fenômeno, mostrando suas conseqüências, de forma
simples, para que todos o compreendam, alcançando o seu objetivo de
visibilidade social para uma questão que é, infelizmente, apenas mais uma
problemática da longa jornada de lutas dos trabalhadores no decorrer da
história.
1 Aspectos Fundamentais do
Trabalho Humano
1.1 Evolução histórica do trabalho humano
É de
conhecimento geral que o trabalho dignifica, engrandece e valoriza o homem,
pois é de seu resultado que o ser humano obtém os meios materiais que são
necessários à sua subsistência, além de ser um processo fundamental para sua
realização pessoal, profissional, familiar e social.
O
trabalho humano se faz necessário e essencial para o desenvolvimento econômico,
político e social de um país, pois é através dele que se movimenta a produção,
distribuição e circulação de riquezas. Sob o olhar da ideologia capitalista, é
por meio do trabalho que atendemos às exigências do mundo em que vivemos.
Porém, esse conceito possui raízes antigas e, em determinadas épocas da
história, os valores eram outros. A palavra “trabalho” tem sua origem no latim tripaliare,
que significa submeter alguém à
tortura através do tripalium, instrumento destinado a este fim
(cf. FERREIRA, 2004, p. 19). A partir daí, pode-se ver a relação do trabalho
com a noção de dor, sofrimento, fadiga.
Segundo
Hádassa Dolores Bonilha Ferreira, a fonte mais antiga de pesquisa a respeito do
trabalho é a Bíblia, na qual o trabalho é visto como uma maldição imposta por
Deus ao homem, estando ligado ao castigo, à dor, etc. Dessa forma, as
civilizações da antiguidade reservavam o trabalho aos escravos, por tratar-se
de uma atividade “indigna”. O escravo não era pessoa, e sim res,
considerado um objeto de propriedade de alguém. No império da Babilônia, no
Código de Hamurabi, ou nas leis egípcias, havia proibições de maus tratos aos
escravos ou compensações aos seus donos por havê-los ferido ou matado em
determinadas circunstâncias, mas o que se buscava com isso era a proteção do
direito de propriedade de seu dono, e não o bem estar dos mesmos (cf. FERREIRA,
2004, p. 19).
A ligação do trabalho ao sofrimento, ao
indigno e ao desumano durou muito tempo, mesmo quando a escravidão cedeu lugar
à servidão, que em pouco se diferenciava de sua antecessora. Na Idade Média, o
servo era apenas um instrumento de produção do senhor feudal. A busca pelo
trabalho livre foi árdua, somente sendo conquistada após a Revolução
Industrial, no final do século XVIII e início do século XIX, que deu origem à
produção industrial e à organização do trabalho. Mozart Victor Russomano diz, a
esse respeito, que a
Revolução Francesa, que
foi o primeiro grande movimento genuinamente popular e de massa na articulação
de reivindicações candentes, ao contrário, situando-se, declaradamente, no
plano político e econômico, se vincula, de modo estreito, ao trabalho e é
responsável histórica pelo advento do trabalho
livre. Suas causas, sabidamente, são múltiplas. Entre elas existem, na
base, causas técnicas (a revolução industrial inglesa, a máquina a vapor, a
modificação dos métodos de produção, etc.) e ideológicas ou políticas
(atribuição ao Estado do papel contemplativo que lhe outorgou o liberalismo,
que consagra a liberdade individual) (RUSSOMANO, 1997, p. 13).
Dessa forma, o trabalho, que passou a ser
visto como uma necessidade social, como um direito e também como um dever, e os
trabalhadores começaram a ser valorizados. E, devido a esse novo sentido,
surgiu a necessidade de legislações que formalizassem direitos e deveres dos
trabalhadores.
No Brasil, desde seu Descobrimento até
1888, o trabalho era delegado aos escravos.
Hádassa Dolores Bonilha Ferreira diz que “o histórico da valorização do
trabalho no Brasil acompanhará as evoluções das Constituições brasileiras,
analisando como o trabalho era tratado pela sociedade da época” (2004, p. 27).
A autora ressalta ainda que, no artigo 179 da Constituição Política do Império
do Brasil de 1824, falava-se sobre a liberdade no exercício de qualquer
trabalho, desde que não fosse contra os costumes públicos, a segurança e a
saúde dos cidadãos. Note-se que nesta época ainda havia a escravidão e que,
somente após a Abolição, o trabalho foi reconhecido como uma atividade digna.
A Constituição de 1934 concedeu uma série
de direitos aos trabalhadores. Com o Golpe de Estado, surgiu a Carta de 1937,
que atribuía ao trabalho um caráter de dever social, também mantido pela Carta
de 1967. Apenas em 1988 é que a questão social, o direito e o valor do trabalho
foram fundamentados, tornando-se a atividade um quesito fundamental do
crescimento econômico.
1.2
Aspectos fundamentais do trabalho humano
Conforme a Declaração Universal dos
Direitos Humanos,
Art.23 – Todo
o homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas
e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
II)
Todo o homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual
trabalho.
III)
Todo o homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória,
que lhe assegure, assim como a sua família, uma existência compatível com a
dignidade humana[1].
Desse artigo,
pode-se concluir que a pessoa é fim, e não meio, e que a dignidade do
trabalhador não é valorável, tampouco substituível. Em nossa
Constituição Federal, a pessoa humana é
reconhecida como “elemento central do direito”, enfatizando o trabalho e a
dignidade do trabalhador como sustentáculos do Estado Democrático de Direito
(CF/88, art. 1º, incis. III e IV e CF/88 art.170 e também declara o trabalho
como base conforme art. 193).
Nosso
ordenamento constitucional não deixa pairar dúvidas de que o Direito do
Trabalho é uma conquista fundamental do trabalhador, sendo a dignidade humana
um princípio basilar, que traz ao grupo também os direitos de personalidade do
empregado. Nesse sentido, o trabalho caracteriza-se como um direito social que
está diretamente ligado à dignidade do ser humano. Por outro lado, é fato que
apenas a garantia de uma vida digna para o trabalhador não basta. Como bem
pondera Maria Aparecida Alkimin, na verdade,
o
acesso às condições dignas e mínimas de trabalho, ou seja, ao trabalho decente[2],
no atual sistema econômico globalizado e de tendência flexibilizadora e
desregulamentadora, deixou de ser garantia de todos, pois estamos vivendo a era
da precarização das condições de trabalho e escassez de emprego, representando
esse cenário globalizado uma constante ameaça aos direitos sociais,
notadamente, ao trabalho e à sua manutenção em condições dignas (2006, p. 19).
Os fatos
analisados pela autora são inerentes à atual organização do trabalho, criada
apenas para garantir interesses econômicos, gerando empresas obcecadas pelo
lucro, o que viola princípios como o da dignidade do ser humano e dos direitos
de personalidade inerentes ao trabalhador.
Todas as típicas
relações de emprego têm como características elementos como a pessoalidade, a
subordinação e a não eventualidade, ou seja, o empregado entrega sua força de
trabalho em troca de salário. Dentre as características citadas acima, a
“subordinação” nos leva ao “poder de direção”, através do qual o empregador
dirige, controla e fiscaliza o trabalho do empregado. Isto gera uma relação
jurídica de direitos (dirigir, controlar, fiscalizar) e de obrigações, como a
de pagar salários e a de respeitar a dignidade e personalidade do empregado.
Estas limitam o poder de direção do empregador para que os direitos de
personalidade não sejam violados.
O respeitado
civilista Caio Mário da Silva Pereira, ao referir-se sobre os direitos da
personalidade, diz que são
‘inatos’
(como o direito á vida, o direito à integridade física e moral) sobrepostos a
qualquer condição legislativa, são absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis,
imprescritíveis: Absolutos, porque são oponíveis erga omnes;
irrenunciáveis, porque estão vinculados à pessoa de seu titular. Intimamente
vinculados à pessoa, não pode esta abdicar deles, ainda que para subsistir;
intransmissíveis, porque o indivíduo goza de seus atributos, sendo inválida
toda tentativa de sua cessão a outrem, por ato gratuito como oneroso;
imprescritíveis, porque sempre poderá o titular invocá-los, mesmo que por largo
tempo deixe de utilizá-los (2000, p. 153).
Como se pode
observar, esses direitos são inerentes à pessoa tanto quanto o direito à vida,
à integridade física e moral, e outros cujo objetivo é resguardar a dignidade
da pessoa. Prova disto é que nossa Legislação prevê reações a toda e qualquer
conduta que venha a lesar tais direitos, quer seja na esfera cível ou na penal.
