Resumo: O respeito à dignidade da pessoa humana, um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, pressupõe mais do que a previsão no ordenamento jurídico desse direito inalienável do cidadão, mas requer a adoção de políticas públicas concretas para garantir o respeito efetivo aos direitos do homem. É nesse contexto, que envolve não só os entes públicos, mas toda a sociedade, que ganha importância o debate que se travou no Supremo Tribunal Federal sobre a ampliação da ação judicial nas lacunas legislativas acerca de sua adequação ao sistema de tripartição de poderes e ao princípio da neutralidade do Poder Judiciário. A questão ora enfrentada baseada nos novos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal, tem o objetivo de trazer novas perspectivas para a concretização dos direitos fundamentais, em um dado momento de retração do Poder Legislativo. Uma dessas perspectivas recai diretamente no direito do trabalhador ao adicional de penosidade, previsto no art. 7º, XXIII, da CF/88.
Palavras Chave: Ativismo judicial. Direitos Fundamentais. Princípio da Separação dos Poderes. Adicional de penosidade.
Abstract: Respect for human dignity, the foundations of a democratic state, requires more than forecast in the law of that inalienable right of the citizen, but requires the adoption of specific policies to ensure effective respect for human rights. In this context, which involves not only public bodies, but the whole society, which becomes important that the debate was waged in the Supreme Court on the broadening of loopholes in the lawsuit about its suitability for the tripartite system of powers and principle of neutrality of the judiciary. The question now facing new positions based on the Supreme Court, has the goal of bringing new perspectives for the realization of fundamental rights in a given time of retraction of the Legislature. One such prospect lies directly on the worker’s right to the additional heavy work, the art. 7, XXIII, the CF/88.
Keywords: judicial activism. Fundamental Rights. Principle of Separation of Powers. Additional heavy work.
1 INTRODUÇÃO
A intensificação das relações de poder entre os particulares é uma das características mais expressivas da pós-modernidade que marca a época contemporânea. A fragilidade das instituições, a resistência a um modelo de poder centralizado e o sistemático descumprimento da lei, por descrédito em seus efeitos isonômicos, tem acentuado as disputas de poder nas relações privadas.
Essa nova realidade revela um anticronismo em nossas instituições jurídicas edificadas sob notória influência europeia, baseada na supremacia da lei, produto do parlamento, que serviu de sustentação para o modelo positivista[1]. As omissões do legislador diante de normas carecedoras de regulamentação tornam essas normas ineficazes e criam um sentimento de falta de representatividade, consequentemente, gera colapso na democracia.
“A supremacia do Parlamento tornava impensável um controle judiciário das leis. (…) A prática revolucionária concordava com Montesquieu, que reduzia o poder de julgar à condição de ‘instrumento que pronuncia as palavras da lei’. Dominava a concepção de que ‘nenhum juiz tem o direito de interpretar a lei segundo a sua própria vontade’.
O princípio da separação dos Poderes atuava para consagrar o poder de julgar a uma posição de menor influência. Era impensável que se postulasse perante uma corte de justiça a efetividade de um cânone constitucional; ao juiz não cabia censurar um ato do parlamento.
A subordinação do Judiciário ao Parlamento, do ponto de vista funcional, é notável. Uma manifestação disso é a criação, na França, do instituto référé législatif, por uma lei de 1790, somente abolida em 1837. Por meio do référé législatif, remetia-se ao Legislativo a interpretação de um texto obscuro de alguma lei. A Constituição de 1791, acolhendo o instituto, dispunha que, se uma interpretação da lei fosse atacada por três vezes num tribunal de cassação, este deveria submetê-la ao corpo legislativo, que emitiria um decreto declaratório da lei, vinculante para o tribunal de cassação. Havia, portanto, uma interferência direta do Parlamento até no mais alto tribunal, sob o pretexto de preservar a vontade do povo, como expressa por seus legítimos representantes, os seus deputados.”
Quando o Supremo Tribunal Federal é convocado a exercer suas atribuições constitucionais de forma moderada e adequada que permitem ao Judiciário proferir decisões, não há que falar em desrespeito nem indevida interferência na esfera dos outros poderes, tampouco em transgressão ao princípio da separação dos poderes.
Corroborando com a ideia, o ministro Gilmar Mendes[2] discorre que:
“A falta de regulamentação ou de ajustamento de normas sobre determinadas matérias é questionada no Judiciário, que não pode se omitir. O julgamento desses casos, cujas lacunas legislativas existem, não é uma manifestação de desapreço pelo Congresso Nacional, mas uma tentativa de concretizar a Constituição Federal. “
Nesse sentido, reconheceu o STJ, o direito de adoção de uma criança por um casal homoafetivo, quando a Lei Nacional de Adoção[3] não contempla essa possibilidade. Assim, decisões da Suprema Corte sobre fidelidade partidária, progressão de regime prisional para crimes hediondos, nepotismo e outras relativas à garantia do direito à dignidade, saúde e à vida, através do sistema gratuito de medicamentos para pessoas carentes são por vezes confundidas com ativismo.
