Autor: Eliel Rocha Dorneles – Acadêmico do Curso de Direito – 6º semestre. Faculdade Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo. Endereço eletrônico: elielrochadorneles@hotmail.com.
Orientadora: Vera Maria Werle – Graduada em Letras e Direito, Mestre em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania. Professora dos cursos de Direito e Pedagogia da Faculdade Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo. Endereço eletrônico: 1432.verawerle@cnec.br.
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo trazer à pauta de discussão acerca do assédio moral no ambiente de trabalho, haja vista a inexistência de Lei Federal que legisle sobre a matéria. No decorrer deste artigo, abordou-se matéria sobre o conceito de assédio moral, quem pode figurar como agressor, os problemas psicológicos sofridos pelas vítimas, as possibilidades de sanções penais, como as vítimas tem se socorrido de tais práticas e a viabilidade de tipificar como crime tal conduta. A metodologia utilizada para a pesquisa foi de abordagem qualitativa com base em pesquisa bibliográfica, levando-se a concluir que diante da gravidade da conduta do assediador, a qual pode causar inúmeros problemas de saúde à vítima, resultando muitas vezes à prática do suicídio, se vislumbra a possibilidade de responsabilização penal pelo assédio moral.
Palavras-chave: Assédio moral no ambiente de trabalho. Inexistência de Lei Federal. Responsabilização penal pelo assédio moral.
Resumen: El presente trabajo tiene como objetivo llevar a la agenda del debate sobre el acoso moral en el lugar de trabajo, dada la falta de leyes federales que legislan sobre el tema. En el curso de este artículo, abordamos cuestiones sobre el concepto de acoso moral, que puede aparecer como agresor, los problemas psicológicos sufridos por las víctimas, las posibilidades de sanciones penales, como se ha ayudado a las víctimas de tales prácticas y la viabilidad de tipificar tal conducta como delito. La metodología utilizada para la investigación fue un enfoque cualitativo basado en la investigación bibliográfica, lo que llevó a la conclusión de que, dada la gravedad de la conducta del acosador, que puede causar numerosos problemas de salud a la víctima, a menudo resultando en la práctica del suicidio, se prevé la posibilidad de responsabilidad penal por acoso moral.
Palabras clave: Acoso moral en el lugar de trabajo. No hay ley federal. Responsabilidad penal por acoso moral.
Sumário: Introdução. 1. O que é e como ocorre o assédio moral. 1.1. Quem pode figurar como agressor. 2. Os principais problemas psicológicos sofridos pela vítima de assédio moral. 3. Responsabilização do funcionário público pelo assédio moral. 4. Legislações vigentes e a possibilidade de tipificar penalmente o assédio moral. 4.1. Sanções penais e cíveis atualmente previstas para punir o agressor. 4.2. A importância de criminalizar o assédio moral na visão de Marie-France Hirigoyen. Conclusão. Referências. Obras consultadas.
Introdução
O presente estudo tem por finalidade discorrer acerca do assédio moral e a possibilidade de criação de lei federal a fim de proteger efetivamente o trabalhador vítima de tal conduta. A proposta mostra-se promissora e traz esperança às pessoas que sofrem esse tipo de agressão e permanecem caladas diante da falta de efetividade dos meios jurídicos, atualmente, utilizados como meio de defesa das perseguições no ambiente de trabalho. O artigo abordará a evolução histórica do assédio mortal, como ele era visto em tempos passados e como ele se manifesta no atual mundo globalizado. A seguir, buscar-se-á discorrer sobre os elementos que caracterizam a prática do assédio moral, o perfil dos agressores e como os Tribunais tem tratado o tema, inclusive, quando o agressor é agente público.
Não obstante, será apresentando os principais efeitos psicológicos que podem acometer a vítima e como ela tem se socorrido perante o Poder Judiciário, quais argumentos constitucionais e legais tem embasado suas alegações diante da inexistência de lei federal. Ademais, serão citados os avanços no que se refere a projetos de lei já aprovados e em especial ao Projeto de Lei nº 4742/2001, o qual se encontra pendente de aprovação perante o Senado Federal. Por fim, analisar-se-á o posicionamento da autora Marie-France Hirigoyen com relação à criação de lei específica que reprima o assédio moral, bem como da responsabilidade coletiva no combate a esse tipo de agressão.
