Assédio moral organizacional

Sumário: Introdução; 1 Assédio moral organizacional;    1.1 Controle da utilização e do tempo de uso do toalete; 1.2  A aplicação da inversão do ônus da prova no processo do trabalho; Conclusão.

Introdução

Este artigo traz à baila algumas práticas impróprias e ilegais adotadas por empresas na sua relação de poder com os empregados que configuram o assédio moral organizacional, além de estabelecer as distinções pertinentes relativas aos tipos ou formas de assédio moral e a Síndrome de Burnout.

Ressalta-se, no presente trabalho, o caráter abusivo e violador da dignidade do empregado pelo empregador o estabelecimento de proibições ou de limitações para o tempo de uso do banheiro. Questiona-se, por óbvio, a validade e a legalidade de tais práticas erigidas pelo empregador no que tange ao respeito e à inviolabilidade dos direitos básicos do empregado com base na proteção à dignidade humana resguardada pela Constituição Federal de 1988.

 Defende-se, ainda, nesta oportunidade, o instituto da inversão do ônus da prova quando o trabalhador se encontrar em real dificuldade para demonstrar o dano moral sofrido em decorrência da prática de assédio moral, seja ele individual ou organizacional.

1. Assédio moral organizacional

Além do assédio moral individual, que tem como objetivo a exclusão da vítima do mundo do trabalho, discriminando-a perante o grupo, há também o assédio moral denominado organizacional. Este último tem por objetivo a sujeição de um grupo de trabalhadores às agressivas políticas mercantilistas da empresa por meio do estabelecimento abusivo de metas.

A moderna organização do trabalho tem como objetivo a instauração do mercado globalizado, através da competitividade e de grandes resultados a baixos custos. A reestruturação e reorganização do trabalho fizeram com que o trabalhador se adequasse a novas características, ou seja: qualificação, polivalência funcional, visão sistêmica do processo produtivo, autonomia e flexibilização, entre outras. Nessa nova perspectiva filha da globalização, exigem-se do trabalhador maior escolaridade, competência, eficiência, competitividade, criatividade, tudo com o objetivo de produzir mais e com o menor custo possível.

Dessa forma, o trabalhador atual está submetido a um ambiente laboral com características completamente competitivas, obrigando-os a também se tornarem muito competitivos, sob pena de não se desenvolverem no local de trabalho.

De acordo com Alkimin (2011):

“No interior das organizações do trabalho, constantemente, são implantadas novas políticas de gestão dos fatores produção-trabalho, para ajustamento ao mercado competitivo que demanda maior produtividade, com grande qualidade, rapidez, pronto atendimento e baixo custo, exigindo do trabalhador, nem mercado de escassez de trabalho formal e pleno emprego, capacidade técnico-profissional e grande empenho para adaptação às reestruturações produtivas e organizativas, inclusive no que tange às mudanças e inovações introduzidas por medidas flexibilizadoras das condições de trabalho”. (ALKIMIN, 2011, p. 69).

O assédio moral organizacional compreende, assim, um conjunto sistemático de práticas reiteradas, provindas dos métodos de gestão empresarial, que tem por finalidade atingir determinados objetivos empresariais relativos ao aumento de produtividade e à diminuição do custo do trabalho, por meio de pressões, humilhações e constrangimentos aos trabalhadores na empresa.

Diante das novas formas de gestão administrativa ou de reestruturação produtiva advindas dos efeitos da globalização na organização produtiva e do trabalho, as empresas precisam se reestruturar para adotarem padrões internacionais de qualidade a fim de enfrentar a competitividade e a lucratividade. Por isso, vivencia-se hodiernamente a era do controle da qualidade total. E o resultado disso é a busca cada vez mais desordenada de obtenção do lucro, que acontece através do estabelecimento de metas, por sua vez, abusivas.

Conforme as palavras de Cavalcante e Jorge Neto (2011): “A globalização, com base em novas técnicas de seleção, inserção e avaliação do indivíduo no trabalho, fez uma reestruturação nas relações do trabalho”.

Também concorde Cavalcante e Jorge Neto (2011): “O novo paradigma é o 'sujeito produtivo', ou seja, o trabalhador que ultrapassa metas, deixando de lado a sua dor ou a de terceiro. É a valorização do individualismo em detrimento do grupo de trabalho". E mais:

“A valorização do trabalho em equipe assume um valor secundário, já que a premiação pelo desempenho é só para alguns trabalhadores, ou seja, os que atingem as metas estabelecidas, esquecendo-se que o grupo também é o responsável pelos resultados da empresa. O individualismo exacerbado reduz as relações afetivas e sociais no local de trabalho, gerando uma série de atritos, não só entre as chefias e os subordinados, como também entre os próprios subordinados. O implemento de metas, sem critérios de bom-senso ou de razoabilidade, gera uma constante opressão no ambiente de trabalho, com a sua transmissão para os gerentes, líderes, encarregados e os demais trabalhadores que compõem um determinado grupo de trabalho”. (CAVALCANTE; JORGE NETO, 2011).

Não obstante a opinião de Cavalcante e Jorge Neto (2011), é sabido que o mundo do trabalho hoje também valoriza ações e dinâmicas coletivas criando grupos de trabalho nas empresas para a realização de tarefas específicas. Entretanto, mesmo nesses grupos de trabalho, ou entre eles, podem surgir práticas de assédio moral organizacional dirigidas a uma única pessoa ou a um grupo de pessoas.

