Resumo: Pretendeu-se através do presente artigo demonstrar a importância do meio ambiente do trabalho enquanto requisito indispensável para se alcançar a real proteção ao trabalho humano, de forma a ser cumprido com sua condição de ser um dentre os maiores valores constitucionalmente declarados, fator principal para a redução das desigualdades sociais em um modo de produção capitalista. Levou-se também em conta a função social do contrato, expressado no Direito Civil e transposto para o Direito do Trabalho, com a inserção dos princípios próprio deste ramo do direito. Procurou-se levantar a questão da crise financeira internacional e a possibilidade desta crise contribuir com a aceleração da precarização das condições de trabalho, em especial pelas políticas de redução de custos empresariais que estão sendo implementadas.
Palavras chave: ambiente de trabalho; crise financeira internacional; desenvolvimento social.
Abstract: This article try to demonstrate the importance of the work environment as a precondition to achieve real protection for human labor in order to be satisfied with their condition to be one of the most constitutionally declared values, the main factor for reducing social inequalities in a capitalist mode of production. It also took into account the social function of contract, expressed in the civil law and transferred to the Labor Law, with the integration of the principles of this branch of law. Tried to raise the issue of the international financial crisis and this crisis can contribute to the acceleration of the precariousness of working conditions, especially the policies of reducing business costs that are being implemented.
Key Words: work environment; international financial crisis, social development.
Sumário: 01. Introdução; 02. Do meio ambiente do trabalho; 03. Fundamentos constitucionais para proteção no ambiente do trabalho; 04. Da ordem econômica na Constituição Federal; 05. Ambiente de trabalho e a efetiva valorização do trabalho humano; 06. Considerações finais; 07. Referências.
0.1- Introdução
O Meio Ambiente do Trabalho deveria ser concebido como um dentre os direitos sociais inarredáveis para o desenvolvimento da criatividade humana, enquanto fator de desenvolvimento social e econômico. Nele os homens deveriam se reconhecer e compatibilizar destinos comuns. Porém, diante do contexto atual, segundo YazbecK (2006, p.13),“são vários os antagonismos, as lutas e as rebeldias que se confrontam com as políticas globais de desenvolvimento econômico centradas na voracidade dos novos paradigmas de acumulação”. Tais mudanças têm levado à precarização do trabalho e ao desmonte de direitos sociais, civis e políticos.
As mudanças na reestruturação dos mecanismos de acumulação do capitalismo, a concentração de riqueza e poder, ao lado da tragédia da pobreza, da fome e da exclusão,acabam se consubstanciando no crescimento das massas de trabalhadores explorados, sub-empregados, que refletem um mundo desumanizado. A esse respeito salienta Grazia (2008, p. 47):
“Rebaixamento ilimitado de salários, prolongamento da jornada de trabalho sem qualquer pagamento de horas extras, ritmo alucinante para conseguir o cumprimento de metas, anos a fio sem o gozo de férias, nem pagamento de décimo terceiro graças a contratos precários ou vínculos com falsas cooperativas etc.”
Sabe-se que as mudanças dos paradigmas de produção são globais e têm-se refletido direta e indiretamente nas condições do trabalho, apesar da Constituição Federal estabelecer o trabalho como um dos maiores valores sociais (artigos 1º, 3º e 170), ao ponto de ser enquadrado como um dentre os vários direitos fundamentais. Para Souza (2008), com a Constituição Federal de 1988, é possível visualizar a opção do constituinte pela iniciativa privada e também pelo capitalismo. Uma outra opção verificada no texto diz respeito à solidariedade, à função social da propriedade, dos meios de produção e do trabalho, entendidos como meio de redução das desigualdades sociais.
Em outras palavras, quando o trabalho não contribui para a redução das desigualdades sociais, tem-se um trabalho inconstitucional, que não pode ser concebido, que deve ser combatido e transformado.
Com o processo de reestruturação produtiva, toma um espaço ainda maior o estudo do ambiente do trabalho e a sua importância no desempenho da atividade empresarial, levando-se em conta a legitimidade da própria empresa, do Estado e de toda a sociedade na construção desse ambiente que deverá apontar condições adequadas para valorização do homem.
Fica aqui identificado o objeto do presente estudo, que conta com uma visão do ambiente de trabalho a partir das lentes da Constituição Federal e das necessidades que ainda precisam ser cumpridas, com vistas a contribuir com o alcance dos objetivos estabelecidos para a República Federativa do Brasil, dentre vários, eleva-se aqui a redução da desigualdade social.