Por conseguinte, a fim de elucidar o tema de forma objetiva e fundamentada, a metodologia utilizada foi de abordagem qualitativa com base em pesquisa bibliográfica, como forma de coleta de dados e informações sobre a prática do assédio moral sob três dimensões, ou seja, pelo âmbito histórico, médico (psicológico) e jurídico.
1 O que é e como ocorre o assédio moral
O assédio moral manifesta-se como um fenômeno que tem acompanhado a evolução humana, pois em múltiplos momentos da vida “o homo sapiens” é posto em situações de violência moral, pois “todos nós testemunhamos ataques perversos […], seja no casal, na família, na empresa, […] No entanto, parece que nossa sociedade não percebe essa forma de violência indireta. Sob o pretexto de tolerância, nos tornamos tolerantes” (HIRIGOYEN, 1998, p. 7, [tradução nossa]).
O que se percebe é que a agressão moral sempre ocorreu durante a história da humanidade, começando pela violência familiar até a existência de sociedades com governantes déspotas. Por um longo período, a população suportou tais agressões por acharem que era um fenômeno natural onde havia a prevalência do superior (empregador) com o subordinado (empregado). Dessa forma, inúmeros pensadores e impérios justificavam as atrocidades e a forma opressiva que tratavam os seus subordinados. Aristóteles, por sua vez, afirmava que os escravos eram escravos por possuírem uma “natureza escrava” e os homens livres tinham uma “natureza livre”.
Na idade média, havia a divisão entre clero, nobreza e camponeses, onde os dois primeiros justificavam sua superioridade por questões divinas ou sanguínea. Todavia, em todas as fases da história, percebe-se que os governos argumentavam que a população como um todo cooperava de alguma forma para o progresso da civilização. Nesse sentido, Yuval Noah Harari discorre que,
“Cooperação” soa muito altruísta, mas nem sempre é voluntária e raramente é igualitária. A maior parte das redes de cooperação humana foi concebida para a opressão e a exploração. Os camponeses pagavam por tais redes de cooperação com seus preciosos excedentes de alimento, caindo em desespero quando o cobrador de impostos confiscava um ano inteiro de trabalho pesado com um único rabisco de sua pena. Os famosos anfiteatros romanos foram quase todos construídos por escravos para que romanos ricos e ociosos pudessem assistir outros escravos se enfrentarem nos odiosos combates de gladiadores. Até mesmo as prisões e os campos de concentração são redes de cooperação e só podem funcionar porque milhares de estranhos conseguem, de algum modo, coordenar suas ações.” (HARARI, 2011, s. p.) [grifo nosso]
Seguidamente, com a abolição da escravidão, por meio da Lei Áurea em 1888, vislumbrou-se uma nova forma de “cooperação” ou contraprestação, onde o ser humano deveria receber certa quantia em dinheiro pelo trabalho a ser feito. Entretanto, mesmo com o fim da escravidão, a maneira opressiva de se cobrar do empregado a produtividade, ganhou maiores proporções com a globalização. Assim, com a competitividade acirrada no mercado de trabalho e a imposição de metas a serem cumpridas pelos funcionários, o empregador os vê como meros objetos, os quais podem ser trocados por outros no caso de não atenderem as expectativas. Em razão disso, cresce exponencialmente os casos de assédio moral no ambiente de trabalho.
Diante desse fenômeno, o psicólogo alemão Heinz Leymann, em 1980, dedicou-se ao estudo de inúmeros casos de pacientes com traumas psicológicos decorrentes das relações interpessoais no local de trabalho. Nesse sentido, elaborou um conceito chamado de “mobbing” ou “psicoterror”, onde se buscava especificar a situação em que a vítima foi alvo de perseguição, chacota ou ridicularizada em público no ambiente de trabalho.
