Atualidade do direito do consumidor no Brasil: 20 anos do Código de Defesa do Consumidor, conquistas e novos desafios


Sumário: 1. Enfoque pragmático: evolução do direito consumerista no Brasil – do empirismo ao cientificismo. 1.1 o conhecimento das normas consumeristas pelos cidadãos; 1.2 o conhecimento científico. 2. Questões  atuais já previstas há mais de 20 anos. 2.1 “o futuro atual” do consumerismo; 2.2 necessidades prementes; 2.3 grandes instituições. 3. Modificações no cdc: se melhorar estraga. 4. Questões atuais: super ou sobre-endividamento, alimentos transgênicos, comércio por meio eletrônico, consumo sustentável. 4.1 super ou sobre-endividamento; 4.2 alimentos transgênicos; 4.3 comércio por meio eletrônico; 4.4 consumo sustentável. 5. Política nacional de relações de consumo (art. 4º do cdc, incisos II, III e IV).  6. Instrumentos de implementação da política nacional de relações de consumo: breve diagnóstico e críticas; 6.1 as defensorias públicas; 6.2 o ministério público; 6.3 delegacias especializadas; 6.4 os órgãos jurisdicionais; 6.5 órgãos e entidades de proteção e defesa do consumidor. 7. Instrumentos alternativos de prevenção e de solução de conflitos; 7.1 o recall; 7.2 os serviços de atendimento ao consumidor; 7.3 a convenção coletiva de consumo; 7.4 a autorregulação e o juízo arbitral. 8. As agências reguladoras de serviços públicos sob regime de concessão ou permissão. 9.  Conclusões.


1. Enfoque pragmático evolução do direito consumerista no Brasil – do empirismo ao cientificismo


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Sem termos a pretensão de desdenharmos os valores inegáveis da teoria e doutrina jurídico-científicas para o desenvolvimento do Direito como o principal instrumento de pacificação e harmonização sociais, advertimos o paciente leitor, desde logo, que nosso enfoque é marcadamente pragmático, como de resto tem sido nossa atuação na seara do Direito do Consumidor nesses últimos 27 anos. E, em sua maior parte, no Ministério Público do Estado de São Paulo.


Completando nosso estatuto consumerista 20 anos de existência no nosso ordenamento jurídico[1], seja-nos permitido discorrer, como testemunha, e ao mesmo tempo protagonista dessa história.


Desta forma, e de maneira bastante sintética, lembraríamos que a tutela do consumidor no Brasil já se fazia sentir desde os anos 70 do século passado, quando surgiram duas entidades dedicadas a esse mister; uma de cunho privado, e outra público quais sejam: a) a Associação de Defesa do Consumidor de Porto Alegre, Rio Grande do Sul; e b) o PROCON de São Paulo, este institucionalizado pela Lei Estadual nº 1.903/1978, e, posteriormente, modificada pela Lei Estadual nº 9.192/1995.


A legislação então existente não contemplava a tutela específica do consumidor, embora essa personagem tenha aparecido com tal denominação, curiosamente,  no seio do nosso velho e vigente Código Penal, da década de 40 do século 20, na tipificação do delito de fraude no comércio[2], e já distinto de simples adquirente  ou contratante.


De qualquer forma, conviviam entre si, não raro em conflito, leis de cunho civil, comercial, penal e administrativo (e.g., Códigos Civil e Comercial, Penal e de Processo Penal, além de centenas de regulamentos e posturas relativas, por exemplo, a vigilância sanitária de alimentos, medicamentos, produtos domissanitários, saneantes, normas relativas a seguros, atividade bancária, diversões e espetáculos públicos etc.)[3].


Por força de deliberação do Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça (Resolução nº 01, de 1º-10-1982) é que se recomendou aos Ministérios Públicos a “criação e consequente implementação de organismos destinados a proteger o consumidor, o meio ambiente e as vítimas do crime[4]”.


Foi nesse cenário, ou seja, de pouca difusão da questão consumerista, e o verdadeiro cipoal legislativo, que fomos designado pelo então Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Dr.Paulo Salvador Frontini, para, a partir de junho de 1983, exercermos a ainda precária função de Promotor de Justiça-Curador de Proteção ao Consumidor, nas instalações físicas do PROCON de São Paulo, e sem prejuízo de nosso cargo de Promotor de Justiça Distrital do Fórum do Ipiranga.


Nossa atividade nesse mister resumia-se a duas providências: a) a resolução de reclamações individuais dos consumidores perante fornecedores de produtos e serviços, nos casos não solucionados pelos funcionários do PROCON, numa espécie de segunda instância; b) a requisição de inquéritos policiais pela prática de crimes contra a economia popular, saúde pública, estelionatos, fraude no comércio etc. junto ao DECON – Departamento Estadual de Polícia do Consumidor, criado na mesma época pelo então Governador André Franco Montoro[5]


As atividades cresceram exponencialmente, e com sucesso, a ponto de solicitarmos a designação de outros Promotores de Justiça para que nos auxiliassem.


A grande problemática, porém, e que nos causava grande angústia, é que as grandes questões que envolviam os consumidores, não mais individualmente considerados, mas de forma difusa e coletiva ficavam comprometidas, à falta de um instrumento processual adequado. Por exemplo: em questão concreta que nos foi encaminhada pela diretoria do PROCON-SP, tomamos conhecimento de que dois medicamentos utilizados por pacientes de artrite e reumatismo, estavam tendo efeitos colaterais extremamente graves, e, ao que tudo indicada, nenhuma autoridade havia se incumbido de fazer algo de concreto a respeito. Na falta de um instrumento processual adequado, repita-se, tivemos a ideia de oficiarmos diretamente ao Ministro da Saúde que, felizmente, sensibilizado, acabou por proscrever um deles e submeter o outro a rigoroso acompanhamento ambulatorial e médico, porque necessário. Noutro caso de importação de carne que se estragou no trajeto do Uruguai até Santos, o conflito entre os fiscais da do Serviço de Inspeção Federal, de um lado, e os da Vigilância Sanitária Estadual, de outro, foi por nós solucionado graças a um telex enviado ao então Ministro da Agricultura, que permitiu a atuação conjunta de ambas as instâncias de fiscalização administrativa, desde que acompanhada de um membro do Ministério Público local. E o resultado foi o aproveitamento da carne que ainda estava em condições sanitárias satisfatórias, e a incineração da parte que se havia estragado.


E a grande questão posta seria a seguinte: e se as sobreditas autoridades não tomassem as providências sugeridas? Todos os potenciais consumidores dos referidos produtos, evidentemente, poderiam ser prejudicados em sua saúde[6]


As grandes inovações se deram com a edição da Lei nº 7.347, de 24-7-1985, mais conhecida como Lei da Ação Civil Pública, que, em última análise, contemplou a tutela, dentre outros interesses difusos, os do consumidor, bem como a ampla legitimação de entes públicos e privados para a sua atuação, com a Constituição de 1988, que inseriu a classe dos interesses coletivos, e, finalmente, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11-9-1990), que, no que diz respeito à tutela coletiva, introduziu uma terceira classe de interesses e direitos coletivos, quais sejam, os chamados interesses individuais homogêneos de origem comum[7].


Antes disso, entretanto, vigia o empirismo, ou seja, a experimentação de caminhos alternativos à inexistência de outros, de cunho institucional ou científico.


1.1 O conhecimento das normas consumeristas pelos cidadãos


Num país como o nosso, em que tudo parece ser prioritário, destaca-se dentre as prioridades o que já se tornou um verdadeiro mantra, a educação, em todos os níveis. Ou seja, a educação formal  (instituições de ensino públicas e privadas), e informal (campanhas de esclarecimento por entidades e órgãos, além dos meios de comunicação de massa)[8].


Nesse sentido, veja-se interessante inserção feita em jornal de grande circulação na Capital de São Paulo:


“Pesquisa realizada pelo DataSenado em 81 municípios do país perguntou se os entrevistados conheciam alguém que já tivesse sido beneficiado por alguma lei. 93% responderam ´sim´ com relação ao seguro-desemprego; 46% disseram o mesmo a respeito do Código de Defesa do Consumidor”. [9]


Embora se tenha cuidado de um universo deveras restrito de pesquisa, é interessante salientar que o Código de Defesa do Consumidor, nesses 20 anos de existência, já é do conhecimento de parcela significativa dos cidadãos, que são, aliás, seus destinários.


1.2 O conhecimento científico


Quando já estávamos exercendo as funções de Promotoria de Justiça do Consumidor há pelo menos dois anos, foi-nos solicitado pela Associação Paulista do Ministério Público uma espécie de manual, com vistas a orientar os outros colegas a enfrentarem as questões que lhes chegavam ao conhecimento. Até porque corria já solta a notícia de que o Ministério Público, além das suas diversas funções tradicionais, também estava preocupado com o meio ambiente, os acidentados do trabalho, e com o consumidor.


Foi então que lançamos o opúsculo intitulado Curadoria de Proteção ao Consumidor[10], em 1985, seguida de uma segunda edição, em 1987, mais ampliada[11] . E a grande dificuldade foi a escassez de bibliografia existente na época. Ou seja, o que conseguimos coligir, do ponto de vista doutrinário, resumia-se a dois artigos, um do Professor Fábio Konder Comparato e outro do Professor Waldírio Bulgarelli, ambos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, um trabalho de conclusão de curso de Jorge Torres de Mello Rollemberg, e o livro pioneiro do saudoso Othon Sidou, Proteção ao Consumidor, de 1977[12].


Hoje, nossa experiência tanto como profissional dedicado à área operacional do Direito do Consumidor, como na de docente universitário, mostra que têm sido produzidos centenas, ou quiçá milhares de TCC´s – Trabalhos de Conclusão de Cursos, de graduação, outras centenas de dissertações de mestrado e teses de doutorado, além de incontáveis artigos, ensaios e outros trabalhos, não apenas na área do Direito, como também na de Propaganda e Marketing, Administração de Empresas etc.


Daí porque o empirismo, acabou se rendendo ao cientificismo, a ponto de termos cadeira da disciplina em diversos cursos de Direito e outros.


2. Questões  atuais já previstas há mais de 20 anos


Será que os problemas hoje enfrentados pelos consumidores brasileiros já foram enfrentados, ou ainda o são, em outros países, sobretudo nos ditos desenvolvidos?


A esse respeito seja-nos permitido fazer uma digressão, para pinçarmos na obra que tem já por si só o instigante título  de O Futuro do Consumerismo,[13] — publicada, note-se bem, há 24 anos atrás, em 1986, em que se faz uma análise do movimento consumerista da época — êxitos e fracassos —, além de notável exercício de futurologia. Até porque o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, sancionado em 11 de setembro de 1990 e com vigência a partir de 11 de março de 1991, está prestes a completar 20 anos de existência. E as grandes questões que se colocam são as seguintes: a) O Código de Defesa do Consumidor está efetivamente funcionando? b) Está ele a demandar modificações, uma vez que criado ainda no século passado, diante dos desafios do século XXI? c) A que preocupações devem se ater os consumeristas nos dias que correm?


2.1 O futuro atual do consumerismo


Primeiramente, ao falarem do futuro do consumerismo — ou seja, e por mais paradoxal que possa parecer, os dias que atualmente vivenciamos —-, seus autores asseveram que: “Gaski e Etzel salientam que as atitudes públicas em face dos negócios têm crescido mais positivamente nos anos mais recentes. E Warland, Herrmann, além de Moore, sugerem que relativamente poucas pessoas podem ser caracterizadas como ativistas consumeristas. O movimento consumerista aparentemente não tem sido capaz de sustentar o fervor e o compromisso que Mitchell vê no movimento de proteção ambiental. Mas apesar desses sinais desfavoráveis, o consenso parece indicar que o consumerismo continuará como uma importante força da sociedade. Como Metzen o coloca, ´o consumerismo tornou-se um elemento de nosso tecido social e está entranhado em nossa consciência nacional´. Tanto ele como Richardson enfatizam como o movimento aprendeu a adaptar-se rapidamente a mudanças de condições políticas, sociais e econômicas. Eles preveem que as condições tal qual a chamada ´economia malária´(isto é, afetada por constantes febres de processos inflacionários e arrepios de recessão´, como Metzen a descreve) suscitará contínuo descontentamento e apoio para o consumerismo dentre substanciais segmentos da população”.


Em seguida, falam em melhor gerenciamento. Ou seja: “A necessidade de vencer a verdadeira praga dos oportunistas que afeta a maioria das organizações do movimento, e de acordo com Mitchell, este se afigura como um obstáculo substancial ao movimento consumerista. É fácil para os consumidores aceitarem produtos mais seguros, preços mais baixos, ou outros benefícios conquistados pela organização de defesa do consumidor, sem prestar-lhe qualquer tipo de apoio. Em um artigo mais antigo, Bloom e Greyser (1981) anteviram que o problema dos oportunistas  empurraria as organizações de consumidores para cada vez mais temas especiais e com maior ênfase em questões locais. Os consumidores estariam mais inclinados a pagar contribuições se pudessem contar com uma organização que lutasse por questões específicas e que tenham maior relevância para os mesmos (…)


Tudo indica que a flexibilização das regulamentações federais nos anos mais recentes forçou líderes consumeristas a se tornarem melhores marketeiros e gerenciadores de suas organizações. Eles têm empregado uma variada gama de estratégias para manter seus grupos saudáveis, inclusive com o que Richardson chama de os ´três ingredientes para sobrevivência´: acesso à mídia, idéias palatáveis, e credibilidade como um porta-voz dos consumidores”.


No que concerne à mudança de questões, Preston e Bloom sugerem que “o sentimento de riqueza e pobreza ao mesmo tempo tornará os consumidores preocupados com a ´abundância´ de certos bens (e.g., como adquirir novas tecnologias a preços razoáveis) e ´escassez´ de outros (e.g., como baixar os preços dos planos de saúde). Esses autores também anteveem que ´os processos´ na produção de bens e serviços (e.g., como desregulamentar) e os ´serviços públicos essenciais´(e.g., como manter os monopólios estatais justos) tornar-se-ão mais pronunciados. De acordo com Prestou e Bloom, essas questões poderão potencialmente substituir as antigas, ou seja, a agenda tradicional que surgiu do discurso do Presidente Kennedy a respeito dos direitos (i.e., os direitos à segurança, de ser informado, a ser ouvido e de escolha)[14].


A seguir, os mencionados autores falam em novas necessidades, novas tecnologias, grandes instituições e problemas dos consumidores, cidadãos de países em desenvolvimento.


2.2 Necessidades prementes


“Na medida em que as pessoas envelhecem, e se sentem economicamente mais pressionadas, é natural que as organizações de consumidores abordem questões tópicas ou bem específicas. A formação de diversas entidades de cunho público e a ênfase de muitas organizações estarão focadas em questões como tarifas telefônicas, tarifas bancárias, custos de planos de saúde, custo da energia elétrica, e alimentação[15], indicando que a pressão por uma melhor harmonização em termos de necessidades já se materializou. Essa pressão, espera-se, deva crescer ainda mais, e permanecer por um longo tempo, especialmente no âmbito local.