0.2- Do Meio Ambiente do Trabalho
A desumanização nas relações de trabalho têm suas origens em tempos mais remotos. Conforme destaca Rocha (1997), com a ajuda dos escritos históricos, pode-se constatar que os trabalhadores sofriam com problemas de saúde, pois estavam sujeitos a condições indignas de trabalho, muitas vezes em contato com substâncias nocivas à saúde, como ocorria com o trabalho escravo que vitimava inúmeras pessoas pelo envenenamento por chumbo. Por volta dos séculos XV e XVI, as doenças se intensificaram em razão do trabalho subumano existente nas minas, na busca incessante pelo ouro e pela prata. Somente, em meados do século XVIII surgiram os primeiros indícios de preocupação com a saúde do trabalhador, na Inglaterra, na França e na Alemanha, apesar de não perdurarem.
Para Rocha (1997, p. 29):
“Contudo, com a Revolução Industrial (o industrialismo), as deploráveis condições de trabalho e de vida das cidades se intensificaram: epidemias generalizadas, habitações fétidas, trabalho de crianças e mulheres, mortes e acidentes em massa.”
A sociedade, ao passar pela Revolução Industrial, uniu forças e começou a se organizar e lutar pelos seus direitos. Os trabalhadores passaram a exigir a diminuição da jornada de trabalho, melhores salários e proteção para o trabalho infantil e feminino, conquistando as primeiras legislações que protegiam alguns de seus direitos.
A Constituição Federal brasileira resguarda a defesa do meio ambiente e a proteção ao trabalho humano como princípios gerais da atividade econômica, dispostos no caput do art. 170, VI e VIII.
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VIII – busca do pleno emprego;”
Nesta mesma linha, Derani, citado por Rocha (1997, p. 22), afirma que ”o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, é um dos elementos que compõem a dignidade da existência, princípio-essência apresentado no artigo 170”.
Seguindo esta linha de raciocínio, é possível conceituar meio ambiente do trabalho como sendo aquele meio necessário para que o trabalho se reproduza alcançando as suas finalidades sociais.
Vale aqui a citação de Rocha (1997, p.25-30) que conceituou meio ambiente do trabalho de uma forma bastante esclarecedora:
“O meio ambiente natural pode ser entendido como aquele constituído pelo solo, pela água, pelo ar atmosférico, pela fauna e pela flora. […] O meio ambiente artificial como o espaço físico transformado pela ação continuada e persistente do homem com o objetivo de estabelecer relações sociais, viver em sociedade. É composto pelo meio ambiente urbano, periférico e rural. […] O meio ambiente cultural é constituído por bens, valores e tradições aos quais as comunidades emprestam relevância, porque atuam diretamente na sua identidade e formação. […] O meio ambiente do trabalho como a ambiência na qual se desenvolvem as atividades do trabalho humano. Não se limita ao empregado; todo trabalhador que cede a sua mão – de – obra exerce sua atividade em um ambiente de trabalho.”
Para Rocha (1997) há autores que enquadram o meio ambiente do trabalho como parte integrante do regime sistemático do meio ambiente, como Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues, Nelson Nery Junior, Rodolfo de Camargo Mancuso, Rosa Maria Andrade Nery. A esse respeito a ciência jurídica foi buscar na etimologia das palavras um ajuste para os termos meio ambiente e meio ambiente do trabalho, concluindo que ambos estão interligados, assim como acontece com algumas matérias e disciplinas.
O termo Meio Ambiente deriva do latim “ambiens e entis”, que significa aquilo que rodeia. Pode-se observar então que a expressão “meio ambiente” constitui um pleonasmo, possuindo a mesma significação, ou seja, lugar, recinto, espaço onde os seres humanos desenvolvem as suas atividades, assim como a vida dos animais e vegetais.
A Legislação Brasileira, por sua vez, define Meio Ambiente na Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, no art. 3º, I, n.º 6.938 de 1981, como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Giampietro, citado por Rocha (1997, p.30), “o meio ambiente do trabalho compreende um complexo de bens de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o freqüentam”.
Por fim, vale ressaltar que Rodolfo de Camargo Mancuso, citado por Rocha (1997), traduz o meio ambiente do trabalho como habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para sua sobrevivência.
03.- Fundamentos constitucionais para a proteção no ambiente do trabalho
Pensando em proporcionar aos brasileiros uma vida digna, o legislador constituinte elencou no artigo 1º da Constituição Federal os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e os Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa como fundamentos da República Federativa do Brasil.