Nossa
Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, prevê indenização por dano
. Tais normas de proteção são perfeitamente
aplicáveis na relação de emprego, tendo em vista o princípio da
subsidiariedade, segundo Maria Aparecida Alkimin, que cita o artigo 8º da CLT
como exemplo por carência de norma específica na legislação consolidada que
protege os direitos de personalidade especificamente do trabalhador (cf. 2006,
p. 21). Também ao observar o artigo 483 da CLT, pode-se ver a defesa dos
direitos de personalidade do trabalhador, pois o empregado, neste caso, quando
sofrer ofensa a sua honra ou de sua família, ou, ainda, quando for tratado com
rigor excessivo, pode considerar indiretamente rescindido seu contrato de
trabalho.
O reconhecimento
de tais direitos na relação de emprego leva ao controle do poder de direção e à
limitação da autonomia da vontade, organizando o trabalho de forma que as
ordens e serviços atendam à dignidade do trabalhador e aos seus direitos de
personalidade.
1.3 As conseqüências da Globalização no ambiente de trabalho
Hádassa Dolores
Bonilha Ferreira comenta que não restam dúvidas de que
o
momento atual acumula uma infinita variedade de mudanças estruturais em todo o
mundo, principalmente no âmbito das relações humanas. Os valores econômicos,
sociais, políticos, éticos e morais estão se transformando, assim como as
relações de trabalho e os valores a ela agregados. E pode-se afirmar que grande
parte dessas transformações nasceu com o fenômeno da globalização, o qual,
aliás, não é recente (2004, p. 30).
Com a
industrialização, surgiram cuidados com a saúde do trabalhador, mas esses
cuidados eram voltados especificamente para os acidentes de trabalho. Com o
passar do tempo, a preocupação também se voltou para a prevenção de doenças dos
trabalhadores. Hoje, com a moderna organização do trabalho voltada para a
Globalização, o cuidado passou a ser não apenas com os aspectos físicos, mas,
também, com os mentais, pois saúde não é apenas um estado físico, mas inclui os
estados mental e social.
Toda essa
preocupação que existe hoje no mundo capitalista tem um único fim: a
produtividade, pois se o trabalhador obtiver uma boa qualidade de vida, isso
refletirá em seu trabalho e, conseqüentemente, em sua produtividade. Mas o mais
importante é que isso também trará satisfação profissional e pessoal,
valorizando-o como pessoa.
Com o advento de
novas tecnologias, houve uma grande diminuição do esforço físico no trabalho,
que foi substituído pelo esforço mental, gerando, por vezes, uma série de
influências negativas no ambiente de trabalho e exigindo um trabalhador
pró-ativo, dinâmico, versátil e produtivo. O resultado de tudo isso é um
trabalhador com um desgaste emocional altíssimo, com perdas de sua resistência,
ao tentar adaptar-se às mudanças de um ambiente que, muitas vezes, lhe é
totalmente desfavorável.
Hádassa Ferreira
completa de forma harmônica tal pensamento, ao dizer que,
dentro
do contexto globalizado, além da ameaça do desemprego estrutural que assusta o
mundo todo, do subemprego, da demissão, da extinção de postos de trabalho, os
trabalhadores precisam estar preparados para participarem de uma competição
desumana. Nela não existe nenhuma garantia de que sua dignidade, sob o aspecto
de ser respeitado como pessoa humana, será observada e conservada, nem por seus
superiores hierárquicos, nem pelo Estado, uma vez que a dinâmica do mercado
exige uma total flexibilização dos direitos trabalhistas, muitas vezes resumida
à verdadeira renúncia de direitos (2004, p. 33).
Tais
conseqüências são sentidas por todos, não só pelo trabalhador. E é neste meio
que as relações no mundo do trabalho vêm mudando constantemente. A cooperação
mútua vem perdendo seu espaço para formas individualistas, fazendo com que haja
desprezo, inveja e perseguição entre as pessoas. Os que têm emprego trabalham
com medo de perdê-lo, sempre sob ameaças de serem substituídos por alguém ou
“algo” melhor.
É nesse cenário
que tem crescido a violência ou a agressão moral e silenciosa chamada Assédio
Moral, que apesar de não ter ainda uma previsão legal tem grande importância
jurídica.
2 O ASSÉDIO MORAL
2.1 Contexto histórico
Apesar de
o fenômeno do Assédio Moral não ser recente, os estudos que se referem a ele o
são. Por estar presente em toda parte, recebe conotações diferentes, devido à
sua existência em diversas culturas.
Nos anos
80, surgiu um novo conceito chamado mobbing,
termo que vem do verbo inglês to mob,
cuja tradução é maltratar, atacar, perseguir, sitiar (cf. HIRIGOYEN, 2005, p. 77). Tal expressão foi
introduzida pelo psicólogo alemão Heinz Leymann, que a utilizou para definir as
formas severas de tratamento dentro das organizações.
Há,
ainda, estudos anteriores a isso, como os originados no ramo da Biologia com
Konrad Loren, etnólogo que estudava o comportamento agressivo de grupos de animais
que tentavam expulsar um intruso. Peter-Paul Heinemann, médico sueco, publicou
em 1972 o primeiro livro sobre o mobbing,
após observar o comportamento hostil de algumas crianças dentro de escolas.
Leymann
trouxe tais constatações para o mundo do trabalho, onde tal hostilização era
repetidamente realizada em determinada pessoa. Apesar de tal fonte de estudos
pertencer ao campo da Psicologia, influenciou importantes áreas como a da
Sociologia e a do Direito.
Na década
de 90, a
discussão do tema se reascendeu através da psicanalista francesa Marie-France
Hirigoyen, que lançou um estudo completo sobre o tema tendo como base de
estudos casos reais. Sua repercussão foi internacional, mobilizando países como
França, Suécia, Noruega e Itália, que criaram leis com o intuito de coibir o
Assédio Moral no ambiente de trabalho. A psicanalista, em sua última obra,
destaca a necessidade de uma lei trabalhista que trate de forma específica o
assunto.
Segundo
Hádassa Ferreira, no Brasil a discussão do problema ainda é tímida. Algumas
legislações existentes, até o momento, em nível municipal e estadual, tratam do
assunto visando apenas o setor público. Recentemente, o tema ganhou destaque
com a médica do trabalho Margarida Barreto aborda a temática em uma dissertação
e mantém um importante sítio eletrônico sobre o assunto[3].
2.2 Conceito
Ao
definir um conceito para o Assédio Moral, deve-se ter cuidado, pois se tende a
confundi-lo com o estresse, ou quando nos sentimos humilhados pela hierarquia
de nosso trabalho em um fato isolado. Segundo o Dicionário Houaiss (2004, p. 392), “assediar” significa “pôr cerco a; sitiar; perseguir com
insistência; importunar”. Com certeza, o que difere o assédio de outros
fenômenos é a insistência, a repetição do ato. Já a escolha da expressão
“moral” veio da necessidade de questionarmos o que é certo ou errado dentro da
conduta humana, o que é virtuoso ou o que é maldade. Marie-France Hirigoyen
justifica a escolha do termo, afirmando que o termo implica
uma tomada de posição. Trata-se efetivamente de bem e de mal, do que se
faz e do que não se faz, e do que é considerado aceitável ou não em nossa
sociedade. Não é possível estudar esse fenômeno sem se levar em conta a
perspectiva ética ou moral (2005, p. 15).
Por ser
um tema discutido mundialmente e manifestado nas mais variadas sociedades,
torna-se difícil estabelecer apenas uma terminologia. No Brasil, como a
discussão do tema é recente, os juristas ainda não estabeleceram uma definição
comum, por isso tomam por base estudos na área da Psicologia e Sociologia para
tentar estabelecer um conceito jurídico do fenômeno.
A
psicóloga Marie-France Hirigoyen conceitua Assédio Moral como sendo
qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude…) que
atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade
psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima
de trabalho (2005, p. 17).
Hádassa
Ferreira, ao comentar a definição de Hirigoyen, mostra como se pode construir
juridicamente tal conceito, ao afirmar que, apesar
de tais conceitos serem, inicialmente, psicológicos, eles emprestam
elementos indispensáveis na construção de um conceito jurídico, o qual deve
esforçar-se para conter o mínimo de subjetividade possível, o que nesse caso se
torna difícil. Contudo, é possível estabelecer elementos objetivos e gerais
para uma definição jurídica do Assédio Moral (2004, p. 43).