Quanto a novas tecnologias, os autores apontam para as “outras preocupações para os consumidores em matéria de novas tecnologias, tais como , vídeo-texto, compras e operações bancárias via computadores, e telefones celulares[16], questões tais certamente alvos de consideráveis discussões. Os trabalhos de Harding e Jones reveem os diversos argumentos a respeito de questões como: Quem deve coletar os dados dos consumidores para os bancos de dados? Quem deveria pagar por isso? Somente os ricos é que estarão aptos a utilizá-lo? Que tipo de informação e formato serão mais adequados e mais efetivos? A privacidade será garantida aos usuários?


Essa abordagem é assaz significativa, porquanto traz em si um exercício de futurologia. Tanto assim que os setores retro apontados inundam, hoje, os órgãos e entidades de consumidores em todo o país, à exceção do vídeo-texto, certamente substituído com grande vantagem pela internet[17]. Aliás, em 1984, quando exercíamos as funções de Promotor de Justiça do Consumidor no PROCON de São Paulo, a maior aquisição para informação de seus técnicos foi exatamente o video texto, considerado então um verdadeiro prodígio da tecnologia.


2.3 Grandes Instituições


Os autores em seguida tratam da grande preocupação com as grandes corporações ou até instituições públicas sempre a ameaçarem os consumidores. “Por exemplo, Enis e Yarwoode discutem como as agências governamentais frequentemente propiciam aos consumidores, por omissão, a aquisição abusiva na forma de produtos inseguros, tais como veículos e utilitários, contratação de hospitais públicos sem qualquer higiene, ou então bilhetes de loterias. Metzem, Fernstrom e outros, expressam preocupação a respeito de como as grandes empresas demonstrarão responsabilidade social, particularmente quando as fusões criam cada vez maiores e menos empresas. Apesar dos apelos para ação no sentido de tornar as grandes empresas mais responsáveis (e.g., mediante a representação dos consumidores em seus conselhos de administração) isso talvez não aconteça da forma como se já se pretendia no passado, e é pouco provável que aconteça no futuro”.


No que tange aos países do terceiro mundo ou em desenvolvimento, dizem os autores que: “Os trabalhos elaborados por Post e por Peterson, mostram como o consumerismo está ganhando força e desenvolvendo nações. As empresas multinacionais devem ser agora muita mais conscienciosas a respeito das consequências para a economia e saúde de suas ações. Códigos de conduta de organizações como a Organização Mundial de Saúde e as Nações Unidas estão se tornando questões sérias para que as grandes empresas as levem em conta. Como Post afirma, a falha em adotar o código para produtos infantis, por exemplo, criou grandes dificuldades para a Nestlé, e ele vê problemas similares prestes a acontecerem para fornecedores de outros produtos controvertidos (e.g., cigarros, álcool), se as empresas não forem cuidadosas.”


Observe-se, por conseguinte, que os problemas hoje enfrentados pelo movimento consumerista brasileiro, em sua grande maioria, já haviam sido previstos há 20 anos atrás. E, a eles, ainda não satisfatoriamente equacionados e resolvidos, vieram somar-se outros, tais como os benefícios mas também os transtornos causados pela internet, pela globalização da economia, pelo chamado sobre ou superendividamento, alimentos transgênicos, e, por certo o cada vez mais presente tema do consumo sustentável[18], conforme veremos passos adiante.


Mas será que para enfrentá-los todos haverá necessidade de modificações em nosso Código de Defesa do Consumidor?


Entendemos que não. Se não, vejamos.


3. Modificações no cdc: se melhorar estraga.


Segundo um velho amigo, otimista convicto, apesar das adversidades da vida, respondia, sempre que perguntado “como vai”, dessa forma. Ou seja, se melhorar estraga!


E nós, da mesma forma, diríamos que qualquer modificação que vier a ser introduzida no CDC-Código de Defesa do Consumidor, somente servirá para estragá-lo.


Lembramo-nos de que quando ainda exercíamos as funções de Coordenador das Promotorias de Justiça do Consumidor do Estado de São Paulo, em 1992, submeteram-nos para análise, de uma só vez, nada menos que trinta e seis projetos[19] na época em andamento no Congresso Nacional, tentando mudar aqui e ali algum dispositivo do mesmo código. Com raríssimas exceções — ou seja, que procuravam aperfeiçoar o texto da Lei nº 8.078/1990, ou então restaurar dispositivos vetados —, todos eram meras modificações cosméticas e absolutamente desnecessárias.


Um deles, por exemplo, propunha discriminar que produtos perigosos deveriam ser inseridos no CDC, mediante longa listagem; outro propunha estabelecer normas financeiras e monetárias e assim por diante.


As mais de duas centenas de projetos visando a mudar algum aspecto do CDC demanda, por certo, e por cautela, um acompanhamento de perto pelas entidades não governamentais, bem como dos órgãos públicos, notadamente do Ministério Público do Consumidor.


Lembraríamos mais uma vez neste passo, contudo, a assertiva do ilustre Professor Othon Sidou, quando, já na década de 70 do século passado, ao elaborar ele próprio um esboço de Código do Consumidor[20], afirmava ser “utópico elaborar um estatuto de proteção ao consumidor em sentido locupletíssimo, porque o cotidiano struggle for life se encarregaria de revelar sempre algo a prevenir, mesmo que nos subsidiassem, beneditinamente coligidos e sem a ausência de um só, todos os códigos, todas as leis, todos os ordenamentos, desde os senectos monumentos legislativos de ontem aos modestos e não raro canhestros provimentos burocráticos de hoje, posto como todos são tomados no são intuito de resguardar as relações do homem coletivizado, do consumidor portanto; quem se aventurasse, nesta lógica de raciocínio, a fazer uma lei completa na espécie, correria parelha com os alquimistas do passado na busca da pedra filosofal ou com os físicos ainda hóspedes dos manicômios na cata do ´moto-contínuo´”.


Da mesma forma na doutrina estrangeira Eduardo Polo, Denise Baumann, Thierry Bourgoignie, Guido Alpa, Gérard Cas e outros[21], apontam para o caráter inter e multidisciplinar do tema direitos[22] do consumidor, sendo de difícil sistematização.


Quanto ao nosso código do consumidor, cremos que conseguimos a um só tempo estabelecer a epistemologia da defesa do consumidor, consubstanciada em princípios fundamentais, que nos parecem ser sua verdadeira alma, bem como cuidar de uma estratégica política de relações de consumo adicionado dos respectivos instrumentos de sua implementação. Além disso, logramos definir e instituir com pioneirismo a responsabilidade civil objetiva — encruada no antigo projeto de código civil dos anos 60 a 70 do século passado e somente agora trazida a lume —, além de estabelecer conceitos e modos de punição das publicidades enganosa e abusiva, práticas comerciais e cláusulas abusivas, sem se falar da revolucionária tutela coletiva do consumidor. E isto para ficarmos no que há de mais relevante em nossa lei consumerista e que nos ocorre no momento.


Não obstante essas advertências, vejam-se três recentes modificações feitas a saber:


“Art. 33 – Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial.


Parágrafo único –É proibida a publicidade de bens e serviços por telefone, quando a chamada for onerosa ao consumidor que a origina” (redação dada pela Lei Federal nº 11.800, de 29 de outubro de 2008).


“Art. 42-A – Em todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente (redação dada pela Lei nº 12.039, de 1º-10-2009).


“Art. 54 – Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.


§ 3º –  Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor” (redação dada pela Lei Federal nº  11.785, de 22 de setembro de 2008).


A redação original desse último dispositivo transcrito era a seguinte:


“§ 3º – Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”.


Ora, no primeiro caso, embora tenha sido louvável a intenção do legislador, não se pode olvidar que o artigo 39 do código sob comento estabelece, exemplificativamente, e não exaustivamente, rol das chamadas práticas abusivas, dentre as quais se insere, certamente, a circunstância que se pretendeu acoimar de ilegitimidade no parágrafo único do art. 33.


No que concerne à segunda modificação, mister é se reconhecer sua utilidade ao menos de ordem prática, quanto aos abusos verificados por agentes terceirizados de cobrança de dívidas, ou pelos próprios fornecedores de produtos e serviços, mas que se escondem ou se blindam, como é o termo hoje utilizado, para perturbarem o sossego do consumidor, mas não lhe fornecendo dados para denunciarem os abusos cometidos. Isto se tem mostrado com bastante freqüência em e-mails de fornecedores, em que consumidores são cobrados indevidamente, mas não tem como se defenderem, porquanto a mensagem desde logo ao adverte de que o e-mail não deve ser respondido, ou então contém apenas algumas poucas hipóteses de eventuais equívocos, adrede preparadas por eles mesmos; ou, então, em correspondência via correios, em que aparece simplesmente o número de uma caixa postal, sem endereço.


Já no que toca à terceira modificação, era absolutamente desnecessária e inócua, uma vez que a redação anterior do § 3º do artigo 54, que cuida especificamente dos contratos de adesão, era mais ampla, e exigia a ostensividade bem como a legibilidade das cláusulas contratuais. Falando-se, agora, em corpo gráfico doze, nos autorizaria a indagar: por que doze e não quatorze, dezesseis, ou, quem sabe, até vinte? Nesses casos os caracteres seriam mais legíveis e ostensivos?


Modificações como tais somente demonstram o seguinte: falta de os senhores parlamentares terem o que fazer de mais relevante para o país, ou jogo de vaidades de molde a introduzir modificações numa lei que efetivamente pegou, ou seja, uma lei que realmente está funcionando. Certamente haverá outras matérias relevantes a serem cuidadas pelo Congresso Nacional.


4. Questões atuais: super ou sobre-endividamento, alimentos transgênicos, comércio por meio eletrônico, consumo sustentável


Ao par disso, poderíamos dizer que, no presente momento, estão a preocupar autoridades e entidades do consumidor brasileiros os seguintes temas: (1) o superendividamento: (2) os alimentos transgênicos; (3) o comércio eletrônico (3) o consumo sustentável.


4.1 Super ou sobre-endividamento


Dir-se-ia que esse fenômeno, resultado, de um lado, do consumismo obsessivo estimulado pela oferta e publicidade cada vez mais agressivas[23], e de outro agravado pelas altas taxas de juros cobradas nos mercados financeiros, estaria a merecer um tratamento especial em eventual reforma do código, à luz da lei francesa a respeito.


Ao tratar especificamente dessa matéria, Geraldo de Faria Martins Costa[24] chama a atenção para regras existentes já em França, e que seriam úteis no Brasil, tais como: a) prazo especial de reflexão; b) a ligação entre o contrato de consumo principal e o contrato acessório de crédito; c) o regime especial das garantias pessoais; d) o regime especial de tratamento das situações de superendividamento.


A lei especial francesa de 31-12-1989, define superendividamento, como a circunstância “caracterizada pela impossibilidade manifesta pelo devedor de boa-fé de fazer face ao conjunto de suas dívidas não profissionais exigíveis e não pagas” (pressupõe, pois, boa-fé subjetiva, e dívida derivada de consumo, não profissional).


A doutrina européia, acompanhando a objetivação das condutas e fugindo da idéia de culpa subjetiva contratual, tende a superar a diferença entre fatos subjetivos e objetivos supervenientes e prefere, hoje, analisar o inadimplemento do consumidor de boa-fé ou o superendividamento como sendo ativo ou passivo.


O autor português Leitão Marques, referido por Geraldo Martins Costa, nos ensina que: “o sobreendividamento pode ser activo, se o devedor contribui activamente para se colocar em situação de impossibilidade de pagamento; ou passivo, quando circunstâncias não previsíveis (desemprego, precarização de emprego, divórcio, doença ou morte de um familiar, acidente etc.) afetando gravemente a capacidade de cumprimento” .


Como instrumento protetivo, o nosso Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, estabeleceu  a  proibição da “cláusula-mandato” . Ou seja, dispondo em seu art. 51, inc. VIII, como sendo nulas de pleno direito, cláusulas que “imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor”. Referida questão já foi objeto, inclusive, de súmula do STJ, mais particularmente a de nº 60, que dispõe: “É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”.


Na França, há imposição de obrigação de informação especial sobre as consequências dos contratos que envolvam crédito (art. L.111-1 do Code de la consommation). É, ainda, o fornecedor de crédito, obrigado a conceder um prazo de reflexão. Por outro lado, existe um dispositivo (art. L.311-8), estabelecendo que a proposta ou oferta realizada pelo fornecedor, tem prazo de validade de 15 dias, a contar de sua emissão.


O art. 52 do nosso Código de Defesa do Consumidor cumpre aquele requisito, e com vantagem pela clareza, ao estabelecer que: “no fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informa-lo prévia e adequadamente sobre: I – preços do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III – acréscimos legalmente previstos; IV – número e periodicidade das prestações; V – soma total a pagar, com e sem financiamento.


Importante, ainda, a garantia do § 2º do referido art. 52 do nosso Código de Defesa do Consumidor, ao dizer que: “É assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos”.


 Também no que toca ao contrato de adesão (§ 3º do art. 54), quanto à sua redação, de forma clara etc., nossa lei tem traços de semelhança cm a francesa a respeito dessa questão. Na ordem jurídica francesa, entretanto, o formalismo é ainda mais acentuado: a oferta estabelecida segundo modelos típicos, fixados pelo comitê de Regulamentação Bancária, deve mencionar, segundo o art. L.311-10 do Code de la Consommation, a identidade das partes e, sendo o caso, dos fiadores. Ela deve precisar o montante do crédito e eventualmente de suas frações periodicamente disponíveis, a natureza, o objeto e as modalidades do contrato, sendo o caso, as condições do seguro, o custo total do crédito, sua taxa efetiva global, as despesas de dossiês, as despesas das prestações.


Quanto a sanções de natureza civil, no direito francês há, por certo, uma original e rigorosa sanção civil em face do descumprimento das normas de concessão de crédito, de acordo com o art. L.311-33 do Code de la consommation. Ou seja: o tomador do empréstimo fica obrigado ao pagamento das prestações, mas com isenção dos juros;e, quanto aos já obrigados, ser-lhe-ão restituídos. Tal sanção pode ser determinada pelo juízo penal, como penalidade acessória, bem como pelo juízo cível.