Vale registrar a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região sobre assédio moral organizativo, veja-se:

“ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. CARACTERIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO DE DANO CAUSADO AO EMPREGADO. O assédio moral organizacional caracteriza-se pelo emprego de “condutas abusivas, de qualquer natureza, exercida de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação, constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio de ofensa aos seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos”, os quais podem ser objeto de reparação em virtude da responsabilidade social atribuída às empresas, a partir da função social ostentada no art. 170 da Constituição. A desumanização das relações de trabalho está impregnada dos valores organizacionais brasileiros. ESTRATÉGIAS DE VENDAS. PARTICIPAÇÃO DO EMPREGADO EM COMPETIÇÃO DE PAINT BALL E USO DE BÓTONS COLORIDOS PARA IDENTIFICAR O ATINGIMENTO DE METAS ESTABELECIDAS NA EMPRESA. LIMITES AO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE POSSIBILIDADE DE RECUSA. DANO MORAL CARACTERIZADO. As modernas estratégias de venda adotadas pelas empresas com a finalidade de identificar as reações das pessoas diante de imprevistos não podem deixar de lado as individualidades de cada um e até mesmo as fobias que podem decorrer da participação compulsória, capaz de produzir lesões psíquicas de natureza grave. Atualmente, estudos na área de Psicologia e Neurociências comprovam a possibilidade de ocorrência de lesão física produzida por agentes psíquicos, sobretudo no que toca ao estresse crônico, capaz de produzir danos irreversíveis no sistema imunológico do indivíduo”. (BAHIA, 2009).

De acordo com Gênova (2009), os velhos processos produtivos (fordismo/toyotismo) estão sendo substituídos por outros processos de produção (neofordismo/neotoyotismo), em que novas sistemáticas de trabalho emergem, no cronômetro e na produção em série e de massa, constando uma substituição pela flexibilização na produção, pela especialização flexível, por novos padrões de busca de produtividade, por formas de adequação da produção à lógica do mercado.

Em razão disso, as empresas procuram se intensificar, no âmbito organizacional, por meio da terceirização, da redução de encargos trabalhistas e previdenciários e pela busca incessante da produtividade através da mão-de-obra que vem se tornando cada vez mais barata e exigente. Não basta que as empresas de grande porte fiquem mais enxutas e que aumentem a sua produtividade, é necessário que o operário seja qualificado, executor de inúmeras tarefas e integrado ao núcleo de pessoas.

Para Gênova (2009), como consequência dessas novas formas de gestão:

“O polivalente operário defronta em pleno século XXI com o intenso ritmo de trabalho gerado pelos novos sistemas ou novas formas de gestões. Essa intensidade de trabalho, as grandes mudanças e a forte pressão são fatores determinantes para o esgotamento físico e psicológico”. (GÊNOVA, 2009, p. 40).

Ainda consoante Gênova (2009), em razão disso, a reestruturação produtiva reduz emprego e ainda causa inúmeras doenças em virtude do excesso de trabalho exigido pelas empresas.

Consoante ensina Alkimin (2009), a moderna organização do trabalho centrada no ideário capitalista e liberal aliada à nova política de concorrência e de competitividade que norteia o mundo globalizado impõe a busca da produtividade à custa do sacrifício da mão-de-obra humana, exigindo do trabalhador alta produtividade, resistência às mudanças, polivalência e multifuncionalidade. Esses fatores tornam o ambiente de trabalho propenso às práticas degradantes, humilhantes e exploradoras. Portanto, com o novo modo de produção capitalista, cobram-se maior produção, melhores resultados, maior eficiência, mais comprometimento, maiores responsabilidades, mesmo que a saúde física e mental no ambiente de trabalho não seja respeitada.

Segundo Candido (2011):

“O trabalhador passou a ser um instrumento de uso. Ficou relegado a um segundo plano o caráter humano. Sem maiores óbices, construiu-se uma postura de exigências excessivas, por parte daquele que detém o poder e o capital, instalando-se uma permissividade de desmandos imoderados. Logo, o assédio moral rompeu as barreiras da moralidade em vista das condições do mercado de trabalho, onde manda quem pode, obedece quem necessita”. (CANDIDO, 2011, p. 33).

De acordo com Franco Filho (2001), os padrões do fordismo, taytismo e até mesmo do toyotismo já estão sendo superados, fala-se em uma era na qual se vive uma ordenação econômica caracterizada pela rapidez e pela eficiência obtidas mediante o uso dos computadores e de programas inteligentes alcunhada por gatismo – termo derivado de Gates (Bill), dono da Microsoft, maior empresa de informática do mundo – que significa a nova ordem econômica mundial orientada pelo uso da informática. Nesta nova era, tudo acontece em uma velocidade alucinante, e o tempo de resposta e as oportunidades diminuem cada vez mais.

Assim, conforme Candido (2011), é possível observar que:

“A política neoliberal provocou uma mudança radical nas relações interpessoais, estabelecendo um novo paradigma; os conflitos hoje fazem parte de um novo ambiente organizacional, em que se instituíram metas, resultados, produção dirigida de acordo com a balança comercial e a busca pela estabilização financeira. As propostas produzidas pela globalização por si só favorecem o enraizamento do assédio moral. As novas técnicas de gestão vinculando o caráter da pessoa ao perfil da empresa é uma evidente demonstração do dirigismo neoliberal, no qual prevalecerão os mais fortes. Os empregados com menos condições de competição serão esfacelados de imediato, ou então serão futuras vítimas de assédio moral pela falta de características impostas pela organização”. (CANDIDO, 2011, p. 44).