Segundo Fiorillo, citado por Santos (2005, 786):
“[…] Para esse autor, para começar a respeitar a dignidade da pessoa humana tem-se de assegurar concretamente os direitos sociais previstos no art. 6º da Carta Magna, que por sua vez está atrelado ao caput do art. 225, normas essas que garantem como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a providência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma da Constituição, assim como direito ao meio ambiente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.”
Ainda, em se tratando de direitos assegurados ao trabalhador, o texto constitucional consagra em seu artigo 7º, proteção a inúmeros destes direitos.
Mas é no capítulo destinado aos princípios gerais da atividade econômica, art. 170, caput, que o constituinte consagra maior ênfase aos trabalhadores, colocando a valorização do trabalho humano junto com a livre iniciativa. Desta forma a valorização do trabalho humano deve ser respeitada pelos agentes econômicos no que tange a sua liberdade para atuar no mercado de trabalho.
No título da Ordem Social, capítulo II da Seguridade Social, seção II, que trata da saúde, em seu artigo 200, inciso VIII, o legislador constituinte atribui ao Sistema de Saúde a obrigação de colaborar com a proteção ao meio ambiente do trabalho.
“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:…
VIII – colaborar com a proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”
No entanto, mesmo existindo vários dispositivos constitucionais que protegem o meio ambiente do trabalho e a saúde dos trabalhadores, há por outro lado, segundo Rocha (1997), uma aparente antinomia entre os dispositivos do art. 1º, III, art. 3º, IV, art. 5º, art. 225, caput, art. 200, VIII, e, art. 7º, XXII, em relação ao dispositivo do art. 7º, XXIII da Constituição Federal.
Nos dispositivos citados, o legislador resguarda o direito do trabalhador a ter uma vida com dignidade e proteção à saúde, contudo permite, em seu art. 7º, XXIII, o pagamento de adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres, ou perigosas, na forma da lei, configurando uma antinomia entre os próprios dispositivos.
Para resolver este impasse da antinomia da proteção do trabalhador, Canotilho, citado por Rocha (1997), menciona que todas as normas constitucionais têm o mesmo valor, não havendo que se fazer distinção entre elas. Para o autor a própria constituição resolve a questão, pois os dispositivos constitucionais devem ser harmonizados e compatibilizados entre si.
Salienta Rocha (1997, p.39):
“Nosso entendimento é de que, com base numa análise sistemática do ordenamento e dos princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal, o adicional para as atividades penosas, insalubres ou perigosas (art. 7º, XXIII) deve ser harmonizado com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e compreendido como medida excepcional ante o pleno direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput), que tem como objetivo a busca da sadia qualidade de vida.”
No art. 7º, caput, da Constituição Federal, o legislador dispõe “direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, em 34 (trinta e quatro) incisos e parágrafo único. Vejamos alguns destes direitos dos trabalhadores:
“Art. 7º…
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.”
Desta forma, de acordo com o posicionamento do autor citado acima, tem-se que os adicionais de insalubridade e periculosidade, dispostos nos art. 189 a 197 da CLT, não devem ser vistos como forma de monetização da saúde, mas sim como meio de se remunerar transitoriamente a passagem dos trabalhadores por ambientes insalubres, penosos e perigosos.
Diante disto, surgem a prevenção e a precaução no meio ambiente do trabalho, na busca por meios que façam neutralizar a incidência dos agentes nocivos à saúde do trabalhador. Porém, deve-se ressaltar que os valores pagos a título de adicional de insalubridade e periculosidade no Brasil, devido a serem diminutos enquanto valores financeiros, parecem não cumprir com a função que deveriam ter, ou seja, de impor ao empregador a realização de mudanças no ambiente de trabalho, eliminando ou minimizando os agentes nocivos à vida dos trabalhadores, o que significa que, ainda que buscando uma compatibilidade com tais institutos, carece que os mesmos sofram majorações em termos de valores.
Os direitos relacionados ao meio ambiente do trabalho não foram contemplados apenas pela legislação constitucional. A legislação infraconstitucional também assegura os direitos dos trabalhadores como a CLT, a Lei de política nacional do Meio Ambiente, as Portarias do Ministério do Trabalho e emprego, o Código Penal Brasileiro, Orientações Jurisprudências do Tribunal Superior do Trabalho, Convenções da Organização Internacional do Trabalho OIT, entre outros.