A partir da Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário recebeu do constituinte originário, novas atribuições, inclusive com a permissão para juízes e tribunais manterem não somente uma postura defensiva, mas, também, uma postura pró-ativa. A partir dessa nova postura do Judiciário Brasileiro é que se vislumbram novas perspectivas para concretização dos direitos constitucionais.
Neste diapasão, pretende o texto demonstrar que a postura adotada pelo STF, quanto às omissões do legislativo, oferecem recursos para lutar pela concretização dos direitos fundamentais, especialmente os que envolvem diretamente a dignidade da pessoa humana, como o direito fundamental ao adicional de penosidade, previsto no art. 7º, inciso XXIII, da CF/88.
2 ATIVISMO JUDICIAL OU JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA
Expressão utilizada pela primeira vez pelo jornalista norte-americano Arthur Schlesinger incumbido de fazer a radiografia da Suprema Corte dos Estados Unidos com ênfase de como os juízes se portaram diante da política do New Deal. Ao mapear as decisões, ele percebeu que:
“Havia duas espécies de juízes: os que acreditavam que se valendo de princípios, podiam avançar na interpretação da Constituição para garantir direitos; e os que consideravam não ter competência para isso e deviam apenas dizer o que era a lei de acordo com a norma escrita. Então, ele concluiu: uns são ativistas e outros praticam a jurisprudência defensiva ou de auto-contenção.”[4] (tradução nossa).
O termo se consagrou e, atualmente ocupa grande espaço no debate institucional. No Brasil, esta idéia está relacionada a uma participação ampla do Judiciário na efetivação dos direitos fundamentais.
O Processo Civil Brasileiro deixa de ser visto apenas como um conjunto de procedimento formal para ser interpretado como um instrumento de entrega eficaz da jurisdição em atenção aos princípios constitucionais da celeridade e da duração razoável do processo, após a reforma dada pela EC nº 45/2004. O ativismo judicial, assim, entende-se como a conduta pro-ativa do Poder Judiciário em prol de uma justiça mais eficaz.
3 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS TRABALHISTAS E DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO
Os direitos fundamentais vieram para garantir os interesses do cidadão em face do Estado, ante a disparidade de poder existente entre eles. Todavia, conforme esclarece Virgílio Afonso da Silva[5].
“Essa visão limitada provou-se rapidamente insuficiente, pois se percebeu que, sobretudo em países democráticos, nem sempre é o Estado que significa a maior ameaça aos particulares, mas sim outros particulares, especialmente aqueles dotados de algum poder social ou econômico.”
As relações de trabalho, caracterizadas pela assimetria de poder entre as partes envolvidas no conflito, tem-se apresentado como um campo fértil para debater a questão, notadamente após a promulgação da Constituição de 1988, que incluiu em seu art. 7º um extenso rol de direitos trabalhistas como fundamentais.
Discorre Tereza Aparecida Asta Gemignani[6] que isto ocorre porque é impossível haver prestação de trabalho sem envolvimento e comprometimento da pessoa do trabalhador. Deste modo, ao ingressar numa relação de trabalho, além de trazer consigo todos os direitos fundamentais inerentes a sua condição de pessoa, agrega os que a lei garante como trabalhador o que repercute tanto na execução do contrato quanto na organização empresarial.
A Constituição Federal de 1988, art. 7º descreve um rol significativo de direitos fundamentais trabalhistas, com sustentação ao corpo legal infraconstitucional e define parâmetros decisórios para situações limite. O direito ao emprego, abolida a escravidão, o trabalho passou a ser valorizado como lícito para garantir a subsistência e abriu espaço para o reconhecimento da dignidade daquele que trabalha.
A edição de um corpo legislativo, inicialmente de forma esparsa e, posteriormente por meio de uma consolidação passou a reconhecer o valor jurídico desta configuração fundada no trabalho como direito de cidadania[7]. A questão toma o centro dos debates pela perspectiva dos direitos fundamentais, por se constatar que não adianta albergar um extenso elenco de direitos individuais, se não for garantido o direito ao trabalho digno.
3.1 DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE, PERICULOSIDADE E PENOSIDADE – CONCEITOS E DISTINÇÕES
Atividades insalubres são aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos[8].
De outro lado, são atividades perigosas aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem com contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho[9]. As Normas Regulamentadoras nº 15 e 16 estabelecem quais atividades ou operações são consideradas insalubres e/ou perigosas.
Diferente do que ocorre com a insalubridade e a periculosidade, não há na CLT ou em legislação esparsa qualquer disposição geral que se aplique a todos os trabalhadores, indistintamente, acerca da penosidade, tampouco, Norma Regulamentadora relativa a esta matéria.
O Projeto de Lei nº 552/2009[10] acrescenta normas especiais de tutela do trabalho na CLT. A proposta regulamenta as atividades exercidas por trabalhadores sob radiação solar a céu aberto, as quais serão consideradas penosas. O trabalho exercido nessas condições poderá acarretar o pagamento do adicional de penosidade ao trabalhador, sem as incorporações resultantes das gratificações e prêmios.
4 EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA E A ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Hodiernamente, a legislação judicial faz parte de uma moderna e ousada conduta jurisprudencial, com reflexos no mundo afora, em especial na Itália, onde teve sua origem. A atuação do Supremo Tribunal Federal como legislador positivo, sempre foi objeto de debate doutrinário e jurisprudencial.