Quanto à proteção do consumidor na fase de execução, há também norma específica. Com efeito, talvez estimulado pelo sistema de publicidade perniciosa a realizar compras irracionais, ou talvez vítimas de um evento exterior à sua vontade, como por exemplo, o desemprego, a doença ou o divórcio, os consumidores (devedores) correm o risco de se tornarem incapacitados de cumprir suas obrigações.  Por isso mesmo, em França, a autoridade judiciária, nos termos do art. L.313-12 do Code de la consommation, combinado com os arts. 1.244-3 do Code civil, pode conceder um prazo de graça a todo devedor que, em razão de circunstâncias independentes de sua vontade, como a doença ou o desemprego, experimentem dificuldades em pagar suas dívidas. O texto legal permite ao juiz de instância suspender a execução das obrigações do tomador, podendo decidir que, durante o prazo de graça, sobre as somas devidas não incidirão juros. O credor não poderá demandar a resolução do contrato durante a vigência do benefício. No fim do prazo, as dívidas tornam-se exigíveis, sem que o último pagamento possa exceder a dois anos além do termo inicialmente previsto para o pagamento do empréstimo.


 Quanto à inadimplência, tanto na França como no Brasil, o direito comum das obrigações dá ao juiz o poder de aliviar as sanções estipuladas contra o devedor inadimplente. O art. 152 do Code Civil dispõe que o juiz mesmo de ofício, pode moderar a pena que tiver sido convencionada se ela for manifestamente excessiva.


Em síntese, portanto, poderíamos dizer que as regras existentes na lei francesa e que seriam desejáveis no nosso ordenamento jurídico, consoante a opinião do autor citado, seriam: a) o prazo especial de reflexão (sete dias, no caso de financiamento bens móveis, adquiridos por qualquer forma, e de 10 dias no caso de bem imóvel); b) a ligação entre o contrato de consumo principal e o contrato acessório de crédito; c) o regime especial das garantias pessoais; e) e o regime especial de tratamento das situações de superendividamento.


Não nos parece que isso seja necessário, até porque a segunda parte do § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, embora sucintamente, inclui esse fenômeno (i.e., oferta de crédito) como relação de consumo. Além disso, há as práticas abusivas e cláusulas contratuais abusivas a indicarem o caminho para a revisão dos contratos e eliminação de sua onerosidade excessiva.


Além disso, o Código Civil de 2002 traz dispositivos semelhantes, ao cuidar, por exemplo, do instituto da lesão, igualmente anunciando a função social dos contratos, possibilidade de sua revisão e outros mecanismos. Isto tudo à vista da interpretação interdisciplinar dos seus cânones, à luz do Código do Consumidor.


Mas, não é só. Há dispositivos no Código de Processo Civil de 1973 que disciplinam justamente a insolvência requerida pelo devedor[25] .


Nesse sentido merecem destaque seus seguintes dispositivos, evidenciando a adoção de medidas mais benéficas relativamente aos encargos dos “superendividados”. Com efeito: “Art. 783 – O devedor insolvente poderá, depois da aprovação do quadro a que se refere o art. 769, acordar com os seus credores, propondo-lhes a forma de pagamento. Ouvidos os credores, se não houver oposição, o juiz aprovará a proposta por sentença”; e, Art. 785 – “O devedor, que caiu em estado de insolvência sem culpa sua, pode requerer ao juiz, se a massa o comportar, que lhe arbitre uma pensão, até a alienação dos bens. Ouvidos os credores, o juiz decidirá”.


As experiências feitas, sobretudo no Estado do Rio Grande do Sul[26], em que jovens, desforçadas e criativas juízas, demonstram, por outro lado, que não há qualquer necessidade de uma legislação específica a respeito para se lidar com tão tormentosa questão, mas tão-somente vontade político-judiciária, no sentido de que se confiem aos Juizados Especiais Cíveis a incumbência de sua tratativa. Ou seja, primeiramente instituindo mais e mais juizados bem como a possibilidade de procedimentos anteriores à declaração formal e judicial de insolvência; e, em segundo lugar, preparando-se os juízes e conciliadores leigos para colocar em prática o que o nosso Código de Processo Civil — em combinação com os dispositivos já citados do Código do Consumidor — já falam da lida com esse fenômeno, só que sob a rubrica de declaração de insolvência. Ou seja: basta aplicar-se o que existe, até porque, embora tenhamos longos anos de experiência, vimos poucos e raros casos serem instaurados nesse mister[27]


Mas não é só. Nosso ordenamento jurídico também trata, sob o nomen iuris de usura real, a abusividade cometida contra consumidores de crédito ou de produtos e serviços que o envolvam, e que outrora tinha a solução judicial preconizada pelo § 3º do art. 4º da Lei nº 1.521/1951.


Referido dispositivo legal, com efeito, dispunha que “a estipulação de juros ou lucros usurários será nula, devendo o juiz ajustá-los à medida legal, ou, caso já tenha sido cumprida, ordenar a restituição de quantia paga em excesso, com os juros legais a contar da data do pagamento indevido”.


Foi, todavia, expressamente revogado pelo art. 7º da Medida Provisória nº 1.820, de 5-4-1999, reeditada sob nº  2172-32/2001[28]. Isto porque essas Medidas Provisórias estabeleceram, em seu art. 1º que: “Art. 1º – São nulas de pleno direito as estipulações usurárias, assim consideradas as eu estabeleçam: I – nos contratos civis de mútuo, taxas de juros superiores às legalmente permitidas, caso em que deverá o juiz, se requerido, ajustá-las à medida legal, ou, na hipótese de já terem sido cumpridas, ordenar a restituição, em dobro, da quantia paga em excesso, com juros legais a contar da data do pagamento indevido; II – nos negócios jurídicos não disciplinados pelas legislações comercial e de defesa do consumidor, lucros ou vantagens patrimoniais excessivos, estipulados em situação de vulnerabilidade da parte, caso em que deverá o juiz, se requerido, restabelecer o equilíbrio da relação contratual, ajustando-as ao valor corrente, ou, na hipótese de cumprimento da obrigação, ordenar a restituição, em dobro, da quantia recebida em excesso, com juros legais a contar da data do pagamento indevido. Parágrafo único – Para a configuração do lucro ou vantagem excessivos, considerar-se-ão a vontade das partes, as circunstâncias da celebração do contrato, o seu conteúdo e natureza, a origem das correspondentes obrigações, as práticas de mercado e as taxas de juros legalmente permitidas”.


Vê-se, por conseguinte, que nosso ordenamento jurídico já provê soluções tanto para o superendividamente, bem como para o cometimento de abusividade no que toca ao mercado econômico-financeiro, não havendo qualquer necessidade de, em última análise, importar-se modelo estrangeiro.


4.2 Os alimentos transgênicos


Constituem-se os chamados alimentos transgênicos em novo desafio aos consumidores. Nem por isso, todavia, mereceriam ordenamento jurídico próprio no âmbito consumerista, mas sim no âmbito da tutela ambiental e de vigilância sanitária de alimentos genericamente modificados, à luz do princípio da precaução.[29]


Não obstante a existência de norma que exige dos fabricantes de alimentos que hajam empregado matéria prima consistente em organismos geneticamente modificados que aponham aviso a respeito[30], há uma verdadeira batalha em andamento entre os órgãos e entidades de defesa do consumidor, de um lado, e os representantes da indústria de alimentos, de outro, a respeito desse assunto. Raríssimos são os alimentos que ostentam tal sinal distintivo (i.e., consistente num triângulo de fundo amarelo, com a letra te em negro).


Na verdade, embora no Brasil se tenha dado, na prática, em princípio, e, posteriormente em decorrência de forte lobby a liberação de todos os organismos geneticamente modificados, as argumentações não se têm pautado pela dupla preocupação a respeito dessa matéria: a) o eventual dano ao meio ambiente e a culturas chamadas orgânica ou naturais; b) o eventual dano à saúde dos consumidores, mormente no que concerne às substâncias alérgenas.


4.3 Comércio por meio eletrônico


O chamado comércio eletrônico — na verdade, por meio eletrônico —, a seu turno, causa grande preocupação aos consumeristas, a ponto também de sugerirem uma legislação específica.


Entendemos, entretanto, que se alguma regulamentação tenha de haver — e já existe, aliás, no nosso ordenamento jurídico, consistente na edição da Medida Provisória nº 2.200, 28-6-2001, que instituiu a infraestrutura de “chaves públicas brasileiras ICP-Brasil, de molde a preservar-se a integridade, autenticidade e validade dos documentos eletrônicos”.[31] Basta que seja ela aprovada pelo Congresso Nacional, mas sem qualquer modificação da estrutura do CDC, porquanto isto diz respeito à parte técnico-eletrônica, à luz da ciência da informática.


Todavia, lembraríamos, neste passo, que o próprio Código de Defesa do Consumidor considera, evidentemente, essa nova forma de comércio, que , como já visto, fora previsto 20 anos atrás. Tanto assim que, em seus artigos 46 e 49, respectivamente, enunciam que : “Art. 46 – Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance; Art. 49 – O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”. Parágrafo único – Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados”.


Desta forma, se alguma coisa tiver de ser adicionada ao CDC, poderá desfigurá-lo. Até porque, embora conviva muito bem com os demais ramos do direito, designadamente o privado, com o qual mantém laços mais estreitos, ele deve ser aplicado — nunca é demais repetir nas relações efetivamente de consumo e não extensivamente a outras relações jurídicas.


4.4 O consumo sustentável


Cremos que a expressão desenvolvimento sustentável, atualmente, já constitui voz corrente tanto no meio empresarial quanto governamental,  bem como no da população mais instruída. Ou seja, a compreensão de que os recursos naturais presentes na natureza têm sido sistematicamente apropriados pelo homem, com vistas ao atendimento de suas necessidades.


E, como resultado dessa apropriação, advêm os diversos tipos de poluição, além da criação diuturna de resíduos, muitos deles de difícil ou quase impossível disposição e, o que é pior, a destruição dos recursos naturais, muitos deles não renováveis.


A grande preocupação, por conseguinte, no que tange ao desenvolvimento sustentável, é o atendimento das necessidades humanas de forma parcimoniosa, até porque disso dependerá a sobrevivência da própria humanidade.


Com efeito, parte-se da premissa de que os recursos naturais disponíveis são limitados e, sobretudo,  finitos e escassos, mas que as necessidades humanas são, ainda que artificialmente, ilimitadas. Isto se considerarmos que muitas delas são criadas pela publicidade dos inúmeros produtos e serviços colocados no mercado a cada instante. Ora, diante dessa realidade, o que deve ser levado em conta, sem delongas e com a máxima prioridade, é o chamado  consumo sustentável, até para que não faltem recursos para as futuras gerações de consumidores.


Daí porque essa nova expressão, não apenas se constitui na outra face, mas da mesma moeda em que se encontra o já citado desenvolvimento sustentável. É inquestionável que nosso planeta está sitiado (cf.1º relatório O Ambiente Mundial, 72-92 – Programa do Meio Ambiente da ONU, novembro de 1992). E o mercado consumidor é o que busca, sem cessar, a todo instante, bens e serviços, cada vez mais degradadores do ambiente em que vive, ou supressores de seus recursos naturais.


O que importa mais nessa conta predatória é o número de consumidores, e não propriamente o de habitantes do planeta. Se não, vejamos.


Na Agenda 92, propuseram-se mudanças radicais nos padrões de consumismo, mediante dois pontos fundamentais: a) tecnologia limpaou seja, menor consumo de energia e matéria-prima, menor produção de resíduos, com o aumento da capacidade de reaproveitamento (Declaração do Rio-92); a meta é reduzir índice per capita de uso de recursos e geração de menor poluição a 1/10 nos países ricos; b) consciência do cidadão consumidor – ou seja, aceitação e exigência de produtos não ofensivos ao meio-ambiente (por exemplo, os que não contenham gás CFC – clorofluorcarbono em aparelhos de refrigeração em geral e em sprays, embalagens recicláveis, reaproveitamento de material descartável, tais como vidro, papel, alumínio, papelão, bem como sua redução nas embalagens desse material descartável.


Por outro lado, temos a produção sustentável. Ou seja, as normas ISO 14000 — que contém, em última análise, técnicas para o aproveitamento parcimonioso e renovável dos recursos naturais disponíveis — até parecem contrariar o Gênesis (crescei e multiplicai-vos).


Todavia, na verdade, como já visto, as necessidades são cada vez mais crescentes, e os recursos cada vez mais escassos. Do lado dos produtores, com efeito (fornecedores, na nomenclatura consumerista), também deve haver a preocupação em produzir cada vez mais bens ecologicamente corretos.


 Daí também uma produção sustentável. Tais preocupações têm sido objeto de diversos simpósios de cunho nacional e internacional. Assim, o chamado Relatório Bruntland, de 1987, da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, resume as colocações que já vinham sendo elaboradas, e serviu de base para a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92).


Não há, por conseguinte, qualquer exagero em afirmar-se que todos os problemas ambientais estão relacionados ao consumo: poluição do ar, água, solo, subsolo, degradação dos solos e assoreamento de cursos d´água, em razão de desmatamento, esgotamento de suprimentos de água etc. De acordo com o Protocolo de Montreal, de 1989, revisto em Londres, em 1990, foram estabelecidas metas a serem atingidas.


E o grande motor das modificações, sem sombra de dúvidas, é o binômio educação/conscientização do consumidor, desde a mais tenra idade. Aliás, isto nos parece até intuitivo: respeitar a natureza e os generosos recursos com que nos brinda, para que ela possa continuar exuberante, útil e renovável para nossos descendentes e todo o ecossistema. Ora, e não é ele mesmo — o consumidor — todos nós, na verdade, o maior produtor de resíduos, poluidor contumaz do ambiente, com a produção de toneladas diárias de lixo, bem como pela utilização de veículos além de produtos serviços que lhe são deletérios? [32]


Que saiba, portanto, ele, consumidor, em primeiro lugar, o que está ocorrendo à sua volta, qual a sua participação nesse processo e, principalmente, quais são suas responsabilidades para minorar o processo deletério.


Em termos constitucionais, aliás, impõem-se limites à própria livre iniciativa, a teor do que dispõe o próprio art.170, segundo o qual, em última análise, ela deve ser compatível com o desenvolvimento sustentável. Ou seja:  “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados”(dentre outros), “os seguintes princípios: (…) VI – defesa do meio ambiente”. Conforme se pode prontamente verificar, pois, a própria Constituição, no art. 170, prevê implicitamente esse consumo, ao falar em existência digna, que, na verdade, se traduz por qualidade de vida, e a dignidade humana.


 Desta forma, isso pressupõe um controle sobre a produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem os menores riscos possíveis para a vida, qualidade de vida e ao meio ambiente. Conforme o art. 225, § 1º, V da mesma Constituição Federal, aliás: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de diva, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”


E, “para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público (…) controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.