Por fim, vale ressaltar que a Consolidação das Leis Trabalhistas inseriu, no capítulo V da Segurança e Medicina do Trabalho, normas para a maior efetivação dos direitos dos trabalhadores, como a orientação, fiscalização e aplicação de penalidades pelas Delegacias Regionais do Trabalho, no caso de descumprimento das normas pertinentes; a obrigação das empresas em cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, etc.
0.4- Da ordem Econômica na Constituição Federal
A política econômica relaciona-se intimamente com a evolução do capitalismo. O desenvolvimento da sociedade capitalista tem sido marcado por várias revoluções industriais em que se verificou a acumulação capitalista, ou seja, a sociedade de pequenas propriedades passa a ser substituída pela sociedade com grandes propriedades, ocasionando crescente acumulação do capital e concentração de renda. A esse respeito destaca-se Vieira (2008, p.137):
“O preceito da livre concorrência irrompeu durante a Revolução Industrial na Inglaterra, numa época em que prevalecia a acumulação privativa do capital e se ensaiavam as primeiras lutas contra o monopólio inspirado pelo mercantilismo. Posteriormente, tal preceito se faz razão e explicação dos fatos econômicos e sociais, quando a acumulação acelerada do capital alargou a concentração e a transferência da riqueza. […].”
Em tal contexto, predomina as leis de mercado e o Estado não deve interferir nas relações econômicas, segundo o posicionamento neoliberal. Numa relação de concorrência, supõe-se que o preço da mercadoria tenda a diminuir e o crescimento das forças produtivas aumente a capacidade de competição, impedindo que a queda nos preços venha desestabilizar o mercado.
Sendo assim, Souza (2008, p. 262):
“A doutrina liberal dos Séculos XVIII e XIX possuía por fundamento a liberdade. O Estado detinha poder limitado para intervir nas relações econômicas. As relações de produção seriam, assim, pautadas de acordo com os princípios da livre concorrência, da mão invisível da economia.”
A Revolução Inglesa alterou a estrutura do governo, segundo Vieira (2007, p. 138). “[…] A necessidade de eliminar os derradeiros vestígios do mercantilismo e a liberação da iniciativa capitalista fomenta um conjunto de novos problemas, cuja solução somente poderá acontecer através da intervenção do governo central”. Essas necessidades exigiram mudanças do governo Inglês, principalmente, por meio de medidas legais. Desta forma, ele passou a controlar a economia por meio de operações financeiras e prestação de serviços sociais.
Para Silva (1999, p. 58), “com o agravamento da questão social no século XIX e o avanço dos movimentos populares de perspectiva socialista, intensificaram-se os questionamentos sobre o papel do Estado. […] Na Europa da virada do século, já estava amplamente difundida a idéia de que a gestão dos problemas sociais devia integrar o conjunto das ações do Estado.”
Atualmente sua atuação na questão social está imbuída de formas flexíveis e isso também se reflete nas relações de produção e, consequentemente nas do trabalho.
Já no Brasil, país periférico de capitalismo tardio, assim definido por vários cientistas políticos, a ordem econômica, aqui avaliada por Silva (1999, p.64), destaca que “os pilares da ordem social e econômica burguesa foram revitalizados. O que equivale dizer que a opção adotada para o desenvolvimento do país reproduziu e consolidou a estrutura da desigualdade social”.
Segundo Silva (1999, p. 64-65) os anos 80 marcaram uma profunda recessão econômica e as opções adotadas em face da crise internacional tiveram.
“[…] efeitos atrozes para os salários em geral, especialmente ao de baixa renda. Foi o período marcado pelas sucessivas Cartas de Intenções, contendo metas de ajuste da economia brasileira, em face das exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI), visando o equilíbrio da balança comercial.”
A recessão econômica marcou para os trabalhadores brasileiros um momento de intensas lutas para derrubar as políticas de arrocho salarial utilizadas como estratégia, em nome do “combate à inflação”, pela melhoria das condições de negociação da dívida externa.
A partir da Constituição de 1988, o trabalho passa por várias classificações, até culminar na ordem econômica. Conforme artigo 170, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Para alguns autores a Constituição de 1988 limita o capital à valorização do trabalho humano. Cabe na expressão desenvolvimento estar contido o desenvolvimento econômico e social, através principalmente da valorização do trabalho humano. Assim, a ordem econômica terá que estar pautada na valorização do trabalho humano, na finalidade de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Um outro aspecto relevante para esse estudo está em verificar os fundamentos da CF/88 no tocante à dignidade, entendida como um valor moral e espiritual inerente a todas as pessoas.