Para que
se possa identificar a manifestação de tal fenômeno, é necessária a existência
de condutas abusivas remetidas ao assediado que não se confundam com questões
pessoais, pois o fenômeno tem de ser exercido no ambiente de trabalho[4].
Qualquer
que seja o conceito, o importante é termos definido que o Assédio Moral é uma
violência sutil, não evidente e, no entanto, altamente devastadora. Devido à
sua sutileza, não é percebido nas primeiras investidas, mas seu efeito
gradativo e freqüente acaba por compor a agressão. Também a sua maneira de se
expressar muda de acordo com os diferentes meios sociais e atividades
profissionais. Segundo Marie-France, no setor de produção, a violência é
expressa de maneira mais clara, podendo ser verbal ou física. Enquanto que, em
um nível sociocultural mais elevado as agressões são mais “sofisticadas”,
sutis, perversas e muito mais difíceis de serem caracterizadas.
Além
dessas diferentes formas em que o Assédio Moral se apresenta, deve-se ter o
cuidado também de não confundi-lo com outros fenômenos, pois nem todas as
pessoas que se dizem assediadas o são realmente. Hádassa Dolores Bonilha
Ferreira diz que o Assédio Moral
deve ser analisado como espécie do gênero sofrimento no trabalho,
precisa ser distinguido das demais espécies, as quais, apesar de possuírem
elementos comuns, com ele não se confundem. Muitas vezes, tais figuras podem
ser utilizadas como ferramenta dentro do processo do Assédio Moral, mas
analisadas isoladamente não podem ser interpretadas como tal (2004, p. 58-59).
A seguir,
são expostos alguns fenômenos que, geralmente, se confundem com o Assédio
Moral.
2.2.1 O stress
profissional
Em nosso
mundo, houve uma grande diminuição do esforço físico no trabalho e, em
conseqüência, há um grande aumento do esforço mental. Isso tem gerado uma série
de influências negativas no ambiente de trabalho, pois a atual organização do
trabalho exige um trabalhador pró-ativo, dinâmico, versátil e produtivo e o
resultado é um trabalhador desgastado emocionalmente. O stress profissional deve ser distinguido do Assédio Moral, pois tem
um caráter inicial, ou seja, ele é quase que uma fase preparatória para a
“chegada” do Assédio Moral, que é mais nocivo que o stress.
2.2.2 Situações conflituosas
Enquanto
os “vestígios” do Assédio Moral são obscuros, os conflitos são extremamente
expostos, verbalizados, e, diferentemente do Assédio Moral, têm seu lado positivo.
Muitas vezes, há um conflito, porque também há necessidades de mudança, ou de
uma nova visão no ambiente de trabalho. O conflito, nesta medida, se presta à
renovação de preceitos antigos. Outra diferença gritante é que os dois pólos do
conflito sempre estão em pé de igualdade, ele só pode vir a ter conseqüências
negativas quando se torna demorado e sem solução, e aí há
o risco de recair num caso de Assédio Moral, talvez por isso haja alguma
dificuldade na distinção.
2.2.3 Gestão por injúria
A
expressão “gestão por injúria” é sugerida por Hirigoyen, para definir gestores
completamente despreparados para liderar, que costumam obter o que querem a
gritos e xingamentos, submetendo seus empregados a terríveis pressões. E
diferem do Assédio Moral, pois tais ofensas são dirigidas a todos os empregados
sem distinção e sentidas por todos, enquanto o Assédio Moral chega de forma
sutil apenas a um indivíduo.
2.2.4 Agressões pontuais
Devemos
ter em mente que o Assédio Moral só se caracteriza por ações reiteradas,
portanto uma agressão verbal ou física pontual não caracteriza o Assédio Moral,
pois falta o requisito da repetição das ofensas. Também é importante salientar
que tais ofensas são silenciosas e quando a vítima se dá conta já está no meio
da degradação de seu ambiente de trabalho.
2.2.5 Más condições de trabalho
Não
podemos julgar como Assédio Moral um ambiente mal estruturado, pouco iluminado,
etc. É a intenção que deve ser analisada, pois se tal ambiente de trabalho for
designado a apenas um empregado, com intenção de isolamento do mesmo e
degradação de seu ambiente de trabalho, o problema ganha outras proporções,
caracterizando, dessa forma, o fenômeno do Assédio Moral.
2.2.6 Outras formas de violência
Marie-France
Hirigoyen cita algumas formas de violência que podem ser confundidas com o
Assédio Moral, como por exemplo, a violência externa que pode, muitas vezes,
vir de um cliente. Tal situação deve ser resolvida pela empresa que deve tomar medidas
de proteção a seus funcionários.
A
violência física também não é em si uma situação de Assédio Moral, mas, com
certeza, pode constituir uma conseqüência de tal assédio. Conforme a
Organização Mundial do Trabalho (OMT), o setor de serviços tem o índice mais
elevado de violência física: 6% nas repartições públicas e 5% no comércio (cf.
HIRIGOYEN, 2005, p. 33).
O assédio
sexual, ao contrário do Assédio Moral, já ganhou tipificação com a Lei
10.244/1991 e com o Código Penal art. 216-A. O interessante é que, em muitas
vezes, o assédio sexual, quando é “mal-sucedido”, acaba evoluindo para o
assédio moral. De acordo com a OMT, o assédio sexual atinge 2% dos
trabalhadores, sendo que as mulheres são as maiores vítimas, em especial as com
menos de 25 anos e as de classe social mais humilde.
2.3 Elementos caracterizadores do Assédio Moral
Para que
se possa verificar a responsabilidade pelo Assédio Moral é necessário
analisarmos os sujeitos desta relação. E para isso podemos começar pelo
conceito exposto pela Consolidação das Leis do Trabalho, nos artigos 2° e 3°,
que definem empregado e empregador:
Art. 2. Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço. Além daqueles que são equiparados por lei ao
empregador.
Art. 3. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços
de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante
salário.
Não há um
perfil exato dentro do Assédio Moral de qual das partes é agressor, e qual é a
vítima, até porque, dependendo de cada caso, um superior hierárquico pode estar
sendo a vítima dentro da situação. A maioria das pessoas tem a idéia de um
agressor perverso, soberbo, e de uma vítima indefesa, representante do lado
“mais fraco” da relação.
Em sua
pesquisa, Marie-France Hirigoyen constatou que, apesar de ser mais comum, o
assédio vindo de cima para baixo, ou seja, do empregador contra o empregado,
existem outras situações diferentes, em que, muitas vezes, o assédio pode ser
contra o próprio superior hierárquico, ou entre os colegas de trabalho.
Hirigoyen constatou que, em 58% dos casos, o assédio vem da hierarquia; já em
29% dos casos, o assédio vem de diversas pessoas, incluindo chefia e colegas;
em 12% dos casos, o assédio vem dos colegas; e, por fim, 1% dos casos
corresponde ao assédio provindo de um subordinado. (cf. 2005, p. 111). Por
isso, se faz necessária a distinção dessas diferentes relações de Assédio Moral
e de seus sujeitos.
2.3.1 Assédio Moral vertical descendente
Esse tipo
de assédio é feito pelo empregador contra seu subordinado. A expressão
“empregador” também compreende outros tipos de superiores hierárquicos. E aqui
a doutrina revela uma série de críticas à CLT, devido ao conceito de empregador
sugerido por ela, conforme o exposto acima. Maria Aparecida Alkimin fala sobre
essas críticas com base na obra de Arion Sayão Romita:
Essa conceituação de empregador pela CLT foi alvo de críticas pela
doutrina,visto que a relação de emprego tem como sujeitos as figuras do
empregado e do empregador, de cuja relação jurídica tem origem o contrato de
trabalho, de natureza sinalagmática e onerosa, sendo bilateral, porque
corresponde às posições de crédito e débito das partes, sendo que o crédito do
trabalhador corresponde ao débito do empregado, assim, somente a pessoa física
ou jurídica pode ser sujeito de direitos e obrigações, não podendo sê-lo a
empresa, esta somente pode ser objeto de direito (ALKIMIN, 2006, p. 61).