Em suma, consoante as ponderações do Professor Mário Frota, baseando-se na lei portuguesa de defesa do consumidor, de 31.7.1996, incumbe ao Estado: 1. a promoção de uma política educativa para os consumidores, através da inserção nos programas e nas atividades escolares, bem como nas ações de educação permanente, de matérias relacionadas com o consumo e os direitos dos consumidores, usando, designadamente, os meios tecnológicos próprios numa sociedade de informação; 2. ademais disso, deve haver a participação de todas as unidades administrativas, educacionais ou não, governamentais ou não governamentais; 3. por outro lado, a educação e a formação nesse passo são suscetíveis de revestir um sem número de planos, tais como a educação para a qualidade; para a saúde, para a segurança nas suas múltiplas variantes, alimentar, e para o consumo em sentido estrito. 4. e, por fim, as preocupações emergentes, que dizem respeito, conjuntamente, ao consumo e ao desenvolvimento sustentáveis, baseiam-se em quatro palavras-chaves, os quatro erres — Reduzir, Recolher, Reciclar, Reutilizar (cf. Revista da APMP – Associação Paulista do Ministério Público, maio de 2002, págs. 69-71).


A esse rol acrescentaríamos mais um: Recusar. Ou seja, a repulsa, da parte do consumidor, a produtos que não atendam às recomendações de cunho ambiental.


Ou, como se diz no vocabulário ambientalista, cuida-se, na hipótese, de se dar preferência a produtos ambientalmente amigáveis ou verdes (tradução livre da expressão e termo em inglês, ecologically friendly ou green). O Brasil tem uma das melhores leis de proteção ao consumidor do mundo. E, para começar, ela diz, obedecendo a uma decisão da O.N.U. (Organização das Nações Unidas), a Resolução nº 39/248, de 9.4.1985, que todos nós, consumidores, temos direito de nos protegermos contra produtos e serviços que sejam perigosos ou nocivos à nossa saúde e segurança, de sermos indenizados por prejuízos que sofremos, por exemplo, contra produtos perigosos, defeituosos etc., de sermos bem informados sobre o que pretendemos comprar, de sermos educados para fazermos escolhas bem feitas das coisas de que precisamos para viver bem, e de sermos ouvidos sobre as decisões que tenham alguma influência sobre a nossa maneira de viver. Em 1995, entretanto, um outro direito — na verdade muito mais um dever do que um direito, porque é de nossa responsabilidade termos um ambiente sadio e bem cuidadofoi declarado pela O.N.U. o chamado “Consumo Sustentável”,  que deve ser preocupação e responsabilidade não só dos fabricantes de produtos de coisas que compramos e serviços de que precisamos no dia a dia,e dos governos, mas também nossa.


Na cartilha A Água Nossa de Cada Dia (publicada pelo Movimento de Cidadania pelas Águas da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, em 2002), por exemplo, há uma relação bastante ilustrativa de produtos de consumo e respectivos prazos de decomposição na natureza. Note-se bem, são produtos que geralmente são jogados, pura e simplesmente, em rios, lagos, no mar, terrenos baldios, ou na rua, com a maior displicência e irresponsabilidade: PAPEL = de 3 a 6 meses; PANO  = de 6 meses a 1 ano; FILTRO DE CIGARRO = 5 anos; CHICLETES = 5 anos; MADEIRA PINTADA = 13 anos; MATERIAIS DE ´NYLON´= mais de 30 anos; PLÁSTICO = mais de 100 anos; METAL = mais de 100 anos; BORRACHA (como pneus de carros, p. ex.)= TEMPO INDETERMINADO! VIDRO = 1 MILHÃO DE ANOS! Nosso clima também está sofrendo graves alterações. E isto pelo chamado efeito estufa, causado pela acumulação na atmosfera de gases produzidos pelos carros, fábricas e queimadas.


Segundo o Professor Nélson Mello e Souza (apud Édis Milaré, em seu Direito do Ambiente, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, página 44 e seguintes), os princípios da vida sustentável, em decorrência do desenvolvimento sustentável seriam os seguintes: respeito e cuidado dos seres vivos (princípio ético, por excelência); melhoria da qualidade de vida humana – que pressupõe a realização de potenciais, acesso à educação, liberdade política de participação, respeito aos direitos humanos e combate a todas as formas de discriminação e violência; conservação e vitalidade da diversidade da Terraou seja, conservando e mantendo os sistemas de sustentação da vida; em última análise, a chamada biodiversidade, evitando, destarte, a extinção das espécies vegetais e animais, além do uso sustentável dos recursos renováveis; minimização do esgotamento dos recursos não renováveis – nesse caso, o petróleo, gás natural, xisto betuminoso; permanência no limite da capacidade de suporte da Terraisto é, preservando os recursos que não podem ser explorados, conservando os que podem ser suscetíveis de manejo sustentável; modificação de atitudes e práticas pessoaisou melhor dizendo, adotando-se ética de vida sustentável, no sentido do reexame de valores de cada cidadão, alterando seus padrões de consumo; permissão de proteção pela própria comunidade o autor citado refere-se, aqui, aos incentivos que devem ser dados à própria comunidade organizada, no sentido de não apenas preservar e conservar os recursos naturais, como também de influir nas políticas e legislação ambiental; geração de estrutura nacionalcom vistas à integração de desenvolvimento e conservação, de acordo com cada ecossistema; formação de uma aliança globalmediante a implementação dos princípios da ONU e outros textos oficiais e não oficiais de natureza científica, técnica, política e social.


Já a referida Resolução nº 53/1995, ratificada em 1997, cuida especificamente do consumo sustentável, e estabelece um extenso rol de políticas que os Estados filiados à ONU e signatários do agreement nessa matéria, mas que podem ser sintetizados nos seguintes: a) consumo sustentável, antes de mais nada, significa a satisfação das necessidades básicas dos seres humanos, sem minar a capacidade do meio ambiente em satisfazer as necessidades de futuras gerações; b) nesse sentido, os governos devem cooperar entre si na mudança dos padrões de consumo em nível global, adotando, para tanto, práticas sustentáveis em suas políticas de desenvolvimento econômico, promovendo análises do comportamento dos consumidores e das conseqüências ambientais, com o propósito maior de identificar meios de reduzir o impacto ambiental do consumo e suprir as necessidades humanas no mundo; c) os governos devem, ainda, trabalhar conjuntamente na erradicação da pobreza, como requisito indispensável para o consumo sustentável;  d) as nações desenvolvidas devem arcar com o desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento, assegurando mínimos impactos ao meio ambiente, através de assistência financeira, tecnologias “verdes” e melhores condições de acesso aos mercados; e) cabe uma vez mais aos governos intensificar os esforços para a redução do consumo de energia e dos recursos naturais, nos processos de produção; f)  devem, por outro lado, incentivar, mediante políticas internas, o uso de recursos renováveis, a recuperação de resíduos, a reutilização e a reciclagem de materiais; g) os governos devem, ademais disso, promover a educação dos consumidores, assegurando o amplo acesso à informação sobre o impacto no meio ambiente dos produtos consumidos; h) os governos, enfim, devem adotar medidas efetivas voltadas para a mudança dos padrões de consumo e produção, tais como as chamadas de “comando e controle” e os “instrumentos econômicos e sociais”; nesse sentido, encontram-se os incentivos com vistas à produção de bens e prestação de serviços menos poluentes, recicláveis e reaproveitáveis, mediante benefícios fiscais e outorga do “selo verde”; i) e, contrario sensu, a taxação mais elevada de produtos e serviços que não sejam compatíveis com a conservação ou preservação dos recursos naturais.


Poderíamos concluir dessa ordem de ótimas idéias e propósitos, entretanto, que eles de nada adiantarão se não houver a educação e conscientização de consumidores e fornecedores de produtos e serviços quanto a ações pró-ativas, concretas e constantes, no sentido de efetivamente protegerem e conservarem o ambiente e os recursos naturais.


Um exemplo edificante: estimuladas por ações civis públicas do Ministério Público Federal, redes de grandes supermercados instaladas no país (i.e., Pão de Açúcar, Carrefour e Wal Mart), estão se recusando a adquirir carnes cuja origem ecologicamente correta não é identificada, boicote esse que também envolveu, posteriormente, a indústria frigorífica (matadouros). Ou seja: a grande floresta tropical da Amazônia, que dia a dia se vê cada vez mais a nú, ganha esse desestímulo à criação de gado em terras desmatadas.


5. Política nacional de relações de consumo (art. 4º do cdc, incisos  III, IV e V )


Para os menos avisados o Código de Defesa do Consumidor não é exclusivamente um corpo de normas protetivas da personagem consumidor. É, igualmente, um instrumento legal que privilegia e estimula a outra personagem das relações de consumo, qual seja, o bom fornecedor, buscando sempre, mediante a educação e informação de ambas, a harmonização de seus interesses, sempre com base na boa-fé e equilíbrio, inclusive com a busca de melhor qualidade e segurança de produtos,  bem como por  mecanismos alternativos de solução de conflito de interesse.


Cremos, por conseguinte, que embora o Código de Defesa do Consumidor consubstancie enormes ganhos no que concerne a direitos e deveres, não haja, ainda, uma perspectiva muito nítida a respeito da importância e alcance os princípios retro elencados dentro da chamada política nacional das relações de consumo.


Ou seja: as estatísticas do DPDC – Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça[33], bem como do PROCON-SP[34], a respeito de reclamações fundadas, dão conta do enorme número de reclamações pela ordem de incidência, e que poderiam ser prevenidas, caso funcionassem, efetivamente, tanto os departamentos de atendimento ao consumidor (SAC´s), como as assistências técnicas dos fornecedores. Os números são expressos em milhares, o que, sem sombra de dúvidas, sobrecarregam não apenas os PROCON´s, que acabam sendo os SAC´s dos fornecedores, como também os Juizados Especiais Cíveis, e as Promotorias de Justiça do Consumidor nos locais onde não há aqueles outros instrumentos.


6. Instrumentos de implementação da política nacional de relações de consumo: breve diagnóstico e críticas


Se a alma do Código de Defesa do Consumidor é o seu art. 4º que, como visto, traça a Política Nacional das Relações de Consumo, o art. 5º  é o seu corpo. Ou seja, é como agem — ou devem agir — os diversos órgãos e entidades colocados à disposição do consumidor, individual ou coletivamente considerados. A seguir, portanto, passaremos, ainda que em breves linhas, à análise dos instrumentos de implementação da referida política de relações de consumo, ou seja, as defensorias públicas, o Ministério Público, os órgãos jurisdicionais, e os órgãos e entidades de proteção e defesa do consumidor.


Mas referida análise conterá mais críticas, em alguns casos, do que elogios. Se não, vejamos.


6.1 As defensorias públicas


Conforme estabelecido pelo inc. I do mencionado art. 5º do Código de Defesa do Consumidor, dentre os diversos órgãos e entidades, o Poder Público contará, com vistas à execução da Política Nacional de Relações de Consumo com a assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente.


Parece-nos que a intenção da lei é clara: oferecer ao consumidor pobre, no sentido sócio-jurídico do termo, assistência jurídica — e não apenas judiciária do estar em juízo —. Ou seja, quer a lei que o consumidor, vulnerável e hipossuficiente tenha, antes de mais nada, orientações e conselhos a respeito de seus direitos e deveres perante ao diversos fornecedores de produtos e serviços, até preventivamente. E poderíamos citar, aqui, a orientação que deveria ser dada nas hipóteses dos contratos de adesão, que correspondem, aliás, à quase totalidade deles, por razões óbvias.


E, num segundo instante, estar em juízo ao lado do consumidor carente, quer como autor, quer como réu.


No Estado de São Paulo, para se ter um ideia, a Defensoria Público somente foi criada em 2006, e ainda luta com grande dificuldade para firmar-se, não apenas no que tange a prédios condizentes com sua relevante função sócio-jurídica, como também com diminuto quadro de procuradores (cerca de 500 para todo o Estado de São Paulo, com uma população de mais de 40 milhões de habitantes).


Ora, para dar cobro a mais essa responsabilidade, ao lado da assistência ao réu pobre em matéria criminal, nas reclamações trabalhistas, questões de família e sucessões e outras questões, seria necessário talvez quadruplicar o quadro de defensores públicos.


6.2 O ministério público


Conforme já esclarecido noutro passo, iniciamos nossa vida profissional nessa seara do Direito do Consumidor no Ministério Público do Estado de São Paulo, com assento, primeiramente, no PROCON de São Paulo e, posteriormente, em prédio próprio da Instituição. E, primeiramente como Promotor de Justiça do Consumidor (1983 as 1985), e, posteriormente, como coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Consumidor daquele Estado (1985 a 1993 e 1996 a 1998)[35].


Hoje podemos dizer que todos os Estados da Federação, o Distrito Federal e a União dispõem de órgãos de proteção e defesa do consumidor em seus quadros.


E seu foco principal são os interesses difusos e coletivos do Direito do Consumidor, conforme estabelecido pelo parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor.


Além do mais, com vistas à fixação de prioridades, e por força de mandamentos legais  — as leis orgânicas dos Ministérios Públicos dos Estados e da União —, a cada ano são publicados os chamados planos de atuação.


Para o ano de 2010, por exemplo, o Ministério Público do Estado de São Paulo estabeleceu duas grandes prioridades: os Planos de Saúde (no que tange aos reajustes abusivos de prestações, a migração forçada de categorias de planos, a ausência injustificada de cobertura, o descredenciamento imotivado e arbitrário de médicos, hospitais etc., rescisões unilaterais, cláusulas abusivas); e a Prestação de Serviços Públicos Essenciais por Concessionárias ou Permissionárias (no que diz respeito a praticas abusivas consistentes na cobrança abusiva, indevida ou constrangedora, o corte do fornecimento, a precariedade de atendimento, o cumprimento do decreto dos Sac´s, inscrição indevida do nome do consumidor em cadastros de inadimplentes etc.).


A titulo de argumentação, por outro lado, será que não haverá outros temas relevantes, não necessariamente a serem tratados pelos órgãos do Ministério Público, como por exemplo a saúde dos consumidores em face de alimentos com excesso de resíduos de pesticidas, muitos deles, aliás, proibidos pela legislação sanitária? Ou então a veiculação de publicidades manifestamente enganosas sobre produtos relacionados à saúde do consumidor, tais como miraculosos produtos para emagrecimento, calvície e outros males?[36]


Interessante salientar, todavia, que dentre os demais interesses e direitos difusos e coletivos, no âmbito da Procuradoria de Justiça Especializada em Direitos Difusos e Coletivos, apenas 2% (dois por cento) dos recursos judiciais apreciados referem-se à área do consumidor, enquanto que outros 20% (vinte por cento) se referem a questões ambientais, 40% (quarenta por cento) a questões atinentes à improbidade administrativa, e o restante a outras áreas. Não deve ser muito diferente o percentual em nível do Conselho Superior do Ministério Público que analisa as promoções de arquivamento de inquéritos civis — com ou sem termos de compromisso de ajustamento de conduta —.