A problemática gira em torno de saber se o STF ao produzir uma sentença de caráter normativo age como legislador e, mesmo que atue como tal, se há possibilidade da adoção de tal postura com o fim de concretizar os direitos fundamentais, como o previsto no art. 7º, inciso XXIII, da CF/88, que, não obstante previsão constitucional pende de regulamentação infraconstitucional, sendo apenas letra de lei.
4.1 O FENÔMENO DA LEGISLAÇÃO JUDICIAL NO BRASIL
Ressalta-se que, tanto no Brasil como alhures, a legislação judicial ou sentenças aditivas surgem do controle de constitucionalidade, quando o órgão responsável faz uma interpretação conforme a Constituição. A interpretação não se restringe ao método exegético, mas também como forma do judiciário exercer um controle de constitucionalidade sobre os atos normativos.
Ao invés de retirar a eficácia da norma o julgador, segundo interpretação, opta em conservá-la no mundo jurídico caso a inconstitucionalidade não seja manifesta. Conseqüentemente, haverá um lapso temporal em que perquirirá quais as interpretações viáveis e inviáveis. A opção por uma interpretação que ajuste a norma aos valores constitucionais, a Corte Suprema garante a presunção de constitucionalidade das leis, a harmonia e a independência entre os Poderes.
Segundo Canotilho[11], o aplicador do direito deve iniciar com a possibilidade de haver uma interpretação que compatibilize o dispositivo legal com os princípios constitucionais. Quando tal atividade se torna impossível, o Judiciário deve negar eficácia à norma, ou seja, em tese a compatibilidade garante eficácia da norma. Extrai que se pelo julgador não for dada a interpretação, o dispositivo resta inconstitucional.
Neste sentido, o Judiciário não poderia modificar a vontade do legislador, devendo observar o princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição “contra legem”. Por este princípio o aplicador não pode contrariar a letra e o sentido da norma através de uma interpretação conforme a Constituição, mesmo que através dessa interpretação haja concordância entre as normas infraconstitucional e as constitucionais.
Neste contexto, Paulo Bonavides[12], constata que:
“O caso das regras e dos códigos teve por seguimento a aurora dos princípios e das Constituições. Em termos rigorosamente doutrinários, ocorre o primado do princípio sobre a regra, da Constituição sobre a lei, do direito sobre a norma, da justiça sobre a segurança; esta em sede de razão do Estado, que é instância de abuso, onde se absolvem e se canonizam os atos de força dos governantes desviados do bem comum.”
Em suma, é necessário que o sistema esteja alicerçado na legitimidade da letra constitucional, e não unicamente na legalidade dos códigos ou das regras, a fim de se preservar a identidade da nação.
Registra-se que no Brasil, o controle de constitucionalidade não se opera apenas de forma concentrada, mas também difusa, de modo que os efeitos desta perspectiva não operam apenas pela atuação do STF, mas em todos os juízos. Assim, como conseqüências práticas mais importantes da constitucionalização, Gemignani[13] destaca:
“A inaplicabilidade de normas infraconstitucionais que disciplinavam a matéria de forma diversa da estabelecida na CF/88, como alguns dispositivos postos pela Lei nº 5.889/73, que disciplinavam os trabalhadores rurais de forma diversa da norma do caput do art. 7º da CF/88, ao estender aos rurícolas os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos, ressalvando apenas os que visem à melhoria de sua condição social, assim alijando todos os precedentes em sentido contrário.
A possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, pelos controles concentrado e difuso das normas infraconstitucionais posteriores à Constituição, quando forem com ela incompatíveis e a necessidade de proceder à interpretação, da norma infraconstitucional de forma que melhor realize o sentido e o alcance dos valores e fins constitucionais a ela subjacentes, afastando as premissas incompatíveis com os valores postos pelo texto constitucional.”
Cita-se, a título de exemplo a questão da natureza jurídica do pagamento estipulado no § 4º do art. 71 da CLT, referente ao período correspondente ao intervalo para refeição que deixou de ser concedido. Nesta esteira de raciocínio, se o art. 7º da CF/88 estabeleceu como fundamental o direito à observância das regras de saúde e higiene do trabalho, não há como considerar menos grave e sujeita a um pagamento em valor inferior de simples indenização, a conduta patronal que mantém o empregado trabalhando em jornada superior a 6 horas, sem lhe conceder o intervalo mínimo de 1 hora, necessário para descanso e alimentação. Não seria menos grave manter alguém trabalhando 8 horas, sem intervalo para comer, do que manter alguém trabalhando 9 horas seguidas, com 1 hora de intervalo para refeição. Assim, não se justifica que o primeiro pagamento só enseja o de indenização sem nenhum reflexo, e o segundo um provimento mais amplo.
Observa-se que, ao interpretar o disposto no artigo celetista em consonância com a norma constitucional, as dúvidas e incertezas se dissipam, pois é preciso interpretar a norma como parte de um sistema regido por princípios que sustentam sua estrutura. A grande finalidade da legislação judicial é garantir uma perfeita integração das normas constitucionais em face das regulamentações impróprias do poder, a priori, competente para complementar a Constituição e garantir os valores constitucionais no momento da edição das leis.