Também para Candido (2011), como consequência desse processo, vê-se:

“O estímulo à produção mediante a competitividade gera um contexto profissional perfeito para o aparecimento do assédio moral. Num sistema em que as pessoas são instigadas todo o tempo, a defenderem o que é seu – seu emprego, sua produção, sua promoção, sua premiação – a todo o custo, as demais pessoas que as rodeiam deixam de ser consideradas colegas de trabalho e passam a ser encaradas como inimigos em potencial. Daí nasce o tratamento hostil, que muitas vezes desencadeia um processo tão grave como o assédio moral, produzindo profissionais infelizes”. (CANDIDO, 2011, p. 51).

Emerick (2009) assegura que, para absorverem eficazmente os postulados da "Qualidade Total":

“As empresas precisam racionalizar todas as suas forças componentes, de modo que tudo e todos aspirem ao resultado desejável: aumento da produtividade e redução dos custos. Entre estas forças/elementos componentes da empresa, encontram-se os trabalhadores, que precisam, pois, ser seduzidos, conquistados e convencidos a deixar de lado seus interesses particulares em nome de um bem maior: o bem da empresa.” (EMERICK, 2009, p. 110).

No assédio moral organizacional, tem-se como finalidade, assim, o aumento da produtividade, a diminuição dos custos e a exclusão de trabalhadores que a empresa não deseja manter em seus quadros.

Neste sentido, destaca Emerick (2009):

“Os programas de metas são uma consequência da reinvenção do capitalismo, e conduzem o ritmo de trabalho a níveis intoleráveis. Os trabalhadores são implantados em uma organização do trabalho dominada pela busca do rendimento máximo, absolutamente despreocupada com os problemas humanos”. (EMERICK, 2009, p. 20).

E, ainda concorde Emerick (2009), nos tempos atuais de forte competitividade:

“A predominância da ideia de lucro e a prevalência de interesses econômicos criaram ambiente propício para a disseminação da estratégia empresarial de busca agressiva por resultados, não sendo tão raras as situações em que o empregador pressiona desmedidamente o empregado para alcançar as metas estabelecidas, em evidente extrapolação dos limites do poder diretivo”. (EMERICK, 2009, p. 93).

Eberle e outros (2009), ao discorrerem sobre o assédio moral organizacional, assinalam tratar-se de:

“Processo contínuo de hostilidades, estruturado via política organizacional ou gerencial. Que tem como objetivo imediato aumentar a produtividade, diminuir custos, reforçar os espaços de controle, ou excluir trabalhadores que a empresa não deseja manter em seus quadros. Pode ser direcionado para todo o grupo indiscriminadamente, ou para alvos em seus quadros determinados a partir de um perfil (ex. todas as gestantes da empresa, ou todos os trabalhadores que a empresa deseja despedir, mas não quer arcar com os custos da dispensa sem justa causa)”. (EBERLE et al., 2009, p. 19).

Ainda, para Eberle e outros (2009), nos casos de assédio moral organizacional:

“Os abusos são, geralmente, envoltos de um discurso organizacional capaz de justificar tais práticas como necessárias e úteis, em nome dos valores relevantes na empresa e da sobrevivência organizacional, com tendência à naturalização da violência”. (EBERLE et al., 2009, p. 23).

Adriane Araújo (2012), ao discorrer sobre o assédio moral organizacional, assevera:

“Compreende o conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e/ou psíquicos”. (ARAÚJO, 2012, p. 7).

O assédio moral organizacional tem como finalidade o engajamento subjetivo do grupo de trabalhadores (seu controle e disciplina) às metas de produção e regras de administração. Tanto o assédio moral individual quanto o organizacional violam os direitos da personalidade do trabalhador.

Conforme Araújo (2012), no que tange, especificamente, ao assédio moral organizacional:

“Pelo fato de envolver um feixe de indivíduos, ele prescinde da comprovação de dano físico ou psíquico das vítimas ou mesmo da situação de estresse. A relevância jurídica dessa prática se expressa no simples desrespeito reiterado e sistemático aos direitos fundamentais dos trabalhadores assediados, de maneira a gerar-lhes situações de vexame, humilhação e constrangimento”. (ARAÚJO, 2012, p. 61).

De acordo com Araújo (2012), o assédio moral organizacional não se restringe à modalidade de assédio moral vertical descendente, ele também pode se apresentar na forma de assédio moral horizontal e vertical ascendente. Relata a autora que essa situação decorre da pulverização do exercício do poder em todos os níveis da empresa. Os colaboradores, se colocados diante de um membro da equipe improdutivo ou de baixa produtividade, podem assumir condutas abusivas com a finalidade de pressionar o dissidente a atingir níveis de produção e de qualidade exigidos pela administração. Esse é o grande êxito dos círculos de Qualidade Total e da divisão do trabalho em equipes. O grupo de trabalhadores é levado a se colocar na posição do verdadeiro empreendedor, crendo-se realmente participante das decisões da empresa. Pelo mesmo motivo, pode-se originar um assédio moral vertical ascendente, em que a empresa omissa em relação ao problema nada mais faz do que se aliar aos subordinados agressores e pressionar o chefe imediato para que assuma o comprometimento por ela exigido, demonstrando liderança, mesmo que não tenha recebido qualquer treinamento para esse fim, e atingindo as metas da administração.