Pode-se inferir disso, por conseguinte, alternativamente que: a) as Promotorias de Justiça do Consumidor no Estado de São Paulo não têm tido grandes problemas no que tange aos interesses difusos e coletivos que atingem os consumidores, mesmo nos assuntos destacados nos Planos de Atuação: b) ou, na melhor da hipóteses, têm sido elaborados mais Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta e arquivamentos de inquéritos civis do que a propositura de ações civis públicas, o que demonstraria, e o que é desejável, muito mais soluções extrajudiciais.


Há outra questão, contudo, que nos chama a atenção. Cuida-se da falta de comunicação entre os diversos órgãos do Ministério Público incumbido na área de defesa do consumidor nos âmbitos difuso e coletivo em termos nacionais.


Isto pudemos constatar não apenas no passado, em que, como Coordenador das Promotorias do Consumidor do Estado de São Paulo, acabávamos por dirimir conflitos de atribuições com base no bom senso entre nós e colegas de outros Estados[37] , como também agora, ao exercermos a advocacia consultiva.


E, com efeito, em sede de discussão sobre a presença de cláusulas consideradas abusivas em contratos de adesão a cartões de crédito, foram instaurados nada menos que duas ações coletivas e dois inquéritos civis. No caso, uma entidades não governamental de defesa do consumidor, sediada no interior do Estado de São Paulo propôs ação coletiva em face da loja administradora do sobredito cartão de crédito, ação essa que terminou com acordo judicial, devidamente homologado pelo juízo do feito, e com a anuência do órgão do Ministério Público competente na qualidade de custos legis, conforme exigência do art 92 do Código de Defesa do Consumidor[38]. Pois bem: em função de um procedimento instaurado no DPDC – Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor[39], que já dera origem àquela primeira ação, foram instaurados procedimentos inquisitivos de natureza civil por órgãos do Ministério Público dos Estados da Bahia[40], de Santa Catarina[41] do Rio de Janeiro[42] e de Pernambuco, tendo neste último resultado na propositura de nova ação civil pública ou coletiva[43], muito embora todos os outros procedimentos houvessem sido arquivados, exatamente em razão do acordo judicial. E tudo com o mesmo fundamento, causa de pedir, objeto, enfim, tudo quanto cabe numa flagrante e manifesta litispendência e prejuízo à ré que teve de se locomover e ainda sofre os custos injustos de todos esses transtornos.


Insta, portanto, estabelecerem-se, além do SINDEC – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que recebe e tabula dos dados referentes a reclamações e feitos em andamento de procedimentos que afetam os consumidores, sobretudo no âmbito difuso e coletivo, mecanismos semelhantes nos Ministérios Públicos: quer oficialmente, no novo órgão criado pela “Reforma do Poder Judiciário” de 2005, quer oficiosamente, pelo MPCON – Associação do Ministério Público do Consumidor.


6.3 Delegacias especializadas


Ao mesmo tempo em que o Ministério Público de São Paulo firmava convênio com o Governo do Estado, no sentido de se designarem Promotores de Justiça para atuarem nessa área, em 1983, foi instituído o DECON – Departamento Estadual de Polícia do Consumidor, com atribuições de, dentre outras, investigar os delitos contra a economia popular, as relações de consumo e a saúde pública.


Funcionou até 1999, quando foi extinto pela Secretaria de Segurança Pública, mas ressuscitado sob outra denominação e estrutura, em 2009, como DPPC – Departamento de Polícia de Proteção ao Cidadão, com uma divisão específica para cuidar dos assuntos concernentes aos direitos do consumidor. Embora a grande maioria dos delitos contra as relações de consumo previstos no Código de Defesa do Consumidor, bem como na Lei nº 8.137/90, estejam sujeitos à transação penal ou suspensão condicional do processo, o que o torna imperceptível na jurisprudência, a verdade é que não apenas eles a atingir o consumidor, individual ou coletivamente, mas sim outros, ainda que no seio do próprio Código Penal e na Legislação Penal Especial[44].


6.4 Os órgãos jurisdicionais


O inc. IV do art. 5º do Código de Defesa do Consumidor fala em Juizados Especiais de Pequenas causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo.


No Estado de São Paulo que, como visto, conta com mais de 40 milhões de habitantes, não há Varas Especializadas no âmbito da tutela coletiva[45] há pouco mais de três centenas de Juizados Especiais Cíveis. E esses juizados especiais já passaram a ser juizados ordinários, já que, ao contrário da filosofia da Lei nº 9.099/1995, que os criou, com vistas à simplicidade e celeridade procedimental, as audiências iniciais de tentativa de conciliação, têm sido designadas até 1 (um) anos após cada propositura.


Insta, portanto, dotar-se a estrutura judiciária de mais e mais juizados especiais, e dando-se enfoque à conciliação cada vez mais.


6.5 Órgãos e entidades de proteção e defesa do consumidor


Quando se fala em órgãos e entidades de defesa do consumidor logo nos vêm à mente os diversos PROCON´s e algumas, poucas, entidades não-governamentais que se dedicam a esse mister.


A nosso ver a própria PROCON revelou-se uma verdadeira marca ou griffe quando se fala na tutela do consumidor. O de São Paulo, mais antigo, foi instituído informalmente, em 1976, como um grupo de trabalho pelo então governador do Estado Paulo Egydio Martins e, dois anos depois, formalmente, mediante lei estadual[46]. De um simples apêndice da então Secretaria de Estado dos Negócios de Economia e Planejamento, evolui, anos mais tarde, para se transformar em uma fundação de direito público[47]. Hoje praticamente todos os Estados da Federação e o Distrito Federal contam com PROCON´s, bem como diversos municípios, na órbita dos respectivos poderes públicos municipais.


Com edição do Código de Defesa do Consumidor (art. 105) os PROCON´s bem como as entidades não-governamentais de proteção ou defesa do consumidor passaram integrar o chamado Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, tendo como órgão de cúpula o DPDC –  Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, por sua vez vinculado à SDE – Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, com atribuições definidas pelo art. 106 do Código de Defesa do Consumidor[48].


Suas atividades tradicionais consistem, primeiramente, na orientação e informação dos consumidores a respeito de seus direitos e interesses; por outro lado, incumbe-lhes a recepção de reclamações, tentando resolvê-las conciliatoriamente, e encaminhando a outros órgãos públicos  as questões que não lhes competirem, com vistas à adoção de outras providências.


Por força, entretanto, do Decreto Federal nº 961, de 1993, revogado pelo vigente Decreto Federal nº 2.181, de 1997, foi conferida aos PROCON´s a delicada função de polícia administrativa, uma vez que pretendeu regulamentar o disposto nos artigos 55 a 60 do Código de Defesa do Consumidor.


Em que pese nosso posicionamento contrário a esse particular, conforme fazemos questão de deixar sempre claro em todas as nossas manifestações[49] a respeito, e que pode ser resumido na circunstância de que o Código de Defesa do Consumidor simplesmente não demandava qualquer regulamentação, — até porque os mencionados artigos 55 a 60 apenas direcionam os diversos órgãos que efetivamente exercem poder de polícia administrativo a adotarem um novo posicionamento em decorrência dos novos postulados consumeristas — ao sermos consultado opinamos no sentido de que, se fosse mesmo regulamentado, o Código deveria sê-lo por cuidadosa exclusão, uma vez que, dificilmente haveria algum aspecto da vida negocial que não estivesse sob o crivo de alguma fiscalização pública. Ou seja: apenas naquilo que não houvesse ainda regulamentação a respeito, como, por exemplo, no que diz respeito a práticas abusivas e cláusulas contratuais abusivas.


Curiosamente, entretanto, a única infração administrativa que demandaria regulamentação, até porque veto presidencial a mutilou, foi a contrapropaganda, prevista pelo inciso XII do art. 57 do Código do Consumidor.


Lamentamos, por outro lado, que se tenha extinto a SUNAB – Superintendência Nacional do Abastecimento, autarquia que, tradicionalmente, vinha exercendo as funções de fiscal das relações de consumo, notadamente no que dizia respeito a abusos de preços e abastecimento de produtos no mercado, principalmente em épocas de crises econômicas. Esta, sim, seria o verdadeiro braço de polícia administrativa de relações de consumo, até porque criada pela Lei Delegada nº 04, de 1962, para intervenções no domínio econômico, em casos de abusos contra o mercado consumidor.  


Por outro lado, no âmbito do Estado de São Paulo, nunca de aplicaram os Decretos Federais nºs. 961 e o atual 2.181, preferindo-se a Lei Estadual nº 10.177, de 1998, que regula o processo administrativo no âmbito da administração estadual.


Como não há subordinação entre os diversos PROCON´s e o DPDC, sendo certo que este pode ser considerado uma instância superior apenas em casos de recursos, o que se tem visto é uma superposição de atribuições, muitas das vezes pelo mesmo fato, gerando-se manifesto bis in idem.


Veja-se, por exemplo, o recente caso de uma bebida láctea fabricada pela Nestlé, denominada Alpino Fast, que não conteria, na verdade, a fórmula líquida do chocolate de mesmo nome, e, que, por conseguinte, estaria a enganar seus consumdiores.


Sem adentrarmos ao mérito da questão, foram, todavia, adotadas nada menos que 4 (quatro) providências contra a empresa: a) pelo DPDC; b) pelo PROCON de São Paulo; c) pelo PROCON do Rio de Janeiro; e d) pela ANVISA  – Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Todas visavam à aplicação de pesas multas Ora, a autoridade competente, no caso, seria apenas e tão-somente a última, até porque, em matéria de alimentos em geral e, especificamente em matéria de rotulagem, é ela que impõe as sanções e estabelece obrigações de fazer ou não fazer. No caso, e singelamente, a mudança do rótulo[50].


Como visto em anterior, a essa ânsia fiscalizatória some-se também à superposição e conflitos entre os diversos órgãos do Ministério Público, e teremos instaurados verdadeiros abusos praticados pelos órgãos que devem, sem dúvida alguma, zelar pela observância das normas jurídicas consumeristas mas, antes de mais nada, igualmente pelo princípio da isonomia e prudência.


Embora exista o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, inclusive com a compilação dos dados dos diversos PROCON´s e entidades de defesa do consumidor, é mister que haja um melhor entrosamento entre esses, os Ministério Públicos especializados e outras autorizadas, para que haja maior eficiência e, o que é mais desejável, economia de recursos públicos, desperdiçados com a superposição de atribuições e funções.


7. Instrumentos alternativos de prevenção e de solução de conflitos


Conforme estatuído pelo inciso V do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, é dos seus princípios fundamentais o incentivo à criação, pelos fornecedores, de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como meios alternativos  de solução de conflitos de consumo.


Ora, por meios alternativos de solução de conflitos de consumo entendam-se todos aqueles que estão além dos meio próprios, quais sejam, os judiciais.


Cremos que, e isto, aliás ficou bastante claro em dois eventos de que participamos como painelista, ou seja, o X Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor: manutenção das garantias e sustentabilidade, patrocinado pelo BRASILCON – Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor e o 26º Encontro de Entidades de Defesa do Consumdior, promotivo pelo PROCON de São Paulo, ambos em maio de 2010, que os PROCON´s não podem ser os S.A.C´s dos fornecedores, e que mais vale prevenir demandas do que fomentá-las.


E com isso concordamos, até de forma entusiástica, até porque, na qualidade de primeiro Promotor de Justiça do Consumidor do país, e coordenador das Promotorias de Justiça do Consumidor do Estado de São Paulo, por nada menos que treze anos, sempre orientamos os colegas a privilegiarem os acordos, hoje termos de compromisso de ajustamento de conduta a ações civis públicas ainda que bem propostas e com altos graus de probabilidade de vitória. E o mesmo se diga com relação aos PROCON´s. Ou seja: a lista negra de número de reclamações, longe de ser um troféu honroso, consubstancia-se em falha dos próprios fornecedores em se adaptarem ás diretrizes e epistemologia do Código de Defesa do Consumidor (HARMONIZAÇÃO DE INTERESSES, ACIMA DE TUDO).


Daí porque darmos importância vital ás atividades dos fornecedores no que tange ao recall, aos serviços de atendimento ao consumidor, à convenção coletiva de consumo, à autorregulação. Se não, vejamos.


7.1 O recall


O termo recall, da língua inglesa, pode ser traduzida literalmente como chamar de volta ou, mais apropriadamente, convocar, chamar, no jargão de marketing e de relações de consumo. Sua origem, todavia, e nesse sentido semântico, é política, consistente no instituto vigente em alguns países, como os Estados Unidos da América e a Venezuela, mediante o qual os políticos eleitos, caso não venham a corresponder aos anseios dos eleitores, podem ter seus mandatos cassados por um referendo revogatório. Ou, em última análise, chamados de volta — para o lugar de onde nunca deveriam ter saído, eis o sentido do termo!


Mesmo antes do nosso Código de Defesa do Consumidor, a indústria automobilística, principalmente, já vinha praticando esse salutar procedimento.


Ou seja: chamando os adquirentes de veículos que apresentem algum defeito ou vício de fabricação, disso resultando na troca de componentes com aquelas anomalias.


Neste passo lembraríamos que, enquanto que para o Código Civil tanto o defeito como o vício continuam englobados no instituto dos chamados vícios redibitórios, no Código do Consumidor são conceitos diversos, a saber: enquanto que o vício consiste em alguma anomalia presente em um produto ou serviço, que os torne inadequado ao uso ou finalidade a que se destinam, o defeito é também uma anomalia, mas de tal ordem, que torna os mesmos produto ou serviço perigosos à incolumidade física ou à saúde do consumidor ou mesmo de terceiros alheios à relação de consumo.


Como exemplos, no primeiro caso, poderíamos citar um limpador de pára-brisa cujo temporizador não funciona a contento; ou, então, um produto eletrônico que não reproduz imagem e/ou som esperados.


Já no segundo, teríamos a peça defeituosa de um veículo, podendo causar acidentes de conseqüências imprevisíveis ou, então, um medicamento cujo fator risco é bem maior do que o fator benefício. Vê-se, por conseguinte, que o instituto do recall é de cunho eminentemente preventivo, no sentido de evitar os chamados acidentes de consumo e, ao mesmo tempo, poderoso instrumento de marketing positivo para as empresas que o praticam, sobretudo de forma espontânea.


Ou seja, independentemente de provocação por consumidores ou seus órgãos e entidades de proteção e defesa. Com efeito, conforme prevê o art. 10, caput, do Código de Defesa do Consumidor, “o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”. E seus três parágrafos complementam essa norma de precaução, asseverando que: “o fornecedor de produtos ou serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários”  (§ 1º); por outro lado, “os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço” (§ 2º); e, por fim, “sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito” § 3º). Conquanto a norma fosse clara, era mister que uma outra, complementar, explicitasse como fazer os referidos anúncios, em que proporção, periodicidade e outros pormenores ou particularidades, já que cada fornecedor adotava uma prática própria, geralmente baseando-se em exemplos do exterior.