Os magistrados devem tomar decisões para fazer valer a efetividade da Constituição e a observância de leis que protegem os direitos fundamentais, entretanto a liberdade para produzir a legislação judicial é bastante restrita. Ao compararmos a atividade legislativa com a judicial, no que diz respeito às decisões aditiva verificamos que o Poder Legislativo tem discricionariedade de legislar. Cabe ao Congresso enfatizar o que merece atenção de acordo com o momento histórico social. Nesse contexto, o legislador está vinculado à Constituição Federal, principalmente aos direitos fundamentais.
Entretanto, o legislador tem o poder de conformação de planejar, politicamente como os direitos constitucionais serão realizados. Baseados no que evoluiu e nos recursos financeiros do Estado, o legislador estabelecerá quais são as prioridades da sociedade, ainda que faticamente haja outras necessidades. A opção por políticas de ensino e não de saúde é apenas questão de política.
Ao revés do legislador, as decisões judiciais não são decisões políticas. Cabe ao juiz interpretar e aplicar a Constituição. Logo, a produção do direito judicial está vinculada à idéia de efetivação constitucional. Quando o juiz decide em torno de uma política pública, ele está decidindo conforme a vontade do constituinte, razão pela qual a atividade legislativa é dotada de maior liberdade do que a judicial quando se trata do dilema entre as sentenças aditivas e a função de legislar.
Os princípios constitucionais do acesso à justiça e do contraditório trazem consigo conseqüências que tornam o processo judicial de criação do direito tão democrático quanto o processo legislativo. O cidadão tem o direito ao acesso à justiça, enquanto que só os que detêm poder político conseguem levar suas pretensões ao processo legislativo. No processo judicial, o magistrado deve garantir que todas as pessoas e grupos envolvidos sejam atendidos de forma isonômica no processo de criação do direito.
Cabe ao Judiciário a interpretação e a aplicação definitiva da Constituição, donde emerge a justificativa de que as decisões judiciais não são despidas de representatividade. Se a Constituição traz diversas questões sócio-políticas, e os juízes têm o dever-poder de interpretá-la e aplicá-la, não resta dúvida de que a representatividade popular está resguardada.
Por não terem sido eleitos pelo povo, os membros do judiciário ao aplicar o texto constitucional conforme sua interpretação não retira o cunho democrático de suas decisões, já que a nação opta pelo Judiciário como fiscalizador da Constituição, segundo o poder que a constitui, e se a Constituição representa a vontade do povo, por meio da Assembléia Constituinte que se reúne em nome da soberania, não há que falar em falta de representatividade popular.
A doutrina estabelece como marco inicial da discussão jurisprudencial, em torno das decisões aditivas, a Representação de Inconstitucionalidade n. 1.417/DF[14]. Essa Representação deu início à discussão sobre os limites da Corte Constitucional nas interpretações conforme a Constituição, o retórico debate sobre a possibilidade de o STF atuar como legislador positivo em confronto com o dogma do legislador negativo.
Analisada a questão em sede de controle de constitucionalidade, tratava-se da impugnação do § 3º do art. 65 da lei Complementar n. 35/79, que disciplina o Estatuto da Magistratura Nacional. O objeto da impugnação era se a lei complementar poderia ter instituído a ajuda de custo e auxílio-moradia para os magistrados. É que tal matéria deveria ser regulada por lei específica da União, ou Estado-membro, conforme fosse a Justiça federal ou estadual.
À época o STF entendeu que a Corte não poderia dar uma interpretação conforme a Constituição que modificasse o sentido da lei, pois estaria atuando como legislador positivo. O relator Ministro Moreira Alves, ao discursar sobre as restrições no campo da interpretação conforme a Constituição expôs seu entendimento no voto vencedor proferido no julgamento da Representação de Inconstitucionalidade:
“(…) Essa restrição vem da doutrina e da jurisprudência constitucionais alemães. De feito, ZIPPELIUS (…) adverte: A Corte Constitucional Federal tem reiteradamente declarado que uma interpretação conforme a Constituição tem dois limites: o sentido literal da lei e o objetivo que o legislador perseguiu inequivocamente com sua regulamentação.
Essa importância também dá esta corte, em representação de inconstitucionalidade, quer quando examine a possibilidade de julgá-la improcedente por admitir a lei interpretação que a compatibiliza com a Constituição, quer quando a inconstitucionalidade diz respeito apenas a parte do dispositivo legal. Em ambos os casos (..) este Tribunal se tem manifestado pela inconstitucionalidade do preceito legal, se conclui que o sentido compatível com a Carta Magna, ou que o texto resultante da retirada das expressões inconstitucionais, não corresponde ao propósito do legislador. É a aplicação do princípio tradicional, observado no direito constitucional americano – e que se funda, em última análise, na circunstância de que os Tribunais a pretexto do controle de constitucionalidade, não devem transformar-se em legisladores (…). Ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o Tribunal – em sua função de Corte Constitucional – atua como legislador negativo (…)”.