Deixando
a questão taxonômica para trás, esse tipo de assédio é o mais comum, devido à
nova organização do trabalho na qual se precisa de empresas e funcionários cada
vez mais competitivos, dinâmicos, produtivos e dispostos a se adequarem às
novas ideologias e a flexibilização. E, para que esses resultados sejam
obtidos, alguns empregadores abusam de seu poder de comando, através de
atitudes desumanas para com algum empregado que possa não corresponder às suas
sádicas metas, saindo do foco e da visão da empresa, degradando o sucesso
profissional do empregado tornando-o acuado diante de tais atitudes
autoritárias.
Tal
assédio, muitas vezes, é cometido porque o superior hierárquico se sente
ameaçado por algum empregado que possa ter um desempenho melhor que o dele e,
para que isso não aconteça, o assedia com metas inalcançáveis, ameaças e todo o
tipo e meios antiéticos. O assédio também pode se dar porque o empregado não se
adapta às diretrizes do superior, portanto seu interesse é eliminá-lo,
forçando-o pelo assédio a pedir demissão, ou quando o empregado está doente, e,
por isso, pouco produtivo, não sendo mais interessante para seus superiores.
Essa
prática causa quebra da obrigação contratual, pois fere um princípio geral do
Direito do Trabalho, que é o respeito à dignidade da pessoa do trabalhador.
Além disso, há, na CLT, uma proteção a esse descumprimento que é a rescisão
indireta do contrato de trabalho, prevista em seu artigo 483. Quando tal
situação ocorre, o superior pode ficar, como sugere Maria Aparecida Alkimin,
“sob pena de também responder, com base na teoria objetiva, por danos morais em
relação ao empregado assediado por qualquer de seus prepostos” (2006, p. 63).
2.3.2 Assédio Moral horizontal
O Assédio
Moral horizontal é aquele que ocorre entre colegas de trabalho. Conforme
Marie-France, esse tipo de assédio é freqüente quando dois empregados disputam
um mesmo cargo ou uma promoção (cf. 2005, p. 113). Também pode ocorrer por um
conflito de relacionamento e convivência entre os dois, por discriminação de sexo,
ou, ainda, por pura competitividade, que muitas vezes é estimulada pelos
superiores. Este tipo de assédio fere diretamente os direitos de personalidade,
causando um ambiente hostil para o empregado. O colega autor do assédio pode
responder por perdas e danos e também deve se sujeitar o empregador, que pode
lhe aplicar alguma medida disciplinar. O empregador também pode lançar mão do
artigo 482, “b”,”j”, que trata da demissão por justa causa, o que não exime a
responsabilidade do empregador que também pode vir a responder por perdas e
danos morais.
A
respeito disso, é interessante destacar um trecho do livro de Maria Aparecida
Alkimin: “o vigente código adotou a teoria da
responsabilidade objetiva para responsabilização do empregador, ou seja,
independe de culpa” (2006, p. 65).
2.3.3 Assédio Moral vertical ascendente
É aquele
feito por um ou vários empregados contra seu superior hierárquico. Geralmente,
acontece por tratar-se de superior hierárquico que abusa do seu poder de mando
agindo de maneira autoritária e soberba para com os funcionários, mas também
acontece quando determinado gestor não consegue administrar e manter o domínio
dos empregados, não conseguindo impor respeito perante eles, e, assim, com o
intuito de livrar-se de tal chefia, o(s) empregado(s) assedia(m) seu superior
hierárquico. O superior, na maioria das vezes, sofre em silêncio com medo de
contar ao proprietário da empresa e ser taxado de incompetente.
2.3.4 A vítima
A vítima
é constituída pelo sujeito passivo da relação, aquele que é humilhado,
hostilizado, tendo sua dignidade ferida, e, em alguns casos, tem queda em sua
produtividade. Isto gera insatisfação profissional, frustração, e, em casos
mais graves, doenças emocionais e físicas, culminando com o afastamento do
trabalho ou até com a morte.
Na
maioria das vezes, o assédio acontece porque as vítimas, em um primeiro
momento, não se submetem a um tratamento desumano e autoritário, ou não se
submetem a metas abusivas determinadas por gestores inconseqüentes. Também
acontece em casos de trabalhadores muito dedicados ao trabalho que são
esforçados, prestativos, inteligentes e com um futuro promissor dentro da
empresa, pois seu gestor ou colega de trabalho sente-se ameaçado com tantas
qualidades e tem medo de ser substituído, sendo de seu interesse é livrar-se
daquele que representa uma ameaça. Segundo Marie-France Hirigoyen,
qualquer um pode ser vítima de Assédio Moral; contudo, os agressores e
as testemunhas, incrédulos, continuam a atribuir este tipo de problema somente
às pessoas frágeis ou portadores de uma patologia particular, vítimas natas de
alguma maneira. Se não existe um perfil psicológico específico para as pessoas
que são assediadas, existem incontestavelmente, como acabamos de ver, contextos
profissionais nos quais o Assédio Moral transita mais livremente. Existem
também situações em que as pessoas correm maior risco de se tornar visadas
(2005, p. 219).
Geralmente,
as pessoas mais visadas são aquelas que são muito diferentes de todas as outras
em uma empresa, ou que são muito competentes, ou aquelas que não se adaptam aos
padrões da empresa, ou, ainda, aquelas que não são tão produtivas como as
outras ou que estão passando por uma momentânea fase delicada em sua vida.
Em
matéria publicada no jornal Zero Hora, do dia 09 de julho deste ano, forma
divulgados os resultados de uma pesquisa, em que se constatou uma maior
incidência do Assédio Moral nos setores de vendas, atingindo mais as mulheres.
Mas isso, como já explicou Hirigoyen, não é taxativo, pois existem vítimas que
não se enquadram em nenhum desses casos citados, sendo pessoas comuns que
apenas têm o azar de serem escolhidas como “bode expiatório”.
2.4 Conduta do agente assediador
Assim
como a vítima não tem uma característica exclusiva, também não se pode taxar
uma conduta específica para o assediador, pois o assédio pode se manifestar das
mais variadas formas: através de palavras, atos e comportamentos que são
capazes de afetar a personalidade e a dignidade do trabalhador assim como sua
saúde física e psíquica, degradando e pondo em risco seu ambiente de trabalho[5].
Essa
conduta pode se manifestar pelos mais variados motivos, dentre os quais, Maria
Aparecida Alkimim cita:
deficiência na organização do trabalho, precariedade de comunicação e
informação interna, corrida pela competitividade e lucratividade, ausência de
uma política de relações humanas, rivalidade dentro do setor, gerenciamento sob
pressão para forçar a adaptação e a produtividade, inveja, ciúmes, e até mesmo
a perversidade inerente a muitas pessoas (2006, p. 48).
Para que
seja caracterizado como Assédio Moral, a conduta deve ser reiterada, degradando
o ambiente de trabalho e causando mal à saúde física e psíquica do indivíduo. O
assediador rompe a norma social que chamamos de moral e sua conduta é
considerada anti-social e antiética, contrária aos bons costumes e à boa fé que
deve ser base de toda a relação jurídica. A esse respeito, Caio Mario da Silva
Pereira comenta que a
iliceidade de conduta está no procedimento contrário a um dever
preexistente. Sempre que alguém falta ao dever a que é adstrito, comete um ato
ilícito, e como os deveres, qualquer que seja a sua causa imediata, na
realidade são sempre impostos pelos preceitos jurídicos, o ato ilícito importa
na violação do ordenamento jurídico (2000, p. 416).
Sem
dúvida, o Assédio Moral viola o ordenamento jurídico, pois, como já ficou
claro, ele desrespeita a dignidade e a personalidade do trabalhador. Pode-se
igualá-lo a um ato ilícito, visto que, segundo o Código Civil, em seu artigo
186, aquele que “por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito”.
Maria
Aparecida Alkimin afirma que, para o argumento de exercício legitimo do poder
de direção, o artigo 187 do Código Civil é perfeito, por rezar que também
comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa
fé ou pelos bons costumes (cf. ALKIMIN, 2006). Em nosso ordenamento jurídico
trabalhista, o Assédio Moral tem por característica a quebra do contrato de
trabalho, podendo este ser rescindido com base na rescisão indireta prevista na
CLT no artigo 483 e suas alíneas.
Heinz
Leymann, estudando a conduta do agente assediador, resumiu-a em cinco
importantes grupos: deterioração proposital das condições de trabalho,
isolamento, recusa de comunicação direta, atentado contra a dignidade e ataque
direto à saúde da vítima com violência (cf. Hirigoyen,
2002, p. 107).