Um das moléstias que afetam o trabalhador como resultado desse assédio moral organizacional, que se dá através da exigência desequilibrada de metas no ambiente de trabalho é a Síndrome de Burnout. Por meio do assédio moral organizacional, cria-se um terror psicológico capaz de gerar um esgotamento físico e mental ao empregado, influenciando, ainda, no aparecimento de outras enfermidades que poderão se cronificar.

A Síndrome de Burnout compreende uma espécie de exaustão emocional ou estresse, que pode ser considerada como doença do trabalho, capaz de acarretar a incapacidade temporária ou definitiva para a prestação de serviços.

De acordo com Candido (2011, p. 233), o termo Burnout deriva de uma composição gramatical originada de duas palavras inglesas, burn e out (to burn out), que significa “queimar por completo" e por justaposição “burnout”, que passou a ter uma interpretação como expressão idiomática por “não mais funcionar” ou "combustão completa”. Neste sentido:

“O Burnout é uma reação psíquica de caráter depressivo, precedida de esgotamento físico e mental crônico, resultante de dedicação excessiva e estressante ao trabalho. Suas principais características são a ausência de motivação e a insatisfação profissional. O perfil dessa síndrome é marcado por condutas negativas como, por exemplo, a perda de responsabilidade com as tarefas desenvolvidas e perda de motivação para realizar as atividades profissionais, ou, traduzindo de outra maneira, é uma reação ao estresse ocupacional crônico. O trabalhador perde o interesse pelo trabalho, não mais se sente realizado por intermédio do mesmo. É comum surgir um hábito de se ausentar do trabalho sem haver importância com o mesmo e uma inconstância nos empregos. São respostas diretas de esgotamento emocional, autoavaliação negativa, depressão e falta de sensibilidade para com as pessoas de um modo geral.” (CANDIDO, 2011, p. 235).

Para melhor compreensão, apresenta-se a seguir o Quadro Sintomatológico concernente à Síndrome de Burnout (Quadro 1), proposto por Adilson Bassalho Pereira (2010, p. 44):

Segundo Candido (2001), o Burnout  está dissociado do assédio moral, pois:

“O primeiro é resultante de estresse crônico proveniente da sobrecarga de responsabilidades do trabalho enquanto o segundo é resultante de um estresse causado por perseguição, por ofensas reiteradas. Ainda que completamente divergente do assédio moral, o Burnout também é uma doença psicológica resultante do estresse, porém, pelo grande esforço no trabalho, pelo acúmulo de tarefas, ou seja, pelo desgaste em função de se dedicar ao extremo à profissão. (CANDIDO, 2011, p. 234).

De acordo com Candido (2001), a Síndrome de Burnout tem uma estreita relação com os profissionais dos quais é exigido um alto grau de responsabilidades. Em face disso, os profissionais tendem a se “esvaziar” com facilidade pelo esgotamento em vista do excesso de exigências.

Consoante ensina Dallegrave Neto (2009), a expressão “burn-out” vem do inglês e significa “combustão completa”, sinalizando para a sensação de explosão ou exaustão da pessoa acometida pelo estresse no ambiente de trabalho. Representa, portanto, esgotamento profissional provocado por constante tensão emocional no ambiente de trabalho.

Maslach citada por Dallegrave Neto (2009) também assinala que a Síndrome de Bournout:

“É uma reação cumulativa a estresses ocupacionais contínuos e se caracteriza por cronicidade, ruptura de adaptação, desenvolvimento de atitudes negativas e comportamentos de redução da realização pessoal no trabalho.” (MASLACH apud DALLEGRAVE NETO, 2009, p. 212).

Por sua vez, relata Minardi (2008) que a lista de profissionais propensos a desenvolver o Burnout é extensa e inclui médicos, fisioterapeutas, assistentes sociais, professores, controladores de tráfego aéreo e agentes penitenciários. Essa síndrome, não obstante, pode atingir qualquer pessoa, de qualquer profissão, principalmente aqueles trabalhadores muito dedicados, exigentes e com mania de perfeição, e é considerada uma reação ao estresse ocupacional crônico.

Consoante ensina Cataldi (2002), Burnout é uma síndrome caracterizada por três aspectos básicos:

“a) a exaustão emocional, quando o profissional está diante de uma intensa carga emocional. O profissional sente-se esgotado, com pouca energia para fazer frente ao dia seguinte de trabalho e a impressão que ele tem é que não terá como recuperar (reabastecer) as suas energias. Os profissionais passam a ser pessoas pouco tolerantes, facilmente irritáveis, e as suas relações com o trabalho e com a vida ficam insatisfatórias e pessimistas; b) a despersonalização também está presente. É o desenvolvimento do distanciamento emocional que se exacerba. Manifesta-se através da frieza, insensibilidade e postura desumanizada. Nessa fase, o profissional perde a capacidade de identificação e empatia com as outras pessoas, passando a ver cada questão relacionada ao trabalho como um transtorno; c) a redução da realização pessoal e profissional fica extremamente comprometida. Pode-se entender que surgiu outro tipo de pessoa, diferente, bem mais fria e descuidada, podendo acarretar a queda da autoestima, que às vezes chega à depressão”. (CATALDI, 2002, p. 50).