Acerca do mobbing, o professor Heinz Leymann (1990, p. 121) o concebeu,
“Como o fenômeno no qual uma pessoa ou um grupo de pessoas exerce violência psicológica extrema, de forma sistemática e recorrente e durante um tempo prolongado- por mais de seis meses e que os ataques se repitam numa frequência média de duas vezes na semana sobre outra pessoa no local de trabalho, com a finalidade de destruir as redes de comunicação da vítima ou vítimas, destruir sua reputação, perturbar a execução de seu trabalho e conseguir finalmente que essa pessoa ou pessoas acabe abandonando o local do trabalho.” (apud SOBBIS, 2017, s. p.).
Nessa senda, acerca das características do assédio moral, Sônia Aparecida Costa Mascaro Nascimento preleciona que
“[…] o assédio moral (mobbing, bullying, harcèlement moral ou, ainda, manipulação perversa, terrorismo psicológico) caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.” (NASCIMENTO, 2005, s. p.)
Assim, percebe-se que tal conduta é carregada de chantagem e ameaças, as quais buscam denegrir a honra do ofendido, o levando a abandonar o local de trabalho. Salienta-se que para se caracterizar o assédio moral, é necessário haver a periodicidade das agressões, não sendo um ato isolado o suficiente para configurar a conduta. Nessa perspectiva, é que decidiram os Desembargadores da Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, em sede de recurso ordinário, sob relatoria da Desembargadora Carina Rodrigues Bicalho,
“ATITUDE ABUSIVA DO EMPREGADOR. CONFIGURAÇÃO DE ASSÉDIO MORAL. Ao exercer o empregador o seu poder diretivo, de forma excessiva, mediante procedimentos não éticos e abusivos, que se repetem ao longo do tempo, causando ao empregado humilhações e/ou constrangimentos, evidencia-se a prática de assédio moral e comete ato ilícito, do qual decorre o dever de indenizar.” (TRT-1 – RO: 00117213220145010057 RJ, Relator: CARINA RODRIGUES BICALHO, Terceira Turma, Data de Publicação: 05/10/2017)
Logo, o assédio moral pode ser entendido como uma conduta agressiva, a qual se utiliza de gestos, olhares ou ações comissivas, na maioria das vezes praticada pelo chefe em face do empregado, o qual tem por intuito oprimir, diminuir e desmerecer o ofendido a fim de lhe forçar um pedido de demissão. Ainda, sabe-se que é uma conduta que tem que se repetir por um tempo prolongado e com certa regularidade, conforme entendimento dos tribunais e principalmente do que prelecionou o professor Heinz Leymann.
1.1 Quem pode figurar como agressor
Com relação ao agressor, faz-se necessário frisar que nem sempre o superior hierárquico figurará como agente, pois o assédio moral possui três modalidades: vertical descendente, vertical ascendente e horizontal. Assim, a forma vertical descendente é a mais comum de ocorrer, pois a agressão parte do superior hierárquico ao subordinado. A modalidade vertical ascendente se dá quando a ofensa parte dos subordinados em direção ao superior. Já o assédio moral horizontal é o tipo de violência realizada pelos próprios colegas do ofendido (pares hierárquicos), geralmente por preconceito racial, xenofóbico, religioso ou em razão de orientação sexual.
Ao se perguntar, por quais motivos uma pessoa pratica o assédio moral, Marie-France Hirigoyen (2015, p. 40) explica que
“Vários são os motivos que levam alguém a praticar tais condutas, seja por sentimento de inveja, competição, ciúme ou até mesmo a recusa de distinção. Assim, ao menosprezar ou humilhar seu funcionário ou colega de trabalho, principalmente na frente dos outros colegas que por sinal não fazem nada a respeito, o agressor se sente melhor, possuindo um sentimento de satisfação em ver que atingiu emocionalmente a vítima […] A inveja não é proporcional ao valor da coisa invejada e se concentra muito frequentemente em coisas pequenas e desprezíveis. Inveja-se aquele que tem a mesa perto da janela, ou aquele que tem a cedeira [sic] mais bonita, mas também se inveja aquele que é o preferido do chefe ou que tem um salário melhor e a mesma qualificação.” (apud SOUSA, 2019, s. p.)