Em 24-8-2001, com efeito, sobreveio a Portaria nº 789, do Ministério da Justiça, com vistas à  regulamentação, “no âmbito do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC, do procedimento de chamamento dos consumidores, previsto pelo artigo 10, §1º, da Lei nº 8.078/90, conhecido como recall,que possibilite o acompanhamento pelos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC e pela sociedade, deste procedimento”[51]. Referido instrumento, para o bem de consumidores e também dos fornecedores tem sido cada vez mais utilizado e, juntamente com os Serviços de Atendimento aos Consumidores, podem constituir-se em potente instrumento de prevenção e resolução alternativa de conflitos surgidos das relações de consumo.


7.2 Os serviços de atendimento ao consumidor (SAC´s)


“Vou estar passando a ligação para a supervisão! Não desligue, sua ligação é muito importante para nós! Para produtos, digite 01; para serviços, digite 02; para reparos, digite 03; para elogios, digite 04; para falar com um de nossos atendentes, digite 05; nossos atendentes estão todos ocupados; permaneça na linha para ser atendido, ou então chame novamente!” Quantos de nós já não se depararam com essas irritantes frases prontas e de efeito duvidoso?


Ao lado de outras técnicas de marketing, os chamados SAC´s – Serviços de Atendimento ao Consumidor, se revestem de vital importância para a (1) boa imagem das empresas, além da (2) fidelização de seus consumidores.


Como se sabe, a relação consumidor-fornecedor não termina com a entrega do produto comprado ou execução do serviço contratado. Esse relacionamento continua na fase pós-venda ou pós-contratação, sobretudo, quando se cuidam de vícios ou defeitos presentes nos produtos e serviços.


Desta forma, é mais do que conveniente e desejável, que cada fornecedor tenha esse serviço DE MELHOR NÍVEL POSSÍVEL que, aliás, não serve apenas para reclamações, mas também para que ele, consumidor, dê sugestões ao próprio fornecedor sobre a melhoria e qualidade de seus produtos ou serviços.


Assim como o recall, essas verdadeiras ouvidorias privadas, passaram a ser ativadas pelos fornecedores, de modo geral, de (1) forma empírica, em princípio, e, com o (2) desenvolvimento da informática, de forma mais sofisticada e, principalmente, impessoal: quer por intermédio de seus próprios meios, quer por via de empresas terceirizadas de call centers, telemarketing etc.


AUTORREGULAMENTAÇÃO O SAC do SAC!As reclamações têm sido de tal ordem, entretanto, que as próprias empresas envolvidas nessas atividades, mediante sua associação, a ABRAREC – Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente, instituiu, sponte propria, sua própria ouvidoria, chamada de probare (www.probare.org), cuja principal missão é constatar falhas do sistema e encaminhar soluções para coibir e evitar o mal atendimento aos consumidores, numa verdadeira ação de autorregulamentação dessa atividade. 


LINHAS MESTRAS DA REGULAMENTAÇÃOEm março de 2008, o DPDC – Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça, disponibilizou para discussão projeto de regulamentação dessa atividade e, especificamente, para as áreas das telefonias fixa e móvel, internet, TV a cabo, bancos comerciais, cartões de crédito e aviação civil.


Referido projeto, sob a rubrica de Propostas do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor para Melhoria da Qualidade dos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SAC), prevê os seguintes princípios: a) definição de atividades a elas sujeitas: informação, reclamação, cancelamento de contratos e solicitação da suspensão ou cancelamento de serviços; b) acessibilidade e gratuidadeo SAC deve garantir o contato direto com o atendente como primeira opção do menu eletrônico, e não o último; c) qualidade no atendimento – o SAC deve obedecer aos princípios da transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade; d) acompanhamento das demandas ou solicitações o fornecedor deverá viabilizar o acompanhamento de todas as demandas por meio de um registro numérico, a ser informado ao consumidor no início do contato telefônico, independentemente de saber o que o consumidor irá solicitar, seja pedido de informação, reclamação, rescisão de contrato ou qualquer outra manifestação; e) resolução de demandasas demandas cós consumidores, incluindo informações e reclamações, devem ser resolvidas pelo fornecedor imediatamente; f) cancelamento – o SAC deve receber e processar imediatamente o pedido de cancelamento do consumidor.


Desta forma, era de se esperar que, sem prejuízo do bom trabalho que já tem sido desempenhado pelo Probare, o Poder Público adotasse medidas com vistas a propiciar ao consumidor um atendimento de seus reclamos mais célere e eficaz, não apenas no seu interesse, como também no dos próprios fornecedores, que podem ter sua imagem comprometida pelas delongas das chamadas de call centers e conseqüente perda de confiança e, consequentemente, de lucros! Por isso é que iniciativas como essas devem merecer o apoio de todos, sem distinção.


Finalmente, em 31 de julho de 2008, o governo federal, à guisa de “regulamentar” o Código de Defesa do Consumidor, editou decreto a respeito dessa questão (cf. Decreto Federal nº 6.523, de 31-7-2008).


7.3 A convenção coletiva de consumo


Uma das atividades previstas pelo Código de Defesa do Consumidor, de iniciativa empresarial e associativo/empresarial,, são as chamadas convenções coletivas de consumo,  previstas pelo art. 107 do Código de Defesa do Consumidor.


Embora se cuide de um instrumento importantíssimo, no que concerne ao pragmatismo e, sobretudo, à prevenção de conflitos de relações de consumo, lamentavelmente tem sido pouquíssimo, ou quase nada utilizado. 


 Com efeito, dispõe o referido art. 107 que: “As entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica podem regular, por convenção escrita, relações de consumo que tenham por objeto estabelecer condições relativas ao preço, à qualidade, à quantidade, à garantia e características de produtos e serviços, bem como à reclamação e composição do conflito de consumo”.


Seus três parágrafos, outrossim, estabelecem os requisitos para que se dêem: “1º – A convenção tornar-se-á obrigatória a partir do registro do instrumento no cartório de títulos e documentos; § 2º – A convenção somente obrigará os filiados às entidades signatárias; § 3º – Não se exime de cumprir a convenção o fornecedor que se desligar em data posterior ao registro do instrumento”.


Esse importante instrumento foi claramente inspirado nas chamadas convenções das categorias econômicas e convenções de marca, instituídas pela chamada Lei das Concessionárias de Automóveis, ou Lei Ferrari[52]


A ideia dos redatores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor foi exatamente a de dotar as entidades que o representam, de um lado, e as que assumem responsabilidade pelos fornecedores, de poderes no sentido de convencionarem questões, sobretudo polêmicas, advindas das relações de consumo, por analogia com a lei das concessionárias de automóveis.


Tome-se o exemplo da chamada obsolescência de produtos de consumo duráveis, notadamente os produtos eletrodomésticos e eletroeletrônicos.


O art. 32 do Código do Consumidor diz, por exemplo, que “os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto.” E seu parágrafo único complementa essa ordem de idéias, estabelecendo que “cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei”.


Ora, mas que período razoável é esse, quando não houver leis específicas — em sentido lato (e.g., normas técnicas) são bastante escassas, no que diz respeito, por exemplo, à durabilidade mínima de uma lâmpada elétrica ( “x” horas) —?


Ou seja, e mais claramente: qual é a vida útil de um automóvel? De um refrigerador? De um aparelho de ar condicionado? De um computador, componentes e periféricos?


O período razoável, por conseguinte, poderia perfeitamente ser cuidado em cláusula de convenção coletiva de consumo, já que o dispositivo do Código de Defesa do Consumidor é bem mais restritivo do que a lei de concessionárias. Isto é, a convenção somente pode dizer respeito a condições relativas a: a) preço; b) qualidade; c) quantidade; d) garantia e características; e) reclamações; e f) composição de conflitos de interesses, mediante, em última análise, recurso ao juízo arbitral, tal qual a referida lei de concessionárias de veículos.


Observe-se, também que o referido dispositivo consumerista reza que somente as entidades civis de consumidoresexcluídas, por conseguinte, os órgãos públicos congêneres que já têm a prerrogativa de firmarem o compromisso de ajustamento de conduta, ex vi do disposto no art. 113 do Código de Defesa do Consumidor, que acrescentou um § 6º ao art. 5º da Lei nº 7.347/1985, a saber: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromissos de ajustamento de sua conduta ás exigências legais, mediante combinações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”—, é que poderão participar das convenções coletivas de consumo. E, do outro lado, da parte dos fornecedores, as associações terão legitimidade as suas associações ou sindicatos de categoria econômica respectiva.O requisito, por outro lado, do registro da convenção tem o fito de torná-la obrigatória e pública. Importante ainda salientar, que referida convenção tutela interesses manifestamente coletivos, stricto sensu, na medida em que somente obrigará os filiados às entidades signatárias. Ou, na linguagem do próprio código, quanto aos efeitos da coisa julgada coletiva, a avença ou convenção terá efeitos ultra partes, e não erga omnes.


Relevante salientar, por outro lado, que conforme o dispositivo sob comento, o fornecedor que se desligar da entidade em data posterior ao registro do instrumento, não se eximirá de cumprir a convenção.


Entretanto, conforme já salientado, cuida-se de instrumento relevante mas pouquíssimo utilizado.


7.4 A autorregulação e o  juízo arbitral


Ainda dentro da perspectiva de resolução dos conflitos nascidos das relações de consumo por instrumentos alternativos, seja-nos permitido referir-nos, ainda que rapidamente, às chamadas autorregulações ou autorregulamentações, de um lado, e o juízo arbitral, de outro.


Entende-se por autorregulação ou autorregulamentação a instituição, pelos próprios fornecedores de produtos e serviços, ou então, pelas entidades que os representam, de verdadeiros códigos de ética, mediante os quais se estabelecem firmes propósitos no sentido se resolverem as pendências entre os primeiros e seus consumidores, mediante, inclusive, a aplicação de censuras ou outras formas de sanção aos que os descumprirem.


Quer-nos parecer, com efeito, que o código de autorregulação mais antigo e bem sucedido no universo brasileiro seja o do CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária.[53]


Com efeito, congregando todos os atores da arte publicitária comercial — anunciantes, agentes e veículos de comunicação de massa —, dedica-se o CONAR a ações de ofício ou mediante provocação de interessados, com vistas à análise e julgamento de peças publicitárias consideradas abusivas ou enganosas.


Suas sanções, embora de cunho moral — advertência ou admoestação pública do infrator caso se recuse a retificar a peça publicitária enganosa ou abusiva —, tem alto índice de acatamento e raramente são aplicadas.


No mês de maio de 2010, apresentamos, na qualidade de consultor especialista da ABINEE – Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, pioneiro Código de Autorregulação de Telefones Celulares. Ou seja, reconhecendo-se, de um lado, o vertiginoso crescimento dessa indústria em decorrência do notório e rápido progresso tecnológico do ramo das comunicações, bem como, e com toda franqueza, o significativo passivo de reclamações junto aos órgãos de proteção e defesa do consumidor, as principais indústrias, deixando de lado a frenética concorrência entre si, acordaram em determinar pressupostos éticos básicos e fundamentais, além de procedimentos céleres e mais eficientes, com vistas a dar cobro aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, designadamente o artigo 18 que, como se sabe, cuida da questão dos vícios de produtos colocados no mercado de consumo.


Cuida-se, portanto, de mais um caminho na tentativa de se prevenirem e, ao mesmo tempo, se solucionarem as pendências entre consumidores e seus fornecedores.


No que concerne ao juízo arbitral, já existente entre nós no vigente Código de Processo Civil, mas muito pouco utilizado, foi revigorado e aprimorado pela Lei Federal nº 9.307, de 1996.Visa, em apertada síntese, submeter pendências de qualquer natureza, ressalvadas as relativas às questões de estado civil e às de interesse dos poderes públicos, a um juízo leigo, evitando-se, destarte, sua submissão aos órgãos do judiciário.


O que se tem visto, entretanto, é a instituição de juízos ou câmaras de arbitragem no âmbito das entidades sindicais patronais e representativas de comércio entre os diversos países, com vistas à resolução de grandes conflitos de cunho comercial, entre partes economicamente poderosas.


No âmbito dos conflitos de consumo, entretanto, em que assume papel de relevo a natural vulnerabilidade de uma das personagens do litígio, pare-nos inviável a instauração de juízos arbitrais, Isto porque, em primeiro lugar, dificilmente se encontrarão árbitros imparciais e dispostos o suficiente para aceitarem a resolução de conflitos de pequeno valor. Em segundo lugar, sabendo-se que a cláusula arbitral deve ser expressamente acordada pelas partes contratantes, esbarra-se na cláusula abusiva, em tese, prevista pelo inciso VII do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual, assim se reputam, as cláusulas que “determinem a utilização compulsória de arbitragem”.


Daí porque, em artigo que escrevemos tão logo a referida lei foi promulgada[54], após analisarmos suas linhas gerais, méritos e dificuldades, concluímos que somente seria viável a instituição desse instrumento alternativo de solução de conflitos de consumo se: a) os consumidores pudessem optar, livremente, mediante pacto adjeto e destacado do contrato principal, por esse tipo de resolução de conflitos; b) referidos conflitos fossem julgados por uma câmara arbitral, formada por um representante de um órgão público de proteção e defesa do consumidor, por alguém representante dos fornecedores, e por um terceiro neutro.


Talvez por essas e outras dificuldades, não se tem notícia de sua instituição nessas questões advindas de relações de consumo.


8. As agências reguladoras de serviços públicos sob regime de concessão ou permissão


Embora o Código de Defesa do Consumidor não tenha previsto a instituição das agências reguladoras das atividades consistentes na prestação dos chamados serviços públicos essenciais, resta evidente que sua tutela foi expressamente prevista, mais particularmente em seu artigo 22 e parágrafo, e antes mesmo de sua edição, cuida-se de matéria prevista também de maneira explícita pela Constituição de 1988.


Com efeito, conforme estatuído pelo art. 175 da Constituição Federal,  incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.   


E seu parágrafo único acentua que “A lei disporá sobre: Io regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; IIos direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado”.


E, no que tange ao regime de concessão, a Lei Federal nº 8.987, de 13-2-1995, dispôs de forma geral sobre ele, bem como da concessão e permissão da prestação dos mencionados serviços públicos.  


Tanto no referido art. 175 da Constituição Federal, como também na Lei Federal nº 8.987/95, revelam-se como preocupação central a adequação e a modicidade das tarifas. Assim, dispõe o art. 6º da lei básica das concessões retro citada que “toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato”.


É nesse sentido, aliás, o disposto no art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual: “Órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.


O § 1º do mencionado art. 6º da Lei nº 8.987/1995, a seu turno, define o que vem a ser serviço adequado, a saber: § 6º – Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação, e modicidade das tarifas”.