Para Dallegrave Neto (2009, p. 212), não resta dúvida, portanto, de que o assédio: “seja ele moral, organizacional ou sexual, constitui-se na principal causa da contração da síndrome de burnout, uma enfermidade que vem afetando milhares de trabalhadores anualmente em nosso país”.

Segundo Candido (2011):

“O resultado de uma síndrome de burnout no trabalhador se caracteriza por agressividade, irritabilidade, desinteresse, desmotivação, angústia pela autodesvalorização e depressão. O trabalhador com essa síndrome perde a noção de sua rentabilidade profissional e tal como uma vítima de assédio moral tem uma série de sensações como dores generalizadas, fibromialgias, insônia, dores de cabeça, falta de ar, etc. Quando identificado quadro de Burnout é hora de reestruturar o ambiente de trabalho, remanejar as atividades a fim de prevenir o desgaste emocional e priorizar a saúde do trabalhador. Quando uma depressão se manifesta pela Síndrome de Burnout, a mesma não será por motivos relacionados à via pessoal do trabalhador, e, sim, a situações ligadas diretamente ao trabalho”. (CANDIDO, 2011, p. 234).

Neste sentido, a Síndrome de Burnout não está vinculada ao trabalhador, e, sim, ao local de trabalho. Em se tratando, então, de assédio moral organizacional, tratar-se-á de um problema do ambiente laboral que deve ser readequado para que se consiga reverter o quadro de Burnout.

Para Benevides (2002), importante observar que fogem do assédio moral organizacional determinadas atividades que acarretam certo desgaste emocional, como, por exemplo, os serviços médicos. Estes não guardam nenhuma relação com as práticas de assédio moral, mas com as condições específicas de tais atividades, ou, ainda, com a forma de organização de trabalho.

No âmbito previdenciário, o Regulamento da Previdência Social, Decreto nº 3.048/99, em seu Anexo II, lista a Síndrome de Burnout como acidente do trabalho. Conforme se infere deste Anexo, no Quadro Transtornos Mentais e do Comportamento, estão relacionados com o trabalho (Grupo V da CID-10), verbis:

Anexo II.

XII. Sensação de estar acabado (Síndrome de Burn-Out, Síndrome do Esgotamento profissional) (Z73.0)

1. Ritmo de trabalho penoso (Z56.3)

2. Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho” (Z56.6)

Enquanto o art. 118, da Lei nº 8.213/91, dispõe sobre a estabilidade em caso de acidente do trabalho, sendo aplicada à incidência da Síndrome de Burnout, verbis:

“Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente”.

Já decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, veja-se:

“SÍNDROME DE BURNOUT. ESTRESSE PROFISSIONAL COM EXAUSTÃO EMOCIONAL. AVALIAÇÃO NEGATIVA DE SI MESMA. DEPRESSÃO. NEXO COM O TRABALHO. CABIMENTO DA ESTABILIDADE DO ART. 118 DA LEI 8213/91. Verificado que a depressão causa incapacidade laborativa e foi impulsionada pelas condições adversas de trabalho, faz jus a trabalhadora à estabilidade provisória do art. 118 da Lei 8213/91. Mesmo que se considere uma tendência fisiológica da pessoa à depressão, nesta hipótese, há ao menos concausa, que está expressamente prevista no art. 21, I da Lei 8213/91, no art. 133, I do Decreto 2.172 de 05/03/97 e no art. 141, I, do Decreto 357 de 17/12/91. Ao invés de dispensar a empregada, cabe ao empregador encaminhá-la para tratamento médico, providenciar seu afastamento junto ao INSS e transferi-la para setor que exija menos pressão psicológica. Nesse sentido, decisão do C. TST: AIRR-1214/2003-010-01-40.0, Min. Relator: Aloysio Corrêa da Veiga. AFASTAMENTO. DESNECESSIDADE. A concessão do benefício de auxílio-doença previdenciário não constitui requisito para a estabilidade provisória prevista no art. 118 da Lei 8213/91, conforme já pacificado com a Súmula 378, II, do C. TST. Ademais, cabe ao empregador comunicar ao INSS a existência de doença profissional, nos termos dos artigos 20 e 22 da Lei 8213/91, não podendo beneficiar-se com a sua omissão (art. 129 do Código Civil). Verificada, em perícia judicial, a existência de moléstia profissional, que tenha nexo causal com o trabalho e cause a incapacidade laborativa, faz jus o trabalhador à estabilidade provisória em questão”. (SÃO PAULO, 2010).

Nota-se, por meio da jurisprudência colacionada, que a responsabilidade do empregador vai além de pagar o salário para o trabalhador. O empregador possui a responsabilidade de absorver os riscos inerentes ao seu negócio e de zelar pela integridade física e psíquica do trabalhador no ambiente de trabalho.

Neste sentido, cabe às empresas concentrarem maior atenção nos ambientes onde são executados os trabalhos, de forma a buscar melhor adequação às novas tendências mundiais de desenvolvimento e de qualidade de vida.

Mesmo o empregador tendo o direito de estabelecer metas e estratégias para atingir seus resultados, ele não tem o direito de agir com desrespeito ao empregado em busca exclusiva de lucros e resultados, pois o seu direito de gerir a empresa não lhe dá o direito de lesar a dignidade da pessoa humana.