Nessa perspectiva, Marie-France caracteriza o agressor de várias formas, sendo uma delas o perfil narcisista em que o agente vê na vítima uma forma de satisfazer seus vazios existenciais através da agressão, pois como se fosse um vampiro “o Narciso vazio precisa se alimentar da substância do outro. Quando não se tem vida, você tem que tentar se apropriar dela ou, […], você tem que destruí-la para que não haja vida em lugar nenhum” (HIRIGOYEN, 1998, p. 102, [tradução nossa]). Portanto, percebe-se que a agressão poderá ser praticada por vários agentes no ambiente de trabalho, não sendo exclusivamente praticado pelo superior hierárquico em face dos empregados, mas também entre colegas ou até mesmo contra o próprio chefe. E, com base nos ensinamentos de Marie Hirigoyen, percebe-se que o agressor possui várias motivações para cometer o assédio moral, sendo um dos mais relevantes o narcisismo.
2 Os principais problemas psicológicos sofridos pela vítima de assédio moral
Em razão do terror psicológico resultante da prática do assédio moral, é de suma importância discorrer alguns dos principais problemas psicológicos que essa agressão causa à vítima. Nas lições de Marie-France, a violência que o agressor exerce sobre a vítima é muitas vezes silenciosa, mas perceptível para ambos, salientando que violência não é a mesma coisa que um conflito no trabalho, o qual gera uma discussão e ambas as partes encontram a solução para o problema em questão. Mas, no caso da violência moral, é um modo de dominação exercida por meio da força moral ou psicológica, pois a vítima “sente que não há uma possível negociação com o seu agressor, e que ele não vai ceder, e prefere comprometer-se a enfrentar a ameaça de separação” (HIRIGOYEN, 1998, p. 119, [tradução nossa]).
Ao analisar essa violência no âmbito jurídico, percebe-se que há ofensa da honra subjetiva da vítima, conforme explica Mauro Schiavi (2011, p. 138),
“O assédio moral atinge a chamada honra subjetiva da vítima, pois ela mesma, diante do processo desencadeado pelo assédio, acaba se autodestruindo, perdendo seu sentimento de autoestima, de dignidade, bem como sua capacidade física e intelectual.” (apud ALVARENGA, 2018, s. p.).
Assim, tendo em vista que a honra subjetiva é a forma como o indivíduo se define, à medida que os ataques vão se repetindo, nota-se o surgimento de inúmeras doenças psicossomáticas que acometem a vítima. Não obstante, percebe-se que a violência não afeta apenas a pessoa que sofre a agressão moral, mas de maneira indireta, também, a sua família que observa a frustração, esgotamento e o estado de humilhação da vítima quando ela retorna para casa após um dia de trabalho. Nesse sentido, Tchilla Helena Candido (2011, p. 73) elenca os principais traumas físicos e psíquicos decorrentes do assédio moral, que são
“Danos à integridade psíquica e física como um todo, sentimento de inutilidade, transtorno de estresse pós-traumático, cefaleias agudas, dores generalizadas, sensação de mal-estar, palpitações, taquicardias, sensação de pressão no peito, falta de ar, tremores, crises de choro, fadiga crônica, insônia ou sonolência excessiva, depressão, apatia, angústia, melancolia, raiva, ansiedade generalizada, transtorno de personalidade, sensação de opressão, inquietação, desconfiança sem fundamento real, nervosismo, dores abdominais, diminuição da libido, sede de vingança, irritabilidade, impaciência, aumento de pressão arterial, problemas hormonais, problemas de memória, confusão mental, pesadelos relacionados ao trabalho, distúrbios digestivos, problemas de pele com alergias, problemas musculoesqueléticos, coceiras, tiques nervosos, agorafobia, consumo de drogas, consumo de álcool, hipertensão arterial, medo, descontrole emocional, mania de perseguição, sentimento de culpa, fobias, isolamento social, problemas nas relações familiares, dificuldade de interagir em equipe, competição exagerada, tristeza, Síndrome de Burnout, síndrome do pânico, absenteísmo, baixa autoestima, atitudes agressivas, falta de ar, suores, ideação suicida, tentativa de suicídio.” (apud ALVARENGA, 2018, s. p.) [grifo nosso]
Por conseguinte, depreende-se o quanto o assédio moral causa danos à vítima e seus familiares, uma vez que a agressão começa no ambiente de trabalho e seus efeitos progridem para o meio familiar. E, consequentemente, é comum a vítima enveredar-se no mundo das drogas, alcoolismo e em casos mais drásticos, por não achar saída para o problema que está vivendo, perde a alegria da viver e acaba cometendo suicídio.