A dignidade da pessoa humana tem suas raízes no cristianismo. Para o Apóstolo Paulo, na Epístola aos Romanos e na Epístola aos galatas não há distinção entre Judeus e Gregos, não havendo, também, escravos e livres, não há homem nem mulher, pois todos são um só em Cristo Jesus. Sabe-se, porém, que essa igualdade durante muito tempo não foi consagrada pelo cristianismo e alguns exemplos podem ser destacados: a escravidão negra e indígena, a Santa Inquisição, entre outros tantos.
A partir do séc. XVII Immanoel Kant “formula o postulado ético de que só o ser racional possui a faculdade de agir conforme a representação de leis e princípios”. Meller (2007, p. 55)
“[…] a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo encontrado apenas nos seres racionais, e se constitui no fundamento da dignidade da natureza humana.”
Sabe-se que, na Antiguidade e na Idade Média, nenhum registro foi encontrado a respeito da preocupação do Estado com a dignidade do trabalhador. Pelo contrário, existem registros que mostram a desumanidade com que muitos trabalhadores foram tratados. Segundo Miranda (2007), as primeiras idéias de proteção ao trabalhador surgiram a partir do século XIX e um exemplo é a Conferência de Berlim (1890) que adotou medidas de proteção sobre trabalhos em minas.
A dignidade da pessoa humana tem sido um conceito difícil de precisar, pela necessidade de se definir o que é dignidade. Para Mello (2007, p. 110)
“[…] o conceito de pessoa humana deve ser a mais abrangente possível, já que a noção de sua dignidade tem profundas raízes ético-religiosas. Por outro lado, o uso da expressão pessoa humana, na positivação desse princípio, foi sem dúvida intencional, para deixar bem clara sua contraposição com o conceito limitador “cidadão”, advindo das constituições liberais.”
Embora o conceito de dignidade da pessoa humana seja mais recente que o da igualdade, seu conteúdo é mais valorativo, o motivo pelo qual não foi constituído pelos ordenamentos jurídicos inaugurados pela Revolução Francesa, que valorizavam a igualdade formal e a lei, bem como positivismo. Somente com a divulgação dos horrores da Segunda Guerra Mundial, dos regimes nazista e fascista, documentos internos e externos vieram a consagrar a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental.
0.5.- Ambiente de trabalho e a efetiva valorização do trabalho humano
Segundo Marx é pelo trabalho que o indivíduo age objetivamente, transforma algo e transforma a si mesmo. Esse movimento de transformar parte da prévia ideação é denominado por Lukács, depois por Marx, por trabalho. Para Lessa (1999, p. 26):
“Com o desenvolvimento do trabalho é possível perceber que a história dos homens é a história da origem e de desenvolvimento das forças de organização social. Estas formas surgem e se desenvolvem porque todo ato de trabalho produz muito mais que o objeto que dele resulta imediatamente. Ele produz, no plano objetivo, uma nova situação histórica e, no plano que vão se tornando cada vez mais socializados com o passar dos tempos.”
É pelo trabalho, portanto, que o homem se desenvolve e transforma a sociedade, visto que, ao desenvolver-se, ele cria novas necessidades e também novas habilidades e conhecimentos, contribuindo para a construção de uma sociedade mais complexa.
O homem diferencia-se dos demais seres naturais pelo trabalho, sendo-lhe essa atividade vital. O homem é o único ser capaz de mediatizar sua satisfação pela transformação ao seu valor de uso.
Sendo um ser ativo, o homem é capaz de dar respostas práticas conscientes aos problemas, por meio de suas atividades laborais. Para Iamamoto (2006, p.40), “ trabalho concreto, formador de valores de uso, é condição da vida humana, independente de todas as formas de sociedade. É atividade essencial do homem, sua atividade livre e consciente”.
Entre as caracteristicas do trabalho humano, salienta-se a sua dimensão teleológica: a capacidade de o homem de projetar resultados; a criação dos meios de trabalho. Salienta Iamamoto (2006, p..41). que “os meios de trabalho são distintos das épocas econômicas, pois não o que se faz, mas como , com que meio de trabalho se faz, é o que distingue as épocas econômicas”
O mundo do trabalho, a partir das três últimas décadas do século XX, é analisado por Serra (2001, p.151): “Tais mudanças estão afetando a dinâmica das forças produtivas, alterando a estrutura e comportamento das classes, enfim, modificando todo o tecido social”.