Ferem, portanto, a dignidade do trabalhador, as cobranças excessivas e humilhantes impostas pelo empregador, com o intuito de alcançar suas metas e resultados. O poder diretivo limita-se pelo principio central da ordem jurídica hodierna, fundamento de validade de toda ação e de toda conduta com repercussões jurídicas – a dignidade da pessoa humana.

Concorde Engel (2003, p. 39), imperioso observar que o princípio da dignidade da pessoa humana “constitui o fundamento da humanização do trabalho, envolvendo o respeito à pessoa do trabalhador no ambiente de trabalho, com evidentes reflexos fora dele, sobretudo na vida familiar”. Em razão disso:

“O princípio da dignidade da pessoa humana constitui limite eminentemente ético, impondo ao empregador o dever de respeitar e considerar o empregado nas suas qualidades de pessoa humana, dotada de vontade, sentimentos, necessidades, objetivos, valores, entre outros atributos, e não como mercadoria ou mero elemento de produção”. (ENGEL, 2003, p. 137).

Como bem expressa Barbosa Júnior (2008, p. 107): “Sem dignidade não pode haver paz e sem paz jamais haverá bem-estar. Este estado de espírito é o objetivo natural da vida humana saudável”.

É neste contexto que também assinala Engel (2008) com assaz exatidão:

“O Direito do Trabalho destina ao empregador o dever de tratar o empregado com a devida consideração a sua dignidade humana. Trata-se o princípio da dignidade da pessoa humana de um dos deveres ético-morais de maior expressão no combate a uma concepção materialista do fenômeno laboral. A referida concepção associa-se à política neoliberal e globalizante que, desde o final do século passado, vem colocando em xeque aspectos da doutrina humanista que se formou ao longo dos anos, em torno das condições de vida e trabalho das pessoas”. (ENGEL, 2003, p. 38).

De acordo com Emerick (2009), é somente por meio de uma gestão democrática da mão-de-obra, preocupada com a valorização da dignidade da pessoa humana e atenta ao valor social do trabalho que as metas poderão ser utilizadas com a razoabilidade adequada e desejável, fazendo com que representem um efetivo incentivo e não firam os bens jurídicos mais caros do trabalhador.

Assim, impõe-se ao empregador, na visão de Salvador citado por Dallegrave Neto (2009):

“A obrigação de assegurar ao empregado um ambiente de trabalho sadio, hígido e livre de qualquer abuso ou infortúnio. Vale dizer: o trabalhador, quando é despedido, deve estar em perfeito estado de saúde física, psíquica e emocional para o seu retorno ao mercado de trabalho, devendo ser indenizado quando tal não ocorrer”. (SALVADOR apud DALLEGRAVE NETO, 2009, p. 213).

A ANAMATRA, o TST e a ENAMAT promoveram, em novembro de 2007, a 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho.
Entre os 79 enunciados aprovados acerca de temas relevantes em Direito Material e Processual do Trabalho, destaca-se o enunciado nº 39, que possui a seguinte redação:

“Súmula nº 39: Meio Ambiente de Trabalho. Saúde Metal. Dever do empregador. É dever do empregador e do tomador dos serviços zelar por um ambiente de trabalho saudável também do ponto de vista da saúde mental, coibindo práticas tendentes ou aptas a gerar danos de natureza moral ou emocional aos seus trabalhadores, passíveis de indenização”.

Neste contexto, considerando-se a Síndrome de Burnout uma doença do trabalho, os casos de sua incidência deverão ser tratados de forma preventiva e repressiva igualmente a qualquer outra doença ocupacional que venha a denegrir o direito fundamental à saúde.

E umas das formas usuais do Estado de garantir a saúde do trabalhador é a fiscalização dos ambientes laborais, de forma a evitar os excessos por parte dos empregadores. Esta se caracteriza como uma forma preventiva de atuação Estatal, realizada pelos diversos órgãos ligados ao Ministério do Trabalho.

Outra forma de o Estado garantir a saúde no ambiente trabalhista é exercida por intermédio do Poder Judiciário, que julga as supostas ilegalidades a si trazidas pelo trabalhador, pelo Ministério Público do Trabalho ou até mesmos pelos Sindicatos.

1.1 Controle da utilização e do tempo de uso do toalete

O ato do empregador de proibir ou de limitar o tempo do uso do banheiro revela-se abusivo e violador da dignidade do empregado. Ir ao banheiro representa uma necessidade fisiológica de todo ser humano decorrente de seu metabolismo, que não possui hora certa e determinada para ocorrer.

Trata-se, portanto, de uma busca agressiva pelos resultados, que faz o empregador pressionar de forma desmedida o tempo do banheiro para que o empregado alcance as metas estabelecidas pela empresa, em flagrante desrespeito aos limites ao poder empregatício.

A limitação ao uso do banheiro é muito adotada por empresas que desenvolvem atividade de teleatendimento ou telemarketing. Nelas, os trabalhadores precisam atingir metas exageradas, tendo, com isso, o tempo de banheiro controlado, geralmente em 5 (cinco) minutos.

Ademais, consoante Eberle e outros (2009):

“Precisam seguir o manual quanto ao que deve ser dito ao cliente, normalmente com o oferecimento de produtos e serviços, sob pena de frequentes advertências e outras sanções disciplinares; não podem apresentar atestados médicos para não ficarem visados ou serem despedidos”. (EBERLE et al., 2009, p. 37).