Também é de grande interesse para a defesa do consumidor o Capítulo IV da Lei nº 8.987/1995, que cuida da Política Tarifária, dispondo seu art. 9º o seguinte: “A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato. § 1º – A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior. § 2º – Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro. § 3º – Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menor, conforme o caso. § 4º– Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração. Art. 10 – Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro. Art. 11 – No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. Parágrafo único – As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Art. 13 – As tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários.”.


Finalmente, de interesse à abordagem da presente exposição, o Capítulo IX da lei em foco, que cuida da Intervenção do Poder Concedente. Seu art. 32, com efeito, dispõe que: “O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes. Parágrafo único – A intervenção far-se-á por decreto do poder concedente, que conterá a designação do interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida. Art. 33 – Declarada a intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de 30 (trinta) dias, instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar  responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa”.


Para garantir esses preceitos, e, principalmente, a tutela dos interesses dos usuários — consumidores — é que foram instituídas as agências reguladoras, tais como a ANEEL, para energia elétrica, a ANATEL, para as telecomunicações, a ANP, para os produtos derivados do petróleo a ANAC, para o setor aéreo etc.


Tudo isso está a demonstrar que as agências reguladoras se constituem em verdadeiros órgãos de polícia administrativa  com relação às atividades que supervisionam, isto na própria acepção do artigo 78 do Código Tributário Nacional[55].


A grande questão, todavia, é saber-se até que ponto elas efetivamente cumprem a sua missão institucional, além de prover, pura e simplesmente, o asseguramento do equilíbrio econômico-financeiro das empresas concessionárias e permissionárias.


Em 2003 o IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor promoveu a pesquisa para aferir-se, mediante a atribuição de notas de zero a dez, o desempenho das principais agências reguladoras, chegando-se ao seguinte resultado, em síntese[56]: ANATEL – 4,6 (ruim); ANVISA 5,6 (regular); ANEEL 5,8 (regular); BACEN 2,6 (muito ruim); ANS 2,7 (muito ruim); INMETRO 5,1 (regular); Secretaria de Defesa Agropecuária 2,9 (muito ruim). Isto sem se falar no notório apagão da aviação brasileira, ocorrida em 2007, e ante, do apagão de energia elétrica, em 2001.


Seria o caso de se fazer nova avaliação para saber a quantas andam as suas atividades.


Entretanto, um dado recente vem a demonstrar que a ANEEL muito pouco parece ter evoluído, porquanto adotou atitude manifestamente ambígua com relação a análise do TCU- Tribunal de Contas da União, que denunciou um lucro excessivo de cerca de um bilhão de reais/mês, desde os contratos iniciais de concessão dos serviços de distribuição de energia elétrica.


Em decorrência do erro apontado, a ANEEL aprovou um termo aditivo aos contratos de concessão que corrige tal distorção, mas sua assinatura não é obrigatória para a distribuição[57]. Reportagem do jornal Folha de S. Paulo, com efeito, diz que “a adesão pode ser feita a qualquer momento”, e que “não haverá punição para as distribuidoras de energia que não aderirem ao ermos aditivo”. Explica-se, mas nem tanto: “Da forma como estavam redigidos os contratos, o reajuste concedido anualmente fazia com que as distribuidoras incorporassem os ganhos que tinham com o crescimento de seu mercado, sem reparti-los com o consumidor. O aditivo elimina essa possibilidade (…) A mudança no contrato não dá direito aos consumidores de reaverem o que já foi pago a mais nos últimos anos. O erro existe desde a assinatura dos contratos de concessão, em meados dos anos 1990, mas tinha pouco impacto na tarifa”.


Ora, nunca se viu tamanho absurdo já que, se houve um erro, evidentemente que houve prejuízo que não apenas tem de ser corrigido, como também indenizados todos nós, afinal de contas, consumidores lesados pelo pagamento a maior.


Aliás, a referida conduta dos responsáveis por tamanho disparate não apenas devem ressarcir os lesados, como também serem investigados pela prática, em tese, de delito contra a ordem econômica, conforme estatuído pela Lei nº 8.137, de 1990, a saber:Art. 6º, II: “aplicar fórmula de reajustamento de preços ou indexação do contrato proibida, ou diversa daquela que for legalmente estabelecida, ou fixada por autoridade competente – Pena: detenção de 1 a 4 anos ou multa”.


Muito embora tenha havido protestos na imprensa e pelos órgãos específicos de proteção e defesa do consumidor e Ministérios Públicos, a PRO TESTE – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor foi a única a intentar medida judicial a respeito[58].


9. Conclusões.


9.1 Decorridos 20 anos da sanção do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (i.e., 11-9-1990),  pode-se dizer que mesmo antes disso a defesa e proteção do consumidor já se dava, mas de forma ainda empírica, ou seja: dada a existência de um verdadeiro cipoal de normas de vários matizes, sua aplicação a casos concretos apreciados pelos diversos órgãos e entidades que se dedicam a esse campo e a doutrina era extremamente escassa.


 9.2 Hoje, de acordo com uma pesquisa realizada, pelo menos 46% das pessoas ouvidas disse conhecer e ter-se valido do Código de Defesa do Consumidor; por outro lado, no meio acadêmico, centenas ou quiçá milhares de trabalhos (de conclusão de cursos de direito, dissertações, teses, artigos e ensaios) têm sido realizados a respeito do mesmo, comprovando-se o cientificismo do consumerismo; todavia, em termos de educação e informação dos cidadãos, é mister que se invista em meios de educação formal (escolas desde o ensino fundamental) e se incentivem os meios de comunicação de massa no que toda à informação.


9.3 Aos problemas atualmente  diagnosticados e enfrentados pelos agentes de proteção e defesa do consumidor (superendividamento, alimentos transgênicos, comércio por meio eletrônico, consumo sustentável), há ainda o enfrentamento dos que já haviam sido previstos há mais de 20 anos (planos de saúde, contratos bancários, informatização, cartões de crédito, telefonia celular e fixa, serviços públicos, alimentos).


9.4. Apesar disso, contudo, o Código de Defesa do Consumidor continua tão atual quanto há 20 anos atrás, porquanto aqui se cuida muito mais de uma lei principiológica, inter e multidisciplinar; recentes modificações foram meramente cosméticas e inócuas, não estando a demandar, portanto, qualquer modificação.


9.5 O superendividamento, conquanto seja uma questão relevante, não está a ensejar a edição de uma lei específica, até porque o próprio Código do Consumidor já prevê questões que envolvem a oferta e a publicidade, aí incluída, obviamente, a de crédito, salvaguardas contratuais (em face de práticas comerciais e cláusulas contratuais abusivas), bem como mecanismos de tutela (revisão contratual e declaração de nulidade de cláusulas contratuais abusivas); além disso há, no Código de Processo Civil, procedimento próprio para a declaração de insolvência, que traz instrumentos adequados, inclusive, para a conciliação entre credores e o devedor insolvente; o que falta é vontade político-judiciária no sentido de preparar magistrados, defensores públicos, membros do Ministério Público, advogados e outros operadores do Direito, no sentido de procederem a atividades de conciliação, sobretudo nos juizados especiais de pequenas causas; há, por fim, instrumentos judiciais de adequação de cobranças abusivas previstas em medida provisória, que modificou preceitos da antiga lei de crimes contra a economia popular.


9.6 Os chamados alimentos transgênicos podem representar potenciais danos tanto ao meio ambiente quanto à saúde humana, donde se exigir de seus pesquisadores e fornecedores que obedeçam aos chamado princípio da precaução, ou seja, testando os produtos decorrentes de alteração genética e prevenindo os mesmos danos.


9.7 O comércio por meio eletrônico é uma maneira diversa de contratação e, embora possa merecer uma disciplina específica, designadamente no que diz respeito a formas seguras de manifestação de vontade dos contratantes, sua assinatura eletrônica, não é diferente de outros meios de contratação, até porque se enquadra perfeitamente em contratação feita fora do estabelecimento comercia do fornecedor.


9.8  O consumo sustentável  é o outro lado de moeda do desenvolvimento sustentável; ou seja, parte-se da premissa de que enquanto que as necessidades do ser humano são infinitas, os recursos naturais são finitos; cuida-se, por conseguinte, de se encontrar o ponto de equilíbrio no sentido de prover às necessidades das atuais gerações, mas com o cuidado de se preservarem recursos para as futuras gerações, mediante, sobretudo, do lado do consumidor, de atitudes que levem á redução de consumo, reutilização dos produtos e reciclagem de seus resíduos.


9.9 Um dos grandes princípios do art. 4º do Código do Consumidor é a harmonização dos interesses entre consumidores e fornecedores; disso resulta, antes de uma atitude de confronto e conflito, a adoção de instrumentos preventivos desses conflitos (e.g., o recall, os S.A.C.´s, as convenções coletivas de consumo, estas pouquíssimo utilizadas), bem como instrumentos alternativos de sua solução (autorregulação das atividades dos fornecedores, câmaras de conciliação em sede de entidades representativas de fornecedores e/ou consumidores).


9.10 Tão importantes quanto os princípios elencados pelo Código do Consumidor são os instrumentos para a implementação da política nacional de relações de consumo: as defensorias públicas (mas ainda em reduzido número, sobretudo no Estado de São Paulo), que devem prestar assistência jurídica, e não apenas judiciária (i.e., no estar em juízo) ao consumidor carente; as promotorias de justiça especializadas (em número já razoável mas que devem se ater aos planos de atuação anuais e programas internos, sob pena de desperdício de recursos); as delegacias de polícia especializadas (também em número razoável pelo país, tendo o Estado de S. Paulo recriado o antigo DECON com nova denominação, o DPPC), com missão não apenas investigativa, como também de tentativa de conciliações de interesses entre fornecedores e consumidores, em cidades pequenas não dotadas de PROCON e/ou promotorias de justiça; juizados especiais de pequenas causas cíveis (em número ainda inexpressivo, principalmente no Estado de S. Paulo, e cuja característica principal, qual seja, a presteza, não tem sido observada, levando-se quase um ano para designação da audiência de tentativa de conciliação); com relação a varas especializadas, existem em algumas unidades da federação; em S. Paulo, tendo sido criadas em 1994, foram transformadas em varas cíveis comuns, em 2000, perdendo-se excelente oportunidade de especialização (não apenas na área do consumidor, como também na ambiental, urbanística e outros interesses difusos e coletivos).


9.11 Com relação aos PROCON´s e entidades não-governamentais de proteção e defesa do consumidor, compete-lhes a orientação dos consumidores quanto aos seus direitos, os diversos produtos e serviços colocados no mercado, e ao atendimento de suas reclamações; com o Código do Consumidor passaram a ter também legitimação para a propositura de ações coletivas; cabe aos PROCON´s, ainda, a tarefa de polícia administrativa das relações de consumo, nos termos do decreto federal nº 2.181/1997.


9.12 Em complementação à conclusão anterior, entretanto, é de se ponderar que, em decorrência de uma falta de coordenação e distribuição de atribuições entre os diversos órgãos de defesa do consumidor bem como dos ministérios públicos, têm havido não raramente superposições dessas atribuições, como na instauração de procedimentos fiscais, inquéritos civis e ações coletivas, do que resultam não apenas desgastes e prejuízos injustos aos investigados e réus, como também decréscimo de credibilidade dos órgãos fiscalizadores, investigadores e autores de ações coletivas.


9.13 É de todo desejável, por conseguinte, que haja uma melhor coordenação e troca de informações entre os referidos órgãos e instituições, para que se racionalizem melhor seus recursos e esforços em prol do consumidor; insta igualmente haver a fixação de prioridades como no caso dos chamados planos de atuação anuais dos Ministério Públicos; sugere-se a análise de questões que envolvem relações de consumo relativamente aos macrotemas como: a) saúde; b) segurança: c) quantidade; d) qualidade: e) oferta e publicidade; f) práticas abusivas; g) cláusulas contratuais abusivas.


 9.14 E nesse sentido, deve-se restabelecer o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, como órgão consultivo e deliberativo, e que venha a coordenar as atividades de todos os entes, órgãos e instituições envolvidos com essa temática de proteção e defesa do consumidor.


9.15 As agências reguladoras, instituídas para disciplinar as atividades das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos essenciais, inclusive no que toca aos respectivos contratos, garantindo o equilíbrio econômico-financeiro das concessões e permissões, devem, contudo, ter mais atenção a um dever básico e constitucional, qual seja, garantir o direito dos usuários (i.e., consumidores), inclusive no que toca à modicidade das tarifas e à qualidade e adequação dos serviços prestados; contudo, conforme pesquisas realizadas pelos órgãos específicos de defesa e proteção ao consumidor, têm deixado muito a desejar nesse segundo mister.




Notas

[1] Lei nº 8.078, de 11-9-1990.

[2] Art. 175 – Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor: I – vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; II – entregando uma mercadoria por outra: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.

[3] Cf., nesse sentido, a volumosa obra de compilação legislativa, em 4 volumes, intitulada Relações de Consumo, do Prof. Luiz Amaral, editada pelo Ministério da Indústria e Comércio, em conjunto com a Fundação Senador Petrônio Portella, Brasília, 1983,

[4] Para outros detalhes, consulte-se nosso Manual de Direitos do Consumidor, Atlas, S.P., 10ª edição, pág. 127 e ss.

[5] Extinto em 1999, o DECON foi recriado, com nova denominação, agora DPPC – Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania, mediante o Decreto Estadual nº 54.359, de 20-5-2009.

[6] Para maiores detalhes, confira-se nosso artigo Ação Civil Pública Consumerista, obra coletiva coordenada por Édis Milaré, Editora Revista dos Tribunais, S.P., 2010.

[7] Cf.. os arts. 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor.

[8] Cf., por exemplo, dois livretos destinados a crianças e adolescentes: a) Pequenos Consumidores: CDC para crianças, de Eunice Dias Casagrande, editado pelo PROCON de Porto Alegre, R.S., 2010, no Projeto “Educação para o consumo”. B) Manual do Jovem Consumidor, editado pelo PROCON estadual de São Paulo, 2010, no Projeto “Observatório Social das Relações de Consumo”. No âmbito dos Cursos de Direito, não há um levantamento preciso do número em que a disciplina Direito do Consumidor ou Direito das Relações de Consumo é ministrada na grade curricular obrigatória. Quanto a figurar como disciplina optativa, destacamos, no Estado de São Paulo, os da Pontifícia Universidade Católica da Capital, hoje obrigatória, e da Universidade de São Paulo, até o presente, porém, introjetado como optativa nos Cursos de Direito Civil e Empresarial. Todavia podemos desde salientar que o do UNIFJU – Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, passou a obrigatória em 1998, sob nossa regência, ao lado de Direito Ambiental,conforme projeto pedagógico elaborado em 1993. Também no curso que coordenamos na UMC – Universidade de Mogi das Cruzes, campus da Capital de São Paulo (2004-2007), figurou como disciplina obrigatória, juntamente com Direito Ambiental, em semestres autônomos, entretanto.