Para a vertente de análise crítica, o que provocou as mudanças no mundo do trabalho foi a queda de lucros do capital nos países centrais. Essa crise teve como resultado o baixo crescimento da produção e da produtividade e como conseqüência a queda da taxa de empregos.
A reestruturação produtiva deu-se como a transição do padrão de produção fordista-taylorista, para o padrão de acumulação flexível. Segundo Souza (2001, p. 153) a esse respeito é imprescindível estar-se atento a algumas questões:
“- O primeiro deles é que há uma correspondência entre a transformação do processo de produção e as condições de reprodução e socialização da força de trabalho, as políticas de controle e gestão do trabalho e as forças de consumo e de circulação de mercadoria.
– O segundo é que há uma alteração do modo de regulação expresso por meio de normas, leis e mecanismos de comportamento que dão sustentação ao processo de implantação do novo padrão de produção. O Estado como responsável pela regulamentação deve ser reformado para atender às novas exigências do capital que lhe impõe novos papéis e funções para assumir outra forma de regulamentação.
– O terceiro aspecto é que a linha mestra desse processo de mudança é político-ideológico, configurada no neoliberalismo como doutrina que dá unidade política e define as estratégias para a implantação do novo padrão produtivo.”
Diante do ideário neoliberal e das condições em que o Brasil se apresenta no que tange à exploração do trabalhador e à violência contra o trabalho, algumas alternativas têm sido apontadas para a sociedade civil. Para Yazbeck, essas alternativas não são políticas, mas se traduzem em iniciativas morais de ajuda aos necessitados, que não produzem direitos e não são judicialmente reclamáveis.
Para Fabião (2003) as pesquisas vêm demonstrando que as multinacionais têm desenvolvido mais projetos de responsabilidade social e que, infelizmente, a maioria das empresas desenvolvem suas ações sociais voltadas para as atividades de cunho assistencialistas, o que de certa forma dá uma roupagem para a empresa enquanto responsável socialmente.
De acordo com Nascimento (2007, p. 692), o poder de organização empresarial nada mais é do que o poder de organizar a atividade do empregado, combinando-a em função dos demais fatores da produção, tendo em vista os fins objetivados pela empresa, Pertence ao empregador, uma vez que é da própria natureza da empresa a coordenação destes fatores.
Não restam dúvidas de que o empregador tem o direito de escolher a atividade que pretende desempenhar, se comercial, prestação de serviços, industrial etc. Ele tem o poder de determinar o número de funcionários, os seus respectivos cargos entre outras necessidades para o bom funcionamento de sua atividade empresarial.
Não se pode jamais esquecer, contudo, da necessidade de o empregador cumprir com as normas de segurança capituladas nos artigos 153 a 201 da CLT e artigos 7º, XXII e XXIII, 157, uma vez que o respeito ao ambiente de trabalho é condição sine qua non para que se observe a valorização do trabalho humano, assim como propor a criação de um ambiente de trabalho sadio não somente pelos aspectos físicos, mas também imateriais, o que significa, neste último caso, o oferecimento de meios necessários e suficientes para que os trabalhadores possam participar efetivamente da organização empresarial, fazendo-se sentir como agentes atuantes, vivos, no contexto empresarial.
Sobre o poder diretivo empresarial repousa também as obrigações empresariais para com o empregado, na medida que o seu exercício exige que a empresa cumpra não somente com suas obrigações legais, mas que também promova, partindo do ambiente de trabalho, a criação de um meio que legitime o poder diretivo.
É como se entendesse enquanto requisito para o exercício do poder diretivo, o fornecimento, a geração de um ambiente saudável, sem o qual a empresa não poderá exigir o seu empregado as obrigações a ele dirigidas.
É em um primeiro momento uma relação contratual, como é o caso da relação de emprego, onde as partes devem cumprir suas obrigações. E, caso do ambiente de trabalho, é mais do que uma obrigação contratual do empregador. Trata-se de um encargo institucional que recai sobre a atividade empresarial, que para ser exercida, dentro da organização econômica, precisa, está obrigada a valorizar o trabalho humano e como condição antecedente deste resultado, a valorização do ambiente de trabalho. Trata-se de um Direito Fundamental, que se não cumprido, justifica-se até mesmo o fechamento da empresa, por conta que se estaria contrariando frontalmente o art. 170 da CF.