Revelam Eberle e outros (2009, p. 37) que o assédio moral organizacional, nas empresas de telemarketing, “é utilizado como estratégia para controle dos empregados, coibição da formação de demandas individuais e coletivas e, especialmente, aumento da produtividade, com controle do tempo de trabalho e do conteúdo das conversas com o cliente”.

Sendo assim, o ato patronal que limita a quantidade de vezes que o trabalhador poderá ir ao banheiro, bem como o período máximo que lá poderá permanecer além de ser considerado rigor excessivo, caracteriza-se em abuso do direito e prática de assédio moral organizacional.

O empregador que nega, portanto, a possibilidade de seus trabalhadores frequentarem o banheiro durante a jornada viola não só norma de proteção à saúde do empregado, mas também o dever de preservar a sua integridade física.

Mister registrar trecho da decisão proferida pelo Juiz do Trabalho da 3ª Região Anemar Pereira Amaral:

“Não obstante seja compreensível que o empresário vise ao lucro, isso não lhe dá o direito de impor aos seus empregados limitações de ordem fisiológica, como no caso da utilização de sanitários, violando normas de proteção à saúde e impondo-lhe uma situação degradante e vexatória com o escopo de alcançar maior produtividade e, assim, deixando de respeitar os limites de cada um daqueles que coloca sob o seu comando hierárquico. Efetivamente, tanto a higidez física como a mental do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social, inquestionavelmente tutelados pela Lei Maior (art. 5, incs. V e X). A violência psicológica sofrida implica lesão de um interesse extrapatrimonial, juridicamente protegido, gerando direito à reparação do dano moral”. (MINAS GERAIS, 2005).

Esse tipo de restrição imposta pelo empregador, como bem demonstra Pavelski (2009, p. 86), "não só atenta contra os fins econômicos do contrato como também contra os bons costumes e fere o dever de proteção (integridade física do empregado), decorrente da boa-fé”.

Insta registrar as seguintes decisões a título de exemplificação, vejam-se:

DANO MORAL. RESTRIÇÕES DE IR AO BANHEIRO E TOMAR ÁGUA. DEMORA NO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. 1. O empregador, que detém o poder de dirigir a força de trabalho que lhe é colocada à disposição em face do contrato de trabalho, do qual deriva os poderes diretivo, regulamentar e disciplinar, deve exercê-lo nos limites da lei e sempre preservando o patrimônio moral do empregado. 2. Impondo regra no sentido de que o empregado não pode mais ir ao banheiro ou beber água e de pois fazer mais os 15 minutos de lanche, determinando que “tudo deve ser realizado dentro dos 15 minutos ou dividir os 15 minutos durante o dia”, extrapola o empregador o seu poder diretivo, gerando constrangimentos e ferindo o direito à intimidade e à dignidade do empregado. Impedir ou constranger o trabalhador no atendimento de suas necessidades fisiológicas básicas, bem como pressupor que irá se valer delas para reduzir a produção, é reduzi-lo à condição de mero objeto, de instrumento, descaracterizando e desconsiderando a sua condição de ser humano. 3. O fato de o Reclamante ter ajuizado a ação mais de um ano após sua dispensa não tem o condão de afastar o dano moral, pois lhe é assegurado constitucionalmente buscar todo e qualquer direito que reputar violado no prazo prescricional previsto. Logo, uma vez observado esse prazo legal, o que no caso é incontroverso, não se pode reduzir, limitar ou excluir o direito apenas pelo tempo despendido até o exercício do direito de ação”. (PARANÁ, 2009).

DANO MORAL. CONSTRANGIMENTO. ABUSO. A limitação do tempo para uso de banheiros, inclusive com rígida fiscalização sobre o tempo gasto pelo empregado causa inegável constrangimento. Trata-se de excessivo e rigoroso controle que constitui flagrante abuso do poder de direção do empreendimento. Também não se justifica que, ao final da jornada, os empregados devessem permanecer em serviço pelo tempo que despenderam nas idas ao banheiro. A situação ganha contornos ainda mais graves quando se constata que, além de fiscalizar e limitar a utilização dos banheiros, a empregadora elaborava e tornava públicas planilhas com anotações de horários e duração das idas ao banheiro de cada empregado, em atitude claramente abusiva que causou abalo moral passível de indenização. Recurso a que se dá provimento para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais.” (PARANÁ, 2008).

Maurício Godinho Delgado, Ministro do TST, também já proferiu decisão a respeito da limitação do uso de banheiro, veja-se:

“RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. LIMITAÇÃO DE USO DE BANHEIRO. A higidez física, mental e emocional do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição Federal (artigo 5º, V e X). Agredidos em face de circunstância laborativa, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se agrega à genérica anterior (artigo 7º, XXVIII, da CF/88). A empregadora, ao adotar um sistema de fiscalização que engloba inclusive a ida dos empregados ao banheiro, ultrapassa os limites de atuação do seu poder diretivo para atingir a liberdade do trabalhador de satisfazer suas necessidades fisiológicas, afrontando normas de proteção à saúde e impondo-lhe uma situação degradante e vexatória. Essa política de disciplina interna revela uma opressão despropositada, autorizando a condenação no pagamento de indenização por danos morais. Recurso de revista conhecido e provido no aspecto para restabelecer a sentença. (BRASIL, 2009).