2.4.1 Deterioração proposital das condições de
trabalho
Geralmente,
o agente busca meios para dificultar o tranqüilo desenvolvimento do trabalho da
vítima, atribuindo-lhe falhas, negando informações, limitando prazos tornando
as metas impossíveis de serem realizadas e atribuindo-lhe tal incompetência,
até que a vítima peça demissão, ou seja demitida por tais condições.
Marie-France Hirigoyen criou uma lista dessas atitudes hostis em seu livro “Mal
Estar no Trabalho – Redefinindo o Assédio Moral”. Interessante é observá-las:
Retirar da vítima a autonomia. Não lhe transmitir mais as informações
úteis para a realização de tarefas. Contestar sistematicamente todas as suas
decisões. Criticar seu trabalho de forma injusta ou exagerada. Priva-la do
acesso aos instrumentos de trabalho: telefone, fax, computador… Retirar o
trabalho que normalmente lhe compete. Dar-lhe permanentemente novas tarefas.
Atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas inferiores às suas
competências. Pressioná-la para que não faça valer seus direitos (férias,
horários prêmios). Agir de modo a impedir que obtenha promoção. Atribuir a
vítima, contra a vontade dela trabalhos perigosos. Atribuir a vítima tarefas
incompatíveis com sua saúde. Causar danos em seu local de trabalho. Dar-lhe
deliberadamente instruções impossíveis de executar. Não levar em conta
recomendações de ordem médica indicadas pelo médico do trabalho. Induzir a
vítima ao erro (2005, p. 108).
2.4.2 Isolamento e recusa de comunicação direta
O
isolamento é a prática mais comum de Assédio Moral e, quando é praticada pelo
superior hierárquico, toma conta de todos na empresa, contagiando-os por mero
comodismo, por quererem fazer o mesmo que o chefe, para agradá-lo ou por medo.
A recusa de comunicação é outra típica conduta, pois o silêncio é uma forma de
dizer o quanto ela não interessa para a empresa, ou mesmo para deixá-la sem
entender, sem respostas para tamanho desprezo e mesmo para prejudicá-la ao
omitir informações importantes sobre a empresa. Em uma reportagem especial da
revista Veja, de 13 de julho de
2005, há um relato típico da conduta de Assédio Moral através do isolamento:
Entre 2004 e 2005, fui moralmente assediada por coordenadores do
departamento da universidade onde trabalhei até o mês passado. Depois de um
período de afastamento, encontrei um ambiente hostil. Deram-me um horário
irracional. Em um dia, tinha que trabalhar doze horas ininterruptas. Quase
todos os dias, recebia ofícios de advertência, sem que nada tivesse feito de
errado. Elegi-me para uma comissão de prevenção de acidentes e passei a ser
ainda mais humilhada. Deram-me atividades de orientação de estagiários, com a
justificativa de que eu não tinha qualificação para dar aula. Numa reunião, o
coordenador agrediu-me aos berros na frente dos colegas e funcionários. Chequei
a ser colocada em uma salinha, sem nada para fazer. Nesse processo estressante,
adoeci e voltei a sofrer convulsões
depois de 24 anos sem ter esse problema. Também perdi mais da metade da minha
renda (SANTOS, 2005, p. 105) [6].
Hirigoyen
também elenca uma série de condutas em que a vítima é
interrompida constantemente. Superiores hierárquicos ou colegas não
dialogam com a vítima. A comunicação com ela é unicamente por escrito. Recusam
todo o contato com ela, mesmo o visual. É posta separada dos outros. Ignoram
sua presença, dirigindo-se apenas aos outros. Proíbem os colegas de
lhe falar. Já não a deixam falar com ninguém. A direção recusa qualquer pedido
de entrevista (2005, p. 108-109).
2.4.3 Atentado contra a dignidade
É um
processo de desqualificação feito pelo agressor à vítima, no qual ele põe em
suspeita sua competência fazendo com que ela perca sua auto-estima e sua
autoconfiança através de desprezo, críticas exageradas, gestos, etc. Outro
relato da reportagem da revista Veja mostra tal processo de humilhação:
Durante um ano e quatro meses vivi num inferno, como vendedor de uma
companhia de bebidas. A ordem da gerência era ridicularizar quem não cumpria as
metas. Nas reuniões que precediam as nossas saídas para a rua, cada vendedor
relatava os resultados do dia anterior. Quando eu era um dos que não tinha
alcançado a meta, me via obrigado a pagar prendas, como subir na mesa e fazer
flexões. Ao mesmo tempo, meus colegas eram instigados pelos gerentes a passar
as mãos nas minhas nádegas. Às vezes, era obrigado a desfilar de saias ou
passar por um corredor polonês formado por colegas, ouvindo palavrões e
ofensas, como ‘burro’ e ‘imprestável’. Em seguida, eu ia para o banheiro e
chorava escondido. Um dia de trabalho depois disso era o maior sacrifício. Em
casa, vivia estressado, brigava com a minha mulher. Vivia a ponto de explodir
(SANTOS, 2005: p. 107) [7].
As
características definidas por Hirigoyen neste caso deixam claro que os
agressores utilizam insinuações desdenhosas para desqualificar a vítima. Além
disso, os assediadores fazem
gestos de desprezo diante dela (suspiros, olhares desdenhosos, levantar
de ombros…). É desacreditada diante dos colegas, superiores ou subordinados.
Espalham rumores a seu respeito. Atribuem-lhe problemas psicológicos (dizem que
é doente mental). Zombam de suas deficiências físicas ou de seu aspecto físico;
é imitada ou caricaturada. Criticam sua vida privada. Zombam de suas origens ou
de sua nacionalidade. Implicam com suas crenças religiosas ou convicções políticas.
Atribuem-lhe tarefas humilhantes. É injuriada com termos obscenos ou
degradantes (2005, p. 109).
2.4.4 Ataque direto à saúde da vítima com violência
Geralmente,
quando o ataque é direto à saúde da vítima com violência, já se está em um grau
muito avançado de Assédio Moral. Hirigoyen exemplifica essas atitudes, dizendo
que a vítima sofre ameaças
de violência física. Agridem-na fisicamente, mesmo que de leve, é
empurrada fecham-lhe a porta na cara. Falam com ela aos gritos. Invadem sua
vida privada com ligações telefônicas ou cartas. Seguem-na na rua, é espionada
diante do domicílio. Fazem estragos em seu automóvel. É assediada ou agredida
sexualmente (gestos ou propostas). Não levam em conta seus problemas de saúde
(2005, p. 109).
3 EFEITOS DO ASSÉDIO MORAL
3.1 A violação do dever jurídico
As
conseqüências do Assédio Moral afetam a todos. O empregado, vítima de tamanho
sofrimento, se sente ferido em todas as esferas: profissional, social, pessoal
e familiar e também o empregador sofre algumas conseqüências, pois a própria
queda da produtividade do trabalhador e a conseqüente queda nos lucros são
fatores que o prejudicam. A falta do empregado, que debilitado pelo assédio
acaba por faltar ao trabalho, é um prejuízo.
A
coletividade sofre as conseqüências, pois, por muitas vezes, o Estado é
obrigado a pagar por aposentadorias precoces de pessoas que tiveram sua saúde
prejudicada em função do assédio. E, assim, por ser algo tão prejudicial para
uma gama tão grande de pessoas (uma sociedade inteira), também o Direito vê o
Assédio Moral como algo anti-social, pois prejudica a convivência da sociedade.
Maria
Aparecida Alkimin reforça a importância jurídica do fenômeno, dizendo que,
muito embora
a ordem jurídica trabalhista não estabeleça proteção jurídica específica
para as hipóteses de Assédio Moral, não se trata apenas de uma violação de um
‘dever-ser de implicação moral’; viola o dever jurídico traçado pelo
ordenamento jurídico sob o aspecto trabalhista e constitucional, posto que a
conduta do assediante se consubstancia em violação das obrigações contratuais
(CLT, art. 483 e art. 482) e do dever geral de respeito à dignidade da pessoa
humana do trabalhador e aos seus direitos de personalidade (intimidade,
liberdade, não discriminação, honra integridade física e psíquica), havendo no
ordenamento jurídico constitucional proteção a tais direitos como garantia
individual e fundamental, sujeitando o autor da violação à responsabilização
por dano moral (CF/88, art.5°, inc.X) (ALKIMIN, 2006, p. 84).
Embora o
Assédio Moral tenha raízes antigas, somente agora tem sido tão discutido e
sentido pela sociedade, é aí que o Direito deve se fazer presente, pois não
pode ficar indiferente às mudanças sócio-econômicas.