Ademais, nota-se que o estado de desequilíbrio moral das vítimas, é causado pelo desgaste emocional e psicológico que sofreram, resultando em ansiedades e estado depressivo. Ainda, no momento em que a vítima comete o suicídio, os agressores em sua maioria afirmam que as vítimas eram fracas, como uma maneira de justificar as agressões. Nessa perspectiva Marie-France ensina que,
“Seu estado depressivo é devido à exaustão, ou seja, excesso de estresse. As vítimas se sentem vazias, cansadas e sem energia. Eles não estão mais interessados em nada. Eles não podem pensar ou se concentrar, nem mesmo as atividades mais triviais. Este é o momento em que a ideia de suicídio aparece. E o momento mais perigoso é quando eles percebem que eles foram enganados e que nada vai levá-los de volta o reconhecimento que merecem. Suicídios ou tentativas de suicídios reafirmam aos perversos em sua certeza de que o outro era fraco, perturbado ou louco, e que as agressões que o fez sofrer foram justificados.” (HIRIGOYEN, 1998, p. 126-127, [tradução nossa]).
Dessa forma, esse tipo de agressão apresenta inúmeros motivos para merecer a tutela penal, pois ofende de maneira progressiva a honra subjetiva do indivíduo, a qual está intimamente ligada ao valor intrínseco da pessoa humana, que não se trata de uma coisa ou um objeto, mas um ser humano. E, no plano da dignidade da pessoa humana, o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso disciplina que o valor intrínseco da pessoa humana “trata-se da afirmação de sua posição especial no mundo, que a distingue dos outros seres vivos e das coisas. Um valor que não tem preço. (BARROSO, 2010, p. 21-22).
Portanto, em razão dos graves problemas sociais que se desencadeiam com a agressão moral no ambiente de trabalho e progride para o âmbito familiar da vítima, essa reprovável conduta apresenta grave lesividade ao ser humano e carece ser tratada de maneira mais rígida e eficaz pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Considerando que a Administração Pública é regida por princípios, dos quais se encontram em destaque os do artigo 37 da Constituição Federal, quando um agente público assedia moralmente alguém, seja nas formas ascendente, descendente ou horizontal, está violando tais princípios. Dessa forma, se macula os direitos humanos fundamentais no que se refere ao trabalho, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da vítima (BRASIL, 1988, art. 5º, X).
Com relação a postura dos tribunais frente o assédio moral praticado por agentes públicos, se mostra emblemático o caso julgado pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a qual considerou o assédio moral como ato de improbidade administrativa, conforme se constata na seguinte emenda
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ASSÉDIO MORAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. ENQUADRAMENTO. CONDUTA QUE EXTRAPOLA MERA IRREGULARIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO. 1. O ilícito previsto no art. 11 da Lei 8.249/1992 dispensa a prova de dano, segundo a jurisprudência do STJ. 2. Não se enquadra como ofensa aos princípios da administração pública (art. 11 da LIA) a mera irregularidade, não revestida do elemento subjetivo convincente (dolo genérico). 3. O assédio moral, mais do que provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote -, é campanha de terror psicológico pela rejeição. 4. A prática de assédio moral enquadra-se na conduta prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém. 5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e/ou afastar da atividade pública os agentes que demonstrem caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida. 6. Esse tipo de ato, para configurar-se como ato de improbidade exige a demonstração do elemento subjetivo, a título de dolo lato sensu ou genérico, presente na hipótese. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp: 1286466 RS 2011/0058560-5, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 03/09/2013, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/09/2013) [grifo nosso]
Desse modo, conforme bem argumentou a eminente ministra Eliana Calmon, o agente público ao cometer o assédio moral, está violando os princípios que regem a administração pública, ou seja, a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Bem como, os disciplinados no artigo 11 da Lei nº 8.429, de junho de 1992 (Lei de Improbidade administrativa), a honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições.