O processo produtivo é dever de todos os cidadãos, sendo inerente ao crescimento econômico e à riqueza do Estado. Está intimamente ligado ao avanço tecnológico e o correto emprego do capital, sempre observados os valores sociais do trabalho, a existência digna e a livre iniciativa (Artigos 1º e 170 da CF).
Apesar de o processo produtivo ser obrigação de todos, há que se ter em conta o dever do Estado em conceder trabalho ao cidadão, para que possa produzir e auxiliar nos modos de produção e crescimento econômico do País, conforme dispõe a Constituição Federal, em seu Art. 6º (Capítulo II Dos Direitos Sociais).
Chiavenatto (2002, p. 71) preleciona:
“Todo processo produtivo somente se torna viável com a participação conjunta de diversos parceiros, cada qual contribuindo com algum esforço ou recurso. Os fornecedores contribuem com matérias primas, serviços, tecnologia, edifícios ou bens alugados etc. Os investidores e acionistas contribuem com capital e créditos que possibilitam a aquisição de outros recursos. As pessoas que trabalham na empresa contribuem com seus conhecimentos, capacidades e habilidades. Os clientes contribuem para a organização, adquirindo os seus bens ou serviços.”
Com a economia globalizada, as empresas devem estar atentas às alterações sociais a fim de se apresentarem mais sólidas, com o oferecimento de produtos de qualidade e que tragam benefícios não somente aos empresários, mas como também aos seus funcionários e familiares e aos consumidores.
Não é possível permanecer com a idéia de que o funcionário deve ser considerado como coisa ou uma peça descartável no processo produtivo, ou, tendo-o como um colaborador não participante criativamente no processo produtivo.
Caso e Pussoli (1999, p. 227) comungam do seguinte entendimento:
“No que diz respeito à vida interna da empresa, espera-se que os ritmos, as modalidades e os ambientes de trabalho respeitem a dignidade da pessoa do trabalhador, que a produção sirva ao homem e as suas necessidades reais, que a empresa seja uma verdadeira comunidade de pessoas.”
Quando as empresas possuem práticas de responsabilização que afetam, em um primeiro momento, seus próprios empregados, a saúde, a segurança do trabalho e a gestão dos recursos naturais utilizados na própria produção, estar-se-á diante de práticas de responsabilidade empresarial interna (Oliveira e Schwertner, 2007, Jus Navigandi nº 1409).
Como medidas de responsabilidade social incluem-se o treinamento de funcionários, o apoio às escolas públicas locais, e não utilização de mão de obra infantil ou escrava, o respeito ao meio ambiente e a reciclagem de resíduos entre outras. (Sampaio, 2007, Jornal do Comércio: 04.08.2007).
A responsabilidade empresarial tem por escopo a valorização do trabalho humano e a proteção ao meio ambiente do trabalho, segundo as normas esculpidas nos artigos 170 e 200, VIII e 225 da C.F.
O desenvolvimento tecnológico, necessários nos modos de produção atuais, torna-se um dos principais fatores causadores da exclusão social, observado o desnível econômico da população, ingrediente impeditivo de que a grande maioria adquira capacidade competitiva frente ao mercado de trabalho, por estarem totalmente desprovidas de conhecimento no campo da tecnologia.
Segundo Barbosa (2007, Administração e Negócios), um dos principais receios relacionados a computadores e sistemas de informação é que os seres humanos sejam substituídos por computadores, causando a perda de milhões de empregos.
O mercado de trabalho modifica-se vertiginosamente em virtude da globalização e da revolução informatizada. Antigas profissões desaparecem e as que permanecem, mesmo aquelas mais tradicionais e conhecidas, têm seu perfil modificado, exigindo novas habilidades e conhecimentos. A revolução tecnológica torna as tarefas cada vez mais abstratas, obrigando o jovem trabalhador a utilizar cada vez mais o raciocínio e criatividade em vez de atitudes convencionais e retóricas.
De acordo com Oliveira (2008, Ambito Jurídico):
“Um fator considerado essencial para a tendência à globalização é o fator tecnológico. […] No caminho do desenvolvimento tecnológico e do processo de globalização, novas formas de competição entre empresas e sistemas econômicos começam a surgir. […] Buscaram-se investimentos diretos em regiões mundiais onde as vantagens eram muitas, como por exemplo, mão-de-obra mais barata, embora nem tanto qualificada, beneficiando, portanto, os países menos desenvolvidos. No caso, a qualificação de mão-de-obra já passa a ser um fator de menor importância, partindo-se do pressuposto que em um modo de produção altamente tecnificado necessita-se de menor número de trabalhadores qualificados. Inclusive esta é uma outra questão a ser enfrentada, ou seja, a redução da necessidade de trabalhadores qualificados e também a redução do número de trabalhadores desqualificados.”
