Como de hábito no último mês do ano foi alterada a legislação tributária municipal.
Foi sancionada a Lei nº 15.044, de 3-12-2009, modificando a legislação do IPTU e agravando o defeito nela existente, para obter a majoração do imposto por vias nebulosas.
Como se sabe, o aumento do IPTU pode ocorrer tanto pela majoração de sua base de cálculo, como pela elevação de sua alíquota.
A lei sob comento majorou ambos os aspectos que compõem o elemento quantitativo do fato gerador e introduziu, ainda, outros fatores que implicam elevação de imposto.
Instituiu-se pelos artigos 4º, 5º e 6º cinco faixas de valor venal para efeito de tributação progressiva. Só que ao invés de progredir as alíquotas em função do valor venal como determina o inciso I, do § 1º, do art. 156, da CF, a lei sob comento mantém fixa as alíquotas fazendo incidir sobre o valor do imposto calculado o valor do desconto ou do acréscimo, segundo os fatores de regressão ou de progressão do valor venal.
Ora, o que a Constituição autoriza é a progressão das alíquotas em função do valor venal do imóvel, que objetivamente espelha a capacidade contributiva de seu proprietário (§ 1º, do art. 145), e não o desconto ou acréscimo do valor venal, que é um dado objetivo, em função da presumível capacidade contributiva do proprietário do imóvel. Logo, apurado o valor do imposto pela aplicação da alíquota respectiva à base de cálculo (art. 33 do CTN) não há que se cogitar de acréscimo de qualquer valor como erroneamente prescreve a legislação sob comento. Senão vejamos:
Como se vê, são três tabelas distintas: duas para imóveis edificados e uma para imóveis não edificados. O tratamento tributário diferenciado entre imóveis residencial e não residencial, além de fazer parte da tradição paulistana, a partir da EC nº 29/2000 passou a ter expressa previsão constitucional (art. 156, § 1º, II da CF). O tratamento privilegiado para prédio residencial decorre do fato de que a casa é considerada asilo inviolável do indivíduo (art. 5º, XI, da CF).
Na prática, as tabelas retro correspondem às tabelas com progressão de alíquotas, conforme se verifica do quadro abaixo:
De fato, tanto faz aplicar diretamente as diferentes alíquotas sobre o valor venal do imóvel, ou aplicar as alíquotas fixas de 1% e de 1,5% respectivamente, para prédios residenciais e não residenciais, procedendo-se em seguida aos descontos e aos acréscimos previstos nas tabelas. Os resultados serão idênticos do ponto-de-vista aritmético.
Ocorre que em matéria de direito não se pode usar método matemático, nem raciocínio que não seja jurídico.
Em direito há que se separar a base de cálculo da alíquota, embora ambas integrem o mesmo aspecto quantitativo do fato gerador da obrigação tributária e, em regra, se submetem ao princípio da legalidade, ressalvadas as exceções previstas na Constituição.
Enquanto as alíquotas dos impostos regulatórios (II, IE, IOF e IPI) podem ser alteradas por Decreto, atendidas as condições e os limites fixados em lei (art. 153, § 1º, da CF), a base de cálculo desses impostos só pode ser modificada por lei em sentido estrito.
Outrossim, a majoração de alíquotas do IPTU está sujeita ao princípio da nonagesimidade, porém, o aumento da sua base de cálculo está excepcionado desse princípio (§ 1º, do art. 150, da CF).
Ainda que a lei elaborada pelo economista, contador ou engenheiro não tenha majorado nominalmente as alíquotas a quinta faixa de valor venal corresponde às alíquotas de 1,6% e 2%, respectivamente para prédios não residenciais e terrenos, como retro demonstrado. Em outras palavras, houve, na verdade, elevação de alíquotas em relação à legislação anterior.
Incide, portanto, não apenas o princípio da anterioridade, como também o princípio da nonagesimidade a tornar inviável o lançamento do IPTU com base na nova legislação para o exercício de 2010.
Com efeito, o fato gerador do IPTU do exercício de 2010 ocorreu em 1º de janeiro de 2010, conforme prescrevem os artigos 14 e 34 da Lei nº 6.989/1966.
De acordo com o disposto no art. 144 do CTN o lançamento do IPTU deverá ser feito de conformidade com a legislação então vigente segundo princípio tempus regit actum.
Aliás é o que prescreve o § 1º, do art. 11 da lei sob exame por meio de uma redação dúbia:
“§ 1º O acréscimo de 0,5% (meio por cento), a ser adicionado no valor do imposto, para imóveis na faixa de valor venal acima de R$ 760.000,00 (setecentos e sessenta mil reais), a que se referem os arts. 5º[1] e 6º[2] desta lei, só será aplicado para fatos geradores ocorridos após 90 (noventa) dias da publicação desta lei.”
Ora, isso é o mesmo que afirmar que essa majoração somente vigorará a partir do exercício de 2011, o que, aliás, está proclamado com todas as letras em seu § 2º, in verbis:
“§ 2º Para o exercício de 2010, mantém-se a aplicação, para imóveis na faixa de valor venal acima de R$ 760.000,00 (setecentos e sessenta mil reais), a que se referem os arts. 5º e 6º desta lei, do acréscimo de 0,3% (três décimos por cento), a ser adicionado no valor do imposto”.
Esses §§ 1º e 2º, do art. 11, na verdade repetitivos, representam uma confissão da majoração de alíquotas, pois se tratasse de mero aumento da base de cálculo não incidiria o princípio da nonagesimidade, conforme já vimos.
O aumento de imposto, que poderia ser realizado de forma simples e transparente mediante elevação de alíquotas ou mediante majoração das bases de cálculo, foi levado a efeito por meios nebulosos que envolvem tanto a elevação de alíquotas pela forma disfarçada, como aumento ostensivo das bases de cálculo, agravada, ainda, com a introdução de novos Tipos e Padrões de Construção[3] (art. 1º) a refletir no valor unitário de metro quadrado de construção. Aliás, os arts. 2º e 3º da lei sob exame promoveram brutal elevação dos valores unitários de metro quadrado de construção e de valores unitários de metro quadrado de terreno.
O legislador, assustado com o tamanho da exacerbação da carga tributária cuidou de colocar uma trava de 30% e de 45% para o imposto predial e para o imposto territorial urbano, respectivamente, relativamente a fatos geradores ocorridos em 2010 a 2012, a fim de que seja minimizado o impacto provocado pelo colossal aumento do imposto, sem paralelo na legislação tributária do Município de São Paulo.
É lamentável que a legislação municipal caminhe por trilhas tortuosas confundindo critérios jurídicos com critérios matemáticos e, por meio de “n” normas obscuras e, às vezes, repetitivas provocando aumentos fantásticos do imposto, seguido de limitação temporal desses aumentos. Tudo isso gera dúvidas e incertezas afetando o princípio da segurança jurídica.
Para promover o aumento desejado pelo Executivo bastava um único artigo elevando as alíquotas, ou alternativamente, modificando as PGVs que integram a Lei nº 10.235/86. Afinal, transparência tributária é um princípio constitucional.
É preciso que o Executivo devolva aos profissionais do Direito a elaboração de projetos legislativos de sua iniciativa, sob pena de a legislação tributária caminhar para o caos.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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