Tendo em conta que o assédio moral é matéria que não possui lei federal que tipifique tal conduta como crime, faz-se necessário mencionar as duas leis que buscam desencorajar, inibir a prática do assédio moral e torná-lo relevante frente à sociedade. Assim, pode-se destacar a Lei nº 11.948 de 16 junho de 2009, a qual proíbe a concessão de empréstimos do Banco de Desenvolvimento Nacional Econômico Social (BNDS) às empresas que sofreram condenação pela prática do assédio moral. E, outra lei muitíssimo importante no contexto social é a de nº 4.326 de 2004, onde designa o dia 02 de maio como o dia nacional da luta contra o assédio moral. Embora não se tenha avançado tanto com relação a esse problema social no ambiente de trabalho, é importantíssimo citar esses avanços que se sucederam. Todavia, sem ignorar a necessidade de dar a devida atenção a essa questão, pois o trabalhador fica vulnerável a ser vítima de assédio moral quando não há leis específicas acerca do tema.
Seguidamente, o Projeto de Lei nº 4.742/2001 é um caso que merece uma especial atenção, haja vista que após a aprovação na Câmara dos Deputados em 13 de abril de 2019, resta agora, apenas a apreciação do Senado Federal. Tal projeto, de autoria do Deputado Federal Marcos de Jesus (PL/PE), tem por objetivo inserir no Código Penal Brasileiro o artigo 146 – A, que contará com os seguintes termos
“Art. 146 – A. Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral. Pena: Detenção de 3 (três) meses a um ano e multa.” (BRASIL, 2001)
Inicialmente, percebe-se que embora o legislador tenha tratado apenas do assédio moral vertical descendente, que é aquele onde o agente é o superior hierárquico (chefe), tal legislação apresenta-se como uma maneira efetiva de se combater essa violência. Salienta-se, ainda, que mesmo havendo a previsão de detenção de 3 (três) meses a um ano e multa, não se exclui a possibilidade do ofendido recorrer à esfera civil pleiteando a devida indenização, bem como a rescisão contratual por justa causa prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) conforme se abordará no próximo item.
Dessa forma, a aprovação de tal projeto de lei é de elevada relevância para o âmbito penal, pois assim poderá garantir aos trabalhadores uma proteção efetiva, a qual punirá os atos tiranos de humilhação sofridos no ambiente de trabalho, não ficando mais impunes os seus agressores.
4.1 Sanções penais e cíveis atualmente previstas para punir o agressor
Tendo em vista que atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, a prática do assédio moral não é criminalmente punível, as vítimas tem se socorrido a partir das normas do Código Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Código Penal e a Constituição Federal. Com relação ao código civil, verifica-se que uma das ações mais comuns no judiciário em casos de assédio moral, é a ação de indenização por danos morais, a qual visa punir o agressor condenando-o a pagar indenização proporcional aos danos sofridos pela vítima, nos termos dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil brasileiro.
Outro meio comum de se socorrer do assédio moral, encontra-se elencado no artigo 483 da CLT, o qual prevê a possibilidade de o empregado rescindir o contrato e requerer a devida indenização ao dano sofrido. Tal rescisão é conhecida por rescisão indireta ou rescisão por justa causa do empregador, onde o empregado dispõe de um forte motivo para romper o contrato.
Com relação ao Código Penal, considerando que a prática do assédio moral ofende a honra subjetiva da vítima, em alguns casos poderá o ofendido promover ação, por meio de queixa crime (Art. 145 do CP), em face do agressor com base no artigo 140 do CP, alegando a prática da injúria.