Sendo assim, ao empregador é vedado efetuar qualquer limitação de idas, bem como de tempo para o uso de banheiro por seus empregados, com nítido e único propósito de obtenção de lucratividade, por representar violação à saúde do trabalhador e, por consequência, à sua dignidade. Caso contrário restará configurada a prática de assédio moral organizacional.

1.2 A aplicação da inversão do ônus da prova no processo do trabalho

A inversão do ônus da prova consiste na possibilidade de o Juiz do Trabalho transferir o encargo probatório para a parte que se encontra em melhores condições para produzi-la em juízo. Sua finalidade é minimizar o desequilíbrio existente entre as partes na relação jurídica processual entre reclamante e reclamado.

Ensina Leite (2010, p. 80) que a desigualdade econômica, o desequilíbrio para a produção de provas, a ausência de um sistema de proteção contra a despedida imotivada, o desemprego estrutural e o desnível cultural entre empregado e empregado representam realidades que devem ser trasladadas para o processo do trabalho.

Levando-se em consideração as dificuldades suportadas pelo reclamante durante a produção da prova para fins de demonstração do assédio moral, defende-se, no presente artigo, o instituto da inversão do ônus da prova quando o trabalhador se encontrar em real dificuldade para demonstrar o dano moral sofrido em decorrência da prática de assédio moral, seja ele individual ou organizacional.

De acordo com Schiavi (2009):

“No processo do trabalho, tem grande pertinência a regra da inversão do ônus da prova, pois, muitas vezes o estado de hipossuficiência do empregado reclamante o impede de produzir comprovação e suas alegações em juízo, ou esta prova se torna excessivamente onerosa, podendo inviabilizar a efetividade do próprio direito postulado”. (SCHIAVI, 2009, p. 523).

Schiavi (2009) também apresenta os requisitos para a inversão do ônus da prova no processo do trabalho, vejam-se:

“a) Faculdade do Juiz: A inversão do ônus da prova é faculdade do Juiz que pode ser levada a efeito de ofício, independentemente de requerimento das partes. Segundo melhor doutrina, só haverá a necessidade de inversão do ônus da prova de não houver provas nos autos, ou seja, as partes não se desincumbiram do encargo probatório que lhes competia (non liquet); b) Hipossuficiência do reclamante: a hipossuficiência não é necessariamente a econômica, mas a dificuldade excessiva de se produzir a prova; c) Verossimilhança da alegação: a alegação verossímil é que tem aparência de verdade. Na avaliação da verossimilhança, deve o juiz sopesar se há mais motivos para crer do que para não crer na veracidade da afirmação do autor. Também o Juiz do Trabalho se pautará pelas regras de experiência do que ordinariamente acontece (art. 335 do CPC)”. (SCHIAVI, 2009, p. 524)

Desse modo, havendo dificuldade de o trabalhador produzir a prova dos atos lesivos oriundos da prática do assédio moral, será possível ao Juiz do Trabalho inverter o ônus da prova para a empresa, para que esta prove que em seu ambiente de trabalho não foram praticadas condutas que caracterizaram a prática do assédio moral.

Ademais, trata-se de um critério que se encontra perfeitamente compatível com a regra de inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor, em decorrência “da omissão da CLT e compatibilidade com os princípios que regem o Processo do Trabalho (art. 769, da CLT), máxime o princípio do acesso à justiça do trabalhador” (SCHIAVI, 2009, p. 524).

Quanto ao momento da inversão do ônus da prova, seguimos a visão sempre muito bem oportuna de Schiavi (2009, p. 525), ao defender a possibilidade de inversão do ônus da prova pelo Juiz do Trabalho antes do início da audiência de instrução, em decisão fundamentada (art. 93, IX, da CF/88), a fim de que a parte contra a qual o ônus foi invertido não seja pega de surpresa e produza as provas que entende pertinentes, durante o momento processual oportuno.

Em se tratando de procedimento sumaríssimo, no qual a audiência se processa, regra geral, de forma una, defende-se a possibilidade de o Juiz do Trabalho designar nova audiência de instrução, a fim de que sejam resguardados o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88).

Conclusão

Face ao exposto, avaliadas e delimitadas as noções de assédio moral e suas implicações, ressaltam-se a importância e a necessidade de se resguardar o princípio da integridade da pessoa humana acima de quaisquer interesses da empresa ou do empregador.

Logo, serão consideradas impertinentes as práticas e intoleráveis os controles do empregador relativos ao uso ou ao tempo de uso do banheiro pelo empregado, assim como inadmissível que o empregador o submeta à situação que desrespeite ou afronte a sua dignidade humana ou que traga algum prejuízo à sua saúde física e mental no ambiente de trabalho.

Trata-se, portanto, de se por freio nessa busca agressiva pelos resultados, que faz o empregador pressionar tanto o empregado a fim de alcançar as metas estabelecidas pela empresa em flagrante desrespeito aos limites ao poder empregatício.

 

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Informações Sobre o Autor

Rúbia Zanotelli de Alvarenga

Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense e membro pesquisadora do Instituto Cesarino Junior. Integrante do grupo de pesquisa da UFF – Direito, Estado, Cidadania e Políticas Públicas. Advogada.


Equipe Âmbito Jurídico

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