3.2 As conseqüências
A
pesquisa feita por Hirigoyen revela que, no processo de Assédio Moral, a
vítima, na maioria das vezes, sai do emprego em um estado tão deplorável que
acaba ficando sem condições físicas nem psicológicas de conseguir um novo
emprego.
As
conseqüências são sociais e econômicas e, em 36% dos casos, o assédio é seguido
da saída da pessoa assediada; em 20% dos casos, a pessoa é despedida por falha;
em 9% dos casos, a demissão é negociada; em 7% dos casos, a pessoa pede
demissão; e, em 1% dos casos, a pessoa é colocada em
pré-aposentadoria. Juntando esses dados aos 30% de pessoas
que ficam doentes por um longo tempo, inválidas ou desempregadas, chega-se a um
total de 66% de casos de pessoas efetivamente excluídas do mercado de trabalho,
pelo menos temporariamente (cf. HIRIGOYEN, 2002, p. 120). Daí o motivo pelo
qual se faz tão necessária a adoção de medidas preventivas.
Para o
empregado assediado, as conseqüências existem nas mais variadas esferas. A
vítima sofre prejuízos a sua saúde psíquica e física quando, ao ser assediada,
sofre significativas perdas de sua dignidade e personalidade de homem e
trabalhador, desarmonizando suas emoções. Também sofre as conseqüências no seu
convívio familiar e social. Segundo Maria Aparecida Alkimin, o homem:
busca no trabalho não apenas a fonte de sobrevivência, mas também
satisfação para si e sua família, pois o trabalho destaca o homem no seio da
família e da sociedade, e, se o trabalho não cumpre essa finalidade, gera
insatisfação no trabalho, isolamento do trabalhador, além de alterações
comportamentais, podendo desestabilizar o convívio familiar e social do
trabalhador (2006, p. 86).
Outra
conseqüência visível no trabalhador é a baixa auto-estima pessoal e
profissional, além de queda ou aumento da produtividade, pois, muitas vezes, o
trabalhador, temendo o desemprego, se dedica intensivamente e exaustivamente ao
trabalho, prejudicando, por conseqüência, sua saúde física e mental.
De acordo
com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a saúde mental do operário
deve sofrer profundo abalo nas próximas duas décadas. A tendência, até mesmo em
países desenvolvidos, é de se assistir a quadros de depressão cada vez mais
graves.
O Jornal Trabalhista Consulex traz uma interessante entrevista com 870 homens e mulheres
vítimas de opressão no ambiente de trabalho e revela como cada sexo reage a
essa situação (ASSÉDIO, 2002, p. 6):
Reações à opressão de acordo com o sexo da vítima | ||
Sintomas | Mulheres (%) | Homens (%) |
Crises de choro | 100 | — |
Dores generalizadas | 80 | 40 |
Palpitações, tremores | 80 | 40 |
Sentimento de inutilidade | 72 | 40 |
Insônia ou sonolência | 69,6 | 63,6 |
Depressão | 60 | 70 |
Diminuição da libido | 60 | 15 |
Sede de vingança | 50 | 100 |
Aumento da pressão arterial | 40 | 51,6 |
Dor de cabeça | 40 | 33,2 |
Distúrbios Digestivos | 40 | 15 |
Tonturas | 22,3 | 3,2 |
Idéia de Suicídio | 16,2 | 100 |
Falta de apetite | 13,6 | 2,1 |
Falta de ar | 10 | 30 |
Passa a beber | 5 | 63 |
Tentativa de suicídio | — | 18,3 |
Tabela 1: Reações à opressão de acordo com o sexo da
vítima.
De acordo
com os resultados, são nítidas as conseqüências sobre a saúde das vítimas, sejam
elas mulheres ou homens. Hirigoyen mostra uma pesquisa realizada segundo os
critérios do DSM IV (Classificação Internacional das Doenças Mentais), tomando
por base pessoas que tiveram casos de assédio por um longo período de tempo:
69% das respostas acusaram um estado depressivo severo que justificou
acompanhamento médico, por significar sério risco de suicídio. Estes números
têm, alias, correlação com a solicitação de ajuda das pessoas que segundo nosso
levantamento, consultaram seus médicos em 65% dos casos e um psiquiatra em 52%
deles; 7% das pessoas apresentam um estado depressivo moderado; e 24% um estado
depressivo leve (HIRIGOYEN, 2002, p. 160).
As
conseqüências para o empregador também são variadas, pois o Assédio Moral
cometido dentro da relação de trabalho é uma violação do contrato de trabalho.
Cometendo o assédio, o empregador quebra normas de proteção existentes na CLT,
violando, também, garantias concedidas aos trabalhadores pela Constituição
Federal, porém, como não temos em nossa Legislação uma lei específica, devemos
aplicar a norma mais adequada. Assim como cita Maria Aparecida um trecho de
Carlos Maximiliano: “aplicação do direito consiste em enquadrar um caso
concreto e a norma jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma relação
da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado”
(apud. ALKIMIN, 2006, p. 91-92).
Tal
distinção das conseqüências é de suma importância para que se possa traçar,
juridicamente, como cada vítima deve ser ressarcida.
3.3 Caracterização da rescisão indireta
Já ficou
claro que o Assédio Moral é algo humilhante e hostil, que fere o princípio da
dignidade da pessoa humana do trabalhador, e, consequentemente, degrada todo o
ambiente de trabalho, que é direito protegido por nossa Constituição Federal,
em seu artigo 225, e que, em muitas vezes, vem a quebrar definitivamente a
relação de trabalho, devido a tal violação das obrigações contratuais
trabalhistas.
Sob o
olhar das obrigações contratuais trabalhistas, todos os elementos caracterizadores
do Assédio Moral nos servem para tipificar o artigo 483 da CLT, devido à
violação que causa ao contrato de trabalho. Determinadas atitudes legitimam
perfeitamente a despedida indireta por justa causa ou falta grave do
empregador.
Muitas
vezes, o empregado se vê fadado a denunciar o contrato de trabalho, devido às
graves violações cometidas pelo empregador, preferindo tomar tal prática a
seguir o caminho mais direto da despedida, seja ela com ou sem justa causa. É
importante analisar as figuras da dispensa indireta que se enquadram na sua
totalidade às formas de Assédio Moral, e é o que veremos nos próximos
subcapítulos.
3.3.1 Exigência de serviços superiores às forças do
empregado, alheios ao contrato, descumprimento de obrigação contratual e
redução dos serviços e salários
Este tipo
de dispensa pode ser utilizada quando o assediador dá à vítima funções que não
estão de acordo com aquilo para o que foi contratado, ou quando faz exigências
que estão fora do seu alcance, devido à idade, sexo, porte físico ou
intelectual, pois não estamos falando apenas de força física, mas também da
intelectual.
Maria
aparecida Alkimin comenta que, no caso de
‘serviços alheios ao contrato de trabalho’, caracterizará essa figura e
habilitará o empregado à dispensa indireta, sob alegação, inclusive, de Assédio
Moral, quando o assediante, por exemplo, atribuir à vítima tarefas estranhas ao
contrato de trabalho, ou tarefas inferiores ou superiores à capacidade e
competência da vítima, desviando ou rebaixando a vítima de função, como, por
exemplo, determina à secretária que passe a fazer a limpeza, limpar banheiros
etc., ou desvia de função determinando o desempenho de funções análogas àquelas
para as quais foi contratado(a), enfim, atribui ao empregado a chamada
‘desmerecedoras condições de trabalho’ (2006, p. 93-94).
Outras
práticas também são usadas pelo empregador a fim de forçar a saída do
funcionário como, por exemplo, o inadimplemento das obrigações contratuais, ou
quando retira ou deixa de fornecer ao funcionário os equipamentos ou
instrumentos necessários para o desempenho de suas funções, também quando o
retira de suas funções, ficando o empregado sem nenhuma atividade, ou, ainda,
quando altera função ou salário sem o devido conhecimento do empregado, sendo
que o artigo 468 da CLT adverte a respeito:
Art.468. Nos
contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas
condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta
ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula
infringente desta garantia.
Nem mesmo
que o empregado aceite a alteração da condição, se esta resultar em prejuízo
para ele, será considerada nulidade da cláusula.