[9] Fonte: jornal Folha de S. Paulo, edição de 1º-7-2009, p. A-4).

[10] Departamento de Publicações da Associação Paulista do Ministério Público, São Paulo, abril de 1985.

[11][11] Curadoria de Proteção ao Consumidor: aspectos gerais, práticos e ação civil pública, Departamento de Publicações da Associação Paulista do Ministério Público, São Paulo, setembro de 1987.

[12] Respectivamente: A Proteção do Consumidor: importante capítulo do direito econômico,Revista de Direito Mercantil, São Paulo, nªs. 15 e 16, ano XIII, 1974; Tutela do Consumidor na Jurisprudência e de lege ferenda, Revista de Direito Mercantil, Nova Série, Ano XVII, nº 49, 1983; Proteção ao Consumidor: seus problemas e dificuldades, iniciativas na área privada oficializada do movimento pelo governo, Escola Superior de Guerra, Trabalho Especial, TE 87, Tema 21, 1987; Editora Forense, Rio de Janeiro, 1977.

[13] The Future of Consumeris”, coletânea de artigos coordenados por Paul N. Bloom, da Universidade da Carolina do Norte, e Ruth Belk Smith, da Universidade de Baltimore, ambas dos EUA, e publicada em 1986 pela Lexington Books, com tradução do autor deste ensaio.

[14] Coube ao Presidente Gerald Ford adicionar um quinto direito, ou seja, “à educação”. Já ao Prof. E. Scott Maynes, lembrou os direitos de representação e participação em organismos de elaboração de políticas, que entende diferente do “direito de ser ouvido” , eis que utilizado mais para o setor privado. E, finalmente os direitos de reclamação e recursos ao judiciário (obra citada, p. 38

[15] Destaques nossos em negrito.

[16] Destaques, idem.

[17] “Fundação Procon divulga ranking de empresas que mais geraram reclamação em 2009 em SP – Campeães de reclamações – Total de queixas – 1ª Telefônica (15.337); 2ª Itaú (1.410); 3ª Eletropaulo Metropolitana (1.340); 4ª Sony Ericsson (1.228); 5ª TIM Celular (1.112); 6ª Claro (906); 7ª Bradesco (853); 8ª Unibanco (848); 9ª Banco IBI-C&A (738); 10ª Embratel (695); 11ª Oi Celular (639); 12ª Panamericano (620); 13ª Citicard (525); 14ª Nokia do Brasil Tecnologia Ltda. (461; 15ª Carrefour (444)” – Fonte: jornal Folha de S. Paulo, fevereiro de 2010; para maiores informações site da Fundação PROCON-SP www. Procon.sp.gov.br.

[18] Destaques nossos em negrito.

[19] Atualmente, conforme esclarecido pelo Dr. Ricardo Morishita, Diretor do DPDC-Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, em painel de debates de que participamos, exatamente sobre o tema deste trabalho, em evento patrocinado pelo PROCON de São Paulo, em 27-5-2010, haveria por volta de 200 projetos de lei nesse sentido.

[20] Proteção ao Consumidor, Rio de Janeiro: Forense, 1977.

[21] Cfr. Nosso Manual de Direitos do Consumidor:São Paulo.Atlas, 8ª edição.

[22] Destaques nossos em negrito e itálico.

[23] A propósito, cf. reportagem do jornal Folha de S. Paulo, caderno Mercado, de 24-5-2010, págs. B-1 e B-5: Bancos ampliam presença em favelas – Com renda em alta e desemprego em queda, estratégia é se aproximar de pessoas co menor poder aquisitivo. Santander planeja abrir unidade no Complexo do Alemão (RJ), e o Bradesco, dois pontos em Paraisópolis (SP) (…) Consumidor quadruplica renda com crédito fácil. Especialistas alertam para uso equivocado de linhas com juros elevados. Percentual de famílias usam o cartão de crédito sobe de 69,8% em abril para 71,2% neste mês. Antes era preciso conversar com o gerente, esperar dias pela análise de crédito e ainda correr o risco de ter o pedido negado. Com o cenário econômico favorável, tomar um empréstimo ficou mais fácil. Dados obtidos com as instituições financeiras e com correntistas mostram que os clientes conseguem pelo menos quadruplicar sua renda nos cinco maiores bancos, considerando empréstimos no cheque especial, no crédito pessoal e no cartão de crédito, que podem ser retirados em caixas eletrônicos. Nilton Pelegrino, diretor de empréstimos do Bradesco, faz um alerta e compara a importância do crédito ao sangue para o ser humano. ´Se for dado um litro a mais, mata o cliente´ (…) “Facilidade de crédito pode virar dor de cabeça – Solução para alguns, dor de cabeça para outros. A facilidade para tomar empréstimos alterou o orçamento da coordenadora financeira Cássia Bastos, 35, e da supervisora de recuperação de crédito Suelen da Silva, 21, de formas opostas. ´Já usei o crédito pré-aprovado várias vezes. Em uma emergência, você não tem de onde tira ro dinheiro´, conta Cássia. ´Mas sempre dei um jeito de economizar e quitar as parcelas antes, porque isso barateia o empréstimo´. Para Suelen, porém, o financiamento acabou gerando problemas sérios. ´Peguei um empréstimo de R$ 1.200 para quitar dívidas em cartões de crédito. Não quitei nenhuma e ainda acabei com mais um débito´, diz ela, que perdeu o emprego logo depois.. Sem pagar as parcelas por um ano, Suelen acabou com uma dívida de R$ 5.000. ´Eu não sabia que isso podia crescer tanto´. O débito acabou sendo renegociado e ficou em R$ 3.500,00´”.  

[24] Superendividamento – A Proteção do Consumidor de Crédito em Direito Comparado Brasileiro e Francês, Editora Revista dos Tribunais, S.P., 2002.

[25] Cf. artigos 759 a 785 do Código de Processo Civil.

[26] Cf. Mercosul e o Desafio do Superedividamento, Clarissa Costa de Lima, Revista Direito do Consumidor nº 73, janeiro/março de 2010, págs. 11-50. O art. 1.040-A da Consolidação Normativa Judicial do Estado do Rio Grande do Sul, de 2006, dispõe que: “Nas hipóteses de superendividamento, resta possibilitada a promoção da fase de conciliação prévia ao processo judicial, instaurando-se situação de concurso de credores, mediante remessa de carta-convite aos credores declarados, por interesse da parte devedora, para a composição das dívidas civis. § 1º – A decisão judicial de homologação da conciliação obtida em audiência designada para esta finalidade terá força de título judicial executivo independentemente  da representação das partes por advogados. § 2º – A ausência de conciliação no feito não importará em reconhecimento judicial de uma declaração de insolvência por parte do devedor (art. 753, II, do CPC), havendo arquivamento do expediente por simples ausência de acordo entre os interessados e registro de informações com mero caráter estatístico. § 3º – O controle estatístico dos expedientes será efetuado pro sistema informatizado, cabendo ao Poder Judiciário a gestão de tal banco de dados”.

[27] Cf. também a respeito nosso Manual de Direitos do Consumidor, Editora Atlas, S.P., 10ª edição, págs. 113-117.

[28] Prometo de conversão ainda em tramitação no Congresso Nacional.

[29] Cf. aqui, também, nosso Manual de Direitos do Consumidor, Editora Atlas, S.P., 10ª edição, págs. 102-109.

[30] Esses avisos consistem em um triângulo de cor amarela, trazendo em destaque, em negro, a letra te.

[31] Cf. aqui,igualmente, nosso Manual …, 10ª edição, págs. 110-112.

[32] Ao menos na Capital do Estado de São Paulo, não é nada animadora a disposição de lixo mormente se tendo em conta sua reciclagem. Com efeito, conforme notícia estampada no jornal Folha de S. Paulo, ed. De 29-5-2010, pág. A-1: “Coleta seletiva diminui e lixo se mistura ao comum em SP. A coleta seletiva de lixo foi reduzida na cidade de São Paulo porque as 17 cooperativas de catadores conveniadas à prefeitura não têm conseguido processar todo o material recebido. Com isso, o lixo recilcável vai para os aterros, misturado ao comum. A prefeitura diz que multará as empresas responsáveis; para estas, a culpa é da própria prefeitura, que deveria credenciar mais cooperativas”.

[33] Cfr. Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas 2009 – Relatório Analítico, do SINDEC – Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, publicado pelo Ministério da Justiça, Brasília, D.F., 2010.

[34] Cf. Cadastro de Reclamações Fundamentadas 2009-PRCON-SP, disponível no site www.procon.sp.gov.br.

[35] A atual administração do Ministério Público do Estado de São Paulo, iniciada em 2008, todavia, entendeu por bem extinguir o referido Centro de Apoio Operacional, colocando suas antigas atribuições sob coordenação de um segmento do Centro de Apoio Operacional Cível, que açambarca todas as áreas civis, ao lado de outro Centro de Apoio Operacional Criminal.

[36] Quando coordenador das Promotorias de Justiça do Consumidor do Estado de São Paulo, orientamos os Promotores de Justiça da área a focarem os seguintes macrotemas de defesa do consumidor: a) saúde; b) segurança: c) quantidade; d) qualidade: e) oferta e publicidade; f) práticas abusivas; g) cláusulas contratuais abusivas.

[37] Cf. nosso Ação Civil Pública Consumerista: conflitos de atribuições entre Ministérios Públicos, Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, vol. 84, São Paulo, p. 89-124, jul./ag. 2007. Um dos casos referiu-se à instauração de inquéritos civis sobre abusos do poder econômicos mediante representações do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, e consistentes em sonegação de medicamentos de uso contínuo, causando diversos transtornos aos seus consumidores. Como as indústrias farmacêuticas eram todas sediadas em São Paulo, parecera ao então presidente daquele conselho mais razoável que as eventuais providências fossem aqui efetivadas. Entretanto, com base em notícias publicadas nos jornais de grande circulação, também o órgão congênere do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios igualmente instaurou procedimentos civis inquisitivos. A questão foi resolvida mediante produtivo e sensato diálogo entre os colegas daquela unidade federada e nós. Entretanto, se ambos nos déssemos por legitimados, não haveria um órgão a dirimir tal conflito. Nossa tese, por conseguinte, é no sentido de que o hoje institucionalizado CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público, venha a ter essa atribuição. Até porque tanto o Superior Tribunal de Justiça, como o Supremo Tribunal Federal em outros casos concretos, têm decidido que não lhes cabe dirimir tais conflitos, que se referem a órgãos administrativos, e não conflitos de competência jurisdicional.

[38] Processo nº 583.00.2005.127347-2, 2ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, Capital.

[39] Protocolado 08012.006008/2006-56 – Nota Técnica nº 330/2006.

[40] Promotoria de Justiça de Feira de Santana.

[41] Procedimento Administrativo Preliminar nº 6.1007.000154-0.

[42] Processo nº 2005.001.153090-8, 3ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro.

[43] Juízo de Direito da 11ª Vara Cível da Comarca da Capital – Recife – Processo nº 001.2007.037270-6.

[44] Cf. nosso Manual de Direitos do Consumidor, Ed. Atlas, S.P., 10ª edição, no capítulo sobre a Tutela Penal.

[45] Por força de lei de reorganização judiciária de 1994 foram criadas cinco varas especializadas em feitos difusos e coletivos para a comarca da Capital de São Paulo, as quais jamais foram instaladas, e foram transformadas, em outra lei de reorganização judiciária, em 2000, em varas cíveis comuns.

[46] Lei Estadual nº 1.903, de 1978.

[47] Pela Lei nº 1.903, de 1978, integra o Sistema Estadual de Defesa do Consumidor, ao lado do Coonselho Estadual, que, todavia, se reuniu pela última vez em 5-5-1983. Entre 1987 e 1991 passou à órbita da hoje extinta Secretaria de Defesa do Consumidor, e, hoje, integra o organograma da Secretaria de Justiça e de Defesa da Cidadania. A Lei Estadual nº 9.192, de 1995, é que deu personalidade jurídica sob forma de fundação de direito público.

[48] Art. 105 – Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor. Art. 106 – O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da Secretaria de Direito Econômico (MJ), ou órgão federal que venha substituí-lo, é organismo de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe: I – planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção ao consumidor; II – receber, analisar,avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou sugestões apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado; III – prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos e garantias; IV – informar, conscientizar e motivar o consumidor através dos diferentes meios de comunicação; V – solicitar à política judiciária a instauração de inquérito policial para a apreciação de delito contra os consumidores, nos termos da legislação vigente; VI – representar ao Ministério Público competente para fins de adoção de medidas processuais no âmbito de suas atribuições; VII – levar ao conhecimento dos órgãos competentes as informações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos, ou individuais dos consumidores; VIII – solicitar o concurso de órgãos e entidades da União,Estados, do Distrito Federal e Municípios, bem como auxiliar a fiscalização de preços, abastecimento, quantidade e segurança de bens e serviços; IX – incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais, a formação de entidades de defesa do consumidor pela população e pelos órgãos públicos estaduais e municipais (incisos X e XI foram vetados).

[49] Cf. nosso Manual de Direitos do Consumdior, Ed. Atlas, S.P., 10ª edição, págs. 148-178.

[50] Cf. reportagem colhida do jornal Folha de S. Paulo, edição de 14-5-1010, pág. C-3.

[51] Cf. nosso Manual .., Ed. Atlas, S.P., 10ª edição, págs. 174-177.

[52] Cf.  a Lei Federal nº 6.729, de 28-11-1979, que, especificamente, “dispõe sobre a concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre”, e o nosso Manual de Direitos do Consumidor, Ed.Atlas, S.P., 10ª edição, págs. 178-186.

[53] Cf. nosso Manual … págs. 822-845.

[54] Conflitos de Consumo e Juízo Arbitral, Revista Direito do Consumidor, Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 20.

[55] Art. 78 – Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

[56] Fonte: edição de 1-3-2003 do jornal Folha de São Paulo, pág. B-4.

[57] Fonte: jornal Folha de S. Paulo, edição de 8-5-2010, pág. B-7.

[58] Proc. Nº 12062432104013400, na Justiça Federal do Distrito Federal.

Informações Sobre o Autor

José Geraldo Brito Filomeno

Advogado, consultor jurídico, membro da Academia Paulista de Direito e professor em nível de pós-graduação de direito do consumidor. Foi Procurador Geral de Justiça do Estado de S. Paulo, primeiro Promotor de Justiça do consumidor do país, coordenador das Promotorias de Justiça do Consumidor por treze anos e coordenador-adjunto da comissão elaboradora do anteprojeto de código de defesa do consumidor


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Equipe Âmbito Jurídico

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