No âmbito constitucional, o artigo 5º, inciso X da Constituição Federal de 1988, dispõe que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988, art. 5º, X). Assim, através dos princípios constitucionais e principalmente pela Dignidade da Pessoa Humana, é que se tem combatido a prática do assédio moral.
4.2 A importância de criminalizar o assédio moral na visão de Marie-France Hirigoyen
Marie-France Hirigoyen, médica francesa, psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta especializada em assédio moral e psicológico, ao vir ao Brasil palestrar no 16º Congresso Nacional da Justiça do Trabalho (Conamat) em João Pessoa/PB, concedeu uma entrevista à Tv Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), onde afirmou que está havendo uma conscientização no mundo com relação ao assédio moral e que é mais fácil lutar contra essa prática, quando há uma lei específica. Sustentou que o fato de haver sanções penais para o assédio moral, por si só, promove a prevenção, ou seja, a repressão permite a prevenção. Nesse sentido, afirmou que
“[…] há nas leis uma obrigação de prevenção, que se não for respeitada, é punitiva. Então, creio que é importante que haja os dois, a obrigação de prevenir e as penalidades se isso não for suficiente.” (HIRIGOYEN, 2012, s. p.) [grifo nosso]
Uma das ideias fortemente defendidas pela médica é que o assédio moral deve ser combatido por todas as pessoas, pois trata-se de uma responsabilidade coletiva, é um dever da sociedade agir contra o assédio moral, pois embora necessitem de leis para ajudar nessa luta, “só os seres humanos podem regular situações humanas. Situações perversas só se desenvolvem se alimentadas ou toleradas” (HIRIGOYEN, 1998, p. 145, [traduziu-se]).
Nessa perspectiva, percebe-se que, para combater o assédio moral, faz-se necessário a existência de lei específica para reprimir tal conduta. Todavia, criminalizar o assédio moral é apenas o ponto de partida, pois não existe qualquer garantia de eficácia se não houver a participação efetiva da sociedade a fim de denunciar e cooperar na erradicação desse tipo de agressão.
Conclusão
Diante disso, pode-se constatar que apesar da abolição da escravidão e da existência de leis que visam proteger a dignidade humana, a prática do assédio moral evoluiu juntamente com a sociedade. E, em razão da inexistência de leis no âmbito federal para punir essa conduta o trabalhador figura como parte mais vulnerável nessa situação.
Todavia, é possível vislumbrar os avanços com relação ao Projeto de Lei nº 4742/2001, que resta pendente a sua apreciação perante o Senado Federal. Caso seja aprovada, tal lei, certamente trará um avanço no que se refere a proteção do trabalhador, tanto público como privado, a fim de garantir um tratamento digno no ambiente de trabalho.
Ainda, cabe ressaltar que conforme defendido por Marie-France, o combate ao assédio moral é mais eficaz quando há uma lei específica que trate da matéria. Porém, a existência da lei é apenas o ponto de partida, pois deve haver uma luta coletiva da sociedade a fim de reprimir esse tipo de violência, fazendo denúncias com o intuito de efetivar a lei existente.
Desse modo, enquanto não há uma lei federal específica sobre o assédio moral, o trabalhador conta com a proteção dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, as normas do Código Civil, Código Penal e da Consolidação das Leis do Trabalho.
Referências
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. O assédio moral laboral como fator de adoecimento no trabalho. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-164/o-assedio-moral-laboral-como-fator de-adoecimento-no-trabalho/. Acesso em: 19 maio 2020.
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no Direito Constitucional contemporâneo: natureza jurídica, conteúdos mínimos e critérios de aplicação. Disponível em: https://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2010/12/Dignidade_texto-base_11dez2010.pdf. Acesso em 02 jun. 2020.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4742/2001. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD26MAI2001.pdf#page=74. Acesso em: 19 maio 2020.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4326/2004. Cria o Dia Nacional da Luta contra o Assédio Moral a ser comemorado dia 02 de maio. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267826. Acesso em: 22 jul. 2020.
BRASIL. Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 20 maio 2020.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 22 jul. 2020.
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