A Corte Suprema em face da omissão legislativa, no Mandado de Injunção n. 712/PA[15], garantiu, por maioria, o exercício do direito de greve, mediante sentença aditiva. A Lei n. 7.783/89[16], que regulamenta a greve do setor privado para garantir o funcionamento das atividades essenciais, foi utilizada pelo Supremo Tribunal Federal como parâmetro para regulamentar o exercício de greve do setor público.
A Constituição Federal legitimou o Poder Judiciário a tomar decisões de cunho político e de interesse social. O processo de judicialização da política, por intermédio do constituinte de 1988, foi fundamental, já que o Poder Judiciário tornou-se um poder político, concorrendo com os demais Poderes na concretização da Constituição.
Entretanto, é imprescindível esclarecer que o Judiciário é órgão político quando aplica os projetos políticos expressamente previstos na Constituição, ou controla as políticas públicas dos demais Poderes na concretização da Constituição. Este controle é fundamentado na proteção dos direitos fundamentais e nas demais normais constitucionais.
O Legislativo e o Executivo tomam suas decisões com base no que entendem ser necessário aos interesses dos seus representados e como esses interesses podem ser resguardados. Já o Judiciário, está vinculado a decisões motivadas[17] e racionais, e tem como função a solução de casos concretos baseada na Constituição Federal, vedando a prática de atos judiciais sob vontades políticas desarrazoáveis.
As sentenças aditivas fazem parte da evolução do direito e da jurisprudência, diante da necessidade de solucionar as diversas questões de interesse da sociedade, em razão da retratação do Poder Legislativo enquanto o ativismo surge quando há um distanciamento das classes sociais em relação aos órgãos de representatividade. Conseqüentemente, ambos surgem para solucionar problemas político-sociais, em um dado momento histórico.
A falta de concretização dos direitos fundamentais é um dos maiores problemas em um Estado Democrático de Direito. Quando utilizada de forma excepcional e episódica, a legislação judicial se torna um remédio e mais uma garantia para a realização desse Estado Democrático.
Cabe ao Judiciário a interpretação e aplicação da Constituição; desta feita, cabe aos juízes e tribunais materializar as normas constitucionais. Ao materializar essas normas, estará o poder judiciário representando indiretamente o povo, pois a vontade representada por meio do Poder Constituinte, estará sendo realizada por um Poder Constituído.
Sempre que o Judiciário emitir uma sentença aditiva, deverá restringi-la à concretização da Constituição, especialmente a dos direitos fundamentais. Limitado a essa finalidade não há risco de o Judiciário sobrepor-se aos demais Poderes, pois, neste caso, é o povo que está acima dos Poderes Constituídos, que legitima essa decisão. A soberania é popular, e aquele Poder constituído que melhor resguardar os direitos fundamentais do cidadão, será o Poder que representou melhor a vontade do povo.
Consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos no artigo XIII, item 1 “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.”
A Constituição Federal apresenta normas que declaram os direitos fundamentais e entre esses a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho. Dignidade e trabalho têm, pois, um liame indissociável, restando objetivado que o brasileiro tem constitucionalmente garantido um trabalho digno, ou seja, um trabalho livre, seguro e saudável.
A Constituição Federal destaca, entre outros, como princípios e normas fundamentais do Estado, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III e IV). Ao tratar da ordem social, no Título VIII da Constituição, dispõe-se que sua base será o primado do trabalho e seu objetivo será o bem-estar e a justiça sociais. Esse título, entre outros, trata da seguridade social, saúde, previdência, assistência social e o meio ambiente, todos no caminho à sadia qualidade de vida.
A vida plena impõe uma existência saudável física e juridicamente. Ou seja, o cidadão deve ter saúde plena, com proteção contra doenças e acidentes, e estar na posse de todos seus direitos. Na luta histórica dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, apareceram movimentos buscando menor jornada, maior descanso, melhor ambiente de trabalho com preservação da saúde.
A batalha pela proteção à saúde e vida do trabalhador é estéril, visto que de nada adianta a Constituição consagrar que existe trabalho nocivo a saúde, mas o empregador não neutralizar o dano, além de o trabalhador nada receber de adicional e o empregador nada pagar.
4.2 FONTES AUTÔNOMAS DO DIREITO DO TRABALHO. AS CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO.
Instrumento normativo auto-elaborado em nível de categoria e na base territorial dos sindicatos estipulantes, as Convenções Coletivas de Trabalho são definidas como acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho[18].
O princípio da autonomia coletiva assegura aos grupos sociais o direito de elaborar normas jurídicas que o Estado reconhece; é o direito positivo auto-elaborado pelos próprios interlocutores sociais para fixar normas e condições de trabalho aplicáveis ao seu respectivo âmbito de representação.
A Negociação Coletiva é exercida pelos sindicatos de trabalhadores patronais e empresas, através de negociações coletivas, que são um procedimento desenvolvido entre os interessados, através do qual discutem os seus interesses visando encontrar uma forma de composição destes. O Contrato coletivo, previsto na Lei 8.542/92, dispõe que as normas e condições de trabalho serão fixadas através de contratos convenções coletivas e acordos coletivos.