3.3.2 Rigor excessivo praticado pelo empregado ou
por superior hierárquico
O rigor
excessivo pode existir de diversas formas, a começar pelas ofensas hostis
dirigidas ao empregado. Mas note-se que o “rigor excessivo” pode, muitas vezes,
estar disfarçado em um poder de organização forte que inclui um plano de
trabalho exaustivo, com metas inatingíveis, destinadas a enfraquecer a
auto-estima do empregado, tornando-o frustrado até que se afaste do trabalho.
Outra manifestação é uma fiscalização muito agressiva, através de e-mails, filmagem, revistas pessoais,
etc., o que fere a dignidade e a personalidade do trabalhador.
3.3.3 Mal considerável
A
garantia de um meio saudável para o empregado onde este possa trabalhar de
forma adequada é uma obrigação contratual do empregador, portanto a quebra
dessa garantia pela prática do Assédio Moral gera o “mal considerável”,
previsto na alínea c, do artigo 483 da CLT, abalando tanto sua saúde física
como psíquica.
3.3.4 Ato lesivo à honra e boa fama do empregado e
a ofensa física
A honra é
o “sentimento de dignidade e honestidade moral” (HOUAISS, 2004, 392) perante si
e perante a sociedade, no seio familiar, assim como no local de trabalho. A
honra tem proteção em nosso
Código Penal, havendo uma parte que cuida
dos “crimes contra a honra (injúria, difamação e calúnia). Mas, mesmo que tal
conduta do empregador se enquadre na tipificação penal, não se confunde com o
Direito do Trabalho. Portanto, não é necessário intentar ação penal para
declarar o assédio sofrido” (cf. ALKIMIN, 2006, p. 108). As maneiras de
praticar o Assédio Moral, atingindo a honra e a boa fama, são muitas e boa
parte delas foi exposta no capítulo 2,
quando se falou da conduta do agente assediador.
A
agressão física é a única citada na CLT, ficando de fora a agressão moral,
geradora do Assédio Moral. Também a agressão física pode gerar alguns
distúrbios psicológicos. Para alguns doutrinadores, diferentemente do Assédio
Moral, para caracterizar-se a ofensa física, basta uma única ocorrência para se
enquadrar em um caso de rescisão indireta. Desta maneira, tal agressão não
servirá para embasamento de um possível Assédio Moral já que foi uma agressão
pontual.
3.4 Despedida por justa causa injustificada
Como já
foi observado, a intenção do agressor é que a vítima saia do ambiente de
trabalho, por isso mina sua vida laboral de frustrações de maneira a provocar
motivos para a demissão da vítima por justa causa. Porém, nestes casos, temos
um remédio jurídico, como nos aponta Maria Aparecida Alkimin, ao dizer que o
empregador
pode valer-se de seu direito protestativo de rescindir, arbitrariamente
ou sem justa causa o contrato de trabalho, quando não mais tiver intenção de
dar continuidade à relação de emprego, sujeitando-se, nesse caso, a pagar a
indenização compensatória (2006, p. 99).
Porém,
quando o empregador usar de meios não lícitos para demissão, ou seja, demitir
por justa causa quando esta não houve ou foi forjada estará incidindo na
prática da despedida abusiva. Seguindo o pensamento de Maria Aparecida Alkimin,
a justa causa
imputada ao empregado se sujeita ao controle judicial, podendo ser
anulada para caracterização de dispensa abusiva; aplica-se o mesmo raciocínio
quando o empregado é forçado a pedir demissão em razão de Assédio Moral (2006,
p. 100).
Infelizmente,
não há, em nosso ordenamento jurídico, previsão de indenização contra a
demissão abusiva. Mas, como o Direito comum é fonte subsidiária do Direito do
Trabalho naquilo que não for incompatível com os princípios fundamentais destes[8],
podemos tomar por base a responsabilidade civil, tendo assim o empregado
direito à indenização por dano moral e material, devido ao ato ilícito do
empregador.
3.4.1
Caracterização da justa causa
A caracterização da justa causa não é tarefa fácil. Alguns
elementos devem ser preenchidos para evidenciá-la, como a observação da
gravidade, considerando que faltas graves são aquelas que implicam violação
séria e irreparável dos deveres funcionais do trabalhador; a atualidade da
falta, pois esta deve ser atual para justificar a justa causa, pois as faltas
passadas e perdoadas não são aceitas, servindo somente para demonstrar a linha
de conduta do empregado; e a imediação, pois a falta deve ser punida de
imediato para que haja vinculação direta entre ela e a demissão.
Devido à necessidade de
preenchimento desses requisitos, a caracterização da justa causa pode se tornar
complexa, pois para a Justiça do Trabalho não basta a alegação do empregador,
sendo exigido sempre um mínimo de prova material ou testemunhal. Assim, se não
houver a caracterização de falta cometida pelo empregado, a punição aplicada pela
empresa poderá ser anulada, implicando a reintegração do empregado ou mesmo sua
indenização.
A caracterização
dependerá da falta cometida, pois as faltas leves não devem ser punidas de
imediato com a demissão por justa causa, devendo haver antes a aplicação de
advertências e suspensão, que são penas mais brandas com função pedagógica de
reabilitar o empregado. O caso de agressão física contra colega de trabalho ou
mesmo contra o empregador é motivo para aplicação imediata da justa causa, a
não ser que seja caso de legítima defesa, própria ou de outrem.
4 Aspectos jurídicos:
responsabilidade, dano e a questão da prova
4.1 Responsabilidade por ato ilícito
De acordo
com o nosso Código Civil, aquele que, “por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito” (CC, art. 186). Desta forma, aquele
que, “por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.(CC,
art.927).
Nos casos
em que o empregador é responsável pela reparação do dano provocado por um
empregado, tem ele (empregador) direito de regresso contra o agente causador do
prejuízo. Maria Aparecida Alkimin alerta que, ainda que não houvesse
expressa previsão no direito positivo material civil sobre inexistência
de culpa por parte do empregador, e expressa previsão da responsabilidade
objetiva e solidária do empregador por ato ilícito cometido por seus
subordinados, não poderíamos deixar de responsabilizar o empregador com base na
culpa in eligendo (negligência na
escolha ou eleição de subordinado) e in
vigilando (negligência na fiscalização e no modus procedendi dos
subordinados) (2006, 108).
4.2 Conseqüências penais
Apesar de
não haver um tipo penal específico para o Assédio Moral, suas conseqüências
acabam ofendendo também elementos que possuem proteção penal. Dependendo da
conduta assediante, a vítima poderá encontrar proteção para os “crimes contra a
honra” (CP, art. 139 e 140), ou também no crime de “maus tratos” (CP, art.
136).
O tema vem ganhando especificidade através
de alguns projetos de lei (PL) no âmbito federal, como é o caso do PL
5970/2001, que altera o artigo 483 da CLT, inserindo a prática de coação moral
como motivo para que o empregado, a seu cargo, sendo vítima, possa rescindir ou
não o contrato de trabalho, bem como trata de particulares indenizatórias a
favor do empregado por força do ato de coação moral contra sua pessoa; do PL
4591/2001, que modifica a Lei 8.112, de 11/12/1990, proibindo a prática do
Assédio Moral no serviço público federal e cominando com pena que vai de uma
pequena advertência até a demissão, em caso de reincidência; e do PL
4.742/2001, que introduz o artigo 136-A no Código Penal, tipificando o Assédio
Moral com a seguinte redação:
Art.
136-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho
de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica
funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo,
colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica. Pena – detenção de
um a dois anos.
4.3 O Assédio Moral e o dano moral
É necessário, primeiramente, estabelecer a diferença entre dano moral e Assédio
Moral. Segundo o artigo 5º, inciso 10, da Constituição Federal, a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas são invioláveis, sob pena de dano
moral ou material. Portanto, qualquer dano na relação de trabalho que afete os
direitos de personalidade do ser humano pode ser considerado dano moral. Cabe o
dano moral sempre que houver ofensa aos direitos de personalidade. Mas as
situações específicas em que há humilhação no ambiente do trabalho causada
continuamente por um agressor são casos específicos de Assédio Moral. Esse
fenômeno relativamente novo é uma modalidade específica de dano moral, isto é,
dano é gênero e assédio, espécie. Existe dano moral toda vez em que houver
lesão a um bem jurídico sem valor material ou patrimonial. Yussef Said Cahali exemplifica bem este
termo ao dizer que tudo aquilo que molesta
gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os
valores fundamentais inerentes a sua personalidade ou reconhecidos pela
sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano
moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na
angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido;
no desprestígio,na desconsideração social, no descrédito à reputação, na
humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da
normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste
psicológicos, nas situações de constrangimento moral (CAHALI, 1998, p. 20-21).