O que se percebe pelo avanço tecnológico é a gritante substituição da mão-de-obra humana pela produtividade trazida em maior escala pelas máquinas. Assim os trabalhadores sujeitam-se a toda sorte de trabalhos e salários, esquecendo-se de forma lamentável até mesmo de sua própria dignidade, sempre em busca da obtenção do mínimo necessário ao seu sustento e de sua família.
Desta forma o trabalhador necessita galgar os degraus do conhecimento para que possa se verificar o seu desenvolvimento humano quanto ao desempenho de atividades do mundo tecnológico, e, assim, poder aumentar os seus rendimentos e a segurança no trabalho.
Por outro lado Oliveira (2008, Ambito Jurídico) entende que quanto mais se observa a necessidade de qualificação, menos qualificados são necessários em face ao avanço tecnológico. Por esta razão, torna-se crucial a presença de políticas públicas adequadas para que o homem possa enfrentar as novas exigências e necessidades do mercado, o que significa a preservação do seu ambiente de trabalho.
0.6.- Considerações Finais
Neste momento os comentários políticos e econômicos principalmente dirigem-se para a chamada crise econômico financeira mundial. O que se observa nos últimos meses do ano de 2008 e início do ano de 2009 é a intervenção dos Estados nas instituições financeiras, no mercado econômico como um todo e por conseqüência nas relações de trabalho, na medida que busca-se conceder incentivos fiscais e empréstimos públicos atrelados à proibição das empresas beneficiadas por estas medidas demitam empregados.
Nos últimos oito anos principalmente assistiu-se um crescente ganho do capital e a sua cada vez maior concentração em torno de regiões geograficamente localizadas, defendendo-se dentro do viés neoliberal a não intervenção do poder público nas relações empresariais e do trabalho. Embora tenha havido em alguns setores da produção ganhos para os trabalhadores no mesmo período, também, assistiu-se a redução da qualidade do trabalho, o que significa o avanço do empobrecimento na mesma proporção no que se refere ao ambiente de trabalho. Isto quer dizer que o desenvolvimento econômico não significou necessariamente desenvolvimento social, por conta que se assim o fosse, o ambiente de trabalho de hoje, se comparado de dez anos atrás estaria mais humanizado.
Cabe agora pensar se com a crise financeira, que produziu imediatamente o recuo da produção, o enxugamento de departamentos empresariais, a desmobilização sindical, como será encontrado logo mais o ambiente de trabalho. Quais os prejuízos que serão produzidos no ambiente de trabalho em uma situação de crise e de mudança de plantas de fábrica para responder com esta mesma crise?
A crise econômico financeira está produzindo um verdadeiro corte nos processos produtivos, que estão sendo realinhados com vistas a enfrentar a crise, no sentido de redimensionar a produção industrial e agrícola. Como pensar o desenvolvimento social e com ele o ambiente de trabalho dentro deste novo cenário internacional?
O maior ponto de estrangulamento será admitir o retrocesso de cláusulas sociais, que se constituem em direitos fundamentais com vistas a simplesmente manter-se o emprego, sem levar em conta que o modo de produção que atualmente está valendo não respeita o trabalho humano mesmo quando em épocas de abundâncias. Qual será o tratamento que ele dará em época de crise?
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Informações Sobre os Autores
Lourival José de Oliveira
Doutor em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina; Professor titular da Universidade de Marília; Professor titular da Unopar; professor da FACCAR.
Márcia Oliveira Alves
Mestranda em Direito UNIMAR (Universidade de Marília) e participante do projeto de pesquisa “A Importância do Ambiente de Trabalho no Desempenho da Atividade Empresarial”.
Marcos Apolloni Neumann
Mestrando em Direito UNIMAR (Universidade de Marília) e participante do projeto de pesquisa “A Importância do Ambiente de Trabalho no Desempenho da Atividade Empresarial”.
Nilcimara dos Santos
Mestranda em Direito UNIMAR (Universidade de Marília) e participante do projeto de pesquisa “A Importância do Ambiente de Trabalho no Desempenho da Atividade Empresarial”.
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