No Contrato coletivo substitutivo ou cumulativo, discute-se a eficácia do contrato coletivo, se substitutiva da lei onde existir, afastando-a, completamente, ainda que in pejus, ou se cumulativa, caso em que as suas normas e condições de trabalho se somariam às das leis e somente teriam aplicabilidade in pejus quando o próprio contrato coletivo expressamente o admitisse, forma pelo qual os sindicatos de trabalhadores visam a manter as conquistas das categorias.
As Convenções Coletivas têm natureza de norma jurídica, devendo ser aplicadas a todas as empresas e trabalhadores dos sindicatos na base territorial, sócios ou não do sindicato, seus efeitos aplicam-se a todos os membros da categoria. As normas e condições de trabalho previstas em convenções coletivas acumulam-se com as da lei, trata-se do efeito cumulativo. Adquirem força derrogatória da lei apenas quando permitido, diante do princípio da primazia da ordem pública social e da necessidade de tutela geral do trabalhado.
Ademais, as Convenções Coletivas têm efeito obrigacional sobre as entidades signatárias quanto aos direitos e deveres que nessa qualidade fixarem entre si, como a obrigação de criar uma comissão mista de conciliação na categoria; tem efeito normativo sobre os contratos individuais dos trabalhadores e empresas do setor, como o direito a adicionais de horas extras mais elevados que os da lei.
A autonomia coletiva no âmbito do direito do trabalho é um poder que os sindicatos, com fundamento no interesse coletivo, detêm de produzir regras de conduta e equilíbrio no confronto de interesses entre as partes no processo de negociação e formalização da Convenção Coletiva de Trabalho. Essa autonomia entendida como fato social que se desenvolve, historicamente, possibilita a entidade social criar normas de observância obrigatória.
Neste diapasão, o dever de negociar pautado no princípio da boa-fé, atua na relativização e enfraquecimento da autonomia da vontade, em especial do empregador, que não poderá se recusar a negociar, sob pena de ajuizamento de dissídio coletivo ou mesmo greve. Conseqüentemente, a inclusão da Convenção Coletiva no mesmo plano horizontal que as leis infraconstitucionais, quanto à hierarquia das fontes do direito do trabalho.
Entretanto, não há duas normas válidas, ao revés, se opta pela que atribui melhores condições de trabalho, aplicando-se o princípio da norma mais favorável, já que ocorre a revogação, parcial ou total da lei pela convenção coletiva de trabalho e, quando esta fere as condições mínimas de trabalho reconhecidas pela Constituição Federal ou em legislação infraconstitucional, será declarada nula em obediência ao princípio do não-retrocesso social, sem aplicação ao princípio da norma mais favorável.
4.3 – ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS.
DISPOSITIVO DA SENTENÇA: CONSTRUTORA É CONDENADA A PAGAR ADICIONAL DE PENOSIDADE A SERVENTE DE PEDREIRO [19]
A 2ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre recebeu a ação trabalhista ajuizada por um servente de pedreiro contra uma construtora, na qual ele postulava a condenação da empresa ao pagamento do adicional de penosidade. Examinando a convenção coletiva de trabalho da categoria, a juíza Rita de Cássia Barquette Nascimento, titular da Vara, verificou que a cláusula 6ª estabelece que os empregados que trabalham em “balancim” ou serviços externos realizados a uma altura acima de 3 metros terão um acréscimo de 30% sobre o valor do salário base. Uma testemunha indicada pela construtora confirmou que o reclamante trabalhava junto aos pedreiros e carpinteiros e ajudava a levar o material para os andares superiores, auxiliando os oficiais na entrega das ferragens e ajudando os armadores na montagem das lajes. Segundo informações da testemunha, o reclamante já trabalhou em altura superior a 20 metros.
Nesse contexto, a magistrada reconheceu o direito do trabalhador de receber o adicional de penosidade, entendendo que ficou comprovada a realização de serviços externos a uma altura acima de 3 metros, sendo que sua atribuição, como servente, era ajudar os oficiais e armadores na montagem das lajes dos andares superiores. Assim, acolhendo o pedido do trabalhador, a juíza sentenciante condenou a construtora ao pagamento do adicional de penosidade, à razão de 30% do salário base, que deverá ser quitado mensalmente, durante todo o contrato de trabalho. Devido à natureza salarial da parcela, a juíza deferiu os reflexos do adicional em repouso semanal remunerado, e com estes em férias + 1/3, 13º salário, horas extras, FGTS + 40% e aviso prévio.
O legislador constituinte ao reconhecer acordos e convenções coletivas de trabalho, tinha por fim a possibilidade de consolidar direitos que visem melhores condições sociais como preceito constitucional de melhoria da vida dos trabalhadores e de sua condição social. Cite-se como exemplo, as decisões reiteradas que aceitam como válidas as cláusulas de instrumento coletivo que reconhecem o direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, embora não regulamentado constitucionalmente.
Ressalta a decisão que, na aplicação da interpretação integradora e principiológica dos direitos pátrio e comparado, da falta de regulamentação quanto à previsão constitucional de proibir a despedida arbitrária ou sem justa causa, entendeu que nos casos de despedidas massivas, coletivas, que atingem de uma vez centenas de trabalhadores, será exigida a negociação prévia como requisito de validade. Essa decisão é inovadora no nosso direito.
No mesmo sentido, decidiu o Superior Tribunal do Trabalho em Recurso do Tribunal Regional de Minas Gerais, permitindo, inclusive a cumulação de adicionais, vejamos:
EMENTA: PENOSIDADE: TST ADMITE INCIDÊNCIA SIMULTÂNEA DE ADICIONAIS[20]
O adicional de penosidade destinado à remuneração das atividades profissionais penosas pode ser pago de forma simultânea ao adicional de insalubridade, previsto no mesmo dispositivo da CF/88, artigo 7º, inciso XXIII. Essa possibilidade foi reconhecida pela 4ª Turma do TST ao não conhecer recurso de revista, interposto pela Rede Ferroviária Federal – RFFSA (União Federal). A decisão do TST firma precedente sobre a penosidade, ainda não objeto de lei específica.
O objetivo da Rede Ferroviária era o de evitar a concomitância dos adicionais, imposta em condenação da Justiça do Trabalho de Minas Gerais, favorável a um grupo de ferroviários. Para tanto, alegou violação ao artigo 193 da CLT, que proíbe a acumulação dos adicionais de periculosidade e de insalubridade, quando a atividade do trabalhador envolver o manuseio constante de materiais inflamáveis ou explosivos, periculosidade, e em condições insalubres. Em tais situações o trabalhador optará por um dos adicionais.
A analogia proposta pela RFFSA entre a regra da legislação e o adicional de penosidade foi negada, contudo, pela Turma do TST. “O art. 193 da CLT cuida do adicional de periculosidade e no § 2º permite ao empregado fazer a opção pelo adicional de insalubridade, não tendo relação com o adicional de penosidade”, explicou o juiz convocado Luiz Antônio Lazarim.
O relator do recurso no TST também esclareceu que o inciso XXIII do artigo 7º da Constituição Federal apenas estabelece como um dos direitos dos trabalhadores ao adicional para a remuneração das atividades penosas, insalubres ou perigosas. “Desse modo, não se vislumbra a pretensa violação aos dispositivos legal e constitucional, na medida em que um e outro não tratam da cumulatividade de pagamento de adicionais”.
O relator destacou, ainda que “o adicional de penosidade depende de lei regulamentadora, a qual caberá definir sua cumulatividade ou não com os adicionais de insalubridade e periculosidade”.
A Rede Ferroviária ainda questionou a decisão originada do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região – com jurisdição em Minas Gerais- que deferiu o pagamento do adicional de insalubridade aos ferroviários em grau máximo. Segundo os autos, o manuseio do creosoto e de óleo mineral e graxa, gera o direito ao adicional de insalubridade no grau máximo, nos termos da portaria do Ministério do Trabalho.
O v. acórdão registrou que:
“o simples fato dos trabalhadores atuarem a céu aberto não descaracteriza a insalubridade em grau máximo, tendo em vista o contato com substâncias aromáticas, de potencial cancerígeno, e a impregnação do creosoto nas mãos dos ferroviários.”
A Quarta Turma do TST não detectou, nesse posicionamento, qualquer violação ao texto constitucional.
5 – PERSPECTIVAS PARA A CONCRETIZAÇÃO DO ADICIONAL DE PENOSIDADE – ARTIGO 7º, INCISO, XXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
A prestação laboral em condições penosas tem se revelado, cada vez mais, como a grande responsável pelo crescente número de afastamento do trabalho, concessão de licenças e aposentadorias por invalidez, comprometendo a empregabilidade futura do trabalhador e tornando precária a qualidade de vida de toda sua família, pois reduz as chances dos filhos serem mantidos na escola por mais tempo, por terem que completar a baixa renda familiar.
Além disso, aquele que fica incapacitado de trabalhar tem grandes chances de desenvolver quadros de depressão, com aumento do consumo de álcool que de regra leva aos fatos notórios de violência doméstica e desagregação familiar.
Entretanto, tem-se percebido que a adoção de condutas de prevenção vem sendo desestimulada, pois o que se paga como adicional de insalubridade ou periculosidade em substituição ao adicional de penosidade é pouco, tendo um custo menor do que os gastos que seriam necessários para reduzir os níveis de trabalho penoso nas empresas.
Como poder estatal, cabe ao Judiciário proferir decisões que atuem como indutoras à realização dos investimentos necessários para a redução dos níveis de penosidade nos locais de trabalho. Não há como ignorar que se trata da questão da saúde e higidez física do homem que trabalha e o número elevado de afastamentos por licença-saúde e aposentadorias por invalidez se constitui num custo suportado por toda a sociedade.
Não há amparo no direito posto e nos princípios constitucionais para admitir que a privatização dos lucros em benefício de alguns seja sustentada pela socialização dos prejuízos, suportados não só pelo trabalhador e sua família, mas também pela sociedade como um todo, mediante a concessão de um volume significativo de benefícios previdenciários, custos hospitalares e sociais, de modo que a questão desborda os restritos limites de um contrato de trabalho, gerando efeitos em toda a sociedade.
No Estado Social Democrático de Direito, o direito ao trabalho envolve, necessariamente, o princípio da dignidade da pessoa humana. Tal compreensão é retirada da própria Constituição quando, de forma expressa, estabeleceu como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil o valor social do trabalho. No art. 6º, caput, preceituou como direito fundamental.
No art. 170 o constituinte originário estabeleceu que a ordem econômica será fundada na valorização do trabalho. O art. 193 preceituou que o primado do trabalho é uma das bases da ordem social.
Com todas essas disposições constitucionais, é inegável o valor do trabalho e a figura do trabalhador para a realidade constitucional. O homem na figura do trabalhador deve ser resguardado de qualquer ato do Poder Público, ou de particulares, que venha denegrir a sua dignidade.
O constituinte preocupado com a situação dos trabalhadores arrolou expressamente vários direitos fundamentais. Um desses direitos é o de ter uma remuneração pelo trabalho prestado em condições penosas (art. 7º, XXIII da CF/88). Para tanto, determinou que lei ordinária estabelecesse como forma de proteção e prevenção, uma indenização para atividades prestadas em condições penosas.
O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, tem competência implícita para suprir a omissão legislativa e garantir o direito fundamental previsto no art. 7º, inciso XXIII, da CF/88. Contudo, em razão do princípio da inércia jurisdicional, o STF não pode suprir a omissão de oficio. É necessária a sua provocação. Com base na atual jurisprudência do STF, em sede de Mandado de Injunção, há a perspectiva dos trabalhadores de garantir, por decisão judicial, o exercício do direito fundamental.
A nova linha jurisprudencial da legislação judicial permitiria uma solução eficaz para a questão, dando efetividade ao direito fundamental da garantia do direito ao adicional de penosidade. O empregado ou o sindicato obreiro poderia fundamentar a sua pretensão, da seguinte maneira: comprovada omissão do legislador; o decurso de 20 (vinte) anos, sem a edição da lei, tornou-se inviável o exercício do direito constitucional (art. 5º, LXXI, da CF/88); a substância do mandado de injunção permite a solução da falta de efetividade em razão de seu caráter mandamental; c) precedentes no tribunal sobre a necessidade de se dar uma solução constitucional à ineficácia da norma, em face da omissão legislativa, produzindo a própria Corte, a norma para tornar viável o exercício do direito fundamental; d) não há mais obstáculo da Separação dos Poderes conforme a jurisprudência da Corte; e) é necessária a atuação da Corte para consagrar o novo sistema de remunerar o trabalho penoso, sob o risco de violação aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, (art. 1º, III da CF/88) e do valor social do trabalho (art. 1º, IV da CF/88), em razão da omissão legislativa.
Com isso, a legislação judicial, no atual momento de crise de representatividade, solucionaria os casos de inefetividade que agredirem valores básicos da Constituição. A omissão legislativa perante direitos fundamentais é mais relevante comparado a outro direito constitucional. Os direitos fundamentais são mais sensíveis à falta de efetividade, por eles terem como núcleo básico o princípio da dignidade da pessoa humana.
Se a efetividade da norma exige ato do legislador que se mantém omisso, a única forma do STF concretizar o direito fundamental será exercendo o papel de legislador; produzindo, portanto, uma decisão de perfil normativo, em nome da democracia, da concretização da Constituição, da valorização da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em virtude dos fatos mencionados, somos levados a acreditar que, dentro dos limites próprios da função jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, ante a problemática omissão legislativa, pode contribuir para a concretização de direitos fundamentais, proporcionando ao povo, legítimos titulares do poder constituinte e, portanto, soberanos aos poderes constituídos, pelo art. 2º da Carta magna, o sentimento de representatividade.
No Brasil, os direitos sociais estão previstos na constituição e, embora o juiz viva numa cultura jurídica positiva, atua como gerador de direitos e obrigações e influencia diretamente na vida da sociedade nacional, o que torna o momento propício para discutir o ativismo judicial. Não há que falar em usurpação de função quando existem necessidades sociais carentes de efetivação à mercê de omissão legislativa.
A Constituição Federal, intitulada, Lei Maior, Carta Magna, Lei das leis, destaca como fundamento, dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Desta feita, dignidade e trabalho têm um liame indissociável, o que significa dizer que o brasileiro tem direito ao trabalho digno, seguro e saudável.
Neste diapasão, entende-se que é possível os Juízes do Trabalho, sob o manto do princípio protetor que comumente se utilizam para elaborar hermenêuticas com viés discricionário e ideológico, na concepção do trabalhador conhecido como hipossuficiente, permitir a imediata aplicabilidade das normas atinentes à penosidade, dentro dos moldes do princípio da dignidade da pessoa humana, do direito à saúde e ao trabalho digno
Ante o exposto, conclui-se que hão de interpretar plenamente os comandos constitucionais, não obstante o entendimento positivista de que o adicional de penosidade é norma de eficácia limitada e que inexiste no vácuo da legislação ordinária, posto que a Constituição Brasileira, a Convenção nº 155 da OIT[21] e a Jurisprudência do TST[22] oferecem dispositivos para tanto, podendo, por analogia jurídica serem utilizados os dispositivos pertinentes ao adicional de insalubridade, por tratar-se de matéria com finalidade semelhante.
Servidora Pública Federal do E.TRT da 17ª Região. Pós graduada em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdência Social. Especialista em Gerência Financeira.
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