4.3.1 O problema da
prova do Assédio Moral e o dano
Por ser um fenômeno que se manifesta sutilmente, sua prova não é algo
passível de ser apresentado, pois, muitas vezes, o empregado só vê a
necessidade de procurar proteção jurídica quando já está em licença médica,
ficando bem mais difícil buscar provas passadas. O ideal é que se busque ajuda
cedo, para que desde as primeiras manifestações se possam juntar as provas do
assédio.
A doutrina e a jurisprudência admitem a teoria do danum in re ipsa, no qual o dano moral se prova por si mesmo, daí a
necessidade de dor, sofrimento interior causado pelo assédio. Mas, de qualquer
maneira, os danos acabam aparecendo na vida pessoal, social e profissional,
através de stress, ansiedade,
depressão, reações orgânicas, distúrbios alimentares, do sono, entre outros.
Não havendo meio de provar estas coisas com meio de prova direto, usa-se a
prova indireta, por meio de presunção, indícios; ou quando o dano é
físico/psíquico pode ser provado através de prova pericial, conforme artigo 212
do Código Civil:
Art. 212. Salvo negócio a que se impõe forma
especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:
I – Confissão
II – Documento
III – Testemunha
IV – Presunção
V – Perícia
Segundo Maria Aparecida Alkimin, a prova não deve se sujeitar à
disciplina geral, neste caso. Também afirma que “o encargo probatório deve ser
transferido àquele que invoca a tutela jurisdicional e deduz a pretensão
ressarcitória, sob alegação de ter sofrido dano moral” (2006, p. 118). Podemos
confirmar tal alegação através dos artigos 818 da CLT e 333, inciso I, do CPC.
Além disso, o juiz também pode valer-se de sua persuasão racional para poder
aferir a existência do Assédio Moral.
4.3.2 Indenização
No caso de dano material, temos como mensurar exatamente o montante do
prejuízo para que se possa ressarci-lo à altura, o que não ocorre no caso do
dano moral gênero, no qual se encontra o Assédio Moral, pois o dinheiro não
exerce a mesma função de equivalência. É realmente muito complicado calcular o
tamanho do prejuízo moral, principalmente no caso do Assédio Moral, pois como
se fará o levantamento da dor que a vítima sofreu, tendo frustradas as
realizações profissionais, pessoais, sua alto-estima, sua dignidade como
trabalhador e sua personalidade moral.
Nesses casos, fazer um cálculo matemático parece impossível. A
dificuldade começa por não existirem, em nossas legislações civil e trabalhista,
regras que fixem parâmetros sobre a indenização. Yussef Said Cahali diz que,
para o cálculo do valor do dano,
o juiz terá em conta as peculiaridades de cada caso
concreto, fazendo incidir certos princípios informadores próprios da
quantificação do dano moral em geral, ministrados pela doutrina e pela
jurisprudência, seja em função da natureza e da função da reparação, seja
igualmente tendo em vista a conduta do empregador e as condições pessoais das
partes (1998, 490).
Assim, levar-se-ão em conta a intensidade da dor; a gravidade e a
natureza da lesão; a intensidade do dolo e o grau da culpa; a possibilidade de
retratação; o tempo de serviço prestado na empresa e a idade do ofendido; o
cargo e a posição hierárquica ocupada na empresa; a permanência temporal dos
efeitos do dano; e os antecedentes do agente causador do dano. Há julgados que
fixam a indenização equitativamente ao maior salário recebido pelo empregado,
vítima do dano moral, por ano trabalhado.
O ofensor deve, também, indenizar todas as despesas com tratamentos
médicos que a vítima possa ter necessitado e os lucros cessantes em razão de
incapacidade, ainda que temporária, até o fim de sua convalescença conforme
artigo 949 do Código Civil.
CONCLUSÃO
Com este trabalho, não
se pretende esgotar a questão do Assédio Moral, que, apesar de estar recebendo
grande destaque e relevância no mundo do trabalho, na verdade, é um tema novo,
mas de existência tão antiga quanto o próprio trabalho. O assédio manifesta-se
de forma sutil, mas suas conseqüências são extremamente danosas, em todos os
sentidos. Os agressores, em sua maioria detentores de posição de “mando” e não
de “líderes”, despreparados para o exercício de chefia, ou por terem a pior
face da moderna organização do trabalho, produzem notáveis prejuízos à saúde
física e mental do trabalhador, fazendo a produtividade decrescer e, o que é
pior, atingindo negativamente as mais diferentes áreas da vida dos
trabalhadores: profissional, pessoal, familiar, social, etc.
A queda na produtividade
do estabelecimento empregador reflete-se na economia, com eventuais quebras,
conferida pela ausência dos trabalhadores, atemorizados, ou muitas vezes
enfermos, física e mentalmente, que acabam por sobrecarregar o sistema
previdenciário e de saúde. Desta forma, coube a este trabalho não a extinção de
tal problema, mas, talvez, uma prevenção, ou proteção, para que os poderes
legisladores municipais, estaduais e federal venham a ter um melhor
entendimento e maior preocupação com a matéria, promovendo uma legislação adequada.
Ao Ministério Público, cabe a denúncia e a fiscalização e, ao Poder Judiciário,
a aplicação da lei vigente, melhorada com o respaldo oferecido pela
Constituição Federal.
Espera-se
que haja uma vontade de mudança por parte das empresas, que também sofrem as
conseqüências de tal fenômeno, e a conscientização da população acerca do
problema do Assédio Moral, seu conceito, características e conseqüências. Este
trabalho procurou analisar as maneiras pelas quais o Assédio Moral se
manifesta, evidenciando-o como ato ilícito, violador de contratos e da
dignidade da pessoa humana do trabalhador, dotando-o de visibilidade social.
Referências bibliográficas
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ASSÉDIO Moral:
uma abordagem nas relações de trabalho. Jornal
Trabalhista Consulex. Brasília,
n. 899, p. 6. 28 jan. 2002.
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Ari Possidônio. Direito do Trabalho e
Direitos Fundamentais. São Paulo: LTr, 2002.
BRASIL. Código
Civil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
BRASIL. Consolidação
das Leis do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. São
Paulo: Rideel, 2002.
CAHALI,
Yussef Said. Dano Moral. 2.ed.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
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HOUAISS, Antônio. (et. al.). Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. Elaborado no Instituto
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2. ed . ver e aum. Rio de janeiro : Objetiva, 2004.
PEREIRA , Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed. Ver. e Atual. Vol.I. Rio de
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SANTOS,
Maria Claudia. Assédio Moral – O lado sombrio do trabalho. Veja.
Rio de Janeiro: Abril. Ed. 1913, n. 28, p. 105-107. 13 jul. 2005.
Notas
[1] Fonte:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm#23>. Acesso
em 31 ago. 2006.
[2] Conforme pesquisa de Maria Aparecida Alkimin, a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) definiu trabalho decente como sendo
“um trabalho que responde as aspirações elementares dos indivíduos, não apenas
em matéria de renda, mas também em matéria de segurança própria e de suas
famílias, sem discriminação nem constrangimento de qualquer espécie,
garantindo-se a igualdade de tratamento entre homens e mulheres” (BELTRAN,
2002, p. 232).
[3] O referido site: <www.assediomoral.org.br>.
Acesso em: 31 ago. 2006.
[4] Aqui se toma como ambiente de trabalho tanto o
espaço físico como o psicológico do empregado assediado.
[5] Segundo classificação de Carlos Alberto Bittar,
podemos classificar os direitos de personalidade como: Direitos Físicos – que se referem à integridade corporal; Direitos Psíquicos – referem-se à
personalidade, que protege a liberdade psíquica e sua identidade; E Direitos Morais – dizem respeito à
honra, à imagem, às virtudes.
[6] Denise Gomes,
50 anos, professora em
Belo Horizonte, obteve, na Justiça, em primeira instância, a
rescisão do contrato de trabalho e o direito a indenização de R$ 25.000.
[7] Ronaldo Nunes
Carvalho, 37 anos, vendedor em Porto Alegre, conquistou o direito a uma
indenização de R$ 21.600 em virtude das humilhações sofridas como vendedor de
uma cervejaria.
[8] Conforme a Consolidação das Leis do Trabalho art